Laranja Mecânica: com quantos condicionamentos se faz um homem?

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O filme faz um uso espetacular de cenários e figurinos que provocam horror e repulsa ao telespectador, que se vê imerso em uma espécie de freekshow/horrorshow o tempo inteiro

Laranja Mecânica, filme baseado na obra homônima de Antony Burguess, é estrelado por Malcolm MacDowell que interpreta o personagem Alex, um jovem inclinado à violência que acompanhado de seu grupo de amigos Pete, Georgie e Dim, usa de agressões físicas, sexuais e psicológicas para satisfazer seus impulsos mais intensos.

Se você se deparasse com Alex e seus companheiros de grupo no meio da rua, já notaria uma caracterização de figurinos bastante peculiar. Trajados com macacões brancos, portando porretes nas mãos e manchas de sangue espalhadas por toda vestimenta, compõem um grupo que trabalha objetivando praticar a violência com qualquer pessoa que apareça em sua frente.

O filme faz um uso espetacular de cenários e figurinos que provocam horror e repulsa ao telespectador, que se vê imerso em uma espécie de freekshow/horrorshow o tempo inteiro. Um desses artifícios é um clube chamado Leiteria Korova, que tem por cenário vários manequins de mulheres em posições de sexo, que ora são usadas como mesa ora são usadas como garçonetes, uma vez que ao pressionar uma alavanca abaixo delas, as mesmas expelem leite pelos seios.

Fonte: encurtador.com.br/gtFPZ

A apelação sexual é intensa através desses cenários, que a todo instante fazem alusão aos sucessivos estupros que Alex e seu bando cometem às mulheres da sua cidade. Tal ato de violência é denominado por eles como “o velho entra e sai”, o que traz uma concepção de simplicidade a uma prática tão horrível, intensificando assim um sentimento de horror experimentado nas cenas de estupro.

Além dos comportamentos de estupros, o grupo de freekshow agride pessoas de forma brutal e irônica. Uma cena do filme que retrata bem isso se dá quando eles encontram um senhor de idade bêbado no meio da rua que lhes pede dinheiro. O pobre idoso se vê caçoado pelo grupo e principalmente pelo próprio Alex que diz “não suporto bêbados jogados a rua. Mas principalmente velhos bêbados”, sendo então agredido a socos, pontapés e cassetetes, salvo apenas devido ao surgimento da polícia.

O arsenal de violências corria muito bem, até que um dia Alex trata seus companheiros de forma opressora jogando-os dentro de um lago e cortando a mão de um deles. Esse fato se deu pelo desejo de um dos seus amigos de propor as atividades do grupo, o que para o nosso personagem principal era inaceitável, já que existia apenas um líder, e esse líder era ele.

Fonte: encurtador.com.br/lpsvI

Essa falta de compreensão e companheirismo renderia a Alex a traição de seu bando, que consequentemente acarretaria na sua prisão pelo assassinato de uma senhora dona do SPA que eles haviam invadido.

A análise do comportamento aplicada à vida de Alex

Ao ser pego, Alex foi enviado para uma prisão e lá ficou sabendo de um projeto piloto de procedimento experimental, que prometia “curar” os detentos de seus impulsos violentos. Animado com a ideia pediu ajuda ao reverendo da instituição para que ele fosse indicado ao tratamento. E assim foi feito, sendo o protagonista enviado como cobaia ao projeto piloto.

O procedimento consistia em dar a Alex um remédio no início do dia e em seguida expô-lo a situações de violência em um grande telão. Nesse momento, seu corpo estava imobilizado por uma camisa de força e seus olhos presos com certo tipo de arame, para que em hipótese alguma ele conseguisse se livrar de ver as cenas.

Após algumas sessões do experimento, o resultado apareceu. Todas as vezes que Alex experienciava situações de violência ou sentia desejo de praticar comportamentos violentos, ele sentia um enorme enjoo e desconforto, que lhe provocavam ânsia de vômito e muita tontura. Mas o que aconteceu com Alex? Ele teve seu comportamento condicionado!

