Comportamento agressivo e os transtornos psicopatológicos em crianças e adolescentes

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O comportamento agressivo pode ser expresso fisicamente por meio de luta e fuga; emocionalmente por raiva e ódio; fisiologicamente com taquicardia, face rubra; cognitivamente através da crença na conquista independentemente dos meios, também envolve manipulação; e verbalmente com o uso da palavra para controle expresso. A agressão apresenta uma função dentro do ambiente em que está sendo utilizada e a raiz do comportamento ofensivo pode ser ligada por fatores neurobiológicos, mas também pode ser fornecida e mantida pelo meio ambiente.

É comum que crianças e adolescentes apresentem comportamentos agressivos no decorrer de seu desenvolvimento, porém deve-se atentar a condutas frequentes e intensas, pois podem indicar sinais de psicopatologia. Dois aspectos importantes foram observados em relação a esses sinais de psicopatologia, a percepção que esses indivíduos têm do ambiente, se mostrando hipervigilantes e hiporresponsivos consigo mesmo e com os outros; e alteração no processo de solução de problemas, apresentando menos soluções verbais e mais respostas não-verbais.

O desenvolvimento sócio-emocional diz respeito à construção das habilidades sociais, em relação a agressividade tem-se por base o temperamento humano. O estudo de Cloninger, Svrakic e Przybeck (1993) aponta as seguintes dimensões para o temperamento: busca por novidades e sensações; evitação de dano e perigo; necessidade de contato e aprovação social; persistência. Chegou-se à conclusão de que os tipos de temperamento não constitui comportamento como bom ou ruim, é necessário entender todos os temperamentos, se são adaptativos ou desadaptativos e a situação/ ambiente que se apresentam.

O Transtorno de Déficit de Atenção/ Hiperatividade (TDAH) é caracterizado pelos sintomas: desatenção, hiperatividade e impulsividade. Os sintomas de desatenção são descritos pelo DSM-IV-TR (APA, 2002) como dificuldades de prestar atenção a detalhes ou cometer erros por descuido; dificuldades para manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas.

Fonte: encurtador.com.br/kqESU

Os sintomas de hiperatividade resumem-se à agitação das mãos ou dos pés; abandonar a cadeira em sala de aula ou outras situações nas quais se espera que permaneça sentado; correr ou escalar em demasia, em situações nas quais isto é inapropriado. O DSM-IV-TR (APA, 2002) divide o TDAH em três subtipos: predominantemente desatento, em que predominam os sintomas da desatenção (seis ou mais deles), predominantemente hiperativo/impulsivo, destacando-se os sintomas de hiperatividade e impulsividade.

Barkley (2002) afirma que TDAH não é sinônimo de conduta agressiva e que a presença desse tipo de comportamento está mais vinculada às condutas parentais do que necessariamente ao transtorno. Em um de seus estudos ele dividiu a amostra em dois grupos: crianças com TDAH (subdivididas em crianças com e sem comportamento agressivo) e crianças normais, fazendo com que cada uma delas interage com seus pais. Os resultados apontaram que as interações de crianças TDAH não agressivas com suas famílias eram bastante parecidas com as de crianças normais. Em contrapartida, no grupo TDAH agressivo, as interações eram mais negativas, com a presença de insultos e respostas impertinentes uns contra os outros.

O comportamento agressivo e as condutas anti sociais costumam estar profundamente relacionados. A definição de comportamento anti social compreende qualquer conduta que reflita a violação das regras sociais ou atos contra os outros, incluindo comportamentos como roubo, mentiras, vandalismo e fugas. Desta forma, pode-se sugerir que uma criança que apresenta comportamentos agressivos, tenderá, com maior probabilidade, a evoluir para práticas antissociais.

Os principais transtornos envolvidos com a expressão de comportamentos antissociais ou desafiadores são o Transtorno Opositivo Desafiador (TOD) e o Transtorno de Conduta (TC). O TOD caracteriza-se especialmente pela presença de condutas de oposição, desobediência e desafio. Os comportamentos opositivos e desobedientes podem ser “passivos”, uma vez que a criança pode não responder ao pedido, mas pode apenas permanecer inativa.

Fonte: encurtador.com.br/rvyBM

O Transtorno Opositivo Desafiador em geral se manifesta antes dos oito anos de idade e tem pouca probabilidade de se iniciar depois do início da adolescência. Os sinais positivos frequentemente emergem no contexto doméstico, mas é comum estender-se a outras situações (APA, 2002). Um terceiro fator diz respeito às características de frequência, intensidade e diversidade dos comportamentos antissociais. Quanto maior o número, a gravidade e a complexidade dos atos, maior é a chance do Transtorno evoluir para a idade adulta (Robbins, Tipp & Przybeck, 1991).

Transtornos neuropsiquiátricos infanto-juvenis e comportamento agressivo geralmente ocorrem por razões muito afastadas da esfera dos transtornos psicológicos. Porém alguns comportamentos agressivos estão associados a uma série de transtornos neuropsiquiátricos. Tais problemas dessa natureza envolvem a agressividade física e/ou verbal, comportamentos opositores, desafiadores e anti-sociais, além de condutas de risco e impulsivas, podendo ser considerado como diagnósticos de Transtorno Bipolar do Humor (TBH), no Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) e nos Transtornos de Conduta (TC) na infância e adolescência.

O Transtorno Bipolar do Humor (TBH) caracteriza-se pela alternância de duas fases distintas:a maníaca (ou hipomaníaca) e a depressiva. Os critérios diagnósticos para um episódio maníaco incluem um período distinto de humor anormalmente elevado, expansivo ou irritável acompanhado de pelo menos três dos seguintes sintomas: auto-estima inflada, necessidade de sono diminuída, pressão para falar, fuga de idéias, distração, aumento de atividade dirigida ao objetivo e excessivo envolvimento em atividades prazerosas que tenham conseqüências negativas (APA, 2002).

O Transtorno de Conduta (TC) na infância e adolescência, é comportamento anti-social que compreende qualquer conduta que reflita a violação das regras sociais ou atos contra os outros, incluindo comportamentos como roubo, mentiras, vandalismo e fugas. Os principais transtornos envolvidos com a expressão de comportamentos anti-sociais ou desafiadores são o Transtorno Opositivo Desafiador (TOD) e o Transtorno de Conduta (TC).

