A construção social do amor e do casamento para as mulheres

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Casamento é o destino tradicionalmente oferecido às mulheres pela sociedade. Também é verdade que a maioria delas é casada, ou já foi, ou planeja ser, ou sofre por não ser — Simone de Beauvoir.

A promessa dos felizes para sempre em duas alianças.
Fonte: Quimono / Pixabay

Se entrelaçando entre as relações humanas, o amor romântico e o casamento foram apresentados às mulheres como algo primordial em suas vidas, ainda que o conceito tenha perdido fôlego nos últimos anos, atualmente a felicidade e completude de uma mulher ainda se encontra associada ao papel de esposa e mãe, aos homens são apresentados outros sonhos na infância, já para as mulheres, até mesmo com as brincadeiras vemos um padrão de fantasiar, quando criança, em ser dona de casa e mãe. 

Ao longo da vida as mulheres são ensinadas a sonharem e desejarem uma grande história de amor, o encontro da alma gêmea, o casamento e a maternidade como a descoberta da felicidade, o patriarcado implantou a ideia de que, para as mulheres o amor é o principal, e tópicos como casamento e maternidade foram romantizados ao longo dos anos, disseminando a mensagem de que mulheres são seres sensíveis e amorosos, com necessidade de amar e se tornar cuidadora, se completando dentro de uma relação romântica. Simone de Beauvoir escreveu em seu livro O Segundo Sexo (1949):

Não acredito que existam qualidades, valores, modos de vida especificamente femininos: seria admitir a existência de uma natureza feminina, quer dizer, aderir a um mito inventado pelos homens para prender as mulheres na sua condição de oprimidas. Não se trata para a mulher de se afirmar como mulher, mas de tornarem-se seres humanos na sua integridade. 

Desde a infância, em filmes direcionados para o público infantil, como os clássicos da Disney, contos de fadas protagonizados por figuras femininas, o feliz para sempre da heroína era o encontro do amor e o matrimônio, essas imagens por vezes são enraizadas nas cabeças de meninas, que sonham com o dia que vão vivenciar a fantasia dos filmes, encontrando o príncipe perfeito, o homem ideal, mas diferente dos filmes, na vida real nem sempre o casamento é o final feliz da história.

Durante a infância as crianças são bombardeadas com contos de fada. São geralmente histórias para dormir extremamente machistas, que reforçam a ideia de que a mulher é inferior. Enquanto as crianças crescem, suas opções literárias evoluem para outros gêneros narrativos que comumente trazem o mesmo conceito de subalternidade. (ACOSTA, 2009). 

No entanto essa imposição tem a tendência de gerar infelicidade e frustração, pois agora a felicidade tem um padrão previamente estabelecido, é necessário que o encontro com a pessoa que será o complemento perfeito, e quando se tem a sorte de achar o seu par, o aprendizado sobre o amor ofertado às mulheres diz que como mulheres são seres emocionais, a reflexão sobre o amor não é válida, ele deve ser sentido, e o amor é uma coisa linda, que a tudo tolera, aceita e consente. 

Fonte: DWilliam / Pixabay

Era uma vez uma princesa que conseguiu o seu felizes para sempre, mas a vida de casada ironicamente não era um “conto de fadas”, ser uma esposa influencia em sua identidade e modifica a sua vida, ela percebe que em nome do amor e por convenções sociais, ela deve abandonar os seus planos individuais, e que a conjugalidade é cansativa, trazendo a perda de si própria, e até mesmo desgaste físico e mental, no entanto ela deve resistir pois esse é o papel para o qual a mulher foi historicamente designada.  

Esses contos ao refletirem a realidade histórica e cultural da época, por diversas vezes colocavam a figura feminina com um objeto para o matrimônio, com a função de auxiliar o homem. Ainda na contemporaneidade a vida cotidiana não se distanciou desse fato, pois a figura masculina ainda é supervalorizada, constantemente colocada em uma posição de superioridade em relação à mulher. Histórias como essas transmitem a mensagem de que o casamento é a principal etapa na vida de uma mulher, diminuindo ou não valorizando outras conquistas, esse estereótipo conclui que o casamento é primordial se ter felicidade e sucesso. 

Tal ideia foi difundida por inúmeras obras literárias e audiovisuais no decorrer dos anos, com um destaque expressivo em obras destinadas para um público infantil, sendo assim o contexto que foi criado a mulher ainda pode ser vista com atribuições de serventia para os homens, e esses conceitos são propagados de uma forma que não é incomum que muitas mulheres reproduzam esse ponto de vista em seus posicionamentos.