Fonte: encurtador.com.br/GOWZ4

A Análise do Comportamento, ciência que estuda o comportamento humano, acredita que o homem é fruto do meio em que está inserido. E que comportamentos podem ser ensinados e aprendidos através da união dos estímulos e consequências corretos.

Quando dizemos que Alex teve seu comportamento condicionado, queremos dizer que a consequência do experimento foi a responsável por manter essa sua nova reação às situações de violência. Explicando melhor temos que um comportamento opera na lógica da contingência tríplice de acordo com a Análise do Comportamento (MOREIRA e MEDEIROS, 2019).

A contingência tríplice pode ser representada pela fórmula S – R –> S, que traduzida traz S (estímulo antecedente) – R (comportamento) à S (consequência) (TODOROV, 2012).

No caso de Alex a situação se configura da seguinte forma: S (remédio que provoca enjoo) – R (assistir cenas de violência) –> S (vômitos e tontura). Mas por que toda vez que Alex presencia cenas de violência ele se sente mal? Por que para ele as consequências de ver cenas de violência são aversivas ou punitivas.

Fonte: encurtador.com.br/ajxEV

A Análise do Comportamento traz que existem consequências de comportamentos consideradas aversivas ou positivas, e que estas são responsáveis pelo aumento ou diminuição de determinado comportamento. Quando uma consequência aumenta uma determinada prática chamamos de reforço, e quando ela diminui chamamos de punição (MOREIRA E MEDEIROS, 2019).

Para Alex experienciar situações de violência se tornou uma punição, já que todas as vezes que ele passava por essas situações, as sensações de enjoo e tontura vinham juntas. Sendo assim, a frequência do comportamento de violência diminuiu devido à consequência aversiva (TODOROV, 2012).

O “sucesso” do experimento é posto à prova, já que a trama do filme vem trazer também uma pegada de sarcasmo e vingança, fazendo com que o personagem sofra nas mãos de todas as pessoas que ele já havia feito algo de ruim. Portanto, uma sucessão de eventos ruins, desde o abandono dos seus pais à surra de seus ex- amigos colaboram para que Alex entre em um colapso e tente se suicidar.

 

Ao final cabe uma reflexão sobre as práticas de experimentos com seres humanos e como essas práticas devem ser aplicadas. Levando em consideração não só os desejos do cientista, mas, sobretudo, o desejo do indivíduo que se sujeita a essas situações. É sempre válido lembrar que a ética em experimentos com seres vivos sempre deve estar presente!

FICHA TÉCNICA

LARANJA MECÂNICA

Título original: A Clockwork Orange
Direção: Stanley Kubrick
Elenco: 
Malcolm McDowell, Patrick Magee, Michael Bates
Ano: 1972
País: EUA

Gênero: 
Ficção científica,Drama

 

REFERÊNCIAS:

MOREIRA, Márcio Borges; MEDEIROS, Carlos Augusto de. Princípios Básicos da Análise do Comportamento. Porto Alegre: Artmed, 2019. 320 p. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=0LdwDwAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT261&dq=principiso+basicos+da+analise+do+comportamento&ots=WAZQkCc6wF&sig=R0df4BxtqPx5MJS1aCCQiak9bl0#v=onepage&q=principiso%20basicos%20da%20analise%20do%20comportamento&f=false>. Acesso em: 27 fev. 2019.

TODOROV, João Claudio. O conceito de contingência tríplice na análise do comportamento. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 4, n. 18, p.123-130, 05 nov. 2012. Disponível em: <https://www.revistaptp.unb.br/index.php/ptp/article/view/1116>. Acesso em: 27 fev. 2019.

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É possível aprender observando?

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Também conhecida como aprendizagem social, a aprendizagem por observação se dá por imitação, moldagem, ao se observar o comportamento de terceiros, como maior exemplo disso temos os pais. Podemos não reproduzir necessariamente suas expressões, porém certamente adquirimos alguns dos seus padrões sociais (DAVIDOFF, 2001, pág. 131).

