Zumbis talvez sejam o tema mais popular da literatura, do cinema, e da televisão. É impressionante a quantidade de obras que se dedicam à criatura morta-viva, que possivelmente tem suas origens no folclore do Haiti.
O que é mais interessante na história deste ser fantástico, e que sempre o faz voltar com sucesso em diversas obras artísticas, é como os valores da sociedade, especialmente no que diz respeito ao amor e à família, são constantemente testados.
Fonte: https://goo.gl/LVVk12
Qualquer um pode se tornar um zumbi, desde que este seja mordido por um (e desde que seu cérebro fique intacto). Assim, familiares veem seus entes mais queridos, não somente se tornarem vítimas da criatura, mas voltarem à vida para caçar os vivos. E o único modo de se salvarem é destruindo o cérebro dos mortos-vivos. O incrível conflito desta premissa sempre faz dos zumbis umas das criaturas mais dramáticas dos gêneros da ficção cientifica e do horror.
Mas isto não significa que obras podem ser desleixadas e ter sucesso apenas repetindo o passado. Especialmente depois que obras clássicas, como The Walking Dead, fizeram tanto sucesso, novas produções precisam recriar os clichês deste gênero de modo criativo.
Fonte: https://goo.gl/xarJ5d
Santa Clarita Diet, criado por Victor Fresco para a Netflix, traz exatamente isso. Ao invés de mostrar pessoas morrendo e imediatamente voltando à vida como monstros, o seriado mantém a inteligência e consciência do morto-vivo. Assim, o conflito não é somente em relação aos humanos que fogem dos zumbis, mas também em relação aos sentimentos das próprias criaturas, que não querem seguir o instinto e comer seus entes queridos. Mais importante, isto traz a comédia com estilo de sitcom para o gênero, algo original.
E os atores caem como uma luva neste conceito criativo. Drew Barrymore interpreta Sheila Hammond, uma mulher de família, casada com Joel (Timothy Olyphant) e mãe de Abby (Liv Hewson). Depois de ter se tornado uma morta-viva, Sheila e sua família tentam lidar com a situação de maneira cômica e arrepiante, sempre com a ajuda do engraçadíssimo Eric Bemmis (Skyler Gisondo), amigo de Abby.
Fonte: https://goo.gl/hSP6WY
Na primeira temporada, presenciamos o momento em que Sheila começa a se tornar a criatura temida. Ninguém sabe o porquê da transformação, mantendo um mistério divertido que complementa as cenas horripilantes com as engraçadas. Porém, na segunda temporada, a razão por trás de tudo começa a se fazer presente.
Embora tentativas de explicar como zumbis foram criados sempre falharam por destruir o suspense necessário no gênero do horror, Santa Clarita Diet aumenta este por não tentar ser uma cópia as ideias de obras anteriores. Assim, a cada passo que uma nova pista é descoberta, mais perguntas surgem e mais mistérios aparecem. A segunda temporada começa lenta, mas depois de alguns episódios se torna mais engraçada e mais divertida do que a primeira. Personagens secundários também são mais bem desenvolvidos e enriquecem a história, especialmente Eric Bemmis, que se torna cada vez mais importante para o seriado.
Nessa continuação, Sheila percebe que precisa se controlar mais, para evitar que acidentes irreversíveis (como comer uma pessoa) ocorram. Joel, em contrapartida, quer descobrir como sua mulher foi infectada e virou um morto-vivo. Apesar dela já ter contido a decomposição de seu corpo, Sheila e Joel precisam proteger não apenas o segredo dela, mas também toda a família que agora parece ser alvo de uma investigação, e tudo graças ao comportamento estranho da zumbi.
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Os percursos da Democracia: reflexão, crítica e conflito
A democracia é, atualmente, uma forma de governo que abrange todo o Ocidente. De origem grega, o termo designa o poder que é exercido pelo povo (demos: povo; kratía: poder). O presente trabalho aborda, sobretudo, a perspectiva de Goldhill (2007), para compreender o contexto de desenvolvimento desse sistema, bem como contrastá-lo com a democracia moderna. O contexto social da Grécia Antiga, mais precisamente em Atenas, no século VI a.C., contribuiu para a adoção de diversas medidas políticas, estas culminando em uma forma de governo democrático.
As sociedades ocidentais afirmam constantemente a relevância de uma política fundamentada na democracia. Esta é compreendida como a melhor estrutura de governo, desprezando-se aquelas que lhe são opostas, tais quais os regimes ditatoriais. Mais que mero exercício popular do poder, a democracia implica em reflexão, crítica e conflito [1]. Desde o seu surgimento “A discussão era indispensável […]. O povo ateniense queria que cada questão lhe fosse apresentada sob todos os seus diferentes aspectos e que lhe mostrassem claramente os prós e os contras” [2].
