Anjo do Sol: exploração de menores

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O abuso sexual pode estar mais perto que você imagina.

Anjos do Sol, lançado em 2002, dirigido por Rudi Lagemann, é uma produção brasileira sobre a exploração sexual e comercial de crianças e adolescentes. O filme recebeu no 34º Festival de Gramado, em 2006, o troféu de melhor ator para Antonio Calloni. A obra é notável por tratar de uma situação que se perpetua há séculos.

É narrada a história de Maria, uma criança de 12 anos, de família pobre do interior do Maranhão, que foi vendida pela família a um recrutador de prostitutas, imaginando que sua filha estaria indo morar em um local melhor pois não tinham conhecimento que o homem em questão estaria recrutando e enviando para um prostíbulo localizada em uma cidade na floresta amazônica.

Maria se encontra em processo de desenvolvimento cognitivo, sendo este fundamental para a formação da identidade, formação de vínculos afetivos e de percepção do mundo. Embarcar forçadamente nessa contextualização pode representar um grave fator de risco para sua vida, uma vez que a violência pode provocar transtornos psicopatológicos e comprometer o seu desempenho pessoal e relacional ao longo do ciclo de vida.

Fonte: encurtador.com.br/amoXZ

Maria e outras meninas foram levadas para um local chamado Casa Vermelha, na cidade da Amazônia, onde são exploradas sexualmente e após serem abusadas pelos homens dos carimbos, decidem fugir desse local, sendo que uma das meninas foi parar nesse local por ter sofrido abuso sexual do padrasto e a mãe não ter acreditado nela, permitindo que o recrutador de prostitutas a levasse.

Isso traz a reflexão sobre os locais de ocorrência dos crimes que são diversos, contudo a maioria acontece nos próprios lares e na maioria das vezes os agressores são aqueles que deveriam cuidar e proteger, acontecendo distorção dos papéis sociais em que as partes envolvidas, as quais possivelmente aplicam a tortura física e emocional, deveriam prevalecer a ternura e os cuidados imprescindíveis a fim de garantir a boa saúde e desenvolvimento saudável da criança.

Na fuga, elas são apanhadas e forçadas a voltar aos prostíbulo e, como penalidade, uma das meninas é arrastada até a morte pelo dono do local, usando  sua morte para passar  a mensagem para as outras meninas de que não compensa fugir da exploração sexual, pois além dele capturá-las, ele poderia acabar com todos os projetos e sonhos que elas poderiam ter.

Além da ficção, a realidade de muitas famílias e meninas, não apenas do Brasil, é retratada, no que se refere ao abuso e exploração infantil. O fato de ser um assunto velado faz com que crianças não saibam ao certo o que vivenciaram, como lidar com isso e, consequentemente, como se expressar.

Fonte: encurtador.com.br/auDH1

Conforme Merlo e Adesse (2005), o abuso sexual é caracterizado por quebra de vínculo na qual o responsável utiliza da autoridade, usando a vítima para o seu prazer sexual sem a autorização da vítima, forçando-a ou induzindo-a a uma prática sexual com ou sem violência para o próprio prazer. A violência contra crianças e adolescentes é um acontecimento complexo e real que abrange aspectos sociais, jurídicos, médicos, educacionais e psicológicos. A violência é vista como um problema de saúde pública devido a sua alta prevalência na infância e adolescência (WILLIAMS e HABIGZANG, 2014).

Atualmente, existe a  rede de proteção diante de casos maus tratos infantis. Muitos hospitais de referência e postos de saúde possuem setores específicos para lidar com situações de suspeitas e que faz a notificação obrigatória ao Conselho Tutelar, podendo também comunicar o Ministério Público, que faz a comunicação ao Juizado da Vara da Infância e Juventude.

Além disso, existem órgãos da rede de proteção e assistência à criança e adolescente  que são: (CAPS) Centro de Referência Especializado de Assistência Social; Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS); Comissão de combate aos  maus-tratos contra criança e adolescente; Programa Sentinela; Delegacia da Criança e do Adolescente, Defensoria, Conselho Tutelar, juizado da Vara da Infância e Juventude entre outros.

FICHA TÉCNICA 

ANJOS DO SOL

Direção:  Rudi “Foguinho” Lagemann.
Roteiro:  Rudi “Foguinho” Lagemann.
Elenco:  Antonio Calloni, Vera Holtz, Chico Diaz, Roberta Santiago, Otávio Augusto, Mary Sheyla, Darlene Glória (no papel da cafetina Vera), Bianca Comparato e a estreante Fernanda Carvalho.
Ano: 2006

Referência:

GABEL, Marceline. Crianças vítimas de abuso sexual. São Paulo: Summus, 1997.

MERLO, Cecilia de; ADESSE, Leila. Violência Sexual no Brasil: perspectivas e desafios. Brasília: Ipas (Brasil), 2005

 WILLIAMS, Lúcia C. Albuquerque; HABIGZANG, Luísa Fernanda. Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência. Curitiba: Juruá, 2014.

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Estreia em outubro filme brasiliense sobre Personalidade Borderline

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Um dos transtornos de personalidade mais recorrentes na atualidade, o Transtorno de Personalidade Borderline (TPB), é tema do filme “Eu Sinto Muito”, que estreia dia 10 de outubro nas principais salas de cinema do Brasil.

No filme “Eu Sinto Muito” acompanhamos a trajetória do cineasta Júlio (Rocco Pitanga) na produção de um documentário sobre o Transtorno de Personalidade Borderline. A partir deste guia, conhecemos a história dos cinco entrevistados, Isabelle (Juliana Schalch), Paula (Camila Alencar), Guilherme (Victor Abrão), Marta (Carol Monte Rosa) e Cláudio (Wellington Abreu).

