Deus e o Diabo na Terra do Sol: um Brasil guardado na memória

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Produzido por Glauber Rocha e lançado em uma época de difícil realidade no Brasil (entre 1963-1964), Deus e o Diabo na Terra do Sol é um filme que, com excelência, aborda temáticas espinhosas acerca do país e, sobretudo, da cultura sertaneja e nordestina, compondo o segundo período do Cinema Novo Brasileiro, em que

“Com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, essa nova geração de cineastas propôs deixar os obstáculos causados pela falta de recursos técnicos e financeiros em segundo plano. A partir de então, seus interesses centrais eram realizar um cinema de apelo popular, capaz de discutir os problemas e questões ligadas à “realidade nacional” e o uso de uma linguagem inspirada em traços da nossa própria cultura (SOUSA, Brasil Escola, 2017).

O longa conta a saga do casal Manuel (Geraldo Del Rey) e Rosa (Yoná Magalhães), vitimados pela pobreza e pela seca do sertão da época. Em uma tentativa de mudar de vida, Manuel oferece a venda do seu gado para o coronel Morais (Mílton Roda). No caminho de ida para a fazenda do coronel, alguns animais morrem, devido à seca do local. Esse último, dizendo que a sua palavra é lei, fala que os animais mortos faziam parte do gado de Manuel, portanto o prejuízo seria dele. Manuel, revoltado com isso, acaba por matar Morais, dando fim à exploração e coronelismo desse.

Manuel (Geraldo Del Rey) e Rosa (Yoná Magalhães).

 

Perseguidos pelos jagunços de Morais, Manuel e Rosa adentram em uma jornada interminável de fuga da morte, da seca, da pobreza, da exploração. Pelo caminho, deparam-se com um grupo religioso, seguidor de São Sebastião (Lídio Silva) que promete que “o sertão vai virar mar, e o mar vai virar sertão”, e que todos os envolvidos no grupo alcançariam glória e sairiam da miséria atual. Isso é marca forte dos movimentos messiânicos, em que

Se organizam com seguidores que se consideram ‘eleitos’ para combaterem o mal que os aflige, contra o Anticristo que os persegue, e encontram entre si o refúgio para essa luta contra o mal. Existe harmonia e sintonia com o contexto deste povo ou comunidade e a mensagem messiânica os transforma em movimentos organizados (SILVESTRE, Info Escola, 2006).

Manuel se alia ao grupo, acreditando que ali encontraria saída para todos os seus problemas. Fica clara a forma como ele e as outras pessoas se agarram ao misticismo, no afã e no desespero de não mais sofrerem em suas miseráveis vidas, de modo a executarem qualquer coisa que lhes é pedido por seu líder, inclusive sacrifícios humanos. Porém, Rosa não se contenta com o grupo e, tomando a mesma atitude de seu marido, ela esfaqueia o líder quando esse mata um bebê em sua frente. O casal retoma a sua jornada de fuga, agora dos messiânicos revoltados e sem líder.

Logo, Manuel e Rosa passam a fazer parte de outro grupo que surge em seus caminhos: o do cangaceiro Corisco (Othon Bastos), amigo de Lampião. Diferente do grupo anterior, Corisco e seus parceiros não aguardavam uma intervenção divina para apaziguar seus problemas. Eles buscavam a sua glória pelas próprias mãos. A política fundiária, somada aos inúmeros problemas sociais vigentes neste contexto, principalmente a má qualidade de vida da população, contribuiu para o nascimento do cangaço. Grupos violentos surgiam aqui e ali, matando, roubando, destruindo, raptando os proprietários dos latifúndios, quando não se encontravam percorrendo o sertão e se refugiando dos executores da lei; eram nômades, pois não podiam permanecer em um único lugar (SANTANA, Info Escola, 2006).

Com um grupo messiânico e com um grupo cangaceiro, em uma terra marcada pela seca e pela miséria, o nome do filme começa a fazer sentido. O longa mostra claramente dois extremos em que pode chegar um povo sofrido e sem esperanças, seja se agarrando à uma religiosidade ou à “lei da selva”, em que o mais forte vence, no caso do cangaço, o que mais saqueia e mata à sangue frio. Produzido na época da ditadura militar brasileira, o filme não aborda diretamente o tema, mas há um aspecto que, analogicamente falando, pode-se dizer que o retratou. Como a censura era característica forte do regime, tudo era produzido de forma camuflada, e o filme em questão não foi diferente.

Contratado pela Igreja Católica, Antônio das Mortes (Maurício do Valle) tem a missão de matar e acabar tanto com o grupo messiânico quanto com o grupo cangaceiro. Esse personagem representa o próprio regime militar, uma vez que esse último tinha como características: repressão aos movimentos sociais e manifestações de oposição, uso de métodos violentos, inclusive tortura, contra os opositores ao regime e apoio da Igreja Católica (SILVA, 2005).

Antônio das Mortes (Maurício do Valle).

 

Dessa forma, “com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, Glauber Rocha produziu um filme que retratou um Brasil duro e difícil de se viver, mostrando a vida de seu povo na profundeza de seu sofrimento. Lançado em meio à ditadura militar, o filme precisou sair escondido do Brasil. Foi indicado a Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1964 e seu emblemático cartaz, criado por Rogério Duarte, saiu na capa da revista francesa de cinema “Positif (Uol, 2014). Enfim, um roteiro instigante e que desnuda o Brasil, mostrando características por muito veladas e até mesmo ignoradas. Ainda bem que Glauber Rocha não queria esconder a realidade.