Esta aprendizagem acontece em 4 etapas, aquisição, retenção, desemprenho e consequências. No primeiro momento ele irá observar seu modelo e reconhecer sua conduta, no segundo momento vai armazenar as respostas deste modelo, no terceiro momento vai reproduzir o comportamento do modelo em que o aprendiz julgar apropriado e, por último, as consequências de sua conduta vão enfraquecer ou fortalecer esse aprendizado para que seja efetivado ou não.

É mais comum que se aprenda o comportamento de pessoas com estilos de vida compatíveis com os nossos, quanto a faixa etária, classe social, temperamento, níveis de instrução. NO caso das crianças, elas podem ter até mais de um modelo para suas atitudes. Os adultos tendem a se inspirar em pessoas famosas, glamorosas, poderosas e que tenham altos status.

É muito comum meninos de inspirarem em seus heróis de quadrinhos e de desenhos, eles copiam seus jargões, suas atitudes, seus “poderes” dentro de casa, na sua escola, nos seus ambientes de convívio social. Isso pode ter consequências boas e ruins, pode ocorrer, na pior das hipóteses, de um indivíduo bater no outro, arremessar coisas, porque viu o seu modelo apresentar esse tipo de atitude na televisão ou no gibi.

Esse é um dos maiores motivos de preocupação dos pais e educadores quanto aos jogos violentos, as crianças ficam habituadas a situações de violência e já não se afligem com situações de perigo. Isso pode tanto despertar interesse e apetite por violência quanto tirar o senso de sensibilidade da criança em situações de risco para os outros e para si mesmas (DAVIDOFF, 2001, pág. 132).

Condicionamento operante

 Operante é tudo aquilo que se faz foi intenção e vontade própria, “Embora os operantes pareçam espontâneos e sob pleno controle animal, são altamente influenciados por seus efeitos. ” (DAVIDOFF, 2001, pag. 109). Já o condicionamento operante acontece a cada momento, praticamente em todas as nossas ações e interações. Por exemplo, você vai conhecer a sogra e faz um macarrão, porém ela não gosta, isso já te condiciona a não fazer mais aquele tipo de macarrão para ela. As situações são moldadas pelos seus efeitos.

Este condicionamento pode se dar por reforçamento e punição. O reforçamento pode ser positivo e negativo. No reforço positivo você adiciona algo para aumentar um comportamento, por exemplo ao passear com o seu cachorro você dá um biscoito a ele por andar com a coleira mais perto de você. No caso você adicionou o biscoito para aumentar a caminhada lado a lado.  Já o reforço negativo você retira algo para aumentar um comportamento, por exemplo na mesma situação do cachorro, para que ele ande lado a lado com o dono o dono retira o ato de andar na frente do cachorro fazendo com que o cão aumente o ato de andar ao seu lado.

Fonte: https://bit.ly/2JIyrLx

 A punição pode ser positiva e negativa. Na punição positiva você adiciona algo para diminuir um comportamento, por exemplo ao passear com o seu cachorro e ele começa a puxar a coleira para ir para fora da pista, você a puxa de volta, ou seja, está adicionando o ato de estrangular para que ele diminua o ato de sair da pista. Já na punição negativa você diminui algo para diminuir um comportamento, na mesma situação do cachorro saindo da pista, você para o passeio para ele parar de puxar a coleira indo para fora da pista. Então você diminuiu o ato de passear/ andar para que o cão diminua o ato de sair da pista.

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Ivan Pavlov: a descoberta acidental revolucionária

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Você já sentiu seu coração acelerar ao ver algum animal? Tem algum tipo de fobia? Já ficou enjoad@ ao sentir o cheiro de certas comidas? Teve frio na barriga ao ser avaliad@? Se sim, esses comportamentos foram aprendidos, e a explicação desse fenômeno foi feita por Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936).