Fonte: encurtador.com.br/oqvyJ

TBH, TDAH e Transtornos de Conduta têm pontos comuns entre eles, presença de comportamento agressivo, e outros sintomas comuns dentre eles. Apesar de considerarem a possibilidade do diagnóstico diferencial entre tais transtornos, alguns estudos sugerem que a equação TBH + TDAH + Transtornos de Conduta pode formar uma entidade diagnóstica com fenótipo específico (Papolos & Papolos, 1999; Papolos, 2003).

O comportamento agressivo constitui-se de uma gama de atitudes sociais inábeis, a expressão agressiva frequente e intensa na infância e na adolescência apresenta inúmeras consequências desfavoráveis a curto, médio e longo prazo. Desta forma a compreensão do desenvolvimento infanto-juvenil parece conceder padrões mais amplos para o entendimento do comportamento agressivo. Devendo ser uma investigação mais criteriosa e com mais estudos, especialmente aqueles que se detenham às questões sobre classificação nosológica na infância e adolescência.

REFERÊNCIAS

American Psychiatric Association. DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais . Porto Alegre: ArtMed, 2014.

Barkley, R. (2002). Transtorno de Déficit de Atenção/ Hiperatividade. Porto Alegre: Artmed

Cloninger, C. R.; Svrakic, D. M. & Przybeck, T. R. (1993). A psychological model of temperament and character. Archives General Psychiatry, 50 (12), 975-990

Robbins, L. N.; Tipp, J. & Przybeck, T. (1991). Antisocial personality. Em: L. N. Robins & D. A. Reegier (Orgs.). Psychiatric disorders in America (pp.51-59). Nova York: The Free Press.

Papolos, D. & Papolos, J. (1999). The bipolar child: the definitive and reassuring guide to childhood’s most misunderstood disorder. New York: Broadway Books.

Papolos, D. (2003). Bipolar disorder and comorbid disorders: the case for a dimensional nosology. Em: B. Geller& M. DelBelo (Orgs.). Bipolar Disorder in Childhood and early adolescence (pp. 76-106). New York: The Guildford Press.

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Configuração familiar e movimento: um passeio pela definição de parentalidade

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O presente estudo tem como objetivo discutir a noção de parentalidade, considerando as formas sucessivas como a configuração da família e as relações de parentesco foram se construindo ao logo do tempo. Pretende-se, ainda, abordar as recentes atualizações quanto à definição de família, enfatizando as transformações contínuas no mundo contemporâneo, em especial nas últimas décadas, observando como se dá a construção da parentalidade em sua dimensão afetiva.

O conceito de parentalidade refere-se ao processo de construção no exercício da relação dos pais com os filhos e é um termo relativamente recente que começou a ser utilizado no Brasil a partir da década de 80. Atualmente, o conceito vem sendo usado para designar o processo dinâmico pelo qual passam os pais, que vai além do biológico, envolvendo aspectos que vão desde a história familiar de cada um  até o contexto sociocultural vigente na atualidade.

Quando estudamos a história das famílias e das relações de parentesco, podemos constatar que a noção de parentalidade nem sempre esteve presente. As relações familiares foram evoluindo ao longo da história de forma complexa e acompanhando as transformações ocorridas na sociedade. A construção do vínculo de parentesco, dessa forma, encontra-se em mudança permanente, assim como o indivíduo e sua forma de se relacionar com o mundo à sua volta.

Fonte: encurtador.com.br/jrMQW

Como nos relata Silvia Maria Zornig, (2010), “nas sociedades tradicionais, as relações de aliança eram estabelecidas em função do patrimônio familiar”, marcado pela transmissão do nome e dos bens. Somente a partir do século XVIII, um novo modelo de família, não mais atrelado à tradição e sim calcado em laços afetivos, estendeu-se às diversas classes sociais, levando consigo os valores e ideologias oriundas da sua classe social de origem. Assim, “as alianças conjugais passam a ser estabelecidas com base no afeto e não mais como arranjos externos, que não levavam em consideração as escolhas individuais”. (ZORNIG, 2010).

Philippe Ariès (2006) enfoca as mudanças da família ao longo da história a partir de outra perspectiva, ou seja, o lugar que a criança ocupa na família e na sociedade. De acordo com o autor, na Idade Média, a transmissão dos valores e dos conhecimentos, e de modo mais geral, a socialização da criança, não eram, portanto, nem asseguradas nem controladas pela família. A criança se afastava logo de seus pais, e pode-se dizer que durante séculos à educação foi garantida pela aprendizagem, graças à convivência da criança ou do jovem com os adultos. A criança aprendia as coisas que devia saber ajudando os adultos a fazê-las. (ÀRIES, 2006).

Desse modo, quando a criança se tornava independente das pessoas responsáveis por cuidar dela, já ingressava no mundo adulto, aprendendo as tarefas do cotidiano e questões práticas, ligadas à sobrevivência e ao convívio com os adultos, de forma que as relações afetivas não tinham dimensão relevante.

Fonte: encurtador.com.br/bnFT8

Tal processo, descrito por Ariès (2006), inicia-se após a Idade Média e se estende pelos séculos seguintes, evidenciando as constantes transformações em curso. O papel da criança na família se modificava, portanto, na medida em que a organização familiar também se transformava, em favor da inclusão das trocas afetivas e das práticas de cuidado nas relações entre os membros da família. Assim, a família, como instituição social, torna-se responsável pela sociabilidade, afetividade e uma enorme variedade de elementos no processo de desenvolvimento dos filhos.

Nesse contexto, ideias sobre moralidade, condutas adequadas no meio social, educação e aprendizagem passam a ser incorporadas pela sociedade progressivamente, dando início à noção de criança como indivíduo, ao mesmo tempo em que se toma consciência das obrigações de cuidado por parte dos adultos e da necessidade de dar a ela um tratamento adequado.