REFERÊNCIAS:

Portal Uol, 09/07/2014. 50 anos de Deus e o Diabo: Glauber Rocha adorava polêmica, diz Othon Bastos. Disponível em: <https://goo.gl/LH3C3D>. Acesso em: 13 mar. 17.

SANTANA, A. L. Cangaceiros. Info Escola. Disponível em: <https://goo.gl/HefsIJ>. Acesso em: 13 mar. 17.

Portal História do Brasil.Net. Ditadura Militar no Brasil – Resumo. Disponível em: <https://goo.gl/ieOpFt>. Acesso em: 13 mar. 17.

SOUSA, R. G. Cinema Novo. Brasil Escola. Disponível em < https://goo.gl/cWSCnd >. Acesso em: 13 mar. 17.

SILVESTE, A. A. Messianismo. Info Escola. Disponível em: <https://goo.gl/HFvWAw>. Acesso em: 13 mar. 17.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL

Diretor: Glauber Rocha
Elenco: Geraldo Del Rey, Yoná Magalhães, Othon Bastos
País: Brasil
Ano: 1964
Classificação: 14

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O Menino e o Mundo: a distopia em suas possibilidades

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Com uma indicação ao Oscar:

Animação

Banner Série - Oscar 2016

Com direção e roteiro de Alê Abreu, em O menino e o mundo acompanhamos a história de um menino a espera da volta do seu pai, que rumou para a cidade grande em busca de novas oportunidades. Neste interlúdio, toda uma viagem é apresentada, com desafios, um mundo imaginário e fantástico, além de questões envolvendo sentimentos, sensações e decisões.

Nos últimos tempos cineastas brasileiros, ou profissionais com formação e atuação correlatas, assumiram a frente em interessantes trabalhos de curta duração e animações. Obras importantes podem ser mencionadas como detentoras deste legado, com premiações e indicações em diferentes premiações ao redor do mundo: Uma história de amor e fúria (2013), O céu no andar de baixo (2010), Céu, Inferno e outras parte do corpo (2011), Garoto Cósmico (2007), Cassiopeia (1996), O Grilo Feliz (2001), e muitos outros trabalhos, que circulam por longas e curtas-metragens de animação, tradicionais ou imagens alternativas.

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O lançamento d’O menino e o mundo foi no mínimo curiosa. Sua produção remonta ao ano de 2010, e após um longo percurso para arrecadação de fundos, angariação técnica, aproximação de colaboradores, etc. o filme foi lançado em prévias em 2013e internacionalmente nos anos de 2014 e 2015. Por esta razão faz parte dos indicados ao Oscar e outros prêmios para o gênero animação na temporada de 2016. Até o momento a obra foi reconhecida, como vencedora ou indicada, em ocasiões como Annie Awards, Oscar, Festival de Annecy, Grande Prêmio Brasileiro de Cinema, Grande Prêmio de Monstra em Lisboa etc.

Escrevi um primeiro argumento muito livremente, costurando idéias soltas: Cuca levado pelo vento, o encontro do menino com um velho, a partida do pai, mistério numa fábrica abandonada etc. Mas sempre incorporadas ao pano de fundo, que era a situação apresentada em Canto Latino, e buscando encontrar ali uma linha que os unisse numa história. […]Fazia anotações, esboços em um caderno de rascunho e depois transformava estas idéias em pequenos trechos de história, que eram incorporados ao bloco do filme. Ao mesmo tempo experimentava sons e trechos de músicas como referência e já brincava com a própria montagem (ABREU, 2011, s\n).

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Como já é costumeiro, o sucesso internacional corroborou para o olhar da crítica se voltar para o longa. Assistido por menos de 40 mil espectadores no Brasil, na França este número ultrapassou a marca dos 100 mil em poucas semanas., conseguindo grande bilheteria em países como Canadá, Japão e outros mercados fora do eixo americano e oeste europeu.

No caso d’O menino e o mundo não há, felizmente, todo o velamento da realidade opressiva e angustiante da metrópole aos viventes dos aglomerados urbanos, principalmente com concentração de baixa renda e diversos problemas citadinos. Temos uma distopia diante de nós, mas o seu reverso também está lá, pelas cores, imagens e representações que denotam esta dialética. Esta postura de negação da realidade, pelos reforços estereotípicos do Brasil, ocorreu recentemente por outra animação, nos constrangedores filmes Rio, que em certo ponto escalaram tantos arquétipos tortuosos do país que fica difícil defendê-lo além destes lugares comuns.

Neste ponto há outro destaque para a obra de Abreu, que é o traço, o apuro das gravuras, os movimentos, os sons, tudo está orquestrado de modo a apresenta rum caminho para a imersão do espectador na obra. Há uma delicadeza e sutileza nos desenhos, nos planos imagéticos, incrementos sonoros e todo o envolvimento da narrativa com seus personagens e cenas, tornando a experiência de assistir o filme algo único e inesquecível.

Inspirações em grandes mestres da animação e desenhistas de Hayao Miyazaki, Katsuhiro Otomo, Satoshi Kon a Charles Schulz e Mauricio de Souza são perceptíveis na obra de Abreu, fortalecendo-a como uma verdadeira obra-prima nacional, justamente por lidar com um cenário, público e mercado que não estão acostumados com sua linguagem e profundidade.

E cabe aqui uma menção aberta ao cinema nacional brasileiro. Não é de hoje que as fórmulas de grande potencial publicitário caminham distantes da qualidade, em prol da quantidade. O ponto fora da curva fica por conta do já distante duo Tropa de Elite (2007; 2010), comandados por Wagner Moura e o diretor José Padilha, as demais obras de grande caibre financeiro em investimentos e distribuição sequer são dignas de nota.