Pavlov nasceu no vilarejo de Riazam, na Rússia, em 26 de setembro de 1849. Filho de um pastor, sua família decidiu acompanhar os passos de seu pai. Ninguém imaginava que o menino com desempenho escolar abaixo da média um dia ganharia o premio Nobel. Ao concluir o ensino médio, Ivan entrou para o Seminário Eclesiástico de Raizam. Porém ao conhecer as traduções para russo dos artigos científicos ocidentais, o jovem se apaixonou pelas teorias darwinianas e abandonou a educação religiosa. Foi à Universidade de São Petersburgo, se formou em medicina com especialização em fisiologia animal. Depois de formado, Pavlov se mudou para Alemanha, onde estudou as áreas por mais dois anos, antes de decidir voltar a São Petersburgo e ser assistente em um laboratório de fisiologia (LEFRANÇÓIS; LOMONACO, 2008).

Universidade de São Petesburgo. Fonte: https://bit.ly/2Jp8IUt

Mais tarde foi nomeado professor de farmacologia, e aos 41 anos passou a chefiar o departamento de fisiologia. Seus trabalhos se tratavam majoritariamente de fisiologia, especialmente com processos digestivos. Só depois dos seus 50 anos que o fisiologista descobriu acidentalmente o que se nomeia Condicionamento Clássico (ou Condicionamento Pavloviano) fase que durou por mais 30 anos (LEFRANÇÓIS; LOMONACO, 2008).

Em seu laboratório, Ivan estudava os reflexos salivares de cães (salivação como resposta ao alimento). Em um procedimento cirúrgico, fez-se uma fístula próxima às glândulas salivares dos cães participantes do experimento, e inseriu-se uma mangueira por onde a saliva saia e era medida em função da qualidade e quantidade de comida apresentada aos animais. Pavlov descobriu acidentalmente que outros estímulos também estavam causando a salivação, como o som das pegadas ao se aproximar do experimento ou a simples aproximação da hora em que a comida era servida (MOREIRA; MEDEIROS, 2007).

A partir dessas observações, o cientista desenvolveu seu experimento clássico. Usando o cão como sujeito experimental, Pavlov passou a emparelhar o estímulo sonoro se uma sineta, que não causava nenhuma resposta inicialmente, a apresentação de carne, que naturalmente já eliciava a resposta de salivação. Após cerca de 60 emparelhamentos, o cão passou a apresentar a resposta de salivar apenas com o som da sineta. O fisiologista provou então que é possível aprender um novo reflexo (MOREIRA; MEDEIROS, 2007).

Fonte: https://bit.ly/2GD6e7d

Aprendizagem Emocional

Um tema que desperta curiosidade, é os motivos pelos quais as pessoas sentem emoções. Os reflexos e respostas emocionais inatos são uma forma mínima de preparação para interagirmos com o ambiente que nos cerca, em relação de valor com a sobrevivência. As emoções não surgem “do nada”, precisam de um determinado contexto e interagem com nossa fisiologia, sendo em grande parte relações entre estímulos e respostas, comportamentos respondentes, ou seja, não controláveis (MOREIRA; MEDEIROS, 2007).

Com os estudos Ivan Pavlov, descobriu-se que os organismos podem aprender novos reflexos, desse modo, podem também aprender a sentir emoções que não estavam em seu repertório comportamental quando nasceram. Um experimento amplamente conhecido sobre Condicionamento Pavloviano e emoções foi realizado por James B. Watson (1878 – 1958)  com Albert, um bebê de dez meses, para o qual foi apresentado um rato com o qual ele não apresentava medo.  Emparelhou-se então o estímulo do rato com um barulho alto, o que fazia com que Albert se assustasse e chorasse. Após emparelhamentos sucessivos, somente a presença do rato fazia com que Albert tivesse medo. Com isso, Watson atestou que as emoções podem ser aprendidas e modeladas (MOREIRA; MEDEIROS, 2007).

Fonte: https://bit.ly/2GBWQ3y

Implicações Educacionais

Embora não seja um tema muito abordado, o Condicionamento Pavloviano é um fenômeno comum nos processos de aprendizagem. Gostar ou não gostar de aprender pode ter a ver com algum processo de condicionamento, principalmente emocional, relativo a professores, matérias e avaliações.