Dirigido por Cristiano Vieira, os personagens centrais estão ligados de diferentes formas: ou foram diagnosticados ou se relacionam de forma íntima com algum paciente. No longa, é possível acompanhar seus relacionamentos, a forma como lidam com o tratamento e as crises e como o Borderline se manifesta em situações cotidianas, por exemplo, na espera do parceiro fazer um almoço, em uma festa com amigos ou ao ser contrariado.

Também conhecido por Transtorno de Personalidade Limítrofe a doença atinge cerca de 6% da população e é responsável por 20% das internações psiquiátricas e são até 10% dos pacientes atendidos em ambulatórios. Os principais sintomas, segundo Sérgio Ricardo Hototian, psiquiatra no Hospital Sírio-Libanês[1], são a impulsividade, a mudança de humor brusca, autoflagelação e carência. A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) estima que no Brasil esse transtorno atinja entre 1 e 3% da população, podendo chegar a 6 milhões de pessoas.

Fonte: Divulgação

“Entendemos que falar sobre o transtorno de forma honesta poderá salvar não só relacionamentos, mas vidas, pois sabemos que muitas vezes o transtorno leva a situações trágicas. Vemos o filme como uma oportunidade singela tornar provocar o debate público sobre o transtorno e conscientizar sobre o tratamento àqueles que precisam”.

Cristiano Vieira, julho/2019

Produzido pela Studio 10 Filmes, “Eu Sinto Muito” tem distribuição da Elo Company. Parte do Projeta às 7, parceria da distribuidora com a Cinemark para abrir uma nova janela no circuito comercial, o longa estará, a partir de 10 de outubro,  em 20 salas de 19 cidades do país, com sessões de segunda a sexta-feira às 19h e preços de R$12 (inteira).

SINOPSE

Isabelle, Guilherme e Marta enfrentam emoções intensas que sabotam suas vidas e seus relacionamentos amorosos, enredo encontrado por Júlio para seu documentário sobre o Transtorno de Personalidade Limítrofe (Borderline).

Fonte: Divulgação

Borderline

A expressão Borderline, em inglês, pode ser traduzida por aquilo que está na fronteira, no limite. O TPB é  tratado no âmbito da Saúde Mental e deve ser acompanhando, prioritariamente, pelos campos da psicologia e da psiquiatria.

As pessoas diagnosticadas com esse tipo de transtorno alternam atitudes de forma impulsiva, podendo ter surtos de ódio e de felicidade e, em casos extremos, o sofrimento pode levar ao suicídio.

A pessoa border  tem um padrão de instabilidade nas relações pessoais, na autoimagem e nos afetos, com impulsividade acentuada que surge na primeira fase da vida adulta. O médico psiquiatra, diretor secretário da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Dr. Claudio Meneghello Martins, explica que pessoas diagnosticadas com essa síndrome têm “Muita dificuldade de estabelecer vínculos afetivos reais e temor contínuo de ser abandonada. Passa testando o seu meio para comprovar se é amada, mas como sua conduta é inadequada, acaba afastando as pessoas de seu convívio”.  

Fonte: Divulgação

Utilidade Pública

O diagnóstico difícil e a carência de uma política pública direcionada, comprometem o conhecimento sobre o tema e alimentam tabus em torno do problema. Ao tratar do tema, o filme “Eu Sinto Muito” entra para a lista de longas-metragens com viés de Utilidade Pública por tratar um tema da saúde mental.

A Síndrome de Borderline compõe o grupo de Transtornos Mentais, que hoje afetam 12% dos brasileiros.  Essa síndrome também leva ao sofrimento quem está ao lado da pessoa com a síndrome, gerando tensões familiares, com amigos e nas relações amorosas. “O tema borderline fez parte de minha vida quando passei por um relacionamento conturbado com uma ex-companheira. No fim do nosso relacionamento ela revelou ser diagnosticada com o transtorno, mas que não aceitava, não se tratava”, relata o diretor da filme.

A Personalidade Limítrofe (Borderline) carece de políticas públicas específicas, e gratuitas, que deem respostas ao avanço do transtorno com tratamentos adequados. Atualmente o Instituto de Psiquiatria (IPq), que compõem o Complexo do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP, realiza atendimento a pessoas com TPB. “As políticas de saúde Mental do Ministério da Saúde encontram-se num processo de mudanças de modelos assistenciais significativas, que visam uma melhoria”, informa o psiquiatra da ABP.

Fonte: Divulgação

SOBRE O DIRETOR

Cristiano Vieira é diretor estreante de longa-metragem de ficção com o “Eu Sinto Muito”. Realizou o longa-metragem documentário “Um Domingo de 53 Horas” em 2016 que participou de festivais prestigiados como o 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e o 8º Festival Internacional de Cinema Político de Buenos Aires – FICiP. Em 2005 realizou o curta-metragem “BUCHE: Mais uma História” e em 2018 realizou o curta-metragem de animação infantil ” O Extraordinário Cisco do Bispo”. Fundou a Studio 10 Filmes e há 5 anos desenvolve conteúdo como documentários, filmes de ficção, séries dramáticas e animações infantis para TV e VoD.

