Estigmas e bifobia: o apagamento bissexual dentro da própria comunidade

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Para aquele que identifica-se como bissexual há sempre uma dupla jornada: a aceitação dentro da própria comunidade e a luta contra os estigmas sociais.

As orientações sexuais, conforme compreendidas na contemporaneidade, representam maneiras de viver através das quais buscamos compreender e explicar certos comportamentos, preferências e desejos (Simões; Facchini, 2009). Dominantemente, a compreensão das diversas sexualidades é influenciada por uma lógica que associa o sexo biológico, o gênero e o desejo, estabelecendo relações de oposição entre categorias binárias como feminino-masculino, homem-mulher e heterossexual-homossexual. Através dessa estrutura interpretativa, a norma heterossexual procura assegurar que as relações afetivo-sexuais dos indivíduos se baseiem em representações e papéis de gênero estritamente binários (Butler, 2018).

Quando se aborda práticas sexuais não alinhadas com a heteronormatividade, as bissexualidades e outras expressões sexuais fluidas ainda enfrentam desafios de compreensão. De fato, ao longo do tempo, as práticas bissexuais foram e continuam sendo frequentemente marginalizadas, associadas a estigmas como ilegitimidade sexual, não monogamia, infidelidade e transmissão de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). A bissexualidade, muitas vezes percebida como ambivalente, é por vezes invisibilizada na cultura que segue padrões heteronormativos e binários, sendo considerada uma orientação sexual questionável e controversa. Diante da dicotomia entre as categorias heterossexual e homossexual, a possibilidade de diversificar o objeto de desejo tem gerado tensões e conflitos dentro dos movimentos LGBTQIAP+ (Lewis, 2012).

Embora o termo “bissexual” tenha sido cunhado apenas no século XX para descrever a sexualidade de pessoas que sentem atração por mais de um gênero, as práticas que hoje identificamos como bissexuais já foram documentadas em épocas passadas e em diversas culturas. Exemplos incluem a antiguidade grega, japonesa e romana, bem como rituais de povos indígenas. Nas mitologias grega e romana, por exemplo, a “bissexualidade” era frequentemente atribuída à sexualidade de deusas e deuses (Lewis, 2012).

O termo “bifobia” está associado ao processo de invisibilidade e deslegitimação das experiências bissexuais, sendo utilizado para descrever reações negativas de pessoas heterossexuais, lésbicas e gays em relação à bissexualidade. Embora essa compreensão seja amplamente adotada por aqueles que se identificam como bissexuais, é comum que lésbicas e gays questionem sua legitimidade, argumentando que bissexuais só enfrentam discriminação quando estão em relacionamentos com pessoas do mesmo gênero. Nesse sentido, algumas pessoas lésbicas e gays sugerem que a discriminação enfrentada pelos bissexuais seja enquadrada nos termos da homofobia ou lesbofobia (Goob, 2008).

                                                                                        Fonte: Gerd Altmann por Pixabay

A deslegitimação da bissexualidade é um dos desafios enfrentados no autoconhecimento acerca da própria sexualidade

 

Além do conceito de bifobia, um termo cada vez mais proeminente na militância bissexual no Brasil e nas discussões acadêmicas internacionais é o “monossexismo”. Este termo é utilizado para descrever a crença social de que as orientações monossexuais (como heterossexualidade, homossexualidade e lesbianidade) são superiores e mais legítimas do que as orientações não monossexuais (como bissexualidade, pansexualidade, polissexualidade e sexualidades fluidas) (Ross, Dobinson, Eady, 2010). O monossexismo, conforme proposto por Shiri Eisner (2013), é concebido como uma estrutura social que pressupõe que todas as pessoas são monossexuais e considera desviantes as outras expressões e modulações da sexualidade.

Devido a uma percepção equivocada que as considera erroneamente como uma combinação de heterossexualidade e homossexualidade, as bissexualidades são frequentemente vistas como uma ameaça à coesão da identidade e do movimento homossexual. Como resultado, pessoas bissexuais frequentemente enfrentam marginalização dentro da comunidade LGBTQIAP+ (Lewis, 2012). É comum que pessoas bissexuais encontrem dificuldades em assumir sua sexualidade em ambientes predominantemente gays e lésbicos. Algumas afirmam que seria mais simples se conformar com a heterossexualidade ou até mesmo assumir uma identidade homossexual, em vez de sustentar abertamente uma identidade bissexual  (Gómez; Arenas, 2019).

No contexto de apagamento enfrentado pelas pessoas bissexuais, que envolve a negação de sua existência e a dificuldade em serem reconhecidas como bissexuais em contextos sociais, o processo de construção de suas identidades é frequentemente permeado por sentimentos como solidão e confusão. Esse cenário contribui para a vivência de vulnerabilidade, insegurança, arrependimento, frustração e impacta negativamente a qualidade de vida, a autoimagem e as relações interpessoais dos indivíduos. A bifobia é percebida como uma forma de violência silenciosa, manifestando-se em diversos contextos e tendo repercussões significativas na vida daqueles que a enfrentam diariamente  (Gómez, Arenas, 2019).

E diante dessas questões a bifobia é deslegitimada e colocada em cheque como algo superficial ou até mesmo inexistente. A minimização da bifobia como forma de preconceito é, em grande parte, decorrente da concepção equivocada de que pessoas bissexuais desfrutam da vantagem de evitar a discriminação ao se relacionarem com alguém de gênero diferente do seu. Essa percepção sugere que bissexuais seriam privilegiados em comparação com indivíduos homossexuais. A suposta proximidade dos bissexuais com a heterossexualidade levanta questionamentos sobre o potencial subversivo das bissexualidades em relação ao sistema heteronormativo (Caproni Neto, 2017).

Essa situação não apenas ameaça a expressão da sexualidade do indivíduo, mas também afeta a concepção pessoal de si mesmo, de quem é e do que sente. Paveltchuk, Borsa e Damásio (2019) destacam que a confrontação e a internalização de estigmas por pessoas bissexuais podem resultar em auto julgamentos negativos e questionamentos sobre sua sexualidade, levando a elevados níveis de confusão identitária e impactando adversamente a saúde mental desse grupo. Há uma pressão, tanto interna quanto externa, para que a experiência bissexual seja interpretada à luz da homossexualidade ou da heterossexualidade, uma vez que a bissexualidade, por si só, não é considerada uma opção válida.