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 A fuga da realidade

Há algum tempo o cinema independente do Brasil vem fazendo investidas em temáticas sobre a existência nas grandes cidades. Solidão, solidariedade, angústia, desamores, o cotidiano urbano, dentre outros campos são explorados em obras de rico espectro reflexivo: O homem das multidões (2014), O Homem que Copiava (2003), Edifício Master (2002) e A Busca (2013), etc. Filmes que furaram uma bolha de extremos, entre os grandes lançamentos, americanos principalmente, e duvidosas obras nacionais sustentadas por interesses muito distantes da qualidade cinematográfica merecida pelo público e profissionais da sétima arte.

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Obras como O menino e o mundo mostram e provam, explícita e implicitamente, que o cinema brasileiro pode sim superar seus arquétipos e estereótipos: as favelizações, o nordeste (com um caricato e desrespeitoso regionalismo), o ufanismo edênico há muito servido como pano de fundo ideológico para a nação; as recentes e constrangedoras comédias sustentadas com leis de incentivo cultural dignas de repúdio em seus critérios de apoio e patrocínio, dentre outros.

Lembrando, os clichês existem em todas as linguagens da arte, e assim o são porque são devires da sociedade – a refletem, representam e reinventam pelos tempos e espaços –, é preciso revistá-los sempre, mas de forma original e construtiva, e não apenas como recurso fugidio para a falta de criatividade ou em busca de aceitação popular e retorno monetário.

É preciso valorizar a criatividade das animações brasileiras, que demonstraram, e o continuam fazendo, em várias ocasiões. Não seria exagero estabelecer nossos artistas em grandes escolas de animações já consagradas, como a japonesa, alemã e francesa, riqueza esta passível de constatação em cada novo projeto lançado, independente da plataforma, linguagem, escala popular ou alcance financeiro, se o pulso das novas fronteiras do cinema brasileiro pulsa com todo o seu vigor, um destes lugares reside nas animações como O menino e o mundo que  poderia ser muito mais do que já é, uma obra-prima da animação nacional. E mesmo que chegue a ganhar prêmios de maior escala como o Oscar, certamente ainda veremos anos de esquecimento e ostracismo para grandes obras, excelentes filmes, e inovadoras possibilidades, como é esta singular estória contada por Alê Abreu.

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REFERÊNCIAS:

O MENINO E O MUNDO. Roteiro e Direção de Alê Abreu. Filme de Papel e Espaço Filmes. 2015. 85 min.

ABREU, Alê. Textos do diretor [2011]. In: < http://omeninoeomundo.blogspot.com.br/> Acesso. 10.01.2016.

FILME DE PAPEL. O menino e o mundo. BLOG. 2014. Disponível em: <http://omeninoeomundo.blogspot.com.br/>. Acesso em: 01 de fev. de 2016.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

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O MENINO E O MUNDO

Direção: Alê Abreu
Elenco: Alê Abreu, Lu Horta, Vinicius Garcia;
País: Brasil

Ano: 2015
Classificação: Livre

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O imponderável da existência em “O Céu no Andar de Baixo”

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“Para ele, o céu é uma opção e um significado.”

Há no Brasil inúmeras iniciativas de desenvolvimento independente da sétima arte. A quantidade de festivais, feiras e premiações sobre curtas, médias e longas-metragens é considerável. Infelizmente muitas das obras apresentadas nestes eventos não possuem uma grande divulgação, não impedindo que sejam prestigiadas, mesmo que por um público de nicho, formado por produtores, roteiristas, diretores e atores anônimos, em início de carreiras e independentes. Todos os anos uma plêiade de inspiradas produções são elaboradas, apresentadas e debatidas, e é sobre um destes pontos luminosos que este texto se trata.

A breve introdução é necessária para a entrada do debate sobre o curta-metragem O Céu no Andar de Baixo lançado em 2010, exposto em diferentes oportunidades neste ano e em 2011 por todo Brasil. A direção, roteiro e produção ficou a cargo de Leonardo Cata Preta formado em Desenho e Cinema de Animação pela Escola de Belas Artes da UFMG, com ajuda do programa Filme em Minas. O trabalho foi vencedor de premiações como o Festival Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira, Melhor Curta – Prêmio da Crítica no Cine Ceará em 2011, e de Melhor Roteiro no Festival de Cinema de Triunfo em 2011, dentre outros.

Figura: Cena do curta-metragem “O Céu no Andar de Baixo”
Fonte: PRETA, Leonardo Cata (2010).

O MUNDO DE FRANCISCO

A obra conta a história de Francisco, um jovem acometido por uma condição congênita de “descalcificação” dos ossos do seu pescoço, transformando sua cabeça em um pingente, conforme as palavras do narrador – o próprio Leonardo, roteirista da estória. Esta condicionante fisiológica é que fundamenta todo o desenvolvimento, tanto do personagem principal, como também das situações as quais o mesmo se vê relacionado durante a projeção do curta-metragem.

Os dias de Francisco possuem um ar monótono ao lado de seu cachorro de estimação, Pereba, mas envoltos numa dinâmica peculiar: o ato de registrar, desde os 12 anos, os momentos mais importantes de sua vida com uma máquina fotográfica, e como ele só vê o céu (ou o chão), devido sua enfermidade, estas ocasiões possuem cada qual um enquadramento diferente do firmamento, com suas nuvens, iluminação formando assim os diferentes “Quandos” de sua vida, pois: “[…] há um céu para cada acontecimento assim como há uma expressão nos rostos das pessoas para diferentes ânimos” alimentando ainda mais sua sede imaginativa.