FICHA TÉCNICA

Direção: Cristiano Vieira

Produção Executiva: Bruno Caldas e Cristiano Vieira

Produção: Studio 10 Filmes

Roteiro: Cristiano Vieira, Antônio Balbino e Tui Segall

Elenco: Juliana Schalch, Rocco Pitanga, Victor Abrão, Carol Monte Rosa, Wellington Abreu, Camila Alencar e Eduardo Cravo

Direção de fotografia: Marconni Andrade

Direção de arte: Didi Colado

Som direto: Apollo Menezes

Montagem: Cristiano Vieira, Esdras Menezes e Fred Fernandes

Trilha sonora: Ed Staudinger

Trilha sonora original: “Método para a Loucura” – Banda Humbold

Desenho de som: Estúdio Muzak

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futebol

As Necessidades históricas do povo brasileiro e a Copa do mundo 2014

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“O povo brasileiro tem uma longa experiência no combate permanente que trava com as classes dominantes, visando obter o triunfo da democracia (não a democracia burguesa formal, mas aquela que
mais de perto diz respeito à realidade econômico-social) e,
simultaneamente, objetivamente chegando ao aniquilamento
do imperialismo e do latifúndio”

(Carlos Marighella)

Mas afinal o que a Copa do Brasil 2014 tem a ver com ditadura empresarial/militar e com a democracia brasileira? Acreditamos que essa deve ser a primeira pergunta que aparece quando lemos ou ouvimos alguém relacionar temas, tempos e espaços tão diferentes e distantes a primeira vista.

Desde Outubro de 2007 quando foi oficializado que a copa do mundo de 2014 seria realizada no Brasil, povo brasileiro teve a promessa por parte do então presidente da república Luis Inácio Lula da silva da não utilização de verbas públicas para sediar a copa do mundo, mas não é isso que está acontecendo, vide Dossiê da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (S/D).

Quando foi mesmo que o povo brasileiro foi consultado sobre o investimento de verbas públicas para construção de estádios e rodovias ao invés de hospitais, creches, escolas, universidades, transporte públicos de baixo custo e de boa qualidade, reforma urbana, reforma agrária, sistema público de saúde de qualidade boa?

Segundo consta no Portal Popular da Copa e das Olimpíadas, só o governo municipal do Rio de Janeiro gastou 1,6 bilhões com a rodovia “Transcarioca”.

[…] Maracanã é emblemático. De 1999 a 2006, cerca de R$ 400 milhões foram gastos pelo governo do Rio de Janeiro em reformas que prometiam deixar o estádio pronto para o chamado “padrão FIFA” e para a Copa de 2014. Em meados de 2010, no entanto, o Maracanã foi novamente fechado para “reformas” para o mundial. Na realidade, o estádio foi praticamente implodido, permanecendo apenas sua estrutura, tombada pelo patrimônio histórico nacional. A reconstrução sairá a um custo total estimado em R$ 1 bilhão, mas que será provavelmente superado. (DOSSIÊ DA ARTICULAÇÃO NACIONAL DOS COMITÊS POPULARES DA COPA, S/D, p. 12).

Gawryszewski e Penna (S/D) fazem uma análise do que tem representado os megaeventos esportivos e concluem que seu caráter mercadológico, aceleram a circulação e expansão do capital, constroem grandes estruturas que se convertem em desocupação e muita miséria no cotidiano das populações atingidas pela obras “[…] a ampliação fetichizada do consumo capitalista totalmente descolada das necessidades humanas […] (p.01).

“Não existe” nada de boas intenções no deslocamento dos megaeventos esportivos dos países capitalistas desenvolvidos como Estados Unidos da América do Norte (Copa de 1994), França (Copa de 1998), Correia do Sul e Japão (Copa de 2002), Alemanha (Copa de 2006). Precisamos ficar muito atentos para as mudanças na “escolha” de países sedes para estes megaeventos a partir de 2008 – ano que marca uma nova crise cíclica estrutural do capitalismo, pois a intenção é taxativa, lucro sobre lucro.

Houve um direcionamento para os países ditos “em desenvolvimento”, essa expansão geográfica faz parte da estratégia do capitalismo de “se livrar” do excedente de capital produzido o quanto antes para que este não se desvalorize, fazendo assim, com que as taxas de lucros diminuam consideravelmente, Gawryszewski e Penna (S/D).

Sendo assim, a lógica capitalista – incontrolável e incorrigível – não permite a humanização dos megaeventos esportivos e do esporte de rendimento, pois os mesmos como vimos, não são produzidos para atender as necessidades da classe trabalhadora. Sem a superação do próprio modo de produção, reprodução e organização capitalista não “endireitaremos” nem o esporte muito menos os megaeventos esportivos. (RAMOS e LUDUVICE, 2013, p. 05).

Mas falar de megaevento esportivo no Brasil e não falar do papel que a Federação Internacional de Futebol Associado – FIFA– a Confederação Brasileira de Futebol[1] – CBF, o Comitê Olímpico Internacional – COI e o Comitê Olímpico Brasileiro vêm cumprindo é negar que sabemos que os mesmo são agentes tenazes do capital internacional[2].

Essas entidades segundo Vainer (2013) recebem do governo Federal, Estaduais e Municipais isenções de impostos, monopólios de espaços públicos, monopólio de equipamentos esportivos construídos com verbas públicas, os mesmo se dizem neoliberais, mas adoram um estado intervencionista para suas necessidades.

Todavia para nós o que existe de pior nestas concessões dos governos brasileiro é a Lei Geral da Copa, pois a mesma é uma “ultra-mega-violação” aos diretos do povo brasileiro, como por exemplo, violação explícita ao estatuto do torcedor que ferem o direito do consumidor, remoções forçadas, usurpação do direito de ir e vir, implementação de uma política implícita de “limpeza étnico-social”, Vainer (2013).

Essas são algumas das milhares infrações que o governos municipais, estaduais e federal tem cometido a mando das entidades citadas anteriormente e seus megaeventos esportivos, o rasgar da constituição pelos militares em 64 tem sido algo comumente feito pelos governos posteriores e o governo PT/Lula/Dilma infelizmente não foge a regra.

