A tragédia como dialética entre os deuses Apolo e Dionísio

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A obra a Origem da Tragédia ou Nascimento da Tragédia, Helenismo e Pessimismo, foi a primeira obra de Nietzsche, (CASTRO, 2008). De acordo com Vieira (2012), esta obra de Nietzsche foi publicada em 1872 quando ele ainda era professor universitário no curso de filologia, e é considerada por algum autores uma das principais obras da filosofia moderna. Neste livro, Nietzsche aborda sobre a tragédia que era segundo Vasconsellos (2001) um coro composto por doze homens e era cantada por um ator denominado Hipócritas que representava deuses ou seres legendários vivos ou mortos, sobretudo a tragédia era aberta ao público e o público participava livremente e se comovia com os coros e entravam em uma catarse.

A tragédia de Nietzsche aborda a dialética entre o deus Apolo e o deus Dionísio, onde Apolo representava as artes plásticas, o sonho, perfeição, luz, beleza, razão, sonho e Dionísio representava o vinho, a embriaguez, os prazeres carnais, a falta de limites e regras, pois para Nietzsche (2006) a vida se dava entre essa dialética apolínea e dionisíaca, entre o equilíbrio das duas forças, contrariando as ideias socráticas e discorrendo sobre o helenismo que foi o período onde o apolíneo e o dionisíaco viviam em perfeita harmonia.

O autor também traz a tragédia atica que resgata o dionisíaco e é a manifestação artística, é o equilíbrio do espírito dionisíaco e por meio desse processo o grego consegue manter-se diante da vida rodeado por essas duas forças, na tragédia atica o espírito dionisíaco prevalece. A tragédia nasceria na Grécia a partir do espírito da música e renasceria na modernidade a partir do espírito wagneriano. O nascimento da tragédia proveniente do espírito da música, Nietszche (2008).

Fonte: http://zip.net/bktLfw

É extremamente evidente a maneira como Nietzsche traz a dialética entre o apolíneo e o dionisíaco, quebrando a ideia socrática e rasgando a ilusão na qual os gregos estavam submersos, trazendo de volta o pessimismo, pois os gregos possuíam consciência a respeito das dificuldades e impasses da vida, sobretudo eram otimistas e o espírito dionisíaco visava unir a existência em torno da verdade e criar um elo do homem com a verdade nua e crua, sem a ilusão criada pelo apolíneo de que tudo era belo e perfeito, e Nietzsche (2008, p. 24) descreve da seguinte forma:

E não são só as imagens agradáveis e alegres que experimenta em si com aquela compreensão ilimitada; também o grave, melancólico, triste, sombrio, os repentinos impedimentos, as imposições do acaso, as esperanças angustiosas; enfim, toda a “divina comédia” da vida com o inferno, passam por ele, não só como um jogo de sombras — pois ele vive e sofre com estas cenas — e mesmo assim não sem aquele pensamento, passageiro na aparência; e talvez haja quem se lembre, como eu também me recordo, de ter, de permeio com os perigos e sustos do sonho, exclamando para si encorajadoramente: “É um sonho! Quero continuar a sonhá-lo!” Assim como também dizem existirem pessoas capazes de continuar a causalidade de um mesmo sonho por três e mais noites consecutivas. Fatos que atestam claramente que o nosso ser interior, o fundamento comum de todos nós, recebe o sonho como necessidade prazenteira, e com profunda alegria. Esta necessidade prazenteira do conhecimento do sonho foi exprimida, da mesma forma, pelos gregos mediante o seu Apolo, como deus de todas as formas criativas e, ao mesmo tempo, o deus-adivinho. Ele que, segundo a sua raiz, é o “Brilhante”, a divindade da luz, domina outrossim o belo brilho do mundo-fantasia.

O espírito apolíneo criava ao redor da forma uma cortina estética perfeita e bela, criando também uma ilusão utilizando da arte para os gregos mostrando apenas o lado belo da existência, e o espirito apolíneo foi reforçado pelo cristianismo, pois mantém a ideia de submissão do homem. O espírito apolíneo representa as artes plásticas e o espírito dionisíaco representa a música e Nietzsche (2008), em sua obra busca o equilíbrio das duas forças, visto que os gregos moldavam o mundo com formas e arte: apolíneae dionisíaca, duplo caráter, teatro e música.