Por fim, é claro que posicionar as bissexualidades como um dispositivo de subversão do sistema monossexista e binário, e como uma “categoria que desafia a categorização” (Caproni Neto, 2017), é crucial na construção do debate sobre os diversos mecanismos de opressão social. No entanto, é fundamental realizar um movimento de humanização das pessoas que vivem nessas áreas de tensão política e social, narrando diariamente as histórias que buscamos legitimar. No final do dia, são simplesmente indivíduos tentando viver – e sobreviver – em um mundo ainda fundamentado em um sistema heteronormativo, binário e monossexista.

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

CAPRONI NETO, Henrique Luiz. A bissexualidade (des) organizada: desenhos, estigmas e subversões. SEMINÁRIOS EM ADMINISTRAÇÃO DA FEA-USP, v. 20, 2017. Disponível em: <

DE OLIVEIRA PAVELTCHUK, Fernanda; BORSA, Juliane Callegar; DAMÁSIO, Bruno Figueiredo. Indicadores de bem-estar subjetivo e saúde mental em mulheres de diferentes orientações sexuais. Psico, v. 50, n. 3, p. e31616-e31616, 2019. Disponível em: <https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/revistapsico/article/view/31616> Acesso em 15 de novem. 2023.

EISNER, Shiri. Bi: Notes for a bisexual revolution. Seal Press, 2013.

 

GOOß, Ulrich. Concepts of bisexuality. Journal of Bisexuality, v. 8, n. 1-2, p. 9-23, 2008. Disponível em: <https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/15299710802142127> Acesso em 15 de novem. 2023.

 

GÓMEZ, Juan Pablo Perera; ARENAS, Ysamary. Development of Bisexual identity. Ciencia & saude coletiva, v. 24, p. 1669-1678, 2019. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/csc/a/VPxGFPV9CLHDtnDNMwBKr4w/?format=html&lang=en> Acesso em 15 de novem. 2023.

 

LEWIS, Elizabeth Sara. Construções Identitárias em narrativas de ativistas LGBT que se identificam como bissexuais. 2012. Tese de Doutorado. PUC-Rio.

 

ROSS, Lori E.; DOBINSON, Cheryl; EADY, Allison. Perceived determinants of mental health for bisexual people: A qualitative examination. American journal of public health, v. 100, n. 3, p. 496-502, 2010. Disponível em: <https://ajph.aphapublications.org/doi/full/10.2105/AJPH.2008.156307> Acesso em 15 de novem. 2023.

 

SIMÕES, Júlio Assis; FACCHINI, Regina. Na trilha do arco-íris: do movimento homossexual ao LGBT. Editora Fundação Perseu Abramo, 200

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Escola Indígena Mãtyk alimenta criatividade dos estudantes com ‘Restaurante da Leitura’

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Proposta da unidade de ensino é oferecer aos educandos um cardápio recheado de opções de incentivo à leitura

Núbia Daiana Mota/Governo do Tocantins

Receitas variadas preparadas à base de muita criatividade foram servidas no Restaurante da Leitura, criado pela Escola Indígena Mãtyk. Ao invés de alimentos, os estudantes degustaram textos de diferentes gêneros preparados pelos professores da área de linguagens com direito à sobremesa de palavras na língua indígena Apinajé.

O evento foi realizado na última semana, na Aldeia São José, pertencente à Regional de Educação de Tocantinópolis, e envolveu estudantes do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. A ação tem como objetivo fortalecer o desenvolvimento da leitura e incentivar o hábito em um ambiente diferenciado.

                                                                                                                    Fonte: SECOM.GOV.TO.BR

Após montarem os pratos, estudantes participaram de atividades de leitura

“Pensamos em oferecer aos estudantes diversas opções para que eles pudessem se deliciar com os prazeres que uma boa leitura proporciona. Ficamos muito satisfeitos com o resultado ao vermos os alunos encherem seus pratos com as opções do restaurante e se divertindo com as leituras”, relatou a coordenadora da Área de Linguagens Códigos e suas Tecnologias da unidade escolar, Fernanda Leal da Silva Matos.

Feijoada de textos, sopa de letras, salada de letras e suco de palavras foram algumas das iguarias disponíveis no Restaurante da Leitura. O estudante do 7º ano, Edinho de Kain Fernandes Sotero Apinajé, de 13 anos, avaliou positivamente o Restaurante da Leitura e destacou que a iniciativa lúdica contribui para alimentar o interesse pela leitura. “Foi muito bom, gostei das leituras que fiz. É uma coisa que pode acontecer mais vezes porque eu gostei bastante”, relatou.

                                                                                                                        Fonte: SECOM.GOV.TO.BR

 Iniciativa lúdica visa desenvolver e fortalecer o hábito da leitura entre os estudantes

Além dos professores de linguagens, os demais educadores e servidores da Escola Indígena Mãtyk também participaram da iniciativa, desde a preparação do cardápio até a montagem dos pratos e auxílio na leitura individual. “O engajamento dos servidores no desenvolvimento do projeto foi maravilhoso, que resultou nesse momento de muito aprendizado”, disse a professora de Língua Portuguesa, Laisia de Sousa da Cruz.

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Bissexualidade: quando sair do armário vira algo da vida toda e mesmo assim o próprio grupo inviabiliza a existência de parte da comunidade

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Na vivência da bissexualidade, as orientações sexuais são uma maneira de dar sentido a comportamentos, gostos e desejos humanos. No entanto, a compreensão predominante das sexualidades tende a ligar biologia, gênero e atração, enfatizando categorias binárias tradicionais como feminino-masculino e heterossexual-homossexual. Isso cria normas rígidas que limitam as relações afetivas e sexuais a papéis de gênero convencionais. Nesse cenário, pessoas que desafiam essas classificações são marginalizadas, incluindo indivíduos bissexuais. Eles enfrentam formas específicas de preconceito e, muitas vezes, não encontram apoio adequado na comunidade LGBTQIAP+.

Nas entrelinhas desta problemática levantada, mergulhamos no complexo mundo das orientações sexuais e como elas se entrelaçam com as normas da heterossexualidade. Aqui, somos testemunhas da marginalização sofrida por formas de sexualidade que desafiam o status quo, com destaque para a discriminação que atinge as pessoas bissexuais dentro da comunidade LGBTQIAP+.