O desenvolvimento das relações afetivas passa, dessa forma, a ser uma característica central da família. Singly (2007) distingue dois períodos da família contemporânea: o primeiro que vai do século XIX até os anos 1960, marcado pelo “amor no casamento, pela divisão do trabalho entre o homem e a mulher, a atenção à criança, à sua saúde e à sua educação” e o segundo período, situado após 1960, marcado pelo crescente individualismo e uma busca por maior autonomia dos indivíduos, as quais engendram inúmeras transformações nas organizações familiares. (SINGLY, 2007, p. 130).

A família do tipo nuclear consolida-se principalmente depois da Revolução Industrial, quando ocorre a organização populacional e a fixação em núcleos urbanos, sendo composta basicamente por pai, mãe e filhos, constituindo assim a família patriarcal que se organizou em torno da figura do pai, fechada em sua intimidade e com um determinado padrão de educação para seus filhos.

Fonte: encurtador.com.br/czGV1

Alguns estudiosos como Poster (1979) relatam que “por volta do séc. XIX e início do séc. XX as famílias das classes trabalhadoras também acabaram adotando o modelo de família nuclear burguesa, quando foram forçadas a deixar o campo e ingressar no trabalho em indústrias nas cidades” (POSTER, 1979, p. 25).

Com as transformações em pauta e reorganizações constantes, a família altera sua estrutura e seus papéis, ao mesmo tempo em que se mantém como uma forma de organização social consistente. A família brasileira, por exemplo, já não tem a mesma estrutura rígida. A monoparentalidade passa a ser bastante comum, encontrando-se com muita frequência a mulher como chefe de família, além de diversas outras formas que fogem do modelo convencional de família.

Para Szymansky (1998), a própria ideia de família vem mudando, influenciada, dentre outros fatores, pela saída da mulher do espaço doméstico para o mercado de trabalho, o que transformou a instituição, além de outros elementos como o controle da natalidade, o aumento do número de divórcios, declínio da autoridade paterna e marital, a acentuação do individualismo e da liberdade dos membros da família.

Nesse contexto, Michelle Gorin et al. (2015) entende que, as reorganizações são constantes e a parentalidade continua a ser exercida, não necessariamente pelo pai e pela mãe biológicos, no contexto da família nuclear tradicional, mas pelo arranjo que se compõe para exercer as funções parentais em relação às crianças. Tais funções podem ser exercidas, por exemplo, pelos próprios pais, por dois pais, duas mães, madrastas e padrastos, por exemplo.(GORIN et al., 2015, p. 4).

Fonte: encurtador.com.br/aqNX4

Para Vilhena et al. (2011), os fatores biológicos têm sido cada vez menos utilizados como referência do que é uma família, de modo que esta pode ser pensada sob diferentes aspectos, seja como unidade doméstica, assegurando as condições necessárias à sobrevivência, como um conjunto de laços de parentesco, como um grupo de afinidade, com variados graus de convivência e proximidade e de tantas outras formas.

Segundo os autores, devemos pensar a família como uma construção social, sem tomarmos nenhum arranjo como norma, mesmo porque esta instituição passa por um processo de desinstitucionalização, no sentido de ser considerada cada vez mais uma realidade privada, diminuindo o seu significado púbico.

Nesse sentido, assim como expressa Gorin et al. (2015), a discussão sobre as formas de ser família hoje não deve se realizar apenas em torno do exercício das funções paternas e maternas, mas independentemente do arranjo conjugal, a parentalidade deve se ocupar da estruturação psíquica do sujeito, por meio por meio da troca afetiva e da transmissão dos interditos, transmitindo a noção da renúncia como regra estruturante da ordem familiar.

Desse modo, o papel das figuras parentais se mostra absolutamente libertador e formador, no sentido de preparar os filhos para suas responsabilidades em relação às normas de convívio social e para a entrada na vida adulta, de modo que a formação do sujeito seja reflexo tanto da vivência em família quanto da vida em sociedade.

REFERÊNCIAS

ARIÉS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: LTC, 2006. Disponível em: http://files.grupo-educacional-vanguard8.webnode.com/200000024-07a9b08a40/Livro%20PHILIPPE-ARIES-Historia-social-da-crianca-e-da-familia.pdf

GORIN, Michelle Christof; MELLO, Renata; MACHADO, Rebeca Nonato; Féres-CARNEIRO, Terezinha. O estatuto contemporâneo da parentalidade. Rev. SPAGESP, vol. 16, n. 2, Ribeirão Preto, 2015. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-29702015000200002&lng=pt&nrm=iso

PONCIANO, E. T.; FÉRES-CARNEIRO, T. Relação pais-filhos na transição para a vida adulta, autonomia e relativização da hierarquia. Psicologia: Reflexão e Crítica, n. 27, 2014. Disponível em:     https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-79722014000200388&script=sci_arttext&tlng=pt

POSTER, M. Teoria critica da família. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. p. 25.

SZYMANSKY, H. A relação família/escola desafios e perspectivas. Brasília: Líber Livro, 1998.

VILHENA, J;SOUZA, A. C. B;UZIEL, A. P;ZAMORA, M. H;NOVAES, J. V. (2011). Que família? Provocações a partir da homoparentalidade. Revista Mal-Estar e Subjetividade, n. 11. Disponível em:  https://periodicos.unifor.br/rmes/article/view/5034/4040. Acesso em: 12 abr. 2021.

ZORNIG, Silvia Maria Abu-Jamra. Tornar-se pai, tornar-se mãe: o processo de construção da parentalidade. Rev.Tempo Psicanal. vol. 42, n. 2. Rio de Janeiro, jun. 2010. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-48382010000200010&lng=pt&nrm=iso

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Justiça determina que Estado do Tocantins construa hospital para presos com doenças mentais em 2 anos

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A decisão atende à ação ordinária ajuizada pelo Centro de Direitos Dom Jaime Collins, Centro de Direitos Humanos de Cristalândia e a Associação Estadual de Direitos Humanos do Tocantins (MEDH). 

Como parte do projeto Mutirãozinho, realizado pelo Núcleo de Apoio às Comarcas (NACOM), em Guaraí, a juíza Wanessa Lorena Martins de Sousa Motta determinou, na última quarta-feira (29), que o governo do Estado construa um Hospital de Custódia para abrigar presos em tratamento psiquiátrico. A obra deve ser concluída no prazo de dois anos.