E Nietzsche (2008) também retrata sua enorme influência proveniente de Schopenhauer, onde aborda a vida como sendo essencialmente sofrimento e acontecimentos negativos de forma nua e crua, de maneira transparente e fiel a estes relatos de sofrimento e desprazer, rasgando o véu ilusório criado por Sócrates e por Apolo. E Nietzsche (2008) retrata Hegel como o processo de conhecimento do mundo é dialético, tese e antítese, na obra Nietzsche traz uma tese apolínea e um antítese dionisíaca, resultado disso é a tragédia atica.

Fonte: http://zip.net/bqtMct

A função da tragédia era cultural para todo o povo grego e buscava conectar o povo aos deuses e seres legendários por meio de Apolo e Dionísio, sendo segundo Nietzsche (2008), Apolo como deus sol, sonho humano de dar respostas através da razão, frio e distanciado, artes plásticas como tentativa de controle, harmonia controlada e ordem, já em contrapartida temos Dionísio deus do vinho, deus da festa e da embriaguez, intoxicação, selvageria, desordem, descontrole, mistérios e o espírito dionisíaco se desperta na música e como união dos dois estímulos, no final de toda boa tragédia atica há a manifestação do dionisíaco onde traz a ideia de que tentamos vencer a morte por meio da razão, mas no final a morte se manifesta por meio do dionisíaco representado, assim como reforça Castro (2008, s/p):

Em O nascimento da tragédia, se a beleza é Apolo, a verdade é Dionísio. E é precisamente o terror que Schopenhauer diz tomar conta do ser humano quando se rasga o véu da representação que nos aproxima do dionisíaco: a verdade do desejo, ao mesmo tempo aterrorizante e extasiante, que experimentamos na embriaguez. Nietzsche fala das beberagens narcóticas que os povos primitivos cantavam em seus hinos, da Babilônia e suas sáceasorgiásticas que celebravam a união dos homens entre si e com a natureza, da primavera que chega impregnando a atmosfera de alegria.

Todos os exemplos do que é capaz de despertar o “transporte dionisíaco” onde o “subjetivo se esvanece em completo auto-esquecimento”. No estado dionisíaco “o homem não é mais artista, tornou-se obra de arte: a força artística de toda a natureza, para a deliciosa satisfação do Uno-primordial (Ur-Einen), revela-se aqui sob o frêmito da embriaguez” (CASTRO, 2008).

Nietzsche (2008) traz a ideia de Schopenhauer acerca do véu da ilusão que é criado em nossas vidas, e por meio da razão o homem se afasta da natureza, o dionisíaco traz de volta essa essência porque o homem é natureza e de acordo com o sábio Sileno trazido por Nietzsche na obra, viver é sofrer, viver é morrer. Para Nietzsche o socratismo, buscar a felicidade por meio do conhecimento é a instauração de um mundo que nos afasta inclusive da nossa identidade naquilo que ela tem de primordial que é a relação com a natureza.

Fonte: http://zip.net/bytLJC

Segundo Nietzsche (2008), Eurípedes era compositor e por meio da razão dava sentido ao que não tem sentido, tentava criar uma tragédia didática onde você aprende e por meio da aprendizagem e você sai do barco, Eurípedes se apropria da proposta socrática de utilizar-se da razão para um etos e desvendar o mundo e tenta fazer isso por meio de suas peças, ele se torna um dragão na medida em que afasta o que é de primordial em suas peças que é a síntese, a dialética, onde se confirma:

Da mesma forma que em meio ao mar enfurecido e ilimitado o barqueiro de um pequenino bote permanece sereno e confiante em sua frágil embarcação – a bela imagem schopenhaueriana de O mundo como vontade e representação, que descreve o homem colhido sob o véu de Maya como aquele que, mergulhado em uma vida de tormentos, encontra calma e apoio no principiumindividuationis e confia na ilusão da representação para poder viver –, Nietzsche nos mostra o artista apolíneo suportando e dignificando a vida em seu mundo fictício de beleza (NIETZSCHE, 2008).