Estímulos que eram neutros podem passar a eliciar respostas condicionadas agradáveis ou desagradáveis aos estudantes. Estímulos Incondicionados (que não causam resposta) como um professor calmo e sorridente, ou outro rígido e áspero, podem fazer as disciplinas que ministram serem Estímulos Condicionados (que eliciam resposta) agradáveis ou incômodos. Da mesma forma que Pavlov emparelhou a sineta à comida, palavras também podem ser emparelhadas a situações, causando grande carga emocional (MOREIRA; MEDEIROS, 2007). Para tanto, a potenciação de possíveis estímulos agradáveis, e minimização de aspectos desagradáveis, juntamente com o conhecimento das associações realizadas por quem aprende, podem ser opções de condicionamento para uma melhor aprendizagem (LEFRANÇÓIS; LOMONACO, 2008).

Fonte: https://bit.ly/2JqEvo0

Um ícone para a Psicologia

Assim como Fechner, Weber, Titchener e Wundt, Ivan Pavlov era fisiologista e psicólogo. Apesar de afirmar que não era psicólogo e chamar a atenção de seus aprendizes quando usavam terminologia psicológica em vez de fisiológica, escreveu artigos e teorias sobre temas psicológicos, como hipnose e paranóia, contribuindo também de maneira inestimável para as primeiras teorias da aprendizagem (LEFRANÇÓIS; LOMONACO, 2008).

O garoto com baixo desempenho escolar se tornou um ícone para a psicologia, com sua teoria sendo estudada até hoje em academias de todo o mundo. O Ganhador do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1904, que fez sua grande descoberta por acaso, é atualmente o principal teórico na explicação dos reflexos aprendidos, e também referência em estudos da Análise do Comportamento por seus experimentos revolucionários.

Fonte: https://bit.ly/2IzrTd9

REFERÊNCIAS:

LEFRANÇOIS, Guy R.; MAGYAR, Vera; LOMONACO, Jose Fernando Bitencourt. Teorias da aprendizagem: o que a velha senhora disse. Cengage Learning, p. 30-44, 2008.

MOREIRA, Márcio Borges; DE MEDEIROS, Carlos Augusto. Princípios básicos de análise do comportamento. Artmed Editora, p. 29-43, 2007.

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It – Uma Obra-Prima do Medo: o palhaço e os medos da infância

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“Crianças, a ficção é a verdade dentro da mentira, e a verdade desta ficção é bem simples: a magia existe.”
Stephen King

Stephen King e a obra-prima do medo

Este escritor é, talvez, a maior referência mundial no gênero terror/terror psicológico. Suas obras fazem jus ao sobrenome que soa tão assustador hoje em dia. Agora, imagine aos 19 anos, quando começou sua carreira como autor. Inspirado em obras como Hobbit, de J. R. R. Tolkien, o jovem King tentou criar o seu próprio universo, ser diferente, não se prender ao que havia lido e aprendido, por mais fascinante que fosse.

Uma curiosidade é que parte de suas histórias são ambientadas ou tem algum tipo de ligação com o estado do Maine, Estados Unidos, local onde nasceu. Por exemplo, as adaptações como Conta Comigo (1986), Cemitério Maldito (1989) e It: Uma Obra Prima do Medo (1990) se passam, de alguma forma, nesta localidade. Ou seja, não são apenas universos, mas ninhos, como se tudo tivesse acontecido com o próprio Stephen King.

O autor também tem a “mania” de criar personagens que o representam nos contos. Em “It”, o personagem William Denbrough (Jonathan Brandis) é um garoto que escreve contos de terror e sonha ser escritor. Já tinha feito isso com Gordie Lancaster (Wil Wheaton), em “Conta Comigo”. É uma forma mais enfática de mostrar a todos como funcionam seus pensamentos, como ele reagiu ou reagiria às situações que apresenta.