Fonte: http://zip.net/bptHNj
Considerando seu emprego usual nos discursos políticos de grande parte das sociedades, convém voltar-se aos primórdios da democracia para além da origem conceitual. A exploração histórica que remete a Atenas de 2.500 anos atrás se justifica ao passo que “Os democratas precisam questionar que forma deve tomar seu governo, e como ele se compara com outras formas de autoridade, hoje e no passado” [1]. O panorama fornecido pela Grécia Antiga permite que se compreenda os rumos que a democracia tomou no decorrer dos séculos, bem como suas possibilidades e limitações.
Primórdios da democracia
Atenas era governada por uma classe privilegiada de aristocratas, os quais detinham o poder político e econômico. Antes de a democracia ser implementada de fato, Goldhill destaca dois nomes que a influenciaram positiva e negativamente. O primeiro, Sólon, foi líder da cidade-Estado em 590 a.C. De acordo com o autor, dentre as medidas adotadas, destaca-se o direito de todos os cidadãos em recorrer a um júri, e a servidão tornou-se ilegal quando implicava em empréstimos feitos pelos abastados aos mais pobres. Tais ações foram positivas visto que favoráveis às classes populares.
O segundo líder, Pisístrato, tornou-se um ditador em 560 a.C. Sua influência é considerada negativa devido a liderança de um grupo de homens das colinas, visto que “A tirania era o trunfo desse […] grupo” [1]. Apesar de ser reconhecido como um tirano, o autor mencionado revela que Pisístrato realizou grandes obras que contribuíram ao desenvolvimento cultural de Atenas.
Bustos de Sólon e Psístrato, respectivamente.
Após a queda de Pisístrato e seus liderados, entra em cena a figura principal a firmar a estrutura para o estabelecimento da democracia: Cleistenes. Em 508 a.C., ele conquistou a liderança de Atenas e propôs
[…] a completa reorganização da política referente ao espaço de Atenas, e com isso o senso de pertencimento, de cidadania. Ele requeria que todo cidadão – cidadãos emancipados do sexo masculino, maiores de 18 anos – se registrasse em uma deme. […] O importante impacto político dessas bases se dava no estabelecimento de estruturas de autodeterminação em cada uma das comunidades, concedendo a elas um senso de responsabilidade por tudo o que acontecia ali [1].
As demes eram como distritos, porém, constituídas com base no sentimento de pertencimento de cada cidadão que a habitava. Atenas organizava-se em dez conjuntos de demes, formando tribos que autogeriam-se e possuíam estruturas religiosas e financeiras próprias [1]. A responsabilidade tratada acima se relaciona ao fator de grande destaque na democracia ateniense: o poder concedido aos homens, que de forma igualitária tomavam as decisões referentes a cidade-Estado. Por meio da Assembleia e das cortes populares, Cleistenes contribui à participação popular na tomada de decisões políticas, retirando da autocracia os privilégios quanto a tais questões.
A participação ativa na política era um sinônimo de cidadania, algo sobremodo relevante para os atenienses. No entanto, estabeleceu-se às custas da exclusão de mulheres, homens escravos, menores de idade ou aqueles que não fossem atenienses (nascidos em Atenas, bem como os seus genitores). Betthany Hughes destaca em documentário [3] que, “De cada três pessoas que moravam em Atenas uma era escrava. Os atenienses eram vigorosos democratas porque tinham […] os prisioneiros de guerra feitos escravos para realizar o trabalho sujo”. Corroborando com a ideia de Aristóteles quanto ao servilismo inato de determinadas classes [1], tem-se uma das bases inconvenientes sob as quais a democracia se desenvolveu.
Cleistenes. Fonte: http://zip.net/bvtHx7
Apesar dos aspectos negativos dessa democracia, a partir de Cleistenes,
Pela primeira vez, o povo de um Estado estava comprometido com a autodeterminação, com a autonomia e a responsabilidade para tomar decisões – a tarefa de governar. Cleistenes estabeleceu os princípios estruturais por meio dos quais a democracia ainda funciona: cidadania baseada em afiliações locais e nacionais, instituições administradas por e para os cidadãos, estruturas de poder combinadas e responsáveis, num sistema de controle mútuo das repartições governamentais [1] .
Estrutura democrática ateniense versus democracia moderna
O funcionamento da democracia na antiga Atenas revela o quão engajado estava o cidadão ateniense no agir político da cidade-Estado. Ali, a participação era o estandarte. Assim, é delineado o contraste entre o agir democrático em seus primeiros tempos com o dos tempos hodiernos, onde os indivíduos limitam-se a assistirem passíveis o desenrolar político de sua comunidade.