A decisão atende à ação ordinária ajuizada pelo Centro de Direitos Dom Jaime Collins, Centro de Direitos Humanos de Cristalândia e a Associação Estadual de Direitos Humanos do Tocantins (MEDH), alegando que “várias pessoas encontram-se presas em celas de cadeias do Estado, sem qualquer tratamento psiquiátrico, quando são portadores de transtornos mentais (esquizofrenia, etilismo crônico, retardamento, etc) e deveriam cumprir pena de medida de segurança em estabelecimento adequado, qual seja um hospital de custódia”.

Foto: Divulgação

Ao julgar o caso, a magistrada considerou a Lei de Execução Penal – LEP (BRASIL, 1984), que estabelece, em seu artigo 5º, que os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico destinam-se a pessoas que cometeram algum crime, mas que são inimputáveis ou semi-imputáveis. Para os casos em que a inimputabilidade for comprovada, ao invés de ser aplicada uma pena ou medida alternativa, será aplicada uma medida de segurança.

“Portanto, grande a necessidade da sociedade deste Estado em ter um local que abrigue os doentes mentais que praticaram algum ilícito que seja típico penalmente, a fim de possibilitar aos mesmos o retorno de forma saudável à sociedade, sem apresentar nenhum tipo de ‘risco’ ou ‘perigo’ a si mesmo e às pessoas a sua volta”, concluiu a juíza.

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Carandiru: construção social de realidades e a subjetividade humana

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Cada indivíduo pode ser considerado como um nó em uma extensa rede de
inter-relações em movimento.”
(Bonin, 1998)

O filme brasileiro Carandiru, lançado em 2003, dirigido por Hector Babenco, foi inspirado no livro “Estação Carandiru” do médico Drauzio Varella. Neste livro, o médico narra algumas experiências vivenciadas na casa de detenção Carandiru após desempenhar um trabalho voluntário de prevenção à AIDS, realizado em meados de 1989. O presídio tinha capacidade para cinco mil detentos, porém, abrigava cerca de sete mil.

Muito esperado pelo público na época, o filme despertou diferentes opiniões, desde grandes elogios a coragem que Babenco teve ao abordar no cinema nacional um conteúdo tão polêmico, quanto às críticas com o “desleixo” no formato que o diretor deu ao filme por enfatizar uma grande quantidade de histórias mal desenroladas.

Carandiru veio logo depois de Cidade de Deus, o que deu muita ênfase às críticas. Cidade de Deus ficou marcado por tratar com veracidade os fatos da comunidade, e trazer para o social as denúncias e a busca por transformações sociais. Carandiru veio pronto, contendo início, meio e fim, e deixou a sensação de que o sistema prisional do Brasil é um problema obsoleto, muito distante. “Carandiru é um filme de personalidade inconstante, frio em certos momentos e inexplicavelmente pretensioso em outros” (OLIVEIRA, 2013).

Fonte: https://goo.gl/zLVFj8

Mesmo com tantos contras, não há como negar que esse longa metragem tem grande relevância social diante da história do Brasil, em novembro de 2015 o filme entrou na lista feita pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema, como um dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos (DIB, 2015).

Drauzio, em seu livro, se atentou em descrever seu trabalho diário, focando principalmente, em detalhar o cotidiano e os anseios dos presos, bem como, a história de vida de alguns. Com menos riqueza de detalhes, o filme também expõe a realidade do cotidiano da extinta casa de detenção, trazendo o telespectador para adentrar no espaço da prisão antes, durante e depois do massacre que ocorreu em 2 de outubro de 1992 e causou a morte 111 presos.

Por meio do vínculo, em alguns casos, e do contato que o Médico fazia com os presos (quando ia realizar a triagem para ver quem necessitava fazer o exame de detecção do HIV) o espectador vai conhecendo, junto do médico, as personalidades que habitava o Carandiru, quais motivos os levaram a estarem ali e “mesmo quando a personagem principal não está em cena, a plateia continua a acompanhar a jornada diária de cada detento, numa verdadeira luta pela sobrevivência” (AZEVEDO, 2013).

Fonte: https://goo.gl/nvdwk2

Para compreender o ser humano, Bonin (1998, p. 53) ressalta que, “além de estudar seu corpo e sua origem animal, é necessário pesquisar, principalmente, como ele se constitui em um contexto sociocultural”. Ao se interessar em auxiliar os indivíduos que ali residiam, o doutor (interpretado por Luiz Carlos Vasconcelos) passa a conviver com a realidade tal como ela é, atuando com pressupostos para além da medicina, perpassando o social e se habituando cada vez mais, ao contexto do presídio.

Para a Psicologia Social, o indivíduo se constitui através de uma rede de inter-relações sociais. Através dessa rede, ele tende a procurar entender e se adaptar aos movimentos intencionais e futuros do outro (JACQUES, 2014), ou seja, ele deixa de ser individual, interagindo com o ambiente a partir das necessidades, sejam elas próprias ou coletivas.

Cenas que transcorrem a história de vida pessoal dos detentos são comuns. Durante a trama, o telespectador fica entre o passado e o presente dos presidiários. Ao mesmo tempo em que se tem o crime, se tem a motivação que desencadeou o crime, o que acaba permitindo uma contextualização das histórias e perspectivas diferentes sobre o mesmo fato. Em muitos momentos, há a possibilidade de se perceber as construções sociais e as numerosas realidades retratadas pelo enredo.

Fonte: https://goo.gl/ELWazv

O que acontece por exemplo quando Zico (Wagner Moura), carregado por um grupo, chega ao doutor passando mal. Notando que o mesmo já estava se recuperando, o doutor comenta o fato de ter se assustado com a rapidez do chamado. Chateado com a situação, demonstrando afeto e preocupação pela pessoa de Zico, Deusdete (Caio Blat) interrompe o doutor falando “isso é bom doutor, assim ele ver o que a droga faz”.