Outra discussão interessante levantada no filme é sobre o foco da visão do protagonista, que, devido seu problema físico, precisa optar em sempre olhar par ao céu ou para o chão; no primeiro caso “o mundo de cima” apesar de ser o mais bonito em sua preferência, acaba por atrapalhar suas atividades cotidianas, pois nada consegue ver além do azul e nuvens; no segundo caso “o mundo de baixo” possibilita uma maneira de atingir sua mobilidade, mas, obrigando-o a sempre olhar para a sujeira dos caminhos percorridos, na maior parte composto por restos, imundícies, e demais detalhes admoestados pela visão retilínea dos demais transeuntes, algo parecido da análise presente na animação australiana Mary & Max (2008).

Assim, em sua rotina, Francisco não se mostra muito motivado a interagir com as outras pessoas, preferindo preservar o seu ostracismo. No entanto, devido às inúmeras investidas de socialização por parte dos seus vizinhos de prédio, este acaba cedendo, mesmo não se ajustando às reuniões do grupo, preferindo os passeios no parque com o seu cão, Pereba, já que o falatório inócuo de sentido não lhe soa convidativo: “Devido ao seu comportamento incomum de poucas palavras, melhor dizendo, de nenhuma palavra, os vizinhos acham que FRANCISCO é mudo. Mas FRANCISCO apenas gosta demais do seu silêncio para quebrá-lo com qualquer um. Aqui, FRANCISCO é valor agregado, está presente estritamente como ouvinte passivo. Silencioso, mas presente”. E há um pequeno detalhe no endereço do personagem principal, pois o número do apartamento de Francisco, 1304, faz uma referência direta à outo trabalho do diretor Moradores do 304 (2007), que é a numeração real da casa do idealizador do filme.

Este dia-a-dia apático, reforçado pelo minimalismo cromático, sonoro e objetivo das cenas, contribui para que possamos mergulhar na solidão coletiva de Francisco.  E tal cenário só é quebrado pela ação da casualidade, na tentativa de suicídio, saltando do seu apartamento, captada pela sua câmera, no enquadramento do “pares de pernas” no meio do céu.

Figura: Cena do curta-metragem “O Céu no Andar de Baixo”
Fonte: PRETA, Leonardo Cata (2010).

O que se coloca, desta maneira, é a apresentação espelhada deste conflito onto-ontológico do mundo de Francisco, ou seja, aquele no qual vive, e do qual não aprecia nem o que vê – a vista para o chão sempre –, muito menos as pessoas com as quais precisa conviver. E, do outro lado existe a projeção da essência das coisas que o mesmo vivencia, do ponto de vista do impacto de significação desta selva de objetos, ambientes e acontecimentos que o rodeia, como, por exemplo, na projeção do mundo que mais se sente à vontade – a imensidão do firmamento –, mas que lhe é impossível e desfrutar tanto de forma perene como cotidiana.

Ademais este primeiro encontro inesperado, ambos voltam a dividir o mesmo lugar no elevador, e, a maneira pela qual o diretor escolhe para representar o desejo de Francisco pela moça, percebendo-a em uma cadeira de rodas, devido à malfadada tentativa de tirar a própria vida, ocorre por meio de uma grande aranha “vestindo” uma calcinha, um capricho simbólico, reforçado por seu deslocamento imagético. Os encontros, pela fotografia e no elevador, irão levar Francisco para o ápice e a queda de seu repentino frisson, na constante e perigosa relação entre a especulação perspectiva e constatação da realidade imponderável.

Figura: Cena do curta-metragem “O Céu no Andar de Baixo”
Fonte: PRETA, Leonardo Cata (2010).

AMORES E DESAMORES

A sentença da árvore de pé-de-manga ao lado do banco de Francisco no parque é direta: “É mal de amor que você tem!”. O rapaz encontrava-se laçado pela moça misteriosa, moradora do andar abaixo do seu, com a qual nutria seus hodiernos sentimentos. Por esta razão, em meio à confusão de sentires obscurecidos pela falta dos falares inauditos, escuta a preleção da velha árvore sobre o amor após seus questionamento sobre o tema:

“Sei que é como eu, um pé de manga espada, e também, é igual a qualquer árvore que conheço. O amor nasce de sementes distraídas que brotam ao acaso. E, então, se a morte precoce não as alcança, crescem e ganham força. Em baixo, expandem-se fugindo do sol, enraizando-se no profundo e no escuro húmus subterrâneo. Lá onde está o que não se deve mostrar, nossas fraquezas e medos disformes, nossos defeitos e manias, nossas vergonhas. Lá em baixo está a fonte das horas difíceis e 4 medrosas do amor. Aquelas que ninguém quer ter ou lembrar. Os momentos de deleite do amor são como os galhos que buscam a luz do sol. Acima de tudo, do perigo e da desventura, para o alto crescem diariamente, buscando o calor das boas horas do dia. Lá em cima onde se revela o melhor de nós, folhas verdes em forma de sorrisos e afagos. A copa da frondosa árvore é a boa ventura do amor.”

Embebido nas palavras de seu conselheiro vegetal em acréscimo aos sentimentos pela moça suicida, Francisco toma coragem e envia-lhe um plano detalhado, por meio de um bilhete, para que possam se encontrar, conhecendo-se melhor, já que até então não lhe sobrara coragem ou iniciativa para fazê-lo, devido sua estrema timidez e ostracismo:

“Um: um bilhete convidando a moça para um encontro, que seria no banco da praça, debaixo de um Pé de Manga-Espada. O bilhete foi escrito sobre uma cópia da fotografia do dia que FRANCISCO se mudou para o apartamento. Dois: um mapa de localização do ponto de encontro, com instruções e pontos de referência para que ela não se perdesse e para que fizesse um caminho mais confortável com a sua cadeira de rodas. Três: um exemplar da folha do pé de Manga-Espada para que ela não se engane de árvore.”