Curiosidades à parte, Stephen King é conhecido não só pelo talento em criar sensações de medo nos leitores/espectadores, mas por dar vida ou poder às coisas. Pennywise, por exemplo, é fruto da aversão coletiva instaurada após John Wayne Gacy ter assassinado mais de 30 crianças, em Chicago, se fantasiando de palhaço para atraí-las. E o filme aborda bem isso, já que “A coisa” também é um tipo de espírito maligno que se aproveita da inocência de indefesos.

Com o iminente lançamento do remake de It, King foi alvo de inúmeras críticas de palhaços profissionais. Para eles, o filme afeta o julgamento do público quanto à profissão, denegrindo suas imagens e, por consequência, influencia nos negócios. Em resposta, em seu perfil oficial no Twitter, o escritor disse:

Os palhaços estão com raiva de mim. Desculpem, a maioria (deles) são ótimos. Mas… crianças sempre tiveram medo de palhaços. Não matem os mensageiros pela mensagem

Stephen King.

Se pararmos para pensar, o autor tem razão. Em algum momento de nossas vidas sentimos medo de coisas ou seres de aparência amigável e que não deveriam representar um tipo de ameaça. Então, por que ainda sentimos medo?

O medo e as respostas emocionais condicionadas

Algo certamente curioso são os motivos pelos quais as pessoas sentem emoções, nesse caso o medo e aversão. Segundo Moreira e Medeiros (2007), os reflexos e respostas emocionais inatos são uma forma mínima de preparação para interagirmos com o ambiente que nos cerca, em relação de valor com a sobrevivência. As emoções não surgem “do nada”, precisam de um determinado contexto e interagem com nossa fisiologia, sendo em grande parte relações entre estímulos e respostas (comportamentos respondentes, ou seja, não controláveis).

Com os estudos Ivan Pavlov sobre os reflexos, atualmente sabe-se que os organismos podem aprender novos reflexos, e a isso se deu o nome Condicionamento Pavloviano. Desse modo, se os organismos podem aprender novos reflexos, também podem aprender a sentir emoções que não estavam em seu repertório comportamental quando nasceram (MOREIRA; MEDEIROS, 2007).

No filme, um grupo de amigos de infância é convidado a se reunir novamente em sua cidade natal, Derry, pelo único membro que permaneceu morando ali por todos esses anos, Mike Hanlon. Mike os convoca a cumprir uma promessa que fizeram quando crianças: regressar se “It” ou “A Coisa” voltasse a atacar. A partir desse ponto, o espectador passa a descobrir aos poucos quem é Pennywise e o que aconteceu em Derry.

Assim como ocorre naturalmente durante o desenvolvimento, Os Sete Sortudos (Lucky Seven originalmente) também aprenderam seus medos. O medo de cada um deles possuí características diferentes, que foram exploradas por Pennywise. Sobre o aprendizado do medo, no ano de 1920, James B. Watson (1878 – 1958) ficou conhecido com o caso do pequeno Albert e o rato. Watson tinha a intenção de verificar se o Condicionamento Pavloviano (aprendizagem de novos reflexos) teria utilidade no estudo de emoções.

Watson realizou seu experimento com Albert, um bebê de dez meses, para o qual foi apresentado um rato, do qual ele não apresentava medo (MOREIRA; MEDEIROS, 2007).  Emparelhou-se então o estímulo do rato com um barulho alto, o que fazia com que Albert se assustasse e chorasse. Após emparelhamentos sucessivos, somente a presença do rato fazia com que Albert tivesse medo. Com isso, Watson provou que as emoções podem ser aprendidas e modeladas (MOREIRA; MEDEIROS, 2007).

Cada flashback para a infância dos personagens mostra ataques “personalizados” que Pennywise realizou: como o medo que Richie tinha de Lobisomens, devido a um filme de terror; o ataque contra Eddie nos chuveiros, envolvendo sua vergonha quanto ao seu corpo e biotipo; e a experiência que Bill teve com a perda de seu irmão, relembrada no ataque que sofreu. O medo e a aversão tanto de Albert, quanto das crianças do filme, possuem a mesma natureza: Experiências condicionantes.