A mulher sempre esteve inserida dentro de uma estrutura patriarcal, na qual seu destino era marcado pela submissão e direcionado ao casamento. Era uma figura emudecida e marginalizada em vários aspectos, por exemplo, como filha ou esposa, não podia opinar em nada que se referisse a outro universo que não o lar, o enxoval, o noivo/marido e o bem-estar da família, restringindo-se a obedecer aos homens da casa. (PIMENTA; DAL CORTIVO, 2012). 

As histórias que são apresentadas em filmes geralmente refletem o imaginário de amor romântico, o sofrimento é o aprendizado que o amor traz, a jornada do herói da maioria das protagonistas femininas é a busca pelo amor, de acordo com Anthony Giddens (2001, p. 28) o amor foi definido por alguém como “[…] uma conspiração engendrada pelos homens contra as mulheres para lhes encher a cabeça com sonhos tontos e impossíveis”. 

Fonte: Olessya / Pixabay

Por muitas vezes o casamento se compõe em uma elaborada armadilha para as mulheres, pois para elas, em concordância com Simone de Beauvoir (1976, p. 498): “o amor foi apontado à mulher como uma suprema vocação e, quando se dedica a um homem vê nele um deus […]”. A forma que homens e mulheres aprendem a amar e se comportar em um relacionamento é divergente, em uma sociedade patriarcal que se centraliza na figura masculina, ao homem cabe “sustentar” seu lar, a mulher é imposto o papel de cuidadora, a responsável de manter o casamento mesmo com dificuldade, a culpada se essa relação fracassar, o casamento e as relações amorosas podem no final ser um fator que traga mais sofrimento que alegria, diferente da promessa vendida ao longo da vida para as mulheres.    

Referências: 

ACOSTA, Rossana Paiva. Personagens femininas da literatura e seu impacto nas gerações. 2019. Disponivel em: https://www.redeicm.org.br/revista/wp-content/uploads/sites/36/2019/10/Personagens-femininas-da-literatura_ok.pdf. Acesso em: 24 de Fev. 2023. 

BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Venda Nova: Bertrand, 1976.

GIDDENS, Anthony. Transformações da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. Oeiras: Celta Editora, 2001.

PIMENTA, Luciana Mendes; DAL CORTIVO, Raquel Aparecida. A representação da mulher nos contos de fadas tradicionais e contemporâneos nas obras cinderela e procurando firme. 2012. Disponivel em: https://edoc.ufam.edu.br/retrieve/12c3a303-bcba-440e-8d1a-d7145924352c/TCC-Letras-2012-Arquivo.013.pdf. Acesso em: 27 de Fev. 2023.  

 

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A construção social da maternidade

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No Brasil, o conceito de gênero também surge no século XX, e fora apresentado como uma categoria analítica, sendo o nome dado à imagem que a sociedade construiu do masculino e do feminino. Sendo assim, Safiotti (2006) pontua que a introdução do conceito de gênero ocorreu pela recusa do determinismo biológico, a repulsa sobre “a anatomia é o destino” que era imposto naquela época. Dessa maneira, a sociedade e os pesquisadores passam a dar uma atenção maior à relação estabelecida entre homem-mulher e suas implicações.

A partir disso, o sujeito passa a ser considerado como um ser histórico e social, onde suas relações são ponderadas pelo gênero, mas também reguladas pela classe social, raça/etnia e pela sua multiplicidade. Assim como Scott (1988) pontua, o gênero é não somente como uma categoria analítica, mas também histórica, estabelecendo a cultura, as instituições sociais, a subjetividade e a ordem social como mecanismos envolvidos pela disposição dele. A autora completa sinalizando o gênero como essencial para a dinâmica das relações de poder e para estruturar simbolicamente toda a vida social.

Concomitantemente, Badinter (2011) pontua que os movimentos feministas começaram a se articular para que a maternidade passasse a ser vista de acordo com as condições econômicas, sociais e culturais das mulheres e da família em geral. Ademais, Akotirene (2019) pontua que esse fenômeno permite que se possa questionar preconceitos, desigualdades, submissões de gênero, de classe e raça e as violências estruturais da matriz colonial moderna da qual surgem. Desse modo, a terceira onda do feminismo foi marcada pela luta por espaços de atuação nas políticas públicas, assim como atendimento qualificado às mulheres de todas as classes e raças, inclusive aquelas que viviam em vulnerabilidade social (Sousa, 2015). 

