“Extraordinário” – como o trabalho em equipe interprofissional transforma o contexto escolar

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O filme retrata a história de Auggie Pullman, um garoto com Síndrome de Treacher Collins, que inicia sua vida escolar e enfrenta grandes desafios.

A história do personagem e a ligação com a vida real

O filme “Wonder” (em tradução para o português: Extraordinário) criado por Raquel Jaramilo e lançado em 2017, trata-se de um drama-norte americano, contexto em que retrata a história de um menino que está iniciando sua vida escolar. Auggie, o personagem principal, convive com a Síndrome de Treacher Collins. Em função da sua aparência incomum, vivencia várias situações de discriminação. Inicialmente, sua mãe dava aulas em casa para ele, mas, ao passar do tempo, isso se tornou inviável, sendo necessário que Auggie passasse a frequentar a escola.

Desde quando nasceu, Auggie se via como uma pessoa feia, pois sofreu com os olhares, julgamentos e piadas das pessoas a respeito da sua aparência em diversos contextos antes mesmo de adentrar à escola. Em algumas situações, ele usava com seu capacete de astronauta, com o intuito de esconder o seu rosto. Ao decorrer da sua vida, foi submetido a diversas cirurgias plásticas, com o intuito de melhorar a sua aparência e qualidade de vida.

Trazendo esse comportamento do Auggie, verbalizar que se considerada uma criança feia e utilizar o capacete para esconder o seu rosto, para o campo da Psicologia e, de acordo com a autora Judith Beck (2013), baseando-se na abordagem Terapia Cognitivo Comportamental, podemos definir essa ação como uma esquema desadaptativo, que é um padrão enraizado  de pensamentos, crenças e emoções negativas a respeito de si, dos outros e do mundo, no qual são desenvolvidos ao longo do tempo e influenciados por experiências vividas.

Segundo Aaron Back (1976 citado por Duarte et al. 2008), os esquemas desadaptativos contribuem de forma negativa na vida do sujeito, onde ele irá delinear a forma como aquele indivíduo interpreta o mundo. Isso pode impactar na baixa autoestima, na forma de se relacionar com as outras pessoas, no aumento e consistência de comportamentos disfuncionais e até mesmo na insistência do problema. No caso do Auggie, ficou evidente em como ele lidava com o fato de ser considerado uma criança feia, com a forma de lidar com os olhares e julgamentos dos outros e de si próprio e a estratégia de enfrentamento dessa situação .

Ao decorrer do filme, percebe-se a importância de alguns profissionais na trajetória do personagem. Desde o seu primeiro dia de vida, Auggie sempre teve um contato frequente com hospitais e profissionais da saúde, como médicos e enfermeiros, que tinham como objetivo melhorar a sua aparência. Além desses, seu professor e o orientador contribuíram para criar um ambiente escolar melhor e mais acolhedor e, também, desenvolvendo uma melhora no bem-estar emocional e social do Auggie.

A história retrata algumas situações de bullying que Auggie vivenciou no contexto escolar e, foi abordado como os profissionais da escola conduziram esses acontecimentos, no qual eles não foram condizentes com as práticas de bullying feitas por outros alunos. Ambos tiveram atitudes respeitáveis, com o intuito de fazer com que o garoto fosse respeitado pelos colegas da escola.

Ao retratar a história, podemos perceber que Auggie está inserido em um ambiente de invalidação, no qual a psicologia entende ser um ambiente/contexto que influencia significativamente a sua saúde e bem estar emocional. Na abordagem Terapia Cognitivo Comportamental, é possível identificar qual seria esse ambiente de invalidação (ambiente escolar, familiar e etc.) e, a partir disso, reconhecer quais são as formas que essas invalidações acontecem, que no caso do personagem do filme, acontece através das críticas.

                 fonte: imagem criada por Sarah Coelho utilizando elementos do Canva

 

O papel da equipe interprofissional

Pensando na trama do filme, é notável a falta da figura de um psicólogo escolar devido às situações vivenciadas por Auggie. A presença desse profissional seria fundamental para abordar temas dentro da escola como a diversidade, sendo possível diminuir os impactos das situações relacionadas ao bullying, a dificuldade na interação social, insegurança e as dificuldades de estabelecer relações interpessoais.