Coulrofobia: o medo de palhaços

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), a Coulrofobia (fobia de palhaços) se encaixa na categoria de Fobias Especificas nos Transtornos de Ansiedade. A característica essencial das fobias específicas é medo ou ansiedade acentuados acerca do objeto ou situação (estímulo fóbico), nesse caso, envolvendo figuras que representem palhaços. “O medo, ansiedade ou esquiva causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo” (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014, p. 197).

Seu desenvolvimento pode ser ocasionado geralmente por eventos traumáticos, observação de outras pessoas que passam por um evento traumático, um ataque de pânico inesperado na situação que virá a ser temida ou ainda por transmissão de informações (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014). Dessa maneira, a polêmica envolvendo tanto o filme de Tommy Lee Wallace, quanto o livro de King, se deu pelo aumento de casos de Coulrofobia, principalmente nos Estados Unidos.

“Eu sou todo pesadelo que você já teve.”

 

Essa série de elementos aversivos para os personagens também têm um apelo para o espectador (vale aqui uma menção à cena do bueiro, por exemplo), somado à aparência e comportamento de Pennywise, incomodam em um horror diferente do convencional. Ao invés dos sustos sucessivos comuns nos filmes do gênero, IT tem o poder de literalmente perturbar e afligir a quem assiste, algo que seria um ponto interessante a ser explorado no reboot de 2017, que infelizmente não contará com a empolgante atuação de Tim Curry.

REFERÊNCIAS:

MOREIRA, Márcio Borges; DE MEDEIROS, Carlos Augusto. Princípios básicos de análise do comportamento. Artmed Editora, 2009.

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V). Trad. Márcia Inês Corrêa Nascimento et. al. 5. ed.  Artmed, 2014.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

IT – UMA OBRA-PRIMA DO MEDO

Diretor: Tommy Lee Wallace
Elenco: Tim Curry, Richard Thomas, Annette O’Toole, Jonathan Brandis, Brandon Crane;
País: EUA
Ano: 1990
Classificação: 16

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O Comportamento Verbal de B. F. Skinner

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O livro O Comportamento Verbal (Editora Cultrix com a colaboração da Editora da Universidade de São Paulo, 1978, 557 p.) de B. F. Skinner é um dos livros mais complexos e valiosos do autor, sendo considerado pelo próprio o mais importante de sua carreira; nesta obra, é apresentada uma análise funcional de um dos comportamentos mais fascinantes do homem: o comportamento verbal.

A obra descreve pormenorizadamente o que é comportamento verbal, quais são os tipos de comportamento verbal, como esse comportamento se forma e se mantém no repertório comportamental de um homem, bem como suas formas de controle e como ele opera no meio, em diversas áreas, como no modo do homem se portar diante de outros homens como também na literatura etc.; a obra é dividida em cinco partes, distribuídas em 19 capítulos, dois epílogos pessoais do autor e um apêndice.

Skinner começa O Comportamento Verbal falando que é possível ser feita uma análise funcional do comportamento verbal, pois este é considerado um comportamento operante como qualquer outro, com a única diferença de ter a necessidade de ter uma mediação social, ou seja, é necessária a presença de um ouvinte para que o comportamento verbal seja produzido pelo falante. Todavia, este ouvinte é tanto um ouvinte literalmente como um leitor ou espectador e por falante também há referência àquele que fala e àquele que escreve. Deste modo, o autor ainda questiona certas concepções feitas pelos linguistas ou teóricos da linguagem que são tradicionalistas e ainda define alguns tipos de operantes verbais que servem como um modo de classificação e como unidades de análise do comportamento verbal. São eles: o mando, o comportamento ecoico, o comportamento textual, o comportamento intraverbal e o tato, sendo eles explanados pormenorizadamente pelo autor, cada um com sua definição, características e tipos.