O significado de cidadania unia os cidadãos atenienses, independentemente da posição social que eles tivessem. Aos que eram das classes mais baixas e não tivessem condições financeiras para participar de certa atividade política, como uma eleição, outorgava-se lhes dinheiro para que pudessem ir ao local no qual exerceriam papel de sujeitos democráticos. O ideal era que todos participassem enquanto sujeitos que conheciam e se importavam com seu sistema de tomada de decisões.
O modo pelo qual eram escolhidos os oficiais – exceto o posto de General –, através de seleção aleatória ou pela sorte, deixava claro que todo e qualquer cidadão poderia ser um personagem importante no agir político de sua cidade. Assim sendo, essa forma de seleção dava enorme possibilidade a grande parte dos cidadãos atenienses de atuarem em cargos públicos. Goldhill [1] ressalta que, numa década, “[…] entre um quinto e um décimo de todos os cidadãos serviria no Conselho […]”, onde eram deliberados assuntos importantes ao povo.
Fonte: http://zip.net/bvtHyk
O sujeito democrático ateniense era ativo, poderia (e deveria) decidir acerca de todos os temas importantes para a comunidade, desde as leis até iniciativas de guerras. O indivíduo se envolvia em questões cujos desfechos inevitavelmente afetariam sua vida. É evidente o contraste com as democracias ocidentais modernas, cujos cidadãos são aficionados por direitos e, de modo geral, limitam-se a somente verem seus representantes tomarem decisões por eles, muitas vezes sem consultar seu eleitorado.
Na democracia ocidental moderna, uma parcela reduzida de indivíduos é tida como apta para o agir político; na antiga, todos os cidadãos poderiam desenvolver em si o sujeito democrático, sendo personagens ativos e determinantes. Mesmo o cargo de general, ou a magistratura – postos mais elevados, sendo esta última determinada pelo sorteio de uma lista final –, “[…] permaneceram estritamente sob a autoridade da Assembléia, e não podiam dirigir ou instruir a Assembléia ou o Conselho” [1].
Ainda que distinta da incipiente democracia grega, o atual sistema assemelha-se àquela no que tange a três princípios, a saber: a liberdade de expressão, a igualdade perante a lei e a responsabilidade. O primeiro implica na liberdade que todo cidadão tem para falar, expressar-se nos eventos públicos ou governamentais. Embora o referido princípio subsista até os dias de hoje, é perceptível que na prática não ocorra da forma que deveria ser. Muitos cidadãos vivem uma falsa liberdade, onde são tolhidos e induzidos pelas classes superiores a não expressarem-se.
A igualdade perante a lei, como o termo sugere, indica que, em julgamento, um cidadão não deve ser privilegiado em detrimento de outro, ou da lei publicada. As reformas de Sólon, no que tange ao direito de apelação a corte, seguidas das ações de Cleistenes, contribuíram com o decrescimento da estrutura hegemônica autocrática.
Diferentemente das cortes modernas, não havia juízes ou advogados profissionais […]. Cada reivindicador tinha de falar por si próprio, e era julgado pelos colegas. […] Esse era um processo em aberto, debatido e anotado publicamente, regulamentado pelo estatuto da lei publicada. A seleção aleatória dos jurados evitava o suborno e decisões políticas tendenciosas […] [1].
Embora atualmente encontre-se prerrogativas tais quais o foro privilegiado em determinadas instâncias políticas, em suma, a isonomia prevalece como um princípio fundamental da democracia.
Fonte: http://zip.net/bqtH4d
A responsabilidade, por sua vez, implica em que “[…] todo homem [deve] […] se responsabilizar pela coletividade de cidadãos. Isso significa que cada homem é responsável por seu voto e suas ações, e que ele pode ser responsabilizado” [1]. Reforçando o que foi mencionado, sabe-se que a democracia grega funcionava com base em uma população restrita, excluindo escravos, mulheres e menores de idade. A democracia atual, no entanto, sobressai-se – com algumas reservas – pela conquista do direito ao voto, independente de gênero ou classe social. Contudo, Goldhill questiona determinada inércia dos cidadãos modernos, bem como o desagrado com a estrutura democrática vigente.
Críticas ao modelo democrático
Para explicar os caminhos que a democracia atual tomou, o autor citado propõe uma análise das críticas a tal sistema, principalmente aquelas feitas por Platão. Suas influências a democracia moderna residem principalmente em proposições quanto a especialização necessária para se atuar em determinado cargo, incluindo os políticos. Platão criticava a não exigência de preparo técnico e intelectual dos governantes, bem como alegava a incapacidade dos cidadãos para decidir acerca de temas políticos.