De acordo com a Cartilha de Psicologia e Serviço Social na Educação Básica, do Conselho Federal de Psicologia (CFP), destaca-se algumas razões para ter a presença de profissionais da área da Psicologia e do Serviço Social no contexto escolar, com o intuito de proporcionar um ambiente inclusivo que garanta uma aprendizagem de qualidade para todos.

Os profissionais dessas áreas citadas, podem contribuir para a melhoria na qualidade de vida da comunidade escolar (professores, alunos, coordenadores e etc.), através de projetos e discussões que tenham como objetivo enfrentar situações de preconceitos e violência na escola. Podem também contribuir na garantia da efetivação de direitos e políticas públicas que são de importância significativa  às crianças que estão inseridas no contexto escolar.

Ainda sob a ótica da Cartilha de Psicologia e Serviço Social na Educação Básica, do CRP e correlacionando com filme “Extraordinário”, foi notável o despreparo do corpo discente para receber Auggie na escola e lidar com situações de bullying. A Cartilha traz esse tema como uma das ações que um(a) psicólogo(a) ou assistente social pode realizar dentro do contexto escolar, que seria a formação continuada de professores, orientadores, diretores e etc., com o intuito de abordar temáticas do cotidiano escolar e, a partir disso, criar um repertório de soluções de problema no ambiente educacional.

Através da ótica do filme e, de acordo com o autor Carlos de Azevedo (2021) percebemos a importância da equipe interprofissional como algo primordial para buscar a melhoria da saúde física e/ou mental do indivíduo, abordando de forma mais abrangente as necessidades daquela pessoa e oferecendo cuidados mais personalizados sem, contudo, excluir.  A equipe interprofissional pode também ajudar no resultado de um tratamento mais eficaz.

Apesar da sua importância na vida do indivíduo, a equipe interprofissional enfrenta desafios entre si, como: a falta de comunicação efetiva, dificuldade na compreensão da função de cada membro daquela equipe, “hierarquia” profissional e entre outros (Peduzzi et al. 2008). E, devemos também enfatizar a importância de um psicólogo na formação dessa equipe, a depender da situação, pois ele irá contribuir na saúde mental e emocional do indivíduo e, se for o caso, da família. Irá colaborar também no entendimento dos aspectos psicossociais ligados ao contexto daquela pessoa.

 

Referências

BECK, Judith S. Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática. 2 Porto Alegre: Artmed, 2013.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Cartilha de Psicologia e Serviço Social na Educação Básica: Lei  nº 13.935/2019. Brasília.

DE AZEVEDO, Carlos Rafael Lopes et al. Atuação de uma equipe interprofissional no Programa Saúde na Escola: Relato de experiência. Research, Society and Development, v. 10, n. 3, p. e52410313628-e52410313628, 2021.

DUARTE, Aline Loureiro Chaves; NUNES, Maria Lúcia Tiellet; KRISTENSEN, Christian Haag. Esquemas desadaptativos: revisão sistemática qualitativa. Revista brasileira de terapias cognitivas, 2008.

PEDUZZI, Marina et al. Trabalho em equipe: uma revisita ao conceito e a seus desdobramentos no trabalho interprofissional. Trabalho, Educação e Saúde, v. 18, p. eoo24678, 2020.

 

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Impasse: do apoio externo ao auto-apoio sob a ótica da Gestalt-Terapia

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O Psicólogo, lidando com o desconhecido, o desafio, a diferença no e pelo encontro com a alteridade dos outros, é constantemente convidado a estranhar-se, questionar suas teorias, e, por fim, modificar seus modos de ser. Assim, a cada encontro com outro realiza uma possibilidade existencial de ser-psicólogo (EVANGELISTA, 2016).

A Gestalt-terapia é uma abordagem psicoterápica consolidada por Perls, Goodman e Hefferline, considerada, destarte, parte da terceira força da Psicologia e recebe influência de diversos teóricos com visões de mundo diversa, têm, portanto, como fundamento filosófico: humanismo, existencialismo e a fenomenologia, utilizando em suas práticas, portanto, do método fenomenológico, este por sua vez objetiva voltar às coisas mesmas, aquilo que se mostra, a essência. Além disso, tem como fundamento teórico: Teoria de Campo, Teoria Holística, Teoria Organísmica, Psicologia da Gestalt, sofre influência, dessa forma, dos pressupostos da dialogicidade de Martin Buber. Contudo, o objetivo não é o aprofundamento nestas implicações, mas explicitar acerca de um dos conceitos que perpassam esta abordagem, o impasse, ou melhor, o impasse existencial (RIBEIRO, 2007).