Percebendo a reação repentina, o doutor retruca perguntando quem era o moço e Zico responde “é o Deusdete, eu e ele vivemos na mesma infância”, posteriormente a essa fala, Zico descreve como conseguiu sobreviver após a partida de sua mãe e como construiu relações afetivas com a família de Deusdete. Por alguns minutos, as cenas seguintes da trama, se desenrola por contar a trajetória de Deusdete e Zico até aquele local. Assim, Zico deixa de ser apenas o drogado traficante e passa a ser visto também, como uma pessoa que, na infância, foi abandonada pela mãe. Deusdete, deixa de ser somente o assassino e passa a ser o cara que matou para defender a irmã.

Considerando a metáfora de Bonin (1998 p. 58) “cada indivíduo pode ser considerado como um nó em uma extensa rede de inter-relações em movimento”, trazendo essa comparação para o filme, conseguimos compreender algo que foi auge de tantas críticas. “A contação de histórias” proporcionada por Babenco concede ao público uma percepção da subjetividade e a realidade de vida de alguns dos 7 mil “nós” (detentos), e ao se concentrar em relatar os detalhes e os fatos que desencadearam o massacre, temos a clareza do quanto a extensa rede de inter-relações (Carandiru) estava em constante movimentação.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

CARANDIRU

Título original: Carandiru
Direção: Héctor Babenco
Elenco: Luiz Carlos Vasconcelos, Milton Gonçalves, Ivan de Almeida
País: Brasil
Ano: 2003
Gênero: Drama

Referências

AZEVEDO , Kamila. Carandiru. [S. l.], 23 mar. 2013. Disponível em: https://cinefilapornatureza.com.br/2013/04/23/carandiru/. Acesso em: 6 mar. 2019.

BONIN, L. (1998). Indivíduo, cultura e sociedade. In M. Strey et al. Psicologia social contemporânea (pp. 53-58, Coleção Psicologia Social). Petrópolis, RJ: Vozes.

DIB, André. Abraccine organiza ranking dos 100 melhores filmes brasileiros. [S. l.], 27 mar. 2015. Disponível em: https://abraccine.org/2015/11/27/abraccine-organiza-ranking-dos-100-melhores-filmes-brasileiros/. Acesso em: 6 mar. 2019.

JACQUES, Maria da Graça Corrêa et al. Psicologia social contemporânea: livro-texto. Editora Vozes Limitada, 2014.

OLIVEIRA, Rafael W. Crítica | Carandiru. [S. l.], 21 mar. 2013. Disponível em: https://www.planocritico.com/critica-carandiru/. Acesso em: 6 mar. 2019.

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Seja apenas outra alma humana: (re)construção com um grupo de adolescentes

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Participar desta intervenção mudou completamente minha concepção de grupo, de adolescência, de família, de escola, mas principalmente do significado da palavra amizade e afeto.

Coordenar um grupo não é uma tarefa fácil. De adolescentes então? Será um dos meus maiores desafios! Foram exatamente esses os meus pensamentos quando soube qual seria o público ao desta intervenção. E realmente, não foi uma tarefa fácil, isso porque me deparei com 19 adolescentes, totalmente diferentes, mas com angústias praticamente iguais.

Fonte: https://bit.ly/2IEcGak

Vi a dor, o medo, a solidão, o desespero, desamparo, o ódio, a raiva, e tantos outros sentimentos que a maioria daqueles adolescentes compartilhavam. Mas também vi a vontade de viver, ser feliz, de amar, sonhar e o cuidado em cada um deles. E como me sinto grata por isso. Como me sinto realizada em saber que pessoas tão novas, mas que viveram tantos momentos de dor, se sentiram à vontade para compartilhar comigo momentos significativos de sua vida.

A cada encontro, a cada história, a cada lágrima e a cada abraço, eu via a certeza de que ações como essa podem mudar vidas, que o fazer a psicologia é muito gratificante, é construir novas possibilidades e isso, para mim, (re)constrói um novo significado do ser psicólogo, do ser gente.

“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana. ”

(Carl Jung)

Fonte: https://bit.ly/2tJlFS0

Destaco também a importância do aprendizado em grupo, assim como as supervisões, discussões e escutas compartilhadas das experiências, em cada um dos grupos, pois foram muito enriquecedores, não somente pela troca de conhecimento, mas pela harmonia e afetos presentes nos encontros.

Concluo este semestre com o sentimento de realização e crescimento profissional e humano, confirmando minhas expectativas ao escolher esse campo e sabendo que as experiências vivenciadas nos últimos meses levarei para a minha vida e prática como futura psicóloga.

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Ser e tornar-se Psicoterapeuta Humanista-Fenomenológico

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No sentido de conhecer os princípios básicos na construção do psicoterapeuta embasados na fenomenologia-existencial, torna-se necessário compreender e refletir as principais influências dessa abordagem para o processo psicoterapêutico. A fenomenologia surgiu no final do século XIX, sendo esta considerada um método e uma filosofia, tendo como principal precursor Edmund Husserl (ARANHA; MARTINS, 2003).

A fenomenologia origina-se da palavra fenômeno, palavra grega, que significa o manifesto, o que se torna evidente, sendo assim fenômeno pode ser considerado como o que é aparente, como se mostra à consciência (ARANHA; MARTINS, 2003, RIBEIRO, 1985). Nesse contexto, as psicoterapias de natureza Fenomenológicas-existenciais, a Fenomenologia de Husserl é uma das mais importantes colaborações filosóficas (RAFFAELLI, 2004), sendo esta uma “ciência descritiva das essências da consciência e seus atos, uma vez que a correlação sujeito-objeto só se dá na intuição originária da consciência” (RIBEIRO, 1985, p. 44). Nessa conjuntura, Aranha e Martins (2003), afirma que a consciência é “ doadora de sentido, fonte de significado ( p. 150).

Para Husserl para que se faça fenomenologia é necessário deixar posturas “ontológicas” e conhecimentos empíricos, nessa perspectiva não se tem a intenção de chegar ao mundo e a realidades tomadas em si mesmas, mas a relação que se estabelece entre o homem e mundo (REHFELD, 2013). Nesse ínterim, Ribeiro (1985, p. 44), aponta que: “não se trata de uma sumária descrição da realidade, pois a consciência é muito mais ampla do que ela própria, nela nós percebemos a essência daquilo que ela não é, o sentido mesmo do mundo em direção ao qual ela não cessa de ‘explodir’ […]”.