A oposição de Platão “[…] à democracia em nome da lei e da ordem continua a prover uma autoridade intelectual fundamental para governos totalitários (e democracias nervosas)”. Para o filósofo, a democracia ateniense aproximava-se da anarquia, enquanto Esparta, conhecida por um sistema social e leis rigorosas, era o modelo ideal de governo fundamentado na “ordem social” [1].
Soldados espartanos. Fonte: http://zip.net/bntG6J
Tratando-se de ordem social, outro filósofo aparece como influente no modelo atual de democracia. Sócrates, segundo afirma Goldhill, “[…] foi executado pela Atenas democrática, devido àquilo em que acreditava. O que ele ensinava, e como o fazia, parecia muito perigoso para ser tolerado pela sociedade”. O autor expressa a relação de Sócrates com a fragilidade do sistema democrático, no que tange ao “[…] equilíbrio entre a liberdade de expressão e as exigências da ordem social” [1].
Platão e Sócrates ainda hoje movem questões clássicas de democracia e liberdade de pensamento. De certo modo, ambos apresentam posições distintas, porém, mobilizam a reflexão já proposta anteriormente: a democracia implica em crítica, conflito entre “liberdade individual e a regulamentação da comunidade” [1] e divergência de opiniões. O percurso histórico acerca da democracia revela as potencialidades e fragilidades, tanto nos primórdios quanto atualmente. Winston Churchill afirma que “A democracia é a pior forma de governo, tirando todas as outras” [4]. Apesar de ter se expandido como uma estrutura de governo desejável, percebe-se que ela implica, inevitavelmente, em que haja constante discussão, tanto sobre suas bases quanto sobre os rumos a serem tomados.
É notável que a democracia moderna ampliou alguns de seus princípios, no entanto, outros decresceram no decorrer do tempo. O engajamento percebido nos atenienses, por exemplo, bem como seu grande poder de decisão política são exemplos de aspectos nos quais os cidadãos modernos mostram-se estagnados. Algumas sociedades atuais, ditas democráticas, sequer contam com a participação de parcelas significativas da população para a escolha de seus líderes. Assim como Platão afirmava, supostamente deve-se confiar as decisões mais importantes a sujeitos capacitados.
Fonte: http://zip.net/bftG35
O descontentamento com a democracia atual, conforme abordado, pode ser analisado de acordo com diversos pensamentos, dentre eles os dos filósofos Sócrates e Platão. Além das reflexões anteriores quanto a dinâmica da democracia, as proposições desses filósofos fornecem lentes para se avaliar o sistema atual, bem como os seus impasses com a ordenação social. Considerando o posicionamento de Churchill, bem como o de Goldhill, para que se mantenha a democracia deve-se sempre questioná-la e compará-la com os modelos anteriores, ou seja, implica em conhecer sua história.
REFERÊNCIAS:
ALMEIDA, J. B. Grécia – a caminho da democracia. Disponível em: <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2007_2/Jeronimo_Basil.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2017.
[1] GOLDHILL, S. Amor, sexo e tragédia: como gregos e romanos influenciam nossas vidas até hoje. Tradução Cláudio Bardella. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. Parte III, cap. 1-5.
[2] COULANGES, 2004, p. 356 apud ALMEIDA, s.d., p. 25.
[3] A HISTÓRIA da democracia (Athens: The Truth About Democracy). Apresentação: Betthany Hughes. 2007. (95 min). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=P3yVRkvP-w4>. Acesso em 01 mar. 2017.
[4] CHURCHILL apud GOLDHILL, 2007, p. 149.
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Karl Marx e o conflito essencial para a construção do sujeito histórico
As ideias dominantes de cada época sempre foram as ideias de sua classe dominante.
Karl Marx
Para Karl Marx o motor da mudança era a luta entre classes. É importante reconhecer essa visão de Marx, onde não existia a concepção de consenso ou equilíbrio; ele acreditava que o conflito era necessário para a manutenção do sistema.
Marx acreditava que tinha alcançado um insight excepcionalmente importante sobre a natureza da sociedade através dos tempos. Abordagens anteriores da história tinham enfatizado o papel dos heróis e líderes individuais ou ressaltado o papel desempenhado pelas ideias, mas Marx focou numa longa sucessão de conflitos de grupo, incluindo aqueles entre antigos mestres e escravos, lordes medievais e servos, e empregadores modernos e seus empregados. Foram os conflitos entre essas classes, ele afirmou, que provocaram mudanças revolucionárias (BUCKINGHAM, 2011).