Embora tenham desempenhado papéis fundamentais na luta pela diversidade sexual e de gênero, as pessoas bissexuais enfrentam um olhar desconfiado que as acusa de ameaçar a coesão do movimento, aparentemente por sua proximidade com a heterossexualidade. Mas a verdade é que o conceito de bissexualidade se expandiu ao longo do tempo, abraçando uma riqueza de identidades de gênero, indo muito além de uma atração por apenas dois sexos. No entanto, ainda falta à bissexualidade símbolos e estereótipos que a tornem mais facilmente reconhecível.

                                                                                                        Fonte:https://medium.com

Sou bi. não estou indecisa!

A discriminação que paira sobre as pessoas bissexuais, conhecida como bifobia, é uma tentativa de manter intactas as categorias monossexuais, preservando o confronto entre heterossexualidade e homossexualidade. Isso se manifesta de diversas formas, incluindo a ideia errônea de promiscuidade e a crença de que a bissexualidade é uma fase temporária de experimentação. Esse estigma cria uma pressão constante sobre as pessoas bissexuais, forçando-as a fazer uma escolha definitiva em relação à sua orientação sexual, algo que acaba por impactar profundamente sua qualidade de vida e relacionamentos.

O renomado jornal americano The New York time, publicou uma matéria (O “armário duplo”: por que algumas pessoas bissexuais lutam contra a saúde mental) sobre a revisão de 57 estudos, e descobriu que, quando comparadas com pessoas heterossexuais, as pessoas bissexuais apresentaram taxas mais elevadas de depressão e ansiedade, e taxas mais elevadas ou equivalentes dessas condições, quando comparadas com aquelas que se identificaram como gays.

A bifobia, uma violência silenciosa, insinua-se em várias esferas da vida daqueles que a enfrentam diariamente, gerando sentimentos de solidão, confusão, vulnerabilidade e insegurança. Diante dessa realidade, um indivíduo bissexual se encontra em um eterno sair do armário, mesmo que seja só para si mesmo. Heterossexuais não precisam se assumir, gays se assumem um par de vezes. Bissexuais vão se assumir por uma vida inteira.

Sites consultados:

https://medium.com/mulheres-que-escrevem/quem-tem-medo-de-se-dizer-bissexual-a313ce3a9180

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LGBTQIA+: Acadêmicos de Psicologia realizam evento sobre “lugar de fala” e reafirmação da vida

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Os acadêmicos de Psicologia da Ulbra Palmas, Eduardo Barros Carneiro, Romário Milhomens da Silva e Waldoyana de Kácia Alves de Queiróz, realizam o manejo de Grupo terapêutico para a comunidade LGBTQIAPN+ de Palmas, sob a supervisão do Prof. Sonielson Luciano de Sousa. A próxima ação dos acadêmicos é a mediação de um evento público no dia 30/09/2023, às 17h no Parque dos Povos Indígenas. O Grupo Terapêutico tem a finalidade de abrir espaços para que a Comunidade LGBTQIAPN+ se reúna e compartilhe suas vivências, garantindo e reafirmando o seu Lugar de Fala.

O Grupo Terapêutico foi criado pensando em atender a população LGBTQIAPN+, para oportunizar aos seus integrantes perceberem melhor o seu momento, seu empoderamento e Lugar de Fala ante a uma perspectiva social capaz de reconhecer e respeitar sua história de vida. A proposta é realizar momentos em que as pessoas possam ser ouvidas e acolhidas da melhor forma possível. Ante a inviabilidade social e desigualdades de acesso pessoal, profissional e até familiar, uma escuta entre iguais, onde o compartilhar promova fortalecimento dessa população incansável, na busca de validação de direitos mínimos.

Assim será esse momento, para acolher, ouvir e compartilhar, fortalecendo assim uma rede de apoio entre os pertencentes a essa Comunidade, valorizando pessoas, informando sobre os seus direitos, valorizando a sua história, mostrando o seu Lugar de Fala e reafirmação da vida.

Os acadêmicos têm realizado ações de divulgação nas redes sociais, em locais de grande fluxo desta população, além de canais oficiais da Universidade. O projeto tem ganhado notoriedade e reconhecimento por parte das pessoas que tem participado e acompanhado as redes sociais.

O grupo terapêutico é um trabalho de extensão do Projeto CRESCER da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA/PALMAS), na disciplina de Intervenção em Grupo. O presente trabalho tem parceria com a Instituição Casa A+ que fica localizada no Plano Diretor Norte da capital.

A casa A+ é uma organização não governamental e que acolhe a população LGBTQIA+ em situações de vulnerabilidades sociais. Buscando promover, fortalecer a saúde e os direitos humanos, sociais, econômicos, culturais e ambientais para a superação do HIV/AIDS. São quatro encontros com a comunidade dando a oportunidade de Lugar de fala, ocasião em que as pessoas LGBTQIA+ compartilham suas vivências com outras pessoas, assim, gerando o fortalecimento e vínculo com o grupo.

A realização do evento conta com a participação dos acadêmicos de Psicologia, Casa A+ e população. O presente trabalho tem o objetivo de ouvir as demandas da comunidade e contribuir nesse processo. Devido diversas demandas da comunidade LGBTQIA+, os acadêmicos estarão atentos e acolhendo a população que ainda sofre com tanta discriminação e violência.

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(En)Cena realiza intervenção sobre Saúde Mental em Unidade Básica de Saúde de Paraíso

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Nesta terça-feira, 19, o (En)Cena realizou uma intervenção pública na Unidade Básica de Saúde Leste da cidade de Paraíso do Tocantins. O tema da ação foi o cuidado com Saúde Mental dos idosos com usuários que se encontravam na fila de espera para o atendimento.

                                        Fonte: arquivo pessoal.

As estagiárias Heloysa Dantas e Giovanna Bernardo conscientizaram a população sobre temas relacionados à valorização  da vida e hábitos saudáveis, tendo em vista as atividades de prevenção ao suicídio realizadas durante o “Setembro Amarelo”. O enfoque na saúde mental dos idosos têm se tornado relevante com o aumento dos números de suicídios na velhice. Fatores de riscos estão associados à negligenciada pela sociedade, ao cuidado em saúde mental voltado apenas da juventude/adultez, além das dificuldades e demandas próprias do processo de envelhecimento.

                                                                              Fonte: arquivo pessoal.

Durante a ação, as acadêmicas de psicologia conversaram com as pessoas da fila de espera da Unidade Básica de Saúde e entregaram panfletos informativos, perguntando sobre hábitos e costumes que auxiliam no cuidado com saúde mental e sobre pilares essenciais nessa busca, como uma alimentação saudável, laços afetivos, busca por novas atividades/hobbies e atividades físicas. Além disso, conscientizaram a população sobre o Serviço Escola de Psicologia da Ulbra Palmas (SEPSI).