Fonte: http://3.bp.blogspot.com

De acordo com Aranha & Martins (2003), na fenomenologia busca a experiência que cada ser humano vivencia, sendo que a realidade torna uma descrição individual do sujeito. Nesse sentido, “a fenomenologia é uma filosofia da vivência”, sendo indispensável às experiências de cada pessoa na compreensão do fenômeno (ARANHA; MARTINS, 2003, p.150, RIBEIRO, 1985).

No processo psicoterapêutico, o cliente se apresenta muitas vezes com contato voltado ao mundo externo das situações, vendo o que acontece, não percebendo o modo que ver, ou o fenômeno deste. Sendo que estas aparências vistas pelo cliente, ocultam o verdadeiro significado do ser. Nesse sentido, a psicoterapia busca separar a aparência do fenômeno, trabalhando com o quê e o como, indo ao encontro com o fenômeno (RIBEIRO, 1985).

O psicoterapeuta humanista-existencial

A relação entre psicoterapeuta e cliente constitui uma ferramenta fundamental no processo psicoterápico. Para Carl Rogers, o processo de desenvolvimento da “pessoa plena” é facilitado por uma relação terapêutica na qual torna possível a emergência de questões subjetivas do cliente, o que não seria possível através do método objetivo e empírico das ciências naturais (BARRETO, 2002).

O poder é retirado das mãos do psicoterapeuta, e a relação estabelecida é permissa e livre, ocasião em que “o próprio contato terapêutico é uma experiência de desenvolvimento” (BARRETO, 2002, p. 173). Dada a importância dessa relação, compreende-se que as características e a postura do psicoterapeuta são variáveis que influenciam esta relação. Neste sentido Rogers (1988) definiu três elementos fundamentais para esse processo, denominados de “atitudes psicológicas facilitadoras”: a) autenticidade, sinceridade ou congruência; b) aceitação incondicional; c) compreensão empática. Antes de esmiuçar tais conceitos, faz-se necessário primeiro compreender alguns aspectos filosóficos envolvidos.

Verifica-se que há uma relação significativamente influente da filosofia fenomenológica-existencial sobre a abordagem criada por Rogers. Considerando isto, analisa-se que ao tomar a experiência prática, vivida, como ponto de partida para formular sua teoria e método psicoterapêutico, ao incluir a subjetividade do terapeuta e do cientista e ao se interessar pela compreensão dos significados atribuídos pela própria pessoa às suas vivências e pelos modos de experienciação dos mesmos, Rogers assume, em seu modo de trabalho, a prática de uma atitude humanista e fenomenológica (BEZERRA; BEZERRA, 2012, p. 23).

Fonte: http://zip.net/bntL4V

Sob o prisma da fenomenologia-existencial, o indivíduo é compreendido como um ser capaz de criar condições para se lançar para frente rumo ao desenvolvimento e liberdade. Esta perspectiva de homem vai ao encontro do que Rogers (1983) definiu como a hipótese central de sua abordagem: a tendência atualizante, na qual “os indivíduos possuem dentro de si vastos recursos para autocompreensão e para a modificação de seus autoconceitos, de suas atitudes e de comportamento autônomo” (ROGERS, 1983, p. 38).

Compreende-se que o terapeuta humanista-existencial trabalha com a concepção dialética de ser humano envolvido na inter-relação entre a filosofia fenomenológica-existencial e a Abordagem Centrada na Pessoa. Embora não seja possível afirmar que Rogers foi direcionado por essa filosofia (BEZERRA; BEZERRA, 2012), uma vez que a conheceu tardiamente, a postura do psicoterapeuta defendida por ele, revela possibilidades de contribuir para o autodesenvolvimento livre.

O primeiro elemento facilitador do processo de crescimento do sujeito é a autenticidade, sinceridade ou congruência, que diz respeito à transparência do psicoterapeuta na relação com o cliente, sendo o que se é verdadeiramente, removendo barreiras profissionais e pessoais (ROGERS, 1983; ARAÚJO; FREIRE, 2014). O segundo elemento é a aceitação positiva incondicional, representada por uma postura de consideração genuína pelo cliente e de suspensão de valores (BARRETO, 2002). Não diz respeito a aprovar ou desaprovar, pois nesta direção ainda caberia um juízo de valor por parte do psicoterapeuta.

Por fim, o terceiro elemento descrito por Rogers (1983) é a compreensão empática, ocasião em que o psicoterapeuta é hábil em captar sentimentos e emoções do cliente e, assim, comunicar isto à ele. Mais do que isto, a empatia envolve o entendimento de que considerar a alteridade é abrir-se para ela, procurar “ouvi-la” com todos os sentidos e acolhê-la com portas e janelas abertas […] o valor do cliente convoca o psicoterapeuta a oferecer uma escuta qualificada, procurando perceber seu campo fenomenológico e compreendendo-o sem distorções, o máximo possível (ARAÚJO; FREIRE, 2014, p. 100).

Fonte: http://zip.net/bltLxL

Para além, Rogers (1983) considera que o processo de comunicação na relação terapêutica é de suma importância, pois o compreende como um processo complexo que diz respeito desde às reações mais íntimas do organismo até os pensamentos, sentimentos e a emissão de palavras. Rogers relata, ainda, que a experiência de se dispor ao processo de comunicação, exercendo a escuta das demandas do outro, favorece o crescimento individual.

Rogers (1997) traz a reflexão de que as demandas nas psicoterapias concernem às falhas nos processos de comunicação. Quando determinado organismo possui dificuldades de adaptação e necessita de trabalhos psicoterápicos, em primeiro plano, houve uma ruptura da comunicação do sujeito com si próprio e que consequentemente influenciaram de forma direta na dificuldade de estabelecimento de comunicação com outros sujeitos. Ao relatar sobre a capacidade de escuta, Rogers (1983) afirma que o ato de ouvir o outro traz consequências, pois quando há uma escuta apurada em um processo de comunicação, não se ouve apenas as palavras que são emitidas, mas todos os significados que são atribuídos em suas experiências, isto é, a pessoa como um todo.