Para Magee (1998, p. 465), no tocante a questões humanas, o modo como Marx acreditava que a dialética operava era algo parecido com o que segue. A coisa inescapável que os seres humanos têm de fazer se quiserem viver é obter os meios de subsistência: devem ter como se alimentar, se vestir e se abrigar, e atender a outras necessidades básicas. Produzir essas coisas é uma tarefa que não pode ser evitada. Mas tão logo os meios de produção se desenvolveram além do estágio mais primitivo, tornou-se do interesse dos indivíduos especializar-se, porque descobriram que seria muito melhor se o fizessem. E isso os tornou dependentes uns dos outros.
A produção dos meios de vida torna-se uma atividade social e já não uma tarefa individual. Dentro dessa dependência mútua, que obviamente é a sociedade mesma, a característica definidora de cada individuo é a relação com os meios de produção: o que ele faz para viver determina boa parte das coisas básicas acerca de seu modo de vida. Determina também, quem mais, na divisão do produto social, tem os mesmos interesses que ele, e quem está em conflito com eles. Isso faz surgir as classes socioeconômicas, e também o conflito entre as classes. Todavia, os meios de produção estão num constante processo de mudança. Assim, a mútua relação entre as pessoas tendem a seguir mudando.
A cada grande mudança nos meios de produção, a composição das classes sociais se altera, e com ela o caráter do conflito de classe. Marx vê cada um desses níveis diferentes como se desenvolvendo dialeticamente. No nível da base, o determinante fundamental de toda mudança social e o desenvolvimento dos meios de produção. Em seguida, vem o desenvolvimento das classes sociais e o conflito entre as classes. Por fim, vem o que Marx chama de “superestrutura”: instituições sociais e políticas, religiões, filosofias, artes, ideias, todas essas coisas, diz ele, crescem na base da infraestrutura econômica e são, ao fim e ao cabo, determinadas por ela.
Como Marx viu o desenvolvimento da luta de classes, a luta entre as classes foi inicialmente limitada às fábricas. Eventualmente, dado o amadurecimento do capitalismo, a crescente disparidade entre as condições de vida da burguesia e proletariado, e a crescente homogeneização dentro de cada classe, lutas individuais se generalizaram a associações em fábricas. O conflito de classes cada vez mais se manifesta para vários setores da sociedade. A consciência de classe é aumentada, interesses e políticas comuns são organizados, e o uso de luta pelo poder político ocorre. Classes tornam-se forças políticas (RUMMEL, 1977).
Marx escreveu o Manifesto Comunista com o filósofo alemão Friedrich Engels, que ele tinha conhecido quando ambos estudaram filosofia acadêmica da Alemanha, no final da década de 1830. Engels contribuiu com ajuda financeira, ideias e habilidade literária. Mas Marx foi reconhecido como o gênio por trás da publicação conjunta (BUCKINGHAM, 2011).
A história de toda a sociedade é a história de lutas de classes. [Homem] livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo [Leibeigener], burgueses de corporação [Zunftbürger] e oficial, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em constante oposição uns aos outros, travaram uma luta ininterrupta, ora oculta ora aberta, uma luta que de cada vez acabou por uma reconfiguração revolucionária de toda a sociedade ou pelo declínio comum das classes em luta. Nas anteriores épocas da história encontramos quase por toda a parte uma articulação completa da sociedade em diversos estados [ou ordens sociais — Stände], uma múltipla gradação das posições sociais. Na Roma antiga temos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média: senhores feudais, vassalos, burgueses de corporação, oficiais, servos, e ainda por cima, quase em cada uma destas classes, de novo gradações particulares. A moderna sociedade burguesa, saída do declínio da sociedade feudal, não aboliu as oposições de classes. Apenas pôs novas classes, novas condições de opressão, novas configurações de luta, no lugar das antigas. A nossa época, a época da burguesia, distingue-se, contudo, por ter simplificado as oposições de classes. A sociedade toda se cinde, cada vez mais, em dois grandes campos inimigos, em duas grandes classes que diretamente se enfrentam: burguesia e proletariado.Dos servos da Idade Média saíram os Pfahlbürger das primeiras cidades; esta Pfahlbürgerschaft desenvolveram-se os primeiros elementos da burguesia [Bourgeoisie]. (MARX, 1848, p.01)
A burguesia, controladora de todo o comércio, não estabelecia ligações entre as pessoas. Do contrário, o individualismo e o interesse próprio eram o que prevalecia. Segundo Marx o ser humano passa a não valer mais o que essencialmente de fato é, e sim o que possui. Os valores que existiam, eram apenas aqueles pagos em dinheiro. E o proletariado era a grande vítima da classe dominante. “De cada um, de acordo com suas capacidades, para cada um, de acordo com suas necessidades” (MARX, 1848).