Impasse no dicionário tradicional traz uma concepção não muito distinta da visão gestáltica, sendo definido, desse modo, como uma situação no qual não há uma resolução aparente, o chamado “o beco sem saída”, tudo que impede algo, empecilho, resolução impossível.

Fonte: encurtador.com.br/inuRU

Nesse ínterim, segundo Rodrigues (2011) impasse é um conceito importante no cenário da Gestalt-terapia, considerado, portanto, o centro da neurose e, dessa maneira, o ponto adoecido (a neurose pode ser definida como o acúmulo de experiências e situações que não se findaram, ou melhor, necessidades não-satisfeitas, ficaram abertas para o sujeito, portanto, inacabadas e que podem propiciar uma constante compulsão à repetição) em que o cliente mostra-se dividido entre duas polaridades, duas forças conflitantes, duas escolhas que para o sujeito não podem ser vistas como satisfatórias no momento, por isso homem permanece estagnado. Por isso, podem, portanto, propiciar o surgimento em alguns casos de outras maneiras de psicopatologias.

Conforme Stevens (1966) quando o cliente encontra-se nesta situação, surgem, em consequência, inúmeras alterações emocionais e sentimentais, em que Stevens define parafraseando Kierkegaard como sendo, portanto, “a náusea de viver”, há, dessa forma, um sofrimento profundo, a saber, medo, angústia, desespero e, acima disso, incertezas e dúvidas.

Destarte, junto a isso originam-se as chamadas “expectativas catastróficas”, que em muitas situações são não-racionais, fruto da imaginação do cliente (e que não devem ser menosprezadas) em que ele acredita firmemente que todas as situações novas que vivenciar terá consequências negativas para sua vida, influenciando para que mantenha o seu “status quo”. Mais conhecida como a zona de conforto, o sujeito permanece estático pelo medo de correr riscos, impedindo o homem de ser, lidar com o desconhecido, ultrapassar barreiras e vencer obstáculos e, por isso, continua no mesmo lugar, pois não consegue lidar com a vida sozinho, o que propicia o surgimento de ansiedades e a frequente fobia a dor (PERLS, 1977). Segundo Stevens (1966, p. 36) “No contexto seguro da situação terapêutica o neurótico descobre que o mundo não cai em se ele ficar com fome, com raiva, doente”.

Fonte: encurtador.com.br/fquNR

Retornando ao objetivo do vigente trabalho. Na verdade, o próprio Fritz Perls (1977) afirma que o conceito de impasse é imprescindível, já que ele considera o ponto central no qual o crescimento humano ocorre. Contraditoriamente, é também quando o indivíduo perde o apoio originado do meio externo e ainda não desenvolveu o seu próprio apoio interno, o self support. Seguindo esta ótica, é, então, o período no qual o cliente começa a manipular o meio, inclusive o terapeuta, representando falsos papéis, buscando sempre alguém que diga o que é necessário que ele faça. Na psicoterapia, por conseguinte, o terapeuta precisa ser habilidosamente acolhedor e ao mesmo tempo frustrar o cliente todas as vezes em que este não conseguir reconhecer suas capacidades, jogando a responsabilidade de valorização a um outro, inclusive o amor.

Muito importante também é desempenhar o papel de desamparado: ” Não posso fazer nada por mim. Pobre de mim. Você tem que me ajudar. Você sabe tanta coisa, tem tantos recursos, tenho certeza que pode me ajudar”. Toda vez que você desempenha o papel de desamparado, você cria uma dependência. Em outras palavras, nos tornamos a nós mesmos escravos. Principalmente se esta dependência for uma dependência da nossa autoestima. Se você necessita que todos lhe deem elogios encorajadores, tapinhas nas costas, então está fazendo de todo mundo o seu juiz (PERLS, F. 1977, p. 56).