Por tudo que expomos até aqui é que entendemos que o sistema político brasileiro é a “caixa preta” do poder no Brasil, pois é a partir das instituições como o poder executivo, legislativo e judiciário que o poder se materializa contra o povo. Como esses três poderes parecem “pairar” sobre as nossas cabeças como entidades sobrenaturais sem possibilidade de controle por parte do povo, todas as nossas necessidades históricas continuo sem ser saciadas.

A questão mais importante, a fundamental, é a questão do poder. Os revolucionários no Brasil não podem propor a uma outra coisa senão a tomada do poder, juntamente com as massas. Não porque lutar para entregar o poder à burguesia, para que seja construído um governo sob a hegemonia da burguesia. Foi o que se pretendeu com o governo nacionalista e democrático. E o que se pretende agora, propondo-se a conquista de um ‘mais ou menos avançado’, eufemismo que traduz a esperança num governo sob hegemonia burguesa, fadado a não resolver os problemas do povo. (MARIGHELLA, 2013, 227).

Tanto quanto em todos os outros momentos da história da sociedade civil e do Estado brasileiro a burguesia nacional – latifundiários, empresários, banqueiros – além de não ter interesse em mudanças estruturais não tem um projeto que supere a atual situação do povo brasileiro “[…] as classes dominantes nada tem a oferecer — ou dominação ou caos. O que fazer diante da miséria? O que fazer com o desemprego crescente? O que fazer com o papel das forças armadas? O que fazer com a propriedade, a iniciativa privada e o Estado?” (FERNANDES, 1989, p. 05).

Precisamos apontar para algum lugar, pois entendemos que o lugar que ocupamos atualmente não é nem mesmo de longe o lugar mais avançado para o povo brasileiro.

Retornar ao trabalho de base que faça avançar a consciência política do povo brasileiro nos subsidiando na construção do reacenso das lutas de massa. Mas não podemos nos furtar a disputa do poder, por isso entendemos que precisamos ter uma pauta política e neste momento essa pauta baliza-se pelo Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político proposto pelos Movimentos Sociais brasileiros desde Setembro de 2013[3].

A cada dia fica mais evidente para o povo brasileiro que as mudanças almejadas não virão pela via eleitoral, pois a mesma é sustentada por um sistema político arcaico, e que como vimos, foi construído para ser o que está sendo.

A campanha eleitoral teve esse alvo: difundir a ideologia dos estratos dominantes das classes burguesas. Assim, ampliam e aprofundam sua coisificação, iniciada nas fábricas, prolongada nas escolas e nas igrejas, completada nos sindicatos e nos partidos comprometidos com o melhorismo, o obreirismo pacífico, a alienação refinada e aguçada graças ao consumismo de massa e à indústria da comunicação cultural.” (FERNANDES, 1988, p. 86).

Se verdadeiramente queremos alcançar a democracia direta participativa que nos proporcione tomar em nossas mãos o poder de decidir sobre a utilização de nossas riquezas estratégicas e assim fazer acontecer as reformas estruturais que historicamente foram negadas como a reforma agrária, a reforma urbana, reforma tributaria, a democratização dos meios de comunicação, a qualificação da educação e da saúde pública, um transporte público gratuito e de qualidade, precisamos lutar por uma Assembléia Constituinte Exclusiva e Soberana para mudar o sistema político Brasileiro.

Como nos diz Saviani (2012), uma sociedade verdadeiramente democrática requer necessariamente o acesso ao que a humanidade produziu e acumulou de mais avançado durante toda a história civilização, o domínio da cultura constitui-se como instrumento indispensável para a participação política do povo brasileiro, sendo assim, nossa compreensão é que esse acesso só será possível se o poder estiver nas mãos do povo brasileiro.

Todo fundamento da lei deve estar remetido à produção e reprodução da vida humana concreta em comunidade (DUSSEL, 2000), e é esse o fundamento de toda comunidade política para considerar justa ou injusta uma lei, legítima ou ilegítima uma instituição política. Esse foi o fundamento dos protestos da juventude brasileira, e a reforma política, feita por um poder instituinte legítimo (daí a necessidade de uma Assembléia Constituinte exclusiva e soberana), deverá criar mecanismos políticos para viabilizar uma democracia participativa, que permita ao povo fiscalizar o poder instituído, e ter meios de participação democrática para externalizar demandas que deverão ser atendidas por seus representantes, a partir do exercício do poder obediencial. (DIEHL, 2014, p. 85).

Portanto entendemos e defendemos que nem de longe vivemos um período como o do regime empresarial-militar ditatorial[4], que existe sim um aproveitamento por parte do governo neodesenvolvimentista do PT da Copa do Mundo – dos megaeventos esportivos – como forma de dinamizar a economia, mas que nem de longe supera as misérias da vida do povo brasileiro.

Mas isso nos faz lembrar Harnecker (2004) Saviani (2012) quando falam sobre os cuidados de não confundir o primário/central com o secundário. Pensemos juntos, se o “programa máximo” do “não vai ter copa” fosse materializado e a Copa do Mundo 2014 fosse cancelada, os jogos não acontecessem os turistas não conseguissem chegar ao Brasil, o que mudaria na vida do povo brasileiro? Passaríamos a ter uma correlação de forças favorável? Teríamos mais participação popular no congresso? A consciência política do povo brasileiro daria um salto qualitativo? Qual seria o projeto político a ser seguido?

Entendemos também que se repete como dantes a “anulação” dos direitos Constitucionais, mas que as “jornadas de junho” impulsionadas pelas contradições do Governo PT nos permitiram adentrarmos num novo período nas lutas massa no Brasil que não podemos chamar ainda de acenso, mas que nos tirou do descenso.