Ariès (1986) disserta que é ao longo do século XVI que surge a ideia de hierarquização da família de acordo com as idades e, a partir de então, começa a ser retratado nas obras cenas que ilustravam não apenas o sentimento de infância, mas também o sentimento de família. Em vista disso, as gravuras começam a demonstrar quais as funções instituídas a cada um do seio familiar, no qual a mulher cuidava dos filhos ou da casa e o marido fazia as contas enquanto as crianças brincavam. Daí começa a ser introduzida a imagem da mãe cuidadora, a que vigia o filho no berço, que amamenta, a que limpa a criança, entre outras funções, além disso, também é inserida a imagem dos criados e das amas junto à família (Ariès, 1986).

Diante disso, a partir do século XVII, Ariès (1986) disserta que as pinturas passam a ser caracterizadas pela vida privada, pelo que ocorria dentro do lar doméstico, além da família ser relacionada somente aos laços de sangue e às vivências dentro de casa. Ademais, “essa evolução reforça os poderes do marido, que acaba por estabelecer uma espécie de monarquia doméstica” (1986, p. 214), onde era amparado pela legislação real a retenção do poder no que refere-se à esposa e aos filhos. Desse modo, há uma mudança nos hábitos cotidianos e na ordem social. Toda essa dinâmica social fora muito influenciada pelo Catolicismo, que tinha Maria como a virgem pura, submissa e obediente ao seu Deus e ao seu marido José, tendo assim como base a Sagrada Família.

Considerando a autoridade do discurso religioso, a maternidade era tida como algo extremamente sagrado, assim, Moraes (2021) traz que a arte em meados do século XIX representava o feminino ligado à essência maternal, transcendendo uma decisão inegável, uma atuação limitada na sociedade. Logo, na dinâmica familiar, a maternidade era naturalizada, tida como um dever social às mulheres, enquanto os homens tinham participação através do domínio. Junto à isso, […] “vários moralistas, filósofos, médicos e legistas falavam em nome de uma natureza feminina; em defesa da nação, começaram a pensar como deveria ser uma mãe e o que se poderia esperar dela” (MORAES, 2021, p.38/39).

Daí em diante, o Estado, a igreja e a medicina passam a ser dispositivos de controle às práticas maternas, onde incentivaram o cuidado pelas mães biológicas e atribuíam sentido à idealização do amor materno, assim como Moreira (2009) aborda que a mulher passa a ser vista como responsável por passar a moralidade para os filhos, cuidar do lar e prover obediência ao homem. Desse modo, a Igreja torna-se um dispositivo de controle e ordem social, onde estabelecia normas de conduta para o casamento pautadas no sistema patriarcal que considerava a supremacia do homem sobre a mulher, doutrinando as práticas femininas e estimulando a reprodução (Venâncio, 2004).

Dessa maneira, infere-se uma construção do feminino a partir da maternidade, assim como discorre Badinter (1985) quando destaca que a mulher é designada para a maternidade, mas não somente o ser-mãe, mas ser uma excelente mãe para ser uma excelente mulher. Como afirma Colares e Martins (2016), os sentidos atribuídos à maternidade passam a ser ligados ao amor e cuidado, considerando um valor ideal a ser seguido, sendo assim introduzido o mito do amor materno. Para Resende (2017), o mito do amor materno operou como um fator determinante para a sistematização da sociedade, visto que, mediante a crença irrefutável do amor natural, foram desenvolvidas normas sociais de comportamento que interessavam ao Estado.

Fonte: Pixabay

Resende e Bedran (2013) atribuem o surgimento do mito do amor materno como essencial para um movimento de dimensão econômica que influenciará tanto as regras sociais quanto a relação entre os indivíduos. Temos que o amor materno fora idealizado juntamente com o modelo padrão de família burguesa, que inclusive era regido pelo modo de produção capitalista. Para Badinter (1985), o amor materno se configura como um mito a partir do momento em que surge a valorização da ideia de instinto maternal e do amor natural de toda mãe pelo filho.

Essa alusão ao amor materno espontâneo perpassa gerações e possibilita ao Estado, através do capitalismo e do patriarcado, controlar os comportamentos das mulheres. Assim, a partir da crença irrefutável do amor materno, era possível além de controlar, punir aquelas que não seguiam a ordem social estabelecida, seja através da Igreja (pecado) ou do determinismo médico (patologia). Dessa maneira, o mito do amor materno é um dos maiores dispositivos de poder do sexo masculino sobre o sexo feminino.