O portal (En)Cena foi lançado em 2011, idealizado e mantido pelos cursos de Psicologia, Ciência da Computação, Sistemas de Informação e Engenharia de Software da Ulbra Palmas. A proposta deste projeto tem como objetivo maior o fomento para a criação e a publicação de relatos de experiências que se caracterizam como estratégias substitutivas ao modelo hegemônico em saúde em produções textuais, imagéticas e sonoras que perpassam o campo da saúde mental. Trata-se, de maneira mais específica, de um Portal aberto ao compartilhamento de produções de narrativas textuais e imagéticas de professores, acadêmicos e usuários dos serviços de saúde que colaboram em diversas seções (Narrativas, Cinema, TV e Literatura, Personagens, Séries, Comportamento e Galeria).

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O começo do fim da comunidade Liberdade

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No ano de 1300 na região que hoje é conhecida como Brasil, existia um grupo de animais que viviam em uma vila chamada Liberdade. Habitavam ali bichos de várias espécies, entre eles mamíferos, pássaros e aves, répteis, anfíbios, uma fauna extensa. Nessa vila, viviam todos em harmonia, mesmo com suas diferenças e limitações. Cada um oferecia o que tinha capacidade de fazer para que todos tivessem suas necessidades supridas. Por exemplo, os pássaros apanhavam peixes para alimentar todos, além de avisar ao grupo se vinha chuvas ou não. 

 

Fonte: Google Imagens

 

Já a onça pintada, protegia as matas e a vila em que viviam. Além disso, atraia algum predador quando estavam escassos de carne e pelugem na época do inverno e de intensas chuvas. A floresta era linda. Repleta de flores, das mais variadas espécies, de plantas, de insetos e de uma extensa biodiversidade. Os animais viviam em completa harmonia. A organização deles não era de forma hierárquica e sim a mais horizontal possível, pois quando se tinha um problema, reunia o grupo e todos buscavam uma solução. Quando eram situações de grande urgência, o animal buscava o amigo mais próximo possível para ajudá-lo.

Contudo, o animal mais experiente era o que mais tinha peso nas palavras e nas decisões ali na vila, que era o javali conhecido como Jalim. Sua parcimônia em explicar a solução e frieza para calcular os próximos passos do que a vila faria em alguma situação geralmente se sobressaia sobre as opiniões dos restantes. Mostrava-se um ótimo conciliador, tentando equilibrar as partes mais extremas e ao mesmo tempo, decidir por todos. Quando se tinha muito alvoroço para decidir algum impasse, Jalim esperava todos falarem e rebatia com muita proeza as opiniões que eram as mais distorcidas.

A rotina da vila era de coleta de frutas, folhas e planta e de carne. As refeições eram realizadas duas vezes ao dia, sendo que a comida teria que estrar fresca. Tinha uma escala de coleta de comida para cada dia e turno. Depois, existia atividades em grupo, como brincadeiras, músicas e conversas fiadas ao redor de uma fogueira. Em seguida iriam dormir e posteriormente, se mudariam de lugar para um com mais recursos. 

Em um certo dia, logo pela manhã antes do sol raiar na vila, ainda com um leve aspecto de neblina, houve-se próximo a vila Liberdade disparos com um barulho ensurdecedor. Foram vários seguidos sucessivamente, sem pausa. Quando parou, todos já se encontravam alarmados no meio da vila. O Jalim, que se encontrava em um sono profundo, não tinha se atentado para o barulho e a onça pintada foi o chamar. Quando soube da situação, pediu para que os pássaros fossem sobrevoar a região que se procedia o incômodo. 

Araras e tucanos foram em conjunto fazer esta tarefa. Quando sobrevoaram e enxergaram a cena, levaram um tremendo susto e suas penas estremeceram. 

 

Fonte: Google Imagens

– Oh! Minha nossa! O que será isso? O que são esses homens com esses tocos finos pretos? Interroga de moto aflito uma das araras.

– Eu não sei! Mas coisa boa não parece ser. Exclama tristemente um tucano. 

Voltam desesperadamente para a vila e anunciam a tragédia iminente a todos de modo ofegante:

– Bicharada, o que vimos ali nunca tínhamos visto antes! São vários homens, vestidos dos pés a cabeça, e com vários tocos longos pretos que disparam para cima. Estão vindo em nossa direção e por onde passam, destroem a mata! Meu deus o que faremos? Exclamou desesperadamente o tucano, que já entrou em prantos logo em seguida depois de falar. 

As araras em seguida confirmaram sua versão:

– Exatamente! São vários e carregam várias coisas nas costas. Parecem estar bem preparados para alguma coisa. Mas e agora? 

Jalim ouvindo atentamente, assim como todos do grupo, foi um dos poucos, se não o único, que manteve-se controlado e sereno, mesmo temendo o pior. Jalim sabia que uma hora ou outra, isso iria acontecer e seria inevitável, pois já presenciou o mesmo episódio em sua infância, quando seus pais morreram queimados vindos das florestas da Bolívia. Ele esperou que todos falassem e pediu permissão para falar:

– Pessoal, minha vez. Como as araras e tucanos já afirmaram, eles estão bem equipados e por onde passam, destroem. Seria muito arriscado tentar qualquer proximidade com eles. O que vocês acham que devemos fazer?

Todos falaram simultaneamente, mas em seguida a onça pintada perguntou com sua voz grossa e valente:

– Mas por que será que não podemos tentar com eles uma aproximação assim como os indígenas que vivem aqui? Eles podem nos deixar em paz, se a gente os deixar também. O que acham? 

Alguns concordaram com eles, outros ficaram na dúvida de como seriam e outros afirmaram que iriam morrer se chegassem mais perto. O Jalim, ouvindo isso, o interrogou:

– O que te faz ter essa garantia sendo que eles passam pelos lugares e DESROEM tudo ao redor? Você não está assustado com esse barulho? Não entendeu o desespero do que as araras e os tucanos enxergaram? O que vocês acham? Direcionou-se às aves.

– Parece-me que eles não estão nada amigáveis com os indígenas que já estão aqui desde que nos conhecemos por bichos! Falou tristemente o tucano.