Sendo assim está colocada a oportunidade de explorarmos as contradições do atual período rumo a construção de um projeto Popular para o Brasil, pois como nos diz Florestan Fernandes “A emancipação dos oprimidos e das classes trabalhadoras precisa começar dentro da sociedade civil e do Estado existentes […] […] O que se coloca em questão não é o ponto de chegada; é o ponto de partida”.  (1989, p. 04).

Referências:

DIEHL, Diego Augusto. A constituição inacabada e a reforma política: aportes desde a política de libertação. In Constituinte exclusiva: um outro sistema político é possível. 2014. Disponível em<http://www.plebiscitoconstituinte.org.br/> Acesso em 20/05/2014.

DOSSIÊ DA ARTICULAÇÃO NACIONAL DOS COMITÊS POPULARES DA COPA: megaeventos e violação dos direitos humanos no Brasil. S/D.

FERNANDES, Florestan. A Constituição como projeto político. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 1(1): 47-56, 1.sem 1989.

____. A percepção popular da Assembléia Nacional Constituinte. 1988 Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141988000200010> Acesso em 01/10/2013.

GAWRYSZEWSKI, Bruno; PENNA, Adriana Machado. O esporte na sua expressão contemporânea: vias de expansão do capitalismo monopolista. (S/D, a). Disponível em
<http://www.ifch.unicamp.br/cemarx/coloquio/Docs/gt4/Mesa2/guerra-ou-paz-o-esporte-como-producao-destrutiva.pdf> acessado em: 15/01/2011.

HARNECKER, Marta. Estratégia e Tática. 1° ed. Expressão Popular, São Paulo, 2004.

MARIGHELLA, Carlos. Carta à comissão executiva do partido comunista brasileiro. In. PINHEIRO, Milton; Ferreira, Muniz (org). Escritos de Marighella no PCB. São Paulo: ICP; Rio de Janeiro: FDR, 2013.

SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. – Campinas, SP. Autores Associados, 2012.

SILVA, Jeffirson Ramos da; LUDUVICE, Paulo Vinicius Santos Sulli. Educação física:reafirmando posições no campo da cultura corporal em época de megaeventos esportivos. Anais Eletrônico do V Encontro de Educação Marxismo e Emancipação Humana – EEMEH, 2013.

VAINER, Carlos. Quando a cidade vai às ruas. In MIRICATO, Ermínia [et al.]. Cidades rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. 1° ed. São Paulo: Boitempo: Carta Maior, 2013.

[1]Para não dizer que não falamos em capacho dos militares temos no atual presidente de Confederação Brasileira de Futebol – CBF a representação personificada em José Maria Marin, o mesmo foi governador biônico de São Paulo, cúmplice no assassinato de Vladimir Herzog. Se diz fã declarado do torturador e assassino Fleury delegado Dops, Vide mais na crônica “Os bastiões do atraso” de Luiz Ricardo Leitão no Jornal Brasil de Fato, Ano 11 número 566 de 02 a 08 Janeiro de 2014.

[4]Para aquele/aquela que duvidam destas diferenças vide  “A esquerda e o golpe de 64” de Dênis de Morais Expressão Popular.

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Pelé: o jogador

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encena em campo

Falar de Pelé sem cair em clichês como “Rei do Futebol”, ou “Atleta do Século”, não é tarefa fácil. E não é tarefa fácil porque dentro das quatro linhas Pelé foi simplesmente “O Cara”. Era de fato um verdadeiro atleta, na exata concepção da palavra.

Sua capacidade técnica, física, tática e psicológica, características estas que formam as verdadeiras sumidades do esporte, eram e ainda hoje são elogiadas pelos conhecedores e especialistas do futebol ao redor do mundo.

Basta ver algumas declarações de colegas de profissão:

“O maior jogador de futebol do mundo foi Di Stefano. Eu me recuso a classificar Pelé como jogador. Ele está acima de tudo.” – Ferenc Puskas, craque da Hungria e do Real Madrid na década de 50.

“Subimos juntos, fora do tempo, para cabecear uma bola. Eu era mais alto e tinha mais impulsão. Quando desci ao chão, olhei pra cima, perplexo. Pelé ainda estava lá, no alto, cabeceando a bola. Parecia que podia ficar no ar o tempo que quisesse.” – Fachetti, zagueiro italiano na Copa do México, em 70.

“Jogava com grande objetividade. Seu futebol não admitia excessos, enfeites nem faltas. Ele quase não fazia embaixadas, não driblava para os lados, mas sempre em direção ao gol. Quando tentavam derrubá-lo, não caía, devido à sua estupenda massa muscular e equilíbrio.” – Tostão, companheiro de ataque na Copa de 1970.

Fonte: Revista Placar.

Pelé tinha velocidade de Hermes, preparo físico invejável, capacidade pulmonar muito acima da média, era “A Fera” em todos os fundamentos do esporte. O passe, o chute, o drible, a cabeçada, a matada no peito, habilidades na condução da pelota, visão de jogo, enfim, tinha inteligência futebolística e atributos fora do comum.

Todas estas qualidades fizeram de Pelé um dos futebolistas, senão, “o futebolista”, mais famoso de todos os tempos. A popularidade que Pelé atingiu limites incomparáveis em sua época.

Pelé nasceu Edson Arantes do Nascimento. É natural de Três Corações, cidade de porte médio, ao sul de Minas Gerais, em 23 de outubro de 1940, conforme informações de seu site oficial. Poderia ter iniciado sua carreira no Atlético Mineiro, ou no Cruzeiro, mas o destino quis que ele surgisse como profissional no Santos Futebol Clube. O motivo: ele mudou-se com sua família para Bauru, em São Paulo.