De acordo com o que é trazido e apresentado na obra de Nietzsche, o principiumindividuationis é o processo onde o indivíduo se constrói quanto individuo, uma armadilha da natureza para nos fazer acreditar que somos únicos e podemos vencer a morte e escapar do destino trágico.

Fonte: http://zip.net/bvtLGN

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como foi mencionado nas laudas anteriores, vimos como Nietzsche aborda a dialética entre as duas forças e espíritos opostos sendo apolíneo e dionisíaco, e como ele afronta os pensamentos socráticos acerca da vida, batendo de frente com as ideias socráticas e se chocando com o helenismo que era alimentado e vivido pelo povo grego na época referida. Nietzsche discorre sobre o tema da tragédia grega de forma sublime ao perpassar pela arte e filosofia, e sendo a sua primeira obra ele já causa uma quebra nas ideias filosóficas que eram impostas e discutidas, criando um novo período filosófico e se solidificando neste universo literário como um dos maiores autores e filósofos.

É notável a maneira como Nietzsche retrata o equilíbrio entre as forças de Apolo de Dionísio sendo essenciais para a vida humana aprender a conviver e a lidar com o pessimismo e com a negatividade e aversão, quebrando a ideia e rasgando o véu ilusório de que tudo se trata apenas do belo e da perfeição, mas fazendo valer o peso do que não é belo e é doloroso também.

 

REFERÊNCIAS:

CASTRO, M.C. , A inversão da verdade. Notas sobre o nascimento da tragédia 2008: Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31732005000200005&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 22 mai. 2017.

NIETZSCHE, F. A ORIGEM DA TRAGÉDIA. Rio de Janeiro: Cupolo Ed, 2008.

SILVA, L. A. Tragédia2012. Disponível em: <http://www.infoescola.com/artes/tragedia/>  Acesso em: 17 mai. 2017.

VIEIRA, M.V. Para ler O nascimento da tragédia de Nietzsche. São Paulo: Loyola, 2012.

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Apolo e a sombra da distância emocional

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Apolo nasceu em um dia sete. Sete é, pois, o número de Apolo. Filho de Leto e Zeus e irmão gêmeo de Artemis. Ao nascer ganhou de seu pai Zeus um arco e flecha de ouro e uma lira.

Conhecido pelos romanos também como Apolo ou Febo (brilhante, reluzente).

Apolo de Belvedere, autor desconhecido, com restaurações de Giovanni Montorsoli. Vaticano.

Apolo é um deus solar, mas Em suas origens, estava indubitavelmente ligado à simbologia lunar. Brandão (1986) cita que no primeiro canto da Ilíada Apolo era um deus vingativo:

“O Senhor Arqueiro, o toxóforo; o que porta um arco de prata, o argirótoxo. Violento e vingativo, o Apolo pós-homérico vai progressivamente reunindo elementos diversos, de origem nórdica, asiática, egéia e sobretudo helênica e, sob este último aspecto, conseguiu suplantar por completo a Hélio, o “Sol” propriamente dito.”

Pelo fato de possuir muitas influências se tornou um deus complexo, possuindo inúmeras funções. Apolo possui na Mitologia mais de duzentos atributos.

É um deus agrário protetor dos campos com seus rebanhos e pastores. Ele também é o deus da cura, sendo um médico infalível. Representa as expiações relativas aos homicídios, mostrando ser também é um purificador da alma. Incentivava e defendia pessoalmente aqueles cujos atos violentos estivessem de acordo com suas normas, como foi o caso de Orestes, que assassinou a própria mãe Clitemnestra.

Deus do oráculo de Delfos era um fiel interprete da vontade de Zeus. Senhor da poesia, da música e do canto, era o senhor das Musas.

Apolo e as Ninfas, de François Girardon (1666-73 a.C.).

Mas além de tudo era um deus da luz, vencedor das forças ctônicas (foi ele quem matou a serpente Piton e assumiu o oráculo de Delfos).

Apolo era belo e teve inúmeros amores, mas o Deus da beleza masculina costuma ser um fracasso nessa área. Seus amores geralmente terminam de trágica.