Populariza-se a ideia de que entendendo o sistema de propriedade, independente da sociedade, independente da época, podemos obter a chave para a compreensão das relações sociais. Marx também acreditava que uma análise da base econômica de qualquer sociedade nos permite ver que, quando seu sistema de propriedade se altera, também mudam as “superestruturas”, política, leis, arte, religiões e filosofias. Estas se desenvolvem para servir aos interesses da classe governante, promovendo seus valores e interesses e desviando a atenção das realidades políticas (BUCKINGHAM, 2011). “A abolição da religião como felicidade ilusória do povo é necessária para a felicidade real” (MARX, 1848).
Assim, a história é o curso das relações autoritárias de reprodução de lutas de poder das classes sobre o status quo; há períodos de paz social, de mudança social incremental na adaptação às mudanças no saldo estrutural, e etc.. Possivelmente, a violência em toda a sociedade serve para criar um novo equilíbrio de autoridade (RUMMEL, 1977).
A classe burguesa nasce do interior do mundo feudal, nega-o e supera-o, dando origem à sociedade capitalista. Mas, pela lei do devir dialético, o desenvolvimento do capitalismo comporta o surgimento do proletariado e das contradições que produzirão a sua superação.
Todas as sociedades que existiram até aqui se fundaram no antagonismo entre classes que oprimem e classes oprimidas. Contudo, para poder oprimir uma classe é preciso garantir-lhe ao menos as condições de manutenção da sua existência servil. O operário moderno, ao contrário, em vez de elevar-se graças ao progresso da indústria desce cada vez mais abaixo das condições da sua classe. O operário torna-se pobre e o pauperismo desenvolve-se ainda mais rapidamente do que a população e a riqueza. Daí se deduz que a burguesia não é capaz de continuar por muito tempo como a classe dirigente da sociedade. Não é capaz de dominar porque não é capaz de garantir a existência do próprio escravo nem mesmo dentro dos limites da sua escravidão. (NICOLA, 2005)
A condição essencial para a existência e o domínio da classe burguesa é a acumulação da riqueza em mãos privadas, a formação e o crescimento do capital; a condição do capital é o trabalho assalariado. O trabalho assalariado baseia-se exclusivamente na concorrência dos operários entre si. O capitalismo não é capaz de manter a sociedade unida. Sem revolução não existem possibilidades de melhoria para o proletariado. A tendência é o empobrecimento progressivo. O proletariado nada possui, nada tem a perder, por isso vencerá. (NICOLA, 2005)
Marx raramente discutiu a possibilidade de que novas ameaças à liberdade pudessem surgir depois de uma revolução bem-sucedida: ele supunha a pobreza como única causa real da criminalidade. Seus críticos também alegam que ele não compreendeu suficientemente as forças do nacionalismo e que não explicou o papel da liderança pessoal na política. De fato, o movimento comunista do século XX, produziria cultos a personalidades poderosas em quase todos os países aonde marxistas chegaram ao poder. (BUCKINGHAM, 2011). Apesar das críticas e crises que as teorias de Marx provocaram, suas ideias foram muito influentes. Como crítico poderoso do capitalismo comercial e como teórico econômico e socialista “Marx ainda hoje é considerado relevante para a política e a economia”. (BUCKINGHAM, 2011)
De fato Karl Marx teve uma grande contribuição para o entendimento da economia no mundo. Com suas ideias, fez com que o capitalismo – apesar de ser uma corrente tão poderosa – fosse questionado por muitos. Além de contribuir com a influência do seu pensamento, para que o proletariado tivesse voz e direitos.
REFERÊNCIAS
BUCKINGHAM, Wiliian, 2011. KIM, Douglas, 2011. Livro da Filosofia. 1º edição. Editora Globo, 2010.
MAGEE, Bryan, 1998. História da Filosofia. 3º edição. São Paulo: Editora Loyola, 1999.
NICOLA, Ubaldo, 2005. Antologia ilustrada de Filosofia. Editora Globo, 2010.
RUMMEL, R. J. Conflito na Perspectiva. 3º ed. Beverly Hills, CA: Sage Publications, 1968.
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“ONDE FALA A BALA, CALA A FALA”: resistências às políticas da bancada da bala, do Boi e da Bíblia em MS
A violência não está em noticiários sangrentos e apelativos; a violência está aqui, ao seu lado, nesse momento, tão próxima que você e ela brutalmente se esbarram e você sequer percebe. Seja na legítima luta por terras indígenas que têm suas demarcações cada vez mais raras em virtude dos interesses do agronegócio; seja por seu vizinho, ou seu amigo, ou sua irmã, ou você que é homossexual e, apenas por isso, tem que carregar o fardo do medo de ser morto por uma sociedade patriarcal, heteronormativa e machista; seja porque as garantias que o Estado lhe dá são quase nenhuma para uma vida digna. Tudo isso é violência e merece ser abordado. Aquilo para o qual não se consegue olhar está olhando para nós o tempo todo com o dedo no gatilho do revólver apontado para o alvo que somos você e eu. Não nos acostumemos jamais com as barbáries nossas de cada dia.