Começou então a jogar em times infantis e juvenis locais, sendo sempre precoce em relação aos companheiros, e de lá o passo seguinte foi ingressar no Peixe, o glorioso alvinegro praiano. Pelé simplesmente imortalizou o Santos Futebol Clube. Logicamente existiam outros craques no elenco, mas nenhum deles com a capacidade de Pelé. “Criou”, com suas jogadas magníficas gerações de santistas. Muitos são aqueles que torcem pelo Santos por causa do Pelé. Aliás, todo mundo conhece alguém que torce pelo Santos por causa do Pelé.

Diz a história oficial, que fora descoberto por outro craque, Waldemar de Brito. Pelé iniciou sua carreira de profissional muito novo, apenas aos 15 anos, fato que por si já demonstra sua genialidade. Com 16 foi escalado para a Seleção Brasileira. Como se não bastasse, aos 17 já estava disputando uma final de Copa do Mundo, e não apenas disputando, estava vencendo sua primeira Copa do Mundo fazendo gol de placa numa final com direito a chapéu em zagueiro sueco.

Aliás, “gol de placa” surgiu por conta de um de seus maravilhosos gols. Conta a história que ao fazer um gol passando aos dribles magníficos por uma fila de jogadores do time adversário, o narrador da partida teria dito de forma eufórica que o gol havia sido tão lindo que mereceria uma placa para seu registro. A placa de fato foi feita, encontra-se no Maracanã até hoje, e a partir dali, os gols majestosos são apelidados de “gol de placa”. Várias e várias vezes foi artilheiro de campeonatos nacionais e internacionais. Projetou o alvinegro praiano mundialmente.

Pelé jogou em apenas dois clubes em sua carreira, coisa difícil de se ver hoje em dia no futebol. Jogou no Santos Futebol Clube e, retornou após sua primeira tentativa de aposentadoria para jogar no New York Cosmos dos Estados Unidos da América.

As estatísticas de Pelé não deixam dúvida que ele foi e sempre será um dos maiores atletas de todos os tempos. Não somente um dos maiores futebolistas, mas um dos maiores atletas. Pelé é o maior artilheiro de todos os tempos da seleção brasileira. Ao todo foram 95 gols. É o único jogador de futebol da história a conquistar três Copas do Mundo (1958, 1962 e 1970). Pelé fez quase 1.300 gols em sua carreira, marca incrível, com uma média de aproximadamente 0,93 gols por partida.

São de Pelé os títulos de Atleta do Século de todos os esportes pelo jornal L’Equipe, e “Atleta do Século” pelo Comitê Olímpico Internacional (informação do site oficial de Pelé), e de “Jogador de Futebol do Século XX” pela FIFA. Pelé foi e ainda é cultuado por muitos como herói, por seus feitos ao futebol.

Uma das histórias mais conhecidas e notáveis da história de Pelé refere-se a sua passagem pela África no final da década de 60. Naquela época, o Santos Futebol Clube fazia uma série de amistosos pelo mundo e em plena guerra Congo Belva houve uma trégua entre os rivais para que Santos de Pelé pudesse transitar e jogar dois amistosos no país africano. O episódio ficou marcado como o momento em que “Pelé parou a guerra”.

Houve outra oportunidade, menos importante do ponto de vistahistórico político, mas não menos interessante e até engraçada, quando um juiz foi expulso de campo por causa de Pelé. Ocorre que o referido juiz aplicou cartão vermelho em Pelé, mas todos no campo (era um jogo amistoso) foram ao jogo para ver o rei. Resultado: Pelé voltou aos gramados e o juiz foi substituído para que pudesse ser dada continuidade à partida.

O esporte desde a sua aposentadoria evoluiu muito. Evolui não no sentido de melhora, mas no sentido de adaptação. Como se fosse um darwinismo futebolístico… Logicamente não se deve cometer o pecado da comparação de jogadores atuais com os de outras épocas. Seria injusto, pois os recursos são outros, o momento é outro, todo o contexto é diferente. Mas mesmo cometendo este sacrilégio da comparação, e observando as suas jogadas mais famosas, como, por exemplo, “o gol que Pelé não fez”, lance protagonizado na final da Copa do Mundo de 1970 vencida pelo Brasil, pode-se com certeza dizer que Pelé tem espaço em qualquer time de qualquer época. Sobre este lance em especial foram realizadas análises técnicas profundas, que culminaram inclusive em livros técnicos sobre o assunto.

Pelé teve sua despedida definitiva como atleta em 1977 em partida disputada entre New York Cosmos e Santos Futebol Clube. A festa teve participação do mundialmente famoso boxeador Muhammad Ali. O jogo se deu nos Estados Unidos da América, sendo que Pelé, na oportunidade, jogou um tempo por cada time, marcando1 dos 2 gols do New York Cosmos, que venceu a partida pelo placar de 2 tentos a 1.

Anteriormente Pelé havia anunciado uma primeira despedida, em terras brasileiras, quando ainda jogava pelo Santos. Foi no ano de 1974, mas retornou aos gramados em campos americanos e fez lá contribuição semelhante ao que Zico fez ao Japão na década de 90.

Se dentro das quatro linhas Pelé é uma unanimidade, fora dos gramados sua conduta já foi por vezes contestada. Após aaposentadoria Pelé teve atuação na música, uma de suas paixões, no cinema, atuando no filme “Fuga para a Vitória”, o qual teve no elenco o ator americano Sylvester Stallone, e ainda participação em telenovela na TV aberta brasileira. Envolveu-se algumas vezes em sua vida pessoal em situações que repercutiram em certo escândalo público, como por exemplo, quando namorou a apresentadora Xuxa, e principalmente no episódio da prisão de seu filho, o também jogador de futebol Edinho, que atuava como goleirodo Santos Futebol Clube, por envolvimento com tráfico de drogas.