 

Fonte: Google Imagens

 

Todos ficaram reflexivos por um momento. A comunidade vivia em harmonia com os únicos seres humanos que já entraram em contato, que foram os indígenas. Eles tinham instrumentos que não os ameaçavam, se vestiam camufladamente e não os destruía. Era fato que os humanos que se aproximavam eram ameaçadores para eles. Nenhuma animal ali se sentia a vontade com a chegada deles. Além disso, o barulho estrondoso se aproximava cada vez mais. E foi aí que Jalim lançou a proposta:

– Bicharada, prestem atenção por favor! Estamos em perigo e isto é fato. O que faremos agora? Proponho irmos para o lugar mais distante possível, que tenha água e comida fresca mas principalmente água. Creio que estes que se aproximam irão trazer consigo a destruição.

Todos concordaram e começaram a se retirar em conjunto freneticamente em direção ao sudeste, que era o lugar contrário de onde vinham os disparos. Quando saíram, ouviram gemidos e gritos de desespero de alguns indígenas. Depois, aceleraram mais ainda os passos. 

Jalim e toda a vila Liberdade estavam cientes de que estes homens, poderiam futuramente os encontrar e não ser nada harmônico. Aquela convivência entre os animais da vila estava ameaçada e já não se sabia por quanto tempo. 

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Promoção de Qualidade de Vida na Comunidade: experiências de uma nutricionista do NASF

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Para discorrer um pouco sobre o tema e atividades desenvolvidas, entrevistou-se uma das profissionais atuantes no NASF em dois Centros de Saúde da Comunidade de Palmas/TO (1206 e 1304 Sul)

Sabe-se que a expectativa de vida vem aumentando, e com ela a necessidade de melhorar a qualidade de vida. O termo qualidade de vida está associado a uma gama de fatores e não apenas a saúde, “como bem-estar físico, funcional, emocional e mental, mas também outros elementos importantes da vida das pessoas como trabalho, família, amigos e outras circunstâncias do cotidiano, sempre atentando que a percepção pessoal de quem petende se investigar é primordial” (GILL & FEISNTEIN, 1994, apud PEREIRA et al., 2012, p. 244). Sendo assim, a promoção da saúde deve visar a contemplação das inúmeras esferas que o termo qualidade de vida abrange.

Nesse contexto, a Atenção Básica caracterizada como porta de entrada principal do SUS – Sistema Único de Saúde, constituindo um conjunto de ações de saúde, na esfera individual e coletiva, que abrangem a promoção e a proteção da saúde (BRASIL, 2013), conta com os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), também, para a promoção de ações voltadas à qualidade de vida daqueles que são acolhidos pelo serviço.

Para discorrer um pouco sobre o tema e atividades desenvolvidas, entrevistou-se uma das profissionais atuantes no NASF em dois Centros de Saúde da Comunidade de Palmas/TO (1206 e 1304 Sul). Bianca Dias Ferreira é nutricionista residente em saúde da família e comunidade, graduada em Nutrição pela Universidade Federal do Tocantins (2017), com linha de pesquisa em Práticas Integrativas e Complementares do SUS, Saúde Pública e Saúde Coletiva. É membro da Liga Acadêmica de Plantas medicinais e fitoterapia – UFT. Tem experiência na área de Nutrição, com ênfase em saúde pública, atuando principalmente nos seguintes temas: Promoção de Saúde, Fitoterapia e Educação Alimentar e Nutricional.

Fonte: arquivo pessoal

(En)Cena – Sabe-se que a qualidade de vida é um tema muito debatido atualmente, e que hoje existem muitos campos em que a nutrição pode agir a partir desse assunto; no NASF, qual a atividade que o nutricionista realiza para promover qualidade de vida?

Bianca Dias Ferreira –Enquanto atenção Primária à saúde o NASF está inserido e tem possibilidade de vínculo com a população do território de saúde. Isso oportuniza um grande leque de ações que podemos desenvolver enquanto NASF. Na nutrição atualmente realizo atividades coletivas e individuais com o objetivo de promover qualidade de vida: ações para promoção de modos de vida saudáveis em conjunto com as práticas corporais em um grupo semanal compartilhado com profissional de educação física; Apoio às ações do programa saúde na escola; Ações de educação em saúde em grupos de gestantes, puérperas e idosos da ESFSB; Educação alimentar e nutricional em sala de espera e em eventos específicos como semana do bebê, mês da qualidade de vida (abril), entre outros.

(En)Cena – Você acredita que este trabalho pode trazer maior bem-estar para pessoas que muitas vezes já perderam a esperança?

Bianca Dias Ferreira – Certamente. Observamos por exemplo, em um grupo de treino funcional e acompanhamento nutricional que a adesão ao grupo tem propiciado também melhor adesão a tratamentos de saúde, assim como tem melhorado o vínculo da população com os profissionais e serviços ofertados pela unidade.

(En)Cena – Há adesão de pessoas idosas em participar das atividades propostas aqui?

Bianca Dias Ferreira – Nos grupos de educação há uma adesão até que satisfatória nas programações em que eles são convidados. Mas, não podemos desconsiderar que ainda há uma cultura muito forte em que o modelo biomédico prevalece, então muitas vezes essa participação está atrelada ao que os mesmos receberão em troca, seja uma consulta, ou uma renovação de receita, isto, é claro não pode ser generalizado, pois há casos de que as pessoas participam porque gostam de se cuidar, ter um ambiente em que podem se expressar, aprender e compartilhar sobre temas relevantes à sua saúde, mas são uma minoria.

(En)Cena – Nos conte uma experiência, trabalhando com qualidade de vida, que te marcou?

Bianca Dias Ferreira – Inserção de práticas integrativas e complementares em saúde: Lian Gong e Auriculoterapia, pois os relatos dos pacientes sempre dão retorno positivo e é um feedback que gera redução no uso de medicações principalmente em dores osteomusculares, melhora da rotina de sono, ansiedade, entre outras. Acabou sendo uma das ações mais gratificantes que a equipe realiza.

 (En)Cena – Quando percebeu que era nessa área de atuação que você queria trabalhar, ou você acredita que esta área que te escolheu?

Bianca Dias Ferreira – Acredito que fui escolhida, pois desde a universidade sempre me interessei pela parte social da nutrição e quando iniciei a residência em saúde da família e comunidade entendi que na atuação em equipe sempre podemos desenvolver mais ações e contribuir mais com as necessidades da população.

(En)Cena – Quem pode participar das ações desenvolvidas e quais são os critérios de inclusão e exclusão?

Bianca Dias Ferreira – Toda a população pode participar. Nos grupos de práticas corporais são avaliadas as limitações físicas e cada paciente deve respeitar o limite do próprio corpo.