Figura: Cena do curta-metragem “O Céu no Andar de Baixo”
Fonte: PRETA, Leonardo Cata (2010).

O decurso da cena, que entrelaça o envio do bilhete e a ida de Francisco ao parque para o esperado encontro, nos oferece a dualidade entre a intencionalidade e a causalidade. No primeiro caso, há a tentativa de ação direta nos eventos por parte do personagem principal, e em seguida a alteração desta linearidade planejada de forma incisiva do fator causal:

“Francisco chega ao local combinado, mas encontra seu amigo, o pé de manga espada, cortado. Era uma árvore velha, já com poucas folhas, mas talvez não precisassem tê-la matado. Seja como for, Francisco agora só pensava numa coisa: como a moça iria encontrar um banco debaixo de um Pé de Manga-Espada, se já não havia um Pé de Manga-Espada naquele local? Francisco então pensou no que a velha árvore havia dito sobre o amor. Pensou sobre as raízes, a zona obscura do amor. Pensou que talvez todo o amor seria, um dia, cortado, e só restariam as raízes, lá em baixo, sepultadas em algum buraco de quem amou. E que o melhor seria sair dali rápido, pois, talvez, daria tempo de chegar ao bar do Seu Tião para dar de comer ao Pereba.”

Assim todo o planejamento de Francisco com a moça que tentara o suicídio há poucos dias malogra-se no fatídico fim dado ao pé de Manga-Espada, sua conselheira amorosa e, indiretamente, incentivadora de suas motivações sentimentais. A moça de calças listradas, e tão suicida como as irmãs virgens de Sofia Coppola, estremece os “quandos”, “ondes” e “porquês” do rapaz, alimentando com a esperança da vista superior que mais o agrada – e é assim, que a vê pela primeira vez, em seu incidental e malfadada decisão existencial.

Como visto o diretor do curta-metragem, além de se mostrar um roteirista de mão cheia versa sobre temas intimistas e reflexivos ao longo de sua breve obra. E, por se tratar de uma carreira ainda em fase seminal, pode-se projetar caminhos diversos aos quais seguir em trabalhos futuros, ora investindo mais na profundidade e desenvoltura narrativa, ora na carga sígnica das imagens postas, sobrepostas e em movimento durante seus filmes.

Figura: Cena do curta-metragem “O Céu no Andar de Baixo”
Fonte: PRETA, Leonardo Cata (2010).

Talvez haja a probabilidade de encontrarmos cada vez mais introspecção no trabalho de Cata Preta, pois, percebe-se sua narração, apesar das excelentes reflexões e incremento à trama, como um ponto de apoio ao qual se segura. A força de suas imagens, a riqueza de detalhes juntamente com o peso dos temas abordados em seus subtextos certamente não exclui, mas fortalece ainda mais esta pequena obra, singela, profunda e plena de inquietação.

FICHA TÉCNICA

O CÉU NO ANDAR DE BAIXO

Direção: Leonardo Cata preta
Roteiro: Leonardo Cata preta
Produção: Leonardo Cata preta
Gênero: Animação
Ano: 2010
Duração: 15 min

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Brasil à flor da pele: A cordialidade do brasileiro e o paradoxo entre amor e ódio

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Foto: Reprodução

O povo brasileiro é cordial, sempre escutei isso desde que me conheço por gente. Haja vista que as características que descrevem os brasileiros são: simpáticos, acolhedores, alegres, festeiros. A copa do mundo do Brasil foi um exemplo disso e é o que a maioria dos estrangeiros fala a respeito dos brasileiros quando visitam o país.

Mas esta cordialidade não revela, de fato, a verdade, a intenção e o pensamento por de trás da imagem transmitida. Cordialidade que serve, muitas vezes, de fachada, assim como afirma o sociólogo Antônio Cândido, “O homem cordial não pressupõe bondade, mas somente o predomínio dos comportamentos de aparência afetiva”.

Sergio Buarque de Holanda, um dos grandes historiadores deste país, nos revela o mito do homem cordial, descrito em “Raízes do Brasil”, livro de 1936. Cordial vem de coração, referente ou próprio do coração. Implica dizer que o brasileiro é um povo generoso, de coração, a ideia recorrente e desgastada de que possuímos o “coração de mãe”, sempre cabe mais um. Amamos de coração, o que dá intencionalidade e intensidade, mas igualmente, odiamos de coração. Somos cordiais também quando odiamos.

Mas reconhecer que odiamos é difícil porque não aceitamos este sentimento, ou melhor, reconhecemos o ódio, mas não reconhecemos em nós. Falar de ódio é mais cômodo quando atribuído ao outro. O professor e historiador Leandro Karnal define bem este pensamento quando diz que algumas pessoas parecem “ilhas de pureza e inocência” cercadas de ódio por todos os lados. Karnal fala do pacifismo do brasileiro, o que seria constituinte da nossa civilidade, ou a ideia que fazemos dela.

Este conceito de civilidade é efêmero, pois, cria um cenário fantasioso de que nossas famílias, nossa cidade é onde reside a civilidade e que a barbárie está fora dela. Uma falácia. Vivemos este mito do homem cordial e não nos damos conta que originamos, cultivamos e perpetuamos este ódio.

O Brasil, país que se revela cada vez mais reacionário através de seu povo e dá inúmeros exemplos para sustentar esta triste realidade. As eleições de 2014 é o exemplo mais recente. As pessoas discutem e manifestam suas opiniões partidárias, se esforçando com inúmeros argumentos, formulam teorias, desde as mais simplórias, denunciando falta de conhecimento sobre aquilo que defendem até mesmo teorias conspiratórias, embasadas no medo e possivelmente, na mesma falta de conhecimento.