É justo dizer que Pelé tem certo reconhecimento por suas realizações fora de campo, destacando-se em ações de cunho filantrópico. Na marca de seu milésimo gol Pelé se atirou às redes, pegou a gol em mãos, beijou-a e disse a seguinte frase:

“Neste momento afirmo que devo tudo ao povo brasileiro. E faço um apelo para que nunca se esqueçam das crianças pobres, dos necessitados e das casas de caridade!”.

Ainda assim, a frase soou para alguns na época como demagogia.

Pelé foi ainda Ministro dos Esportes entre os anos de 1995 e 1998 sendo sua maior contribuição no período a criação da chamada “Lei Pelé”, a Lei n° 9615 de 24 de março de 1998, a qual dentre outras situações determinou a obrigatoriedade da transformação dos clubes em empresas.

Desde sua aposentadoria Pelé vem se dedicando principalmente a causas ligadas ao futebol, sendo embaixador mundial do esporte pela FIFA.

Foi por vezes acolhidopor diversos chefes de estado tendo inclusive recebido prêmio por seus feitos em carreira das mãos do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, além de ser recebido na Casa Branca pelo presidente Ronald Reagan e laureado com medalha de honra do império britânico pela Rainha Elizabeth II, sendo o único brasileiro a receber tal condecoração.

A mais recente honraria recebida foi o prêmio FIFA Ballon d’Or em 2014.

Em tempos de Copa do Mundo Pelé não se envolveu tão a fundo no evento como outros ex-atletas, seja na organização, a exemplo de Ronaldo Nazário, ou mesmo sendo um crítico do evento, como o caso do baixinho agora deputado Romário.

Talvez o rei, como a maioria de nós, esteja um tanto quanto decepcionado com aquilo em que se transformou este evento tão grandioso. As promessas de melhorias pelo Brasil afora em nada se concretizaram, sendo que até mesmo alguns estádios, faltando um mês para a Copa, não se encontram prontos.

Os gastos astronômicos com as arenas poderiam ser utilizados para resolverem muitos dos problemas de infraestrutura de que a nação tanto precisa. Somente o que foi gasto no Estádio Nacional de Brasília, o popular Mané Garrincha, daria para se ter construído cerca de 150 mil casas populares segundo informações passadas pela Assessoria de Imprensa do ex-jogador Romário.Isto sem comentar o fato de que vários estádios, como o próprio Mané Garrincha, assim como a Arena da Amazônia e outros tantos, muito possivelmente virarão grandes elefantes brancos por não se ter tradição futebolística nestas regiões.

Estes fatos acabam por tirar em muito o brilho da Copa.

O próprio Pelé em entrevista a revista Lance citou a questão dos estádios “superfaturados”, mas, segundo site da revista, pediu que eventuais manifestações acontecessem somente após a Copa, para fins de não estragar a festa. Pelé foi bastante criticado por isso, recebendo o que a revista Exame chamou de “vaia virtual”, onde milhares de pessoas nas redes sociais, responderam às declarações recordando uma fase dita por Romário em 2005: “Pelé calado é um poeta”.

Mas enfim, esta é outra história…

O fato é que Pelé, dentro do palco verde, deixou sua marca indelével na história do futebol. As frases de Armando Nogueira ilustram bem o que representou a carreira do rei:

“Se Pelé não tivesse nascido homem, teria nascido bola.“.

“Até a bola do jogo pedia autógrafo a Pelé.”.

Armando Nogueira.

Podemos até esperar que surja algum jogador parecido, mas igual ao rei, este seria um anseio inalcançável.

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Vamos falar da maldade?

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Dante e Virgílio no inferno, óleo de Delacroix

 

Com a vinda do papa Francisco ao Brasil, durante a Jornada Mundial da Juventude, uma avalanche de “sentimentos nobres” tomou conta de boa parte da população brasileira. O evento, nutrido pela fé católica no poder e na santidade do padre, exorta a perceber um típico exemplo de “contágio positivo”1, em que as expectativas e representações individuais se diluem diante de uma perspectiva comum mais abrangente e menos egoísta.

No entanto, esse “momento mágico” de “devoção”, afeto e entrega parece não ser a tônica dominante na maior parte da existência humana, particularmente na história do povo brasileiro, que apesar de ser retratado como calmo e ordeiro, notadamente vem escrevendo uma história marcada por conflitos (“Revolução” de Pernambuco, Conjuração Baiana e “Revolução” de 30, por exemplo), desunião (Guerra dos Farrapos e Guerra do Contestado, no Sul, e o recente Movimento São Paulo Independente) e maldades (quase 3 séculos de escravidão), como defende alguns dos grandes pensadores nacionais, a exemplo do historiador gaúcho Leandro Karnal (professor da Unicamp).

Afinal de contas, o ser humano em geral e o brasileiro em particular é essencialmente bom, faltando-lhes apenas reconhecer sua verdadeira natureza “iluminada”, ou ele é basicamente mal, tendo que ser constantemente “podado” pelas convenções sociais e pelas autoridades constituídas, para que seu lado grotesco não se aflore? Esse é um embate que há séculos divide as opiniões dos mais célebres filósofos. E além destes dois pontos de vista, há ainda o de que o homem é uma “folha em branco”, uma “tabula rasa”, sendo, portanto, fruto de suas experiências (ambientais, inclusive). Aristóteles (e mais tarde os empiristas) foi um dos maiores defensores desta tese.