Fonte: arquivo pessoal

(En)Cena – Quais são as atividades desenvolvidas voltadas a qualidade de vida?

Bianca Dias Ferreira – Sessões de auriculoterapia, práticas corporais, treino funcional e Lian Gong, educação alimentar e nutricional em grupos educativos (gestantes, idosos, puericultura), grupos terapêuticos e sala de espera, grupo de apoio terapêutico ao tabagista, grupo de dores crônicas, grupo servidor saudável, apoio às ações do Programa saúde na escola…

(En)Cena – Que profissionais fazem parte da equipe?

Bianca Dias Ferreira – Nutricionista, profissional de educação física, psicóloga, assistente social, farmacêutica.

(En)Cena – Quais os maiores impactos vistos resultantes das atividades desenvolvidas na qualidade de vida daqueles que participam?

Bianca Dias Ferreira – Redução da usa de medicações, melhora na autoestima, melhora no vínculo com os profissionais.

(En)Cena – Quais são as maiores dificuldades que você percebe quanto a adesão das atividades?

Bianca Dias Ferreira – Desvincular as ações de promoção a saúde da lógica médica e biológica.

*Entrevista realizada como requisito da disciplina de Psicologia da Saúde

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde Mental. 176 p. Cadernos de Atenção Básica, n. 34. Brasília: Ministério da Saúde, 2013.

PEREIRA, Érico Felden; TEIXEIRA, Clarissa Stefani; SANTOS, Anderlei dos. Qualidade de vida: abordagens, conceitos e avaliação. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v. 26, n. 2, p. 241-250, 2012.

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Cidade de Deus: o poder das narrativas cinematográficas no retrato da realidade comunitária

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Cidade de Deus pode ser considerada uma das maiores obras do cinema nacional, seja pela sua importância na denúncia da violência, pelas atuações memoráveis, ou por, infelizmente, ainda retratar um cenário atual nas favelas

Cidade de Deus é um filme de 2002 dirigido por Fernando Meirelles, inspirado no romance homônimo escrito por Paulo Lins. Após seu lançamento, o filme ganhou grande repercussão nacional e internacional sendo indicado em quatro categorias no Oscar de 2004 [1], por retratar a guerra entre traficantes ocorrida na favela Cidade de Deus entre as de 70 e 80. Porém, a adaptação de Meirelles, assim como a obra de Paulo Lins, atraíram também críticas negativas, acusadas de fortalecer o estigma e o preconceito sobre a população da comunidade.

Fonte: https://bit.ly/2U4jHrn

Atrás das faces da violência há uma comunidade

A partir do lançamento do livro Cidade de Deus, Paulo Lins se tornou um nome de destaque na literatura nacional. A narrativa sobre a realidade da comunidade no rio de janeiro foi retratada sob o ponto de vista de quem sofre com suas mazelas, viabilizando uma rede que procurou dar voz a quem estava no “não lugar” dessas discussões [2]. Essa sensibilidade também pode ser percebida na obra de Meirelles, que contratou vários jovens de comunidades do Rio de Janeiro, inclusive de Cidade de Deus, resultando em personagens mais próximos da realidade [3].

O filme se passa inicialmente no conjunto habitacional Cidade de Deus, construído entra 1962 e 1965, pelo então governador Carlos Lacerda [3]. Com a transformação de Distrito Federal para Estado da Guanabara, Lacerda executou um projeto de remoção das favelas da Zona Sul da cidade, situadas no entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas. As comunidades foram deslocadas para um grande conjunto habitacional, a Cidade de Deus, ou CDD [4].

O processo de afastamento das comunidades pobres para a periferia no Rio de Janeiro não data apenas da década de 60, mas sim de um processo de higienização social iniciado no séc. XIX, com a tentativa do governo de deixar o Distrito Federal como uma Europa possível, inspirada em Paris. Porém, essa higienização apenas expulsou os pobres da região central, sem solucionar os problemas sociais, que se fazem presentes há mais de um século [5].

As 63 comunidades que foram agrupadas revelam a heterogeneidade dos moradores de Cidade de Deus, composta de operários, trabalhadores não-especializados, comerciantes, e profissionais liberais.  O crescimento desordenado do conjunto habitacional propiciou o processo de favelização ao longo dos canais do Rio Grande e do Rio Estiva [4]. Essa transformação é mostrada no filme, juntamente com o aumento da criminalidade e do tráfico de drogas.

Fonte: https://bit.ly/2tByA8N

A intensa frequência com que a comunidade foi mostrada pela mídia com o sucesso do filme, reforçou o estigma sobre os moradores, associados à violência e ao perigo. Apesar de não abordado no filme, nos anos 70 e 80 surgiram no bairro associações de moradores, agremiações de samba [4], e outras manifestações culturais como a Revista Nós, o Grupo Cultural Projeto (teatro), Grupo Liderança Cristã da Igreja Pai eterno São José, o Grupo Perspectiva de Teatro, o Jornal O Amanhã, a ONG Taidokan Karate Club – Centro de Estudos de Artes Marciais, Grupo de Cinematografia do CIMPA, Grupo Acorda Crioulo, porta voz do Movimento Negro na Cidade de Deus, entre outras [6].

Abaixo, um poema escrito por um morador da comunidade em 2017, publicado pelo blog “CDD na Web”:

Você Sabe Quem Eu Sou

Eu sei que você me conhece
Você sabe quem eu sou

Não?

Então vou te lembrar

Eu sou aquele que te chama a atenção na faculdade
Ou melhor, aquele que não está numa faculdade
Eu sou aquele que senta no fundão
Aquele que entra por trás
Aquele que sempre está atrás

De você

Sem pejoratividade
Sem representatividade
Aquele que é difícil chegar na melhor idade

Eu sou o filho da empregada
O menino do sinal
O vendedor de bala
Aquele cujo futuro é uma hipótese afinal

Difícil de lembrar?

Então leia com atenção
Você sabe muito bem quem eu sou
Eu sou a mancha que suja sua visão.

– Jonathan Benedicto [7]

Acusado de retratar apenas a violência na comunidade, Meirelles se pronunciou: “(…) a gente não inventou aquela história. É como um espelho: a culpa não é do reflexo, é da realidade que está sendo refletida” [2]. De certa forma, o filme Cidade de Deus faz-se positivo ao denunciar a difícil realidade na comunidade em meio à violência, mas também negativo ao aumentar o estigma e o preconceito sofrido pelos moradores. Para tanto, é necessário que as narrativas cinematográficas dêem ênfase também à comunidade e aos projetos sociais realizados, como um meio de diminuir a violência, que quando encenada chocou o país em 2002.