Ariana Campana Rodrigues
Na madrugada de 17 de julho de 2015, em Dourados, dentro de uma caminhonete VW Amarok, a travesti “Érica”, tratada pelo discurso midiático como Israel Pereira Alcântara – e então aspeada no feminino – foi morta com três disparos à queima-roupa pelo garagista Marlon. Um disparo pelas costas nas costas, outro no peito e outro no rosto. O rosto é um dos lugares privilegiados para que simbolicamente a homofobia, a transfobia e o machismo marquem seus territórios. Eis a terra mais transfóbica do centro-oestee a que mais mata homossexuais, não esquecendo as estatísticas que nos fizeram receber a primeira Casa da Mulher Brasileira.
Em solo sul mato-grossense esse é um dos indicadores da intolerância e do ódio que verte seu sangue, tal como se marca a ferro e a fogo o gado, mas, é claro sem que esses objetos corporificados e generificados no feminino, como travestis, gays, transexuais, mulheres tenham o valor que o gado assume por aqui.
Nossas lideranças no ranking das barbáries não se esgotam aí. Não ganhamos apenas no fuzilamento de corpos performatizados na transversalidade do que restritamente atribuímos ao dueto sexo/gênero. Se falar de gênero é falar de etnia, raça e classe social, como nos ensina e motiva Judith Butler, desde o dia 14 de junho de 2016 a bancada da Bala, do Boi e da Bíblia, com a passagem famigerada de Bolsonaro pelo Estado e suas falas de intolerância, os Kaiowá e Guarani foram alvejados por balas em verdadeiras emboscadas. É claro, nada que a mídia impressa e televisa local e nacional aborde de maneira menos compromissada com este seleto seguimento. São vários tiros pelas costas, em emboscadas de quem tem seus parcos meios de transportes queimados, com as estradas fechadas, inviabilizando o acesso ao auxílio e ao socorro. Há um boato de que não havia sangue no hospital público aos indígenas feridos, só a eles. Os tiros são no abdômen e no tórax, indistintamente em crianças e em adultos de ambos os sexos/gêneros. O que noticiam as mídias globais nacionais? Os policiais machucados de terras “invadidas” por índios vagabundos, alcóolatras, preguiçosos e etc. Eis uma vez mais os aprendizados de Judith Butler em “Marcos de Guerra: las vidas lloradas….” para quem há vidas mais dignas de serem choradas e honradas do que outras. Aqui se diz, sem pudores que “Índio bom é índio morto” e/ou “um boi vale mais que um índio“.
A invisibilidade midiática, a seletividade das informações veiculadas, a desumanidade como são retratados os corpos das vítimas das diferentes violências – que tem em comum o ódio contra a diferença – nos faz pensar, para além da ideologia machista, heteronormativa, racista e sexista que predomina na sociedade brasileira, todo o aparato econômico por detrás de tantos atos de barbárie. A violência contra gays, travestis, mulheres, indígenas no Mato Grosso do Sul anda de mãos dadas com um capital econômico que dita a política do Estado. Tudo isso nos faz remontar à história do Brasil e pensar que a sociedade descrita com densidade por diferentes autores da literatura brasileira em tempos pretéritos, marcado pela política dos coronéis, dos senhores de engenho, como o contexto narrado por Gilberto Freyre em “Casa Grande e Senzala”, ainda não ficou no passado. O passado encontra eco e existência, por meio de práticas, discursos e representações, nas relações sociais sul-matrogrossenses. Numa representação nacional, que diz que o Mato Grosso do Sul, por meio do agronegócio, é o principal responsável pelo desenvolvimento do país – alguns afirmando que “literalmente” é a região que leva o país nas costas – , esquece-se à que preço tal “desenvolvimento” é tão ufanado. Um desenvolvimento à qualquer custo: à custo do Cerrado, bioma já em risco, à custo das populações indígenas, povos originários, que expulsos de suas terras, tem sua forma de vida devastada pela ganância dos grandes latifundiários. Ganância sem fim, que invisibiliza, violenta, cala, confina e mata. Cala cotidianamente. Mata se for preciso, mata como se abate um animal, mata com a certeza da impunidade, de uma conivência coletiva, da morosidade das instituições que deveriam resguardar, mas que se fazem calar diante do poder econômico e político ideológico do agronegócio.