Amatuzzi (2008, p. 68) diz que “não há palavra viva que seja sem emoção, pois ela interfere com a realidade, cria um mundo novo, mais do que simplesmente retrata a realidade. Se ficarmos na mera palavra, então estamos matando sua vida”. Desta forma, o autor traz a reflexão de que o papel do terapêuta concerne em criar mecanismo que favoreçam a expressão da palavra e de seu pleno significado. Desta forma, a construção do ser e tornar-se psicoterapeuta humanista-existencial é dialética, envolve um conjunto de perspectivas filosóficas existenciais aliadas às contribuições das experiências vivenciadas e relatadas por Rogers. Considerando isto, será descrito algumas características inerentes ao psicoterapeuta humanista-existencial.

  1. Psicoterapeuta não seleciona o caminho que o cliente deve percorrer.

Através de uma postura não-diretiva, o psicoterapeuta confia na capacidade de autorregulação da pessoa, entendendo que é inerente à natureza humana possuir condições de autodesenvolver-se, tendo habilidade para decidir sobre a própria vida. Na atitude psicoterapêutica, apresenta-se condições psicológicas facilitadoras para propiciar o processo de autodesenvolvimento do cliente. “Se posso proporcionar certo tipo de relação, a outra pessoa descobrirá dentro de si a capacidade de utilizar esta relação para crescer, e mudança e desenvolvimento pessoal ocorrerão” (ROGERS, 2009, p. 37).

Fonte: http://zip.net/bttMKx
  1. O cliente é um ser-no-mundo.

A natureza humana é relacional. O homem é compreendido como pessoa em inter-relação com o mundo, entrelaçado à ele, cuja experiência não pode ser fragmentada do ser que a vivencia (CORREA; MOREIRA, 2016). Esta noção vai ao encontro da perspectiva de ser-no-mundo, uma visão ontológica desenvolvida pelo filósofo Heidgger. Nesta perspectiva, o indivíduo é “homem na exata medida de seu ser-em, isto é, na exata medida em que possui um mundo ou abre o sentido de um mundo” (BARBOSA, 1998, p. 4).

  1. O psicoterapeuta não é neutro em relação ao seu cliente

Psicoterapeuta se permite afetar e ser afetado pela experiência do cliente, percebendo-o não um como um objeto a ser estudado, mas como um ser relacional e digno de respeito. No processo relacional ocorrido no setting terapêutico, o psicoterapeuta apresenta-se ativo e comprometido com o seu cliente a medida em que divide a carga com o ele. Sobre isto, Moreira (2009) afirma que este processo tem uma grande importância para o cliente que se sente sozinho, mesmo que esteja cercada por muitas pessoas. “Sua solidão é, frequentemente, fruto da sensação de não ser compreendido em sua dor. Dividir a carga desta dor passa a ser, então, um primeiro momento na psicoterapia tendo um grande significado” (MOREIRA, 2009, p. 64).

Perpassando destas atitudes fenomenológicas, o papel do terapeuta será assim o de, “partir do ponto de vista fenomenal do cliente, procurar a compreensão da consciência vivencial da experiência de si e do mundo” (SANTOS, 2004, p. 19). Para tanto, Rogers (1947) propõe, que o terapeuta deve “ver através dos olhos da outra pessoa, perceber o mundo tal como lhe aparece, aceder, pelo menos parcialmente, ao quadro de referência interno da outra pessoa”.

Fonte: http://zip.net/bhtL9N

Uma relação terapêutica estabelecida através dessas premissas (empatia, congruência aceitação) implica uma importante redefinição do seu papel. Mais do que as técnicas ou os instrumentos utilizados, o terapeuta constrói-se por meio de atitudes que trazem para a relação e que compõem o verdadeiro fator impulsionador da mudança. Tendo em conta os princípios que justificam e dão sentido a essas atitudes, o terapêuta humanista torna-se um verdadeiro facilitador do processo de autoconhecimento do cliente, pois sabe que ninguém melhor que ele mesmo para interpretar, construir e modificar sua própria realidade.

 

REFERÊNCIAS:

AMATUZZI, M. M. (2008). Por uma psicologia humana. 2ªed. Campinas: Alínea.

ARANHA, M. L. A.; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à Filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2003.

ARAUJO, I. C.; FREIRE, J. C. Os valores e a sua importância para a teoria da clínica da abordagem centrada na pessoa. Rev. abordagem Gestalt. Goiânia , v. 20, n. 1, p. 86-93, jun. 2014 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-68672014000100012&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 21 maio 2017.

BARBOSA, M. F. A noção de ser no mundo em Heidegger e sua aplicação na psicopatologia. Psicol. cienc. prof.,  Brasília ,  v. 18, n. 3, p. 2-13,    1998 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141498931998000300002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 24 maio 2017.

BARRETO, C. L. B. T. A evolução da Terapia Centrada no Cliente. IN: GOBBI, S. L.; MISSEL, S. T.; JUSTO, H.; HOLANDA, A. (Org). Vocabulário e noções básicas de Abordagem Centrada na Pessoa. São Paulo: Vetora, 2002. p. 167-181.

BEZERRA, M. E. S; BEZERRA, E. do. N. Aspectos humanistas, existenciais e fenomenológicos presentes na abordagem centrada na pessoa. Rev. NUFEN, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 21-36, dez. 2012. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S217525912012000200004&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 21 maio 2017.

CORREIA, K. C. R.; MOREIRA, V. A experiência vivida por psicoterapeutas e clientes em psicoterapia de grupo na clínica humanista-fenomenológica: uma pesquisa fenomenológica. Psicol. USP, São Paulo, v. 27, n. 3, p. 531-541. 2016 Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010365642016000300531&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 24 maio 2017.

MOREIRA, V. Da empatia à compreensão do lebenswelt (mundo vivido) na psicoterapia humanista-fenomenológica. Rev. Latino-americana de psicopatologia fundamentada.  São Paulo, v. 12, n. 1, p. 59-70, Mar. 2009.   Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141547142009000100005&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 24 maio 2017.

RAFFAELLI, R. (2004). Husserl e a psicologia. Estudos de Psicologia, 9(2), 211-215. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/epsic/v9n2/a02v9n2.pdf>. Acesso em: 01 jun 17.