Fonte: https://bit.ly/2E4a1WZ

Buscapé e sua arma que só disparava fotos

Ao fazer paralelos com reportagens exibidas pela televisão nos anos 80, o filme revela sua influência do gênero documental. Por ser inspirada na realidade vivida pelo autor do livro, a narrativa conta com personagens que existiram na realidade, como Zé Pequeno, Mané Galinha e Bené. E Buscapé, personagem narrador do filme, existiu na vida real? Ele realmente conheceu os maiores traficantes da comunidade?

Sim! Buscapé foi um personagem inspirado no fotógrafo free-lancer José Wilson dos Santos. As principais semelhanças com a vida de José no filme foram as tentativas frustradas em se tornar um assaltante, ter ficado no fogo cruzado entre quadrilhas rivais e o fato de ter conhecido os chefões do tráfico na Cidade de Deus. Uma das histórias que José também viveu foi o assalto no mercado em que trabalhava, e por não querer identificar nenhum dos assaltantes, foi demitido [8]

Após mais de 16 anos de lançamento do filme, os números da violência na Cidade de Deus são similares. Em 2002, ano de lançamento do filme, foram registradas 84 mortes violentas no bairro. Com a criação da Unidade de Polícia Pacificadora, as mortes foram reduzidas para 49 em 2010 e 2011, mas voltaram a subir nos anos seguintes, chegando a 99 em 2016 [9].

Fonte: https://bit.ly/2GKai5c

Dados clínicos e análises históricas demonstram o grande impacto do cotidiano do espaço habitado sobre a auto-estima, o corpo, a saúde o bem-estar psicológico e físico, bem como nos relacionamentos afetivos, profissionais e demais fatores envolvidos na qualidade de vida [10]. “As armas estão muito mais potentes, os bandidos são mais jovens que os antigos. Os antigos tinham certa sabedoria. Não estou defendendo, nem banalizando. Acredito que havia menos mortes antes do que hoje. A violência antes era menor que hoje”, declara o ator Alexandre Rodrigues, que interpretou o personagem Buscapé, ao G1 [9].

Cidade de Deus pode ser considerada uma das maiores obras do cinema nacional, seja pela sua importância na denúncia da violência, pelas atuações memoráveis, ou por, infelizmente, ainda retratar um cenário atual nas favelas do Rio de Janeiro. O envolvimento com a película deixou grandes marcas na vida de todos os envolvidos nessa produção, principalmente para os moradores, que vivem essa realidade no cotidiano. O espectador que desligar a televisão, o computador, ou sair da sala de cinema após ver o filme deve ter consciência disto: a comunidade Cidade de Deus vai muito além do que falam sobre ela.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

CIDADE DE DEUS

Título original: Cidade de Deus
Direção: Fernando Meirelles
Elenco: Alexandre Rodrigues, Leandro Firmino, Seu Jorge, Alice Braga;
País: Brasil
Ano: 2002
Gênero: Drama

REFERÊNCIAS:

[1] MURARO, Cauê. Quase lá: relembre indicações do Brasil ao Oscar; país nunca ganhou. G1. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/pop-arte/oscar/2015/noticia/2015/02/quase-la-relembre-indicacoes-do-brasil-ao-oscar-pais-nunca-ganhou.html>. Acesso em: 22 fev. 2019.

[2] RIBEIRO, Paulo Jorge. “Cidade de Deus” na zona de contato: Alguns impasses da crítica cultural contemporânea. Revista de crítica literaria latinoamericana, p. 125-139, 2003. Disponível em: < http://as.tufts.edu/romlang/rcll/pdfs/57/9-RIBEIRO.pdf>. Acesso em: 21 fev. 2019.

[3] PENKALA, Ana Paula. Cidade de Deus e o olhar documental: Estratégias formais para a denúncia da violência. XI Colóquio Internacional sobre a Escola Latino-Americana de Comunicação, 2007. Disponível em: < http://www.academia.edu/download/3371043/99l8hhz0sgzhb7t.pdf>. Acesso em: 21 fev. 2019.

[4] CDD NA WEB (Rio de Janeiro) (Ed.). História da Cidade de Deus. 2015. Disponível em: <http://cddnaweb.com.br/28/>. Acesso em: 22 fev. 2019.

[5] SIQUEIRA, Denise da Costa Oliveira. João do Rio, repórter da pobreza na cidade. Em questão, v. 10, n. 1, p. 81-93, 2004. Disponível em: < https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6134750>. Acesso em: 22 fev. 2019.

[6] WELLINGTON MORAES FRANÇA (Rio de Janeiro). REVISTA NÓS da CDD: Não estávamos sós na CDD dos anos setenta e oitenta!. 2012. Disponível em: <https://revistanosdacdd.blogspot.com/search?updated-max=2013-10-27T00:36:00-07:00&max-results=7>. Acesso em: 22 fev. 2019.

[7] BENEDICTO, J. Você Sabe Quem Eu Sou. In: CDD NA WEB. 2017.  (Rio de Janeiro) (Ed.).  Disponível em: <http://cddnaweb.com.br/voce-sabe-quem-eu-sou/>. Acesso em: 22 fev. 2019.

[8] ALVES FILHO, Francisco; MAGNO, Carlos. Fotógrafo, José Wilson dos Santos inspirou o personagem Buscapé, de Cidade de Deus. 2017. ISTOÉ Cultura. Disponível em: <https://istoe.com.br/21469_IDENTIDADE+REVELADA/>. Acesso em: 22 fev. 2019.

[9] TORRES, LÍvia; TITO, FÁbio; GRANDIN, Felipe. Filme ‘Cidade de Deus’ faz 15 anos em meio a aumento da violência na comunidade: ‘Convulsão social’, diz ‘Zé Pequeno’. G1 Rio de Janeiro. 2017. Disponível em: <https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/filme-cidade-de-deus-faz-15-anos-em-meio-a-aumento-da-violencia-na-comunidade-convulsao-social-diz-ze-pequeno.ghtml>. Acesso em: 22 fev. 2019.

[10] VASCOCELOS, N. A. Qualidade de Vida e Habitação. In: DE FREITAS CAMPOS, Regina Helena. Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autonomia. Editora Vozes Limitada, 2017.