Nesse ínterim, citando caso análogo, uma criança, por exemplo, depende dos seus cuidadores para satisfazer suas necessidades quando ainda é recém-nascida. No entanto, com o tempo e de maneira progressiva esta aprende a caminhar sozinho, entra em contato com os objetos e consegue segurar-se com as próprias pernas, este é o ponto em que a criança está amadurecendo, mesmo que necessite do meio para o fechamento de gestalts, e, então auto regular-se, já que o indivíduo não é ser isolado e está em constante interação com o meio, concebido como um ser holístico. Lembra das religiões e filosofias orientais taoístas? Pois é, para o gestalt terapeuta, assim como estas, às partes mais significativas são aquelas vistas e percebidas a partir do próprio contexto do cliente, em relação ao meio social e cultural, não como eventos isolados (PERLS, GOODMAN E HEFFERLINE, 1997).

Fonte: encurtador.com.br/DFMT2

Dessa forma, o objetivo da terapia é buscar propiciar ao consulente experiências no campo vivencial para que ele se perceba enquanto um sujeito autônomo e capaz de realizar infinitas coisas em um campo repleto de possibilidades para criar, se reinventar, crescer e se constituir. Além disso, visando com que esse cliente utilize seus próprios recursos internos para lidar com as mais variadas situações que perpassam sua vida, sem tornar-se dependente de um outro (PERLS, 1977).

Perls (1997, p. 49) afirma que: “[…] amadurecer é transcender ao apoio ambiental para o auto-apoio”. Mas para que este amadurecimento aconteça é necessário, por conseguinte, que o cliente passe por frustrações, e, por isso, na prática clínica esta incumbência é atribuída ao psicoterapeuta, mas esta precisa saber como, em que momento fazê-lo, percebendo o outro em sua total alteridade. Sendo assim, o terapeuta deve influenciar, então, para que o cliente entre em contato consigo mesmo e reconheça, por si, o seu projeto de vir-a-ser. Além disso, propicia a tomada de consciência do cliente, no aqui e agora.

Os terapeutas, em geral, têm experiências em que ficam envolvidos demais com as técnicas manipulatórias de seus pacientes; não compreendem a natureza tremendamente sutil das técnicas manipulatórias do paciente. Nestes casos, a terapia pode ser malsucedida. Pois para conseguir a mudança de apoio externo para auto-apoio o terapeuta deve frustrar as tentativas do paciente de conseguir apoio ambiental” (PERLS, 1988, p. 117 apud VAVASSORI, 2018 p.197).

A psicoterapia deve, portanto, propiciar transformação, percebendo e concebendo o cliente como possuidor de instrumentos e recursos para se auto ajudar. Assim sendo, escolher o que é melhor para si mesmo. O terapeuta não pode decidir nada pelo cliente, mas pode ir ao encontro deste de maneira empática, com uma postura dialógica e segura, auxiliando-o a reconhecer-se no mundo como o sujeito livre, responsável e humano (RIBEIRO, 2009).

Referências:

EVANGELISTA, P, E, R, A. Psicologia fenomenológica existencial, a prática psicológica à luz de Heidegger. Curitiba, 2016.

PERLS, F. Gestalt-Terapia explicada. 1977.

PERLS, F, S., HEFFERLINE, R., GOODMAN, P. Gestalt-terapia. 1997.

RODRIGUES, H.L Introdução à Gestalt-terapia: conversando sobre os fundamentos da abordagem gestáltica. Editora Vozes, 2011.

RIBEIRO, W, F, R, P. Gestalt-Terapia no Brasil: recontando a nossa história. 2007 Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-686720070#1sqq00200010

RIBEIRO, J.P. Gestalt terapia de curta duração. 2009.

STEVENS. J,O. Isto é Gestalt. 1966.

JÚNIOR, F,A, B, M. Da teoria à terapia: o jeito de ser da Gestalt. Disponível em:
https://revistainterdisciplinar.uninovafapi.edu.br/revistainterdisciplinar/v3n1/reflex/refl3-v3n1.pdf

VAVASSORI, M, B. Postura Dialógica e Frustração Habilidosa: tramas da Terapia Gestáltica. Florianópolis, 2018. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/igt/v14n27/v14n27a04.pdf

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