Isso porque Apolo em uma de suas lendas costumava zombar de Eros, pois julgava que o arco e a flecha eram atributos seus, e que certamente considerava que as flechas do filho de Afrodite não passavam de brincadeira. Acontece que Eros possuía na aljava a flecha que inspira amor e a que provoca aversão. Para se vingar do filho de Zeus, feriu-lhe o coração com a flecha do amor e a ninfa Dafne com a da repulsa e indiferença. Foi assim que, apesar da beleza de Apolo, a ninfa não lhe correspondeu aos desejos, mas, ao revés, fugiu para as montanhas. O deus a perseguiu e, quando viu que ia ser alcançada por ele, pediu a seu pai Peneu que a metamorfoseasse e ela se transformou em loureiro, a árvore predileta de Apolo.

Apolo y Dafne, de Bernini. (1622-1625).

Em seu templo em Delfos há inscritos seus dois mais famosos preceitos: “Conhece-te a ti mesmo” e “Nada em excesso”. A planta sagrada e os cisnes são a ele consagrados, como também o corvo, o urubu, a serpente e o lobo.

Apolo, juntamente com Hermes, são os filhos preferidos de Zeus, isso significa que os dois deuses se sentem a vontade nos domínios do pai, ou seja, Apolo é um Deus do patriarcado.

Como Deus do patriarcado ele favorece o logos, o pensar antes de sentir e reagir, a objetividade e a racionalidade. Ele é aquele que busca o equilibro entre os desejos no sentido de uma espiritualização deles em prol do desenvolvimento da consciência.

Como arqueiro, Apolo representa aquele que busca atingir um alvo, um centro interior. Como foi dito em Artemis acertar um alvo, ou atingir uma meta requer uma intuição e inteligência instintiva, que não vem da mente racional.

E é justamente por isso que Apolo necessita de Artemis uma deusa matriarcal. Os irmãos mostram que para se atingir um alvo e para iniciar o processo de individuação é necessário que feminino e masculino ajam juntos e que se busque esse equilíbrio entre as duas forças. Ela é a intuição lunar e ele a luz da consciência.

O tema do casal de irmãos é muito comum em mitos e em contos. Temos por exemplo o conto de fadas João e Maria onde os irmãos devem se unir para enfrentar um perigo e resolver uma situação difícil e nebulosa.

O casal de gêmeos geralmente configuram uma contradição não resolvida, um conflito entre os opostos feminino e masculino, mas dessa tensão é que surge a força criadora que soluciona o problema e traz a consciência.

Apolo é um defensor da lei e da ordem, mesmo na música vemos que ele busca o equilíbrio e que as emoções devem ser moderadas. Ele se opõe ao caos do matriarcado. De certa forma a lei e a ordem são importantes para que possamos colocar em ordem nossas emoções caóticas e vermos a situação com mais distancia e esse é o lado positivo desse arquétipo.

O lado sombrio disso se encontra nas características escuras do deus. Apesar de ser um deus puro, higienizador e defensor da moderação, ele apresenta rompantes de vingança que beiram a crueldade.

A sombra desse arquétipo se encontra na distância emocional, devido a falta Eros, de quem Apolo tanto zombou. E isso causa uma incapacidade de intimidade e arrogância em suas capacidades intelectuais. Apolo gera uma inflação no ego devido a sua ilusória perfeição, o que conseqüentemente leva a rejeição no campo do amor.

Apolo e Hércules disputando a trípode, pintura em vaso do Pintor de Taleides, c. 520 a.C.

Uma forma de amenizar isso se encontra em seu irmão sombrio Dioniso.

Dioniso representa o caos, o desmembramento e os instintos. É um deus com essência feminina, pois foi criado entre as mulheres. Dioniso é um deus da musica também, mas esse faz amor com a música enquanto Apolo busca a técnica e a perfeição.

Apolo deu espaço a Dioniso em Delfos, onde revezava com ele metade do ano. Isso mostra que esse arquétipo pode gerar um aumento de consciência devido a sua capacidade solar, mas deve sempre ser equilibrado pela luz da lua representado por Artemis ou pelos instintos, intensidade emocional e prazer simbolizados por Dioniso.

 

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