Muitos são ponderados, demonstrando preocupação com o rumo do país e fomentando boas e saudáveis discussões. Infelizmente o que tem acontecido nas redes sociais são uma verdadeira segregação e a manifestação explícita do ódio. Um binarismo entre bem e mal, pobres e ricos, Norte e Nordeste contra Sudeste e Sul.

Visões deturpadas e violentas do outro que não deve ser entendido como rival ou inimigo, mas que deve ter sua opinião preservada e respeitada. Ter uma opinião diferente da sua não deveria ser ameaçador. Se for, talvez o problema esteja em você, afinal a diferença é agregadora e não segregadora e é você que não sustenta esta diferença por limitações suas.

Somos uma sociedade de pessoas que se esforçam para ser simpáticos, mas não empáticos. Retórica enfatizada por Karnal. O amor e ódio, que andam lado a lado, é a representação clara da dualidade emocional e que sustenta nossa contradição. Escutamos a opinião do outro, mas às costas dele, criticamos e detestamos o que acabamos de escutar. Uma raiva que surge por não concordar comigo e cresce até virar ódio, mas que está sempre nele e não em mim. Freud explica. É a morte na própria vaidade e no narcisismo descontrolado.

Este outro deveria ser diferente e como tal, ser respeitado por isso. O que acontece é que a intolerância à diferença é traduzida na necessidade doentia de tornar o outro igual, desqualificando suas opiniões e diminuindo-o como ser humano. Expressar a própria opinião e ter um posicionamento diferente do outro é recriminada como algo errado. Eu não posso ser eu, tenho que ser o outro senão sou retalhado, ao passo que é a diferença do outro que cria reflexo em nós e favorece o autoconhecimento.

Depois da reeleição da presidente Dilma Rousseff, as redes sociais foram bombardeadas com insultos, comentários racistas e xenófobos contra os nordestinos. Uma confusão entre preconceito e ressentimento social com liberdade de expressão. Mas o ódio é tão contundente que leva as pessoas, facilmente, a mostrar o que elas possuem de pior.

A necessidade de se encontrar os “bodes expiatórios”, termo da bíblia judaica, explica que no dia da expiação, dia do perdão, o bode era um animal levado aos templos para que a ele todas as mazelas e pecados da sociedade fossem atribuídas e depois sacrificado, abandonado ao deserto para ser morto. Reproduzimos, inconsciente e conscientemente, este movimento de encontrar “bodes expiatórios” para depositar nossas angústias.

O ódio cria unidade e agrupa as pessoas, pois é difícil amar, embora nos esforcemos, mas odiar é prazeroso, mesmo que sádico. Somos diferentes, mas se temos a quem odiar, nos tornamos irmãos, como bem evidencia o historiador Leandro Karnal.

A derrota do outro é mais saborosa do que a minha vitória, dialética reproduzida com maestria nas relações interpessoais. Fazer o bem e amar é me enfraquecer diante do outro. Requer sacrifício, gratidão e retribuição, logo, me sentir humilhado por isso. É insuportável a sensação de sentir-se diminuído diante do outro. Já o ódio não, ele dá motivos para me vingar, me torna poderoso e mais forte do que o outro, talvez por isso, aconselhado a comer cru, para melhor degustação.

François de La Rochefoucauld, aristocrata e moralista francês nos brinda com uma frase: “Nada é tão contagioso como o exemplo”. De fato, muitos que expressam seu ódio nas redes sociais se fortalecem à medida que ganham seguidores. Querem ser exemplos e enaltecidos como tal, na eloquência de pensamentos enfadonhos e na efervescência de seu desequilíbrio emocional, contagiando seus cúmplices com o pior que eles tem a oferecer. Talvez, de fato, não exista amor no Brasil.

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Relação histórica e cultural entre Brasil e Portugal será discutida

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Congresso Luso Brasileiro de Arteterapia promoverá integração entre profissionais dos dois países


A maior semelhança entre Brasil e Portugal hoje certamente é a língua portuguesa, fora isto, grande parte da cultura e da historia do país europeu segue permeando nossa história. Ao longo do tempo,  os dois países vêm trocando experiências culturais que contribuem para o fortalecimento dos laços afetivos, econômicos e políticos entre os dois povos.

Diante destes aspectos, o V Congresso Luso Brasileiro de Arteterapia tem como objetivo promover o intercâmbio científico e cultural entre arteterapeutas brasileiros e portugueses. Além de promover uma efetiva troca de saberes e estratégias arteterapêuticas, abrindo também espaços participativos para profissionais vinculados ao universo das artes provenientes de outros países que também compartilham a língua portuguesa.

O congresso acontecerá nos dias 1 e 2 de maio, no Colégio Santo Amaro, no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro. Poderão ser apresentados trabalhos e experiências nas seguintes modalidades: poster, tema livre, oficina, performance, mesa temática e mostra de arte postal.

Dentro do tema Partilhando Histórias Ancestrais, os trabalhos a serem apresentados deverão ter conexões com as seguintes áreas: Inconsciente Coletivo: a grande história ancestral; Quando a arte faz a história: cultura e transformação; Histórias geracionais: diálogos em família; Criando e recriando histórias pessoais através do processo arteterapêutico; e Histórias de velhos: memória e afeto.

O valor do investimento é de R$ 240 para estudantes de arteterapia associados, R$ 270 para não associados, R$ 350 para profissionais associados e R$ 400 para não associados. Mais informações sobre inscrições e programação completa no site http://arte-terapia.com/congresso/, ou no email  congressolusobrasileiro@yahoo.com.br.