REHFELD, A. Fenomenologia e Gestalt-terapia. In: FRAZÃO, Lilian Meyer; FUKUMITSU, K. O (Org.). Gestalt-terapia: Fundamentos Epistemológicos e influências filosóficas. São Paulo: Summus, Cap. 2. 2013.

RIBEIRO, J. P. Gestalt-terapia: refazendo um caminho. 6. ed. São Paulo: Summus, 1985.

ROGERS, C. R. Algumas observações sobre a organização da personalidade. American Psychologist , 2 , 358-368. 1947. Disponível em: <http://psychclassics.yorku.ca/Rogers/personality.htm> Acesso em 09 jun 17.

ROGERS, C. R. Um jeito de ser. 1. ed. São Paulo: EPU, 1983.

ROGERS, C. R. Tornar-se pessoa.6. ed.  São Paulo: Martins Fontes, 2009.

SANTOS, C. B. Abordagem Centrada na Pessoa: Relação Terapêutica e Processo de Mudança. Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca. 18-23. 2004.

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Parada Louca

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Este vídeo faz parte de um conjunto de trabalhos que foram realizados na execução da estratégia de Apoio Matricial  em Álcool e outras Drogas, no município de Dianópolis-TO, em 2012-13. O nome “Parada Louca” já diz da leveza e irreverência com que o tema da “loucura” pode ser tratado, na medida em que a loucura é uma construção coletiva e faz parte de nossa existência. A 4a Parada Louca, que ocorreu  no Dia Mundial de Saúde Mental,  10 de outubro  de 2012, é uma manifestação popular que ocorre anualmente na cidade de Dianópolis. Inicialmente foi uma iniciativa exclusiva do CAPS Dr. Chagas, hoje congrega diversos setores públicos e da sociedade civil. Se trata de um movimento de resistência, são momentos de afirmação da diferença em dias cada vez mais homogêneos.

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Das pedras e dos calos, um avô com nome de rocha

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Foto: Jackson Gomes

Eu nunca fui muito contente com o título de “pedreiro” que davam a ele. Sempre que pensei que “construtor” ficaria muito melhor. Entretanto, parei para pensar sobre os dois e lembrei que a história do primeiro merecia um detalhamento, talvez até a chegar ao mesmo nível poético do segundo ou a contê-lo.

Se alguém me perguntar da minha infância em relação a ele, a imagem é a mesma: ele entendia o trabalho de uma forma muito diferente de “labor”; não como “prazer’, mas como “missão”. Ele sempre estava trabalhando na construção de alguma coisa. Como eu gostava de estar perto dele naqueles momentos. A bem da verdade, não tinha poesia naquela hora, só tinha inocência. Simplesmente uma criança olhando o adulto e querendo chamar a atenção. Não ligava para os calos de quando carregava um carrinho-de-mão cheio de tijolos ou de areia. A sandália havaiana que quebrava no meio do caminho, por lá ficava (e depois vinha a bronca da mãe por mais um calçado que não voltava para casa).

Suas atividades começavam sempre cedo. Não me lembro de ver cara feia por causa de dificuldades. Quando não dava para chegar à pé, a bicicleta “barra circular”, azul desde a última reforma, estava pronta para tomar as ruas, quase que sem limites de distância. Saía para resolver as coisas e logo voltava para o trabalho pesado. O café ele já tinha tomado. O leite, sempre “pelando”, como era do seu gosto. Logo juntava as ferramentas. A colher, enxada, pá, marreta, régua (fita métrica), picareta, cegueta, “labanca” (alavanca), o prumo (que nem sempre tinha o “r”), martelo e, como não podia faltar, o boné.

Durante o trabalho no alicerce eu entendia porque se chamava “pedreiro”. Lidar com pedras e quebrá-las, colocando-as não muito cuidadosamente em uma abertura no chão cuja distribuição definia paredes ou muros, era a forma usual de iniciar uma construção há cerca de 20 a 30 anos. Já disse que não ligava para os calos. O importante era ver o sorriso dele, satisfeito com meu esforço em carregar a maior quantidade que conseguia colocar no carrinho e transportar de um lugar para outro, sempre com pressa. Acho que ele pensava: até quando? Até quando vai lidar com isso dessa forma? Até quando vai durar a pressa? O que me deixava realmente encabulado era como aquilo que começava do chão em algumas semanas já ganhava forma e, depois, cobertura. Iniciava com as pedras em buracos no chão, prosseguia com ferro, tijolos, areia e cimento, ganhava cobertura com madeira e telha.

Não era sempre assim. Às vezes, uma construção precisava iniciar de forma diferente. Lembro das vezes em que a construção começava com uma destruição. Na verdade, estas davam mais trabalho ainda. Era preciso usar a picareta para quebrar o reboco. Tirar os tijolos com muito cuidado era uma prioridade, principalmente para poderem ser reutilizados. Logo a mão estava tomada de pó de cimento e, no meu caso, calo e sangue. No caso dele, calos sobre calos se destacavam, mas traziam a proteção para que ele continuasse ali o dia inteiro, enquanto eu parava com muita frequência, até mesmo porque tinha a bola, o pique-esconde, o “salva latinha” e o pé-de-manga. Voltando à construção, era por isso que dava mais trabalho: era uma reconstrução. Era nítido que ele não era seu tipo de trabalho preferido, mas ao final de cada dia, antes mesmo do resultado final, ao guardar as ferramentas, eu via sempre aquela face com um contentamento indescritível e o início da preparação para o dia seguinte.

Foto: Jackson Gomes

Ele continuou por muitos anos na mesma luta. Eu, de servente-mirim, segui pelo caminho da construção de sonhos e ideias com números e palavras. Eu sei que ele não entendia quando eu tentava explicar como era o meu trabalho, mas aquele semblante contente me lembrava daquele de quando me observava empurrando o carrinho cheio de pedras ou de areia. Hoje, e já há algum tempo, o dia seguinte não chegou, mas o que o pedreiro com nome de rocha construiu ficou. Não ficou apenas nas pedras que ele transformou como o joalheiro transforma a pedra bruta, embora sem o mesmo reconhecimento e luxo. Não ficou nas ferramentas que por tantos anos o acompanharam e foram companheiras diárias. Como todo bom construtor, o que ele criou ficou, e está, na alma e no fundo do peito.

 

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