As notícias sobre os feridos e mortos indígenas seja nas disputas de terra, seja nas demais violações de direitos ecoam com certa frequência entre nós, sob as bênçãos de um Estado omisso porque racista. Existência que nem sempre é falada, por que falar é dar vida, é denunciar, é colocar em evidência o que é querem esconder. Mas que nem sempre é velada. Em alguns casos, é preciso manter a violência de modo disfarçado e silencioso. Em outros é preciso publicizar as barbáries para tornar o ato hediondo um caso exemplar – veja o genocídio dos Guarani e Kaiowá. Em se tratando de violências contra LGBTs, ninguém parece estar à salvo: travestis, lésbicas, gays, são permanentemente rechaçados. Há mais ou menos um mês, a mídia alternativa[1] noticiou o caso de um casal homossexual expulso de lanchonete em Dourados a base de socos e tiros. O fato em si já causa perplexidade, mas não para por aí. A perplexidade aumenta ainda mais quando nos defrontamos com a indiferença dos outros clientes e funcionários do estabelecimento: diante dos “socos e chutes”, não houve quem interviesse! Assistimos a mesma conivência coletiva quando os comércios das cidades se fecham para venda de alimentos aos povos indígenas nos momentos de acirramento das disputas de terra. Atos que se consubstanciam enquanto estratégias práticas de um racismo de Estado voltado ao genocídio desses povos.
Em nosso entender, essa mistura de silenciamentos, indiferenças, medos e cumplicidades revelam muito das representações correntes na sociedade dourandense e que sustentam a ideologia da violência. Algumas imagens são icônicas desse imaginário: a figura do desbravador/pioneiro (aqui muito associada aos migrantes do sul do Brasil que colonizaram a região), a figura do homem do campo (rústico, másculo, macho e “sistemático”), a figura do agroboy (jovens que pertencem às famílias ligadas ao agronegócio e que fazem questão de evidenciar o capital econômico e simbólico de sua condição). Todas essas imagens realçam e refletem o caráter machista dos imaginários e relações engendradas nessa região do Estado e que se, em si mesmas, não dão conta de todos os aspectos das violências que mencionamos, revelam por seu turno uma dimensão importante dessas relações violentas: a dominação masculina – conforme nos aponta Bourdieu.
Em cena a necessidade de afirmar a masculinidade pelo uso da força, pelo abuso de poder, pela violência, pelo sadismo das relações que estabelece e busca estabelecer. Se a fala é um pressuposto de humanidade – lembrando que entre os Guarani e Kaiowá a fala é um dos princípios fundamentais de constituição da pessoa – há que se negar por meio da violação de direitos, da negação da cidadania e do acesso aos elementos/aspectos fundamentais da existência que constituem o jeito de ser de um povo, grupo, indivíduo, tudo o que possibilite que ele se torne pessoa, sujeito, humano. Portanto, uma das outras faces das diferentes violências contra grupos minoritários presentes no Estado é justamente a despersonalização, descaracterização, desumanização dos sujeitos e grupos. Aí passamos a entender o que já nos é comum e não deveria sê-lo; o confinamento dos Guarani e Kaiowá, o genocídio historicamente praticado contra eles, o homicídio violento de travestis, o espancamento de homossexuais, o estupro de mulheres, a violência no trânsito, a prática dos rachas e etc.
A monocultura de grãos empobrece não só o solo, mas produz uns tantos desertos para a invenção e expressão dos diferentes modos de viver e de ser. Uma das muitas questões para as quais buscamos construir uma resposta: até quando? Embora pareça que a sequência de barbáries e de violações de direitos não tenha fim, estamos acordados e apostamos que o coro dos que sabem que é urgente (re)aprender a viver (guiados pela pluralidade de sentidos) ganha novas vozes.
Sobre os autores
Simone Becker: graduação em direito (PUC-PR), mestrado em Antropologia Social (UFPR), doutorado em Antropologia Social (UFSC), professora da graduação em direito e pós-graduações em Antropologia Sociocultural e Sociologia da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados). É contadora de histórias, pesquisadora dos/nos núcleos de pesquisa DIVERSO e TRANSES, alquimista, pescadora e costuradora das pa-la-vras.
Esmael Alves de Oliveira: graduação em filosofia (UFAM), especialização em Antropologia (UFAM), mestrado em Antropologia Social (UFAM), doutorado em Antropologia Social (UFSC) com estágio doutoral na Universidade Eduardo Mondlane (UEM/Moçambique), professor do curso de graduação em Ciências Sociais e da pós-graduação em Antropologia da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados).
Catia Paranhos Martins: graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Psicologia (UNESP-Assis), professora do curso de Psicologia da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), docente da Residência Multiprofissional do Hospital Universitário da UFGD em Saúde Indígena e Atenção Cardiovascular.
NOTA:
[1]Entendida como mídia não oficial, ou seja, não vinculada às grandes redes televisivas/jornalísticas locais e/ou nacionais.