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As cirurgias plásticas que encantam e assustam

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Seios fartos, lábios carnudos, cintura fina acompanhada de uma barriga reta, pernas grossas e definidas, isso um pouco, aquilo muito e assim vão sendo as várias modificações feitas com cada vez mais frequência por pessoas com diferentes objetivos. Pensando em alcançar um nível de beleza padronizado pela sociedade atual, homens e mulheres de todas as idades, passam a utilizar as mais diversas alternativas ligadas às cirurgias plásticas.

 

A lipoaspiração colocou o Brasil em segundo lugar no ranking mundial de cirurgias plásticas estéticas em 2011. Os dados são da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (Isaps) junto a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBPC), e outras entidades, cuja pesquisa listou os dez países com maior número de cirurgias plásticas do mundo. O Brasil, com 905.124 procedimentos, ficou atrás apenas dos Estados Unidos, que realizou 1.094.146 no mesmo ano. A pesquisa também mostra que o Brasil quase dobrou o número de cirurgias estéticas realizados nos últimos anos, com 97,2% de crescimento.

Segundo o membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Ruben Penteado, uma das maiores preocupações dos cirurgiões é explicar à sociedade que o sucesso de uma cirurgia plástica também envolve a escolha de um profissional gabaritado. “Dados do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, Cremesp, revelam que cerca de 97% dos médicos que respondem a processos éticos-profissionais relacionados a cirurgias plásticas e procedimentos estéticos, não possuem título de especialista na área”, diz o médico.

Ainda de acordo com Penteado, é muito importante prestar atenção às propagandas enganosas. A publicidade médica irregular é a infração mais recorrente nos processos analisados pelo Cremesp que envolvem a cirurgia plástica e os procedimentos estéticos. Esta prática abrange ações que vimos com freqüência como a exposição de pacientes (mostrando o “antes” e o “depois”), a divulgação de técnicas não reconhecidas e de procedimentos sem comprovação científica.

 

 

Nem sempre a busca pelas cirurgias plásticas segue pelos melhores caminhos, com procedimentos cirúrgicos realizados por profissionais qualificados, por isso cresce também o número de denúncias e casos referentes às inúmeras consequências negativas que uma cirurgia não realizada dentro dos padrões legais pode causar. A diretora técnica da Medicatriz Dermocosméticos, que é farmacêutica e pós-graduada no setor de cirurgia plástica da UNIFESP (SP), Dra. Sheila Gonçalves, falou sobre um dos produtos aplicados que recentemente deixou a atriz e apresentadora, Andressa Urach em estado grave de saúde, depois de aplicar um produto conhecido como hidrogem nas coxas.

“Diferente do implante de silicone, o hidrogel é aplicado diretamente no local e serve para preencher volumes no corpo. O corpo humano é feito para combater qualquer corpo estranho dentro do organismo e, no caso dela, provavelmente a grande quantidade de produto desencadeou o processo inflamatório”, enfatiza Sheila ressaltando que no caso de Andressa, a inflamação não foi decorrente de manuseio incorreto do produto na hora da aplicação, caso contrário ela teria sentido dores dias após o procedimento. O problema dela se deu ao longo do tempo. É um risco que pode acontecer com qualquer pessoa que utiliza o produto em exagero.

Mesmo sabendo dos bens físicos e mentais que uma cirurgia plástica pode trazer para a vida do ser humano é de total relevância que antes de realizar qualquer cirurgia, a pessoa busque se informar com profissionais qualificados, conhecidos no mercado, com boas indicações. As vezes pela ansiedade de mudar algo no corpo, pensando em melhorar a autoestima e se sentir melhor com sigo mesmo, o público interessado, busca o mais rápido e mais barato, o que pode acarretar a uma série de consequências que dependendo da situação, gera sequelas por toda a vida. Já foram registrados vários casos de pessoas que chegaram a óbito por cirurgias plásticas realizadas de forma incorreta.

Todo cuidado é pouco e com saúde não se brinca, vale mais a espera por um bom resultado, do que a pressa que neste caso, pode sim, ser a grande inimiga da perfeição.

 

Fonte: Veja São Paulo

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#vaitercopa

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Pois é, vai ter Copa. Isso é algo mais do que óbvio desde que, no dia 30 de outubro de 2007, a FIFA ratificou o Brasil como o país-sede da Copa do Mundo de 2014. Sim, sempre sabíamos disso e, mesmo assim, já não conseguimos torcer pela seleção canarinho como antigamente. Algo estragou nosso sentimento por aquela que era pra ser a nossa copa.

Naquele passado não tão distante ninguém vislumbrava a mínima possibilidade de o Brasil não cumprir com todas as suas obrigações para que a copa acontecesse em 2014, como planejado, aqui.

Bom, até se imaginou que nem tudo sairia como estava sendo prometido, muito se apontou sobre o previsível estouro de orçamentos, algumas ideias megalomaníacas até foram ridicularizadas, mas, em momento algum, levantou-se a possibilidade de não se ter copa não pelo despreparo do Brasil e sim pelo desejo popular. Naquele momento, apesar de toda a presumível trapalhada que viria pela frente com o dinheiro do povo, não nos sentíamos devidamente indignados para ir à rua e dizer não à copa. Ao contrário, guardávamos uma esperança de que, quem sabe dessa vez, tudo daria certo.