É óbvio que o ouvinte tem um papel muito importante no comportamento verbal, sendo ele uma das variáveis ambientais que causam, mantém e controlam esse tipo de comportamento. Partindo disso, Skinner define vários papéis do ouvinte enquanto ouvinte, enquanto leitor, enquanto espectador e também define os conceitos de auditório, que também serve como uma unidade de análise do comportamento verbal como os outros operantes verbais citados posteriormente.

Skinner dá uma importância muito grande no que ele chama de causação múltipla do comportamento verbal, enfatizando ainda mais que o comportamento verbal, assim como qualquer outro comportamento operante, possui causações ambientais e não internas, isto é, causações que partam de alguma possível entidade mental do homem. Portanto, o autor também fala de estimulações suplementares para o comportamento verbal, sempre dando a atenção devida à mediação social feita pelo ouvinte para o falante.

Outros pontos que devem ser destacados é a definição que o autor faz do comportamento autoclítico, que é um comportamento verbal que depende de ou se fundamenta em outro comportamento verbal e que prepara o ouvinte para o que o falante vai dizer após a emissão de um autoclítico. Assim como os outros operantes verbais, Skinner trata de sua definição, características e tipos, servindo também como uma unidade de análise do comportamento verbal do homem. Além disso, há também as alusões que o autor faz referindo-se à punição e à extinção do comportamento verbal, à correção e autocorreção do comportamento verbal etc.

Por fim, é interessante salientar que Skinner não se preocupa somente em explicar o comportamento verbal enquanto um falante interagindo “diretamente” com um ouvinte, mas também faz alusões do comportamento verbal na literatura e do comportamento verbal lógico e científico; nos últimos momentos do livro, sendo os dois epílogos pessoais e o apêndice, o autor faz alusões do seu próprio comportamento verbal no livro, apresenta motivos pelos quais dá a devida importância a esse conspícuo comportamento e fala um pouco mais sobre a comunidade verbal que cerca o falante que emite o comportamento verbal.

Como foi dito anteriormente, o próprio Skinner considera essa obra a mais importante de sua carreira. E isso não é de se espantar. Ele foi um dos poucos autores que promoveu uma análise tão bem feita do comportamento verbal do homem, um dos comportamentos mais importantes de serem compreendidos, por razões óbvias. O livro possui uma linguagem técnica, o que requer uma atenção especial por parte do leitor, por ser uma linguagem um tanto quanto densa. Todavia, este livro em particular, não deve ser lido às pressas ou de forma “crua”, diga-se de passagem. Como o próprio Skinner recomenda, deve ser feita a leitura prévia do livro Ciência e Comportamento Humano (do mesmo autor) para melhor compreensão do O Comportamento Verbal.

Esta obra é recomendada para estudantes de Psicologia a partir do 3º ano de graduação ou que, pelo menos, já possuam um bom conhecimento da teoria behaviorista de Skinner e para psicólogos behavioristas/ analistas do comportamento. Também é interessante para estudantes de letras e para linguistas que porventura se interessem por uma análise do comportamento verbal de um ponto de vista diferente do tradicional, sendo não mentalista, com ênfase no ambiente em que o sujeito está inserido.

B. F. Skinner foi um psicólogo americano, nascido em 1904, que, influenciado por outros autores como Ivan P. Pavlov, Edward L. Thorndike e John B. Watson, deu início a uma nova visão de homem para a Psicologia: a visão do Behaviorismo Radical. Entre suas principais obras, além desta resenhada, encontram-se Ciência e Comportamento Humano (Ed. Martins Fontes), Sobre o Behaviorismo (Ed. Cultrix) e O Mito da Liberdade (Summus Editorial). Além de obras técnicas, o autor também escreveu uma novela baseada nos princípios da ciência comportamental, o Walden II: uma sociedade do futuro (Editora Pedagógica e Universitária). Skinner manteve-se academicamente ativo até a sua morte, ocorrida em 18 de agosto de 1990, decorrente de leucemia.

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