No livro Leviatã, o filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), descreveu o homem como alguém completamente inclinado para o mau. Sendo assim, o desenvolvimento de ódio geraria mais prazer que desenvolver virtudes. Afinal, “os homens apressam-se mais em retribuir um dano que um benefício, porque a gratidão é um peso e a vingança um prazer”, como bem falou Tácito, na Roma Clássica, ao se referir à gratidão como o mecanismo que revela uma natureza frágil do homem. Se há gratidão por alguém, é porque este alguém fez um favor para “outro” em situação desfavorável. Na mesma linha, Leandro Karnal, ao comentar sobre o Leviatã, também discorre que “não optamos por um time por amar ele, mas por odiar outro [time]”.

Ou seja, em linhas gerais, o que esses pensadores falam é que o homem não se regozija com as práticas virtuosas mas, antes, deleitam-se com a derrota dos outros. Este ponto de vista não é compactuado pelos renascentistas, como Rousseau (1712-1778) que percebem o homem como um ser natural, cuja convivência deve ser balizada pela razão. E o homem natural de Rousseau não é um “lobo” para seus companheiros, ao contrário da concepção hobbesiana.

Diante destes pontos de vista antagônicos, e sem levar em conta a posição dos empiristas, é interessante ver o assunto “maldade” do ser humano sob o prisma da história. Com uma abordagem alinhada aos conceitos de Hobbes, Karnal diz que “se tivéssemos com nós o mesmo rigor que queremos do outro, o mundo seria outro”. Esta é uma crítica a um caráter supostamente autocentrado do homem, o que na visão do historiador, é um dos componentes que desencadeiam o ódio e a indiferença nas relações corriqueiras. “De forma geral, eu não sou um racista odioso, mas também não me oponho a uma piada contra nordestinos, gays e negros. Esse silêncio é pior que se posicionar”, denuncia Karnal.

O historiador fala que há uma espécie de pavor dos brasileiros em reconhecer a maldade e a inveja, e não encarar esses sentimentos de desprezo e ódio só faz com que velemos uma circunstância que acaba por “explodir” sob diversas facetas de violência, como as atuais e epidêmicas mortes no trânsito, só para dar um exemplo. “O trânsito no Brasil mata o equivalente a uma Guerra do Vietnã por ano”, alerta Karnal, para em seguida dizer que dificilmente alguém reconhece que é impaciente e violento no trânsito. “Afinal, tratamos a violência como um problema do outro, do desconhecido”, denuncia o historiador, que vê nesta espécie de “hipocrisia” o combustível para a cada vez mais crescente onda de brutalidade no país.

Essa “maldade” humana, para Karnal, está intimamente relacionada a um estilo de sociedade que ele denomina de “falocêntrica”. Ou seja, o povo brasileiro (e aí se inclui não apenas os homens e mulheres heterossexuais, mas também homossexuais, transexuais e transgêneros) cultuam (provavelmente de forma inconsciente) os aspectos do gênero masculino (força, brutalidade, movimento) em detrimento dos aspectos femininos (receptividade, complacência, perdão). Uma pessoa para ser considerada vitoriosa, no imaginário dominante, tem que “brigar”, “tomar à frente (satisfação)” e “fazer acontecer”. “O diálogo e a negociação são totalmente desencorajados”, diz Karnal, ao complementar que é a “força e o dinamismo” que seduzem a todos, em detrimento da “mansidão” e da “observação”.

No entanto, apesar de a maioria agir sob a égide citada acima, poucos são os que realmente se veem desta forma. O ódio, a inveja e a agressão são assuntos que não se discutem nos círculos de conversas, porque causam mal-estar. Karnal diz que isso vem das raízes cristãs do brasileiro, afinal “Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra!” (Sermão da Montanha). Também vale lembrar que a Ira é um dos sete pecados capitais.

Por tudo, a melhor alternativa para quem não quer se dar ao trabalho de se autoavaliar é jogar a culpa sempre no outro, ou em fenômenos externos. É criar mentalmente os “bodes expiatórios”. Assim, o mal e o inferno existem apenas “fora de mim”. Agir desta forma mantém as pessoas numa zona de conforto, impelindo-as de amadurecerem psicologicamente. O resultado disso é viver “eternamente” à procura de algo ou alguém a quem lançar o furor pelos sonhos não conquistados e pelas mais diversas frustrações da vida. E como bem pontuou Leandro Karnal, “acabamos por praticar tipos de violência que, nas relações cotidianas, passam despercebidas”. O desafio: olhar o/a outro/a apenas como diferente, nem como melhor, nem como pior.

Assim, a paciência e a gratidão, elementos que são amplamente exortados em momentos peculiares, como a vinda do papa Francisco ao Brasil (tirando os arroubos de emoção, que podem denotar mais histeria do que devoção), devem voltar a obter um lugar de destaque no “panteão” simbólico do imaginário coletivo. Um árduo objetivo, mas que se alcançado pode mudar completamente a vida das pessoas de corações “disfarçadamente” (e não reconhecidamente) amargurados – e violentos.

Nota
1 – A Felicidade é contagiosa – Revista Saúde é Vital – Editora Abril, disponível em http://saude.abril.com.br/edicoes/0311/bem_estar/conteudo_472117.shtml
Acesso em 17/07/2013

Referências:

COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. São Paulo: WMF, 2011.

SEVERINO, Roque Enrique. O Coração da Bondade. São Paulo: Clube do Livro, 2010.

HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Martins Claret, 2008.

ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Edipro, 2012.

KARNAL, Leando. O ódio no Brasil – palestra veiculada no programa Café Filosófico (TV Cultura) http://www.cpflcultura.com.br/2011/09/24/o-odio-no-brasil-leandro-karnal-2/ – Acesso em 16/07/2013

Jean Jacques Rousseau – Wikipédia –  https://pt.wikipedia.org/wiki/Jean-Jacques_Rousseau Acesso em 18/08/2013

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Carta ao Leitor

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Ilustração: Paulo André Borges

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