Sim, tínhamos esperança. Quem sabe dessa vez teríamos melhorias de mobilidade urbana, afinal, a copa era um bom pretexto para isso, já que a extrema dificuldade de grande parte da população de se locomover no trajeto casa-trabalho ou casa-escola nunca pareceu comover os gestores públicos. Quem sabe dessa vez teríamos aeroportos, até portos, com padrão internacional, ou pelo menos com o mínimo necessário para se demonstrar respeito pelos seus usuários. E, até, quem sabe ainda poderíamos reformar alguns de nossos estádios para torná-los modernos e adequados para receber turistas de todo o mundo. No final, ainda poderíamos aproveitar e mostrar a todos o grande potencial de nosso país em inúmeras áreas, além do futebol, a tão propalada paixão nacional.

Por que então iríamos para as ruas protestar contra a copa que estava tão distante? Afinal, nosso país estava se preparando para mostrar ao mundo a sua capacidade de organização. Era o momento de sermos respeitados como nação. Prova disso teríamos muito em breve, em 2009, quando o presidente dos EUA teve que reconhecer que nosso presidente, Lula, ele sim era “o cara”. Eike Batista caminhava para se tornar o 7º homem mais rico do mundo em 2012. O BNDES financiava a junção de empresas para criarmos aquelas que se apresentavam como as futuras grandes multinacionais brasileiras – AmBev, JBS Friboi, Marfrig, Oi, Brasil Foods, Fibria estão aí para não nos deixar mentir.E Olimpíada ainda seria no Rio de Janeiro em 2016.

A esperança no futuro do Brasil era tamanha que não se limitava a somente uma visão ufano-nacionalista. Até o povo “lá de fora” fazia suas apostas. A afamada revista “The Economist” trouxe, em 2009, uma reportagem de capa intitulada “Brazil Takes Off” (O Brazil Decola) em que mostrava o Cristo Redentor como um jato levantando voo. Muitas eram as promessas e, reconheçamos, nem todas vinham do governo. Mas a maior parte originava-se dali, com toda certeza. Afinal, os juros até caíram a níveis nunca antes vistos.

Enquanto vivia-se um mundo de esperança algumas coisas já começavam a mostrar que aqueles pessimistas de plantão lá de 2007 poderiam estar certos.

E assim, as coisas no Brasil, e na copa, começaram a degringolar, a ponto da mesma revista “The Economist”, em outubro de 2013, perguntar, de novo em matéria de capa, se “O Brasil estragou tudo”. As obras, especialmente das arenas (não eram Estádios?), tiveram, como previsto, seus custos aumentados na mesma medida em que obras essenciais para a população, e que seriam o tal legado da copa, começaram a ser deixadas de lado ou reduzidas de seu planejamento inicial. Enquanto isso nossa economia já não parecia mais tão espetacular como outrora. Medidas erradas nos mais variados graus acabaram por deixar nossa economia convalescente. E o reflexo se deu no bolso e nas condições de vida daqueles que mais tinham esperança de que algo de bom poderia sobrar pra eles após a competição, além do sonhado prazer de ver a seleção jogando no próprio país.

Inflação aumentando (lembra do tomate?), juros também (mas, pera, os juros não sobrem para a inflação cair?), denúncias de corrupção aumentando em todas as esferas e em todos os partidos, tudo contribuindo para o brasileiro entender que a copa não fora pensada pra ele e sim para uma tal FIFA (e seu padrão) e um grupo de políticos e empreiteiros poderem tirar proveito. Daí para passar a exigir hospitais, segurança, rodovias, educação no padrão FIFA foi um pulo. As manifestações de 2013, durante a Copa das Confederações (um “ensaio” para a copa que viria) estão aí para deixar registrada essa insatisfação.

E chegamos a 12 de junho de 2013. A copa vai começar. Sim, #vaitercopa. O brasileiro até quer torcer pela sua seleção (não foi assim em 2010, 2006, 2002, 1998…?). Mas está triste, envergonhado e com medo.

Está triste porque as promessas não foram cumpridas – é, o brasileiro realmente não desiste nunca e continua a acreditar no que os políticos oferecem. Está triste porque não existirá o tal legado tão prometido. Está triste por saber que o dinheiro pago além da conta para as obras poderiam ter sido muito melhor aproveitado em outros aspectos da vida da população.

Está envergonhado porque os sete anos não foram suficientes para superar todo o nível de desorganização, corrupção e má administração da coisa pública e, com isso, o que mostraremos ao mundo não é a nossa sonhada capacidade de organização mas sim um conjunto de obras pela metade, mal acabadas, longe do que se espera de um país que se diz pronto a organizar a copa das copas.

E está com medo. Medo de torcer pela sua seleção e, depois, ver qualquer resultado, vitória ou derrota, ser utilizado pelos políticos de carteirinha para interesse próprio. Medo de ser ridicularizado por torcer pela seleção em uma copa que não lhe pertence, e sim a uma organização internacional que com mandos e desmandos conseguiu tudo o que queria das autoridades brasileiras sem oferecer nada em troca (além da honra de sediar a copa – que honra!). Medo de sofrer as patrulhas daqueles que hoje se orgulham de ser contra a copa, mas que, lá em 2007, ficaram bem quietos e ordeiros enquanto o presidente em questão se ufanava.

De qualquer forma, #vaitercopa. Que possamos nos vestir de verde e amarelo, que possamos torcer pela nossa seleção, que possamos sentir orgulho de ser brasileiros. Não por causa da copa e sim apesar disso. Até porque, acima de tudo o que aconteceu (e de muito mais que ainda vamos descobrir pela frente), sempre poderemos nos orgulhar de sermos um povo alegre e ordeiro e que, a isso, acrescentou uma boa dose de aprendizado que, quiçá, poderá ser útil em momentos futuros de decisões muito importantes. Afinal, esse ano #vaitereleição.

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