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Dias de (des)construção em minha(s) experiência(s) com o SUS

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Dez dias de desconstrução. 40 pessoas com as quais nunca convivi ou conheci, sendo elas de todas as partes do Brasil. Incontáveis momentos de crescimento, aprendizado e construção de afeto. Esse foi o VER-SUS Tocantins 2018/1, Programa de Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde desenvolvido pelo Ministério da Saúde em parceria com a Rede Unida e com os serviços de saúde do Estado.

O VER-SUS Tocantins 2018/1, em suma, consistiu em conviver durante 10 dias com pessoas de todos os lugares do país no único objetivo de viver uma imersão dentro do SUS através de visitas nos Centros de Saúde da Comunidade de algumas cidades do Estado como Porto Nacional e Tocantínia. No conhecimento de Práticas Integrativas e Complementares em Natividade e nas discussões de temas que perpassam a prática do profissional em saúde como o preconceito racial, as questões de gênero, raça, classe, LGBTQ+ e outras mais.

A emoção inunda meu coração e meus pensamentos, me faz relembrar de muitos dos melhores e também mais desafiadores momentos por mim já vivenciados durante minha pouca idade e minha quase finda graduação. Não falo apenas de crescimento profissional, de aprendizado rígido e sem afetações. Falo de um lugar de evolução pessoal, de conexão com o outro dentro de sua realidade, falo de me despir dos meus valores na busca por compreender o novo. Nunca imaginaria passar por tão rica experiência. Sinto-me grata e nesse relato deposito parte do que construí juntamente com tantas outras pessoas com as quais convivi, cresci, aprendi e compartilhei o pouco que sei.

Muitos dos meus pré-julgamentos e da minha ignorância foram aniquilados. É imensurável a quantidade de perguntas que ainda rondam meus pensamentos. Ainda me toma a emoção ao relembrar de momentos tão marcantes com os quais tive a oportunidade de crescer e aprender mais sobre o Sistema Único de Saúde com profissionais, estudantes e usuários de diversas realidades.

Evelly Silva. Fonte: arquivo pessoal

 No momento em que me percebi imersa nesse movimento de busca por maior entendimento acerca do SUS, vi então quão grande responsabilidade estava sobre todos nós que aceitamos vivê-lo durante esses 10 dias. Isso porque ao passo em que se entende mais sobre algo, é importante que se exerça um papel político acerca do que se sabe, além de procurar disseminar esse conhecimento a todos que querem ou precisam ouvir.

A confirmação dessa prerrogativa veio por doses em cada dia de vivência. Me senti grata, receosa, mas disposta a buscar o que fui procurar: um novo significado para minha formação, aprendizado e o afeto que por vezes deixei de alimentar pelo SUS. Ao redigir esse relato posso afirmar com toda a certeza que o que trago comigo transcende tudo o que fui buscar, que as marcas dessa vivência me colocaram no lugar da reflexão, mas também no lugar de luta, que o afeto que tanto reneguei hoje pulsa forte e rega minhas práticas como estudante e futura psicóloga

Após um certo tempo dedicado a reflexão pude perceber o quão caricata e equivocada era a imagem que eu alimentava em relação ao SUS. Não quero com isso dizer que não existem fraquezas no sistema, mas quero afirmar que não existem somente elas, como me era aparente em minha visão unilateral dos acontecimentos. Ainda existem profissionais comprometidos com a filosofia e com os princípios norteadores que devem guiar a prática de cada um de nós enquanto trabalhadores e enquanto estudantes.

Visita dos integrantes do VER-SUS em Tocantínia-TO. Fonte: arquivo pessoal

Tive o privilégio de conhecer profissionais em Centros de Saúde da Comunidade, tanto no interior do Estado quanto em capitais que tendo ou não toda a estrutura necessária para sua prática não abre mão de um atendimento resolutivo e de qualidade. Também notei a busca por melhorias no sistema e nas condições de trabalho, lutas necessárias que vão de encontro do momento de retrocessos na saúde em que estamos vivendo no Brasil.

Presenciar histórias dolorosas regadas de sabedoria e resiliência dos moradores do assentamento Clodomir Santos de Morais em Brejinho de Nazaré – TO deixou marcas profundas em mim. Todos os meus preconceitos em relação ao Movimento dos Sem Terra, ao estilo de vida e ao modo como essas pessoas encaram as dificuldades ficaram nas águas daquele rio que cercava o assentamento. Que me lavou da minha ignorância e me clareou a visão sobre o que é ser um profissional ético, que exercita o cuidado e respeito pelo outro e busca resoluções que façam sentido para cada indivíduo em sua complexidade, que se coloca no lugar do indivíduo e escuta com afeto cada palavra do sujeito que ali está.

Pude compreender que não bastam equipamentos de ponta para que o serviço seja eficiente, mas que em primeiro lugar vem o trabalhador que atende, que acolhe e respeita a história de vida do usuário. O SUS é constituído de todas essas ferramentas rígidas, mas ainda assim, em primazia, ele é feito de gente, é feito de nós. Mas o que nós temos feito dele?

Enquanto trabalhador do SUS, existe um papel político a ser desempenhado e esse papel tem estreita relação com o cuidado com o outro, cuida-se seu pão do café da manhã, cuida-se da água que se bebe, de alimento que se come, da terra em que se planta. Não se trata apenas da doença, se trata da promoção da saúde, do respeito pelos recursos naturais, pela preservação da cultura e no incentivo a práticas que promovam saúde e bem-estar em todas as áreas da vida dos brasileiros.

Ao relembrar de todas essas experiências e de outras mais que não estão nesse relato, o sentimento de gratidão me renova, ressignifica minha formação. Me torna melhor do que fui ontem e me faz querer ser ainda melhor do que sou hoje. Me pergunto que profissional serei eu. A resposta é clara: a melhor que eu posso ser. Me conforta saber que me sinto útil em lutar pelo SUS e me emociona sentir que não estou só.

Integrantes do VER-SUS Tocantins 2018/1. Fonte: arquivo pessoal

Que busquemos um no outro a força necessária para conquistar todos os dias o SUS que queremos levar para nós. Um SUS realmente baseado na justiça social, na universalidade, integralidade e equidade, que não se valha da moralidade, mas sim do respeito à diferença. Que preze pelo atendimento igualitário, que não faça distinção de raça, classe social, orientação sexual ou estilo de vida, mas que veja o sujeito em sua complexidade e o atenda em suas necessidades respeitando suas limitações. Que nossa luta não seja em vão e que nossos passos não sejam solo.

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