Moreira (2009) destaca que no final do século XIX, com a ascensão do sistema capitalista e o advento da Revolução Industrial, a função da mulher que até então era privada à maternidade, começa a ser exercida em espaços públicos. Essa mudança se dá pelas modificações nos modos de produção, onde houve a necessidade da mão de obra feminina nas fábricas com intuito de aumentar a produtividade. Além disso, o autor aponta que no século XX, com as Guerras Mundiais, houve um aumento da mulher no mercado de trabalho, visto que os homens eram recrutados para lutar na guerra e as mulheres tinham que assumir as finanças familiares. 

Esses acontecimentos históricos foram necessários para que a mulher pudesse ter outras possibilidades além da maternidade, passando de um modelo tradicional para um modelo moderno de maternidade (Moreira, 2009). Dessa maneira, com o acesso à educação, ao mercado de trabalho e com a autonomia nos negócios, a mulher passa a ter variáveis funções na sociedade, mesmo que a figura feminina do lar ainda fosse predominante. Em vista disso, Simone de Beauvoir declara que “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade” (2009, p. 312).

Para a autora citada, o amor materno é constituído a partir da relação estabelecida entre mãe-filho e não algo natural que decorre de todas as mulheres, bem como o ser-mulher, sendo algo construído socialmente a partir das relações e do trabalho. E é por isso que Akotirene (2019) disserta sobre a interseccionalidade como fator importantíssimo para o questionamento da mulher universal, visto que, de acordo com a cor/raça e classe, essa maternidade pode ser afetada positivamente ou negativamente, mesmo a maternagem obrigatória sendo um aprisionamento imposto pelas mazelas sociais para todas as mulheres.

Para Badinter (2011), foi a partir dessa mobilização feminista que a maternidade passou a ser desassociada ao destino feminino, podendo ver novos sentidos no ser-mulher para além da maternidade. Para isso, foram constituídos os princípios e normas dos direitos reprodutivos pela Constituição Federal do Brasil e pelos Direitos Humanos. Posto isso, Scalone (2001) destaca que no fim do século XX, com o surgimento dos métodos contraceptivos, há uma renúncia significativa da maternidade, proporcionando para as mulheres a possibilidade de escolha no âmbito pessoal e profissional. Desse modo, os avanços tecnológicos surgem como grande aliado das lutas feministas, uma vez que através das pílulas anticoncepcionais e dos métodos contraceptivos, permitiu-se a prevenção e escolha sobre ter filhos ou não (Barbosa; Rocha, 2007).

Ademais, o surgimento dos utensílios de apoio para cuidados dos bebês, como a mamadeira e o carrinho de mão, permitiam que as mães pudessem dividir as tarefas com terceiro e permanecer nas atividades do mercado de trabalho para além das domésticas. Daí em diante, no século XXI, Badinter afirma: “é como se a criança não fosse mais a prioridade das prioridades” (2011, p. 31). Sendo assim, pode-se atribuir outro valor à maternidade, que surge não como destino social, mas como uma escolha que divide espaço com diversas variáveis sociais e pessoais, bem como o adiamento da maternidade ou optar por não ser mãe. Todavia, essa escolha não é tão espontânea assim, visto que sofre influências externas o tempo inteiro. 

Além disso, Badinter (2011) aborda sobre o ressurgimento silencioso da visão naturalista a partir das práticas médicas e religiosas. Essas práticas circundam muito no âmbito da moralidade, que gira em torno do que é certo ou errado para determinada instituição social. Desse modo, vemos que a postura naturalista pode convocar novamente a ideia de amor instintivo, inato de mãe para filho, em que ela fica totalmente responsável pelo desenvolvimento saudável do filho e deve ser uma “boa mãe”. Em contraste, aquelas que não seguirem tal modo são atravessadas pela culpa moral.

Concomitante a isso, percebe-se, no século XXI, duas visões de mundo diferentes sobre a maternidade. Enquanto os discursos naturalistas e religiosos introduzem que a mulher mãe tem que ficar mais tempo com os filhos durante seu crescimento e desenvolvimento, o discurso capitalista aponta a necessidade de aumento de produção através da mão de obra feminina. Por isso, é preciso considerar na contemporaneidade, a pluralidade de discursos sobre as maternidades para que não reincida no determinismo biológico e nas armadilhas do capitalismo. 

Assim, entende-se que a maternidade é uma condição de instabilidade de sentimentos, pois pode ser gerada pelo meio e pelo que é internalizado a partir do meio, sentimentos satisfatórios ou insatisfatórios sobre o ser mãe. Por isso, é preciso compreender a maternidade em sua totalidade, considerando em como a maternidade foi construída, nas relações interpessoais da mãe e do filho, se há ou não rede de apoio, entre outros aspectos. Ademais, considerando a perspectiva interseccional, é importante pensar que a maternidade será vivenciada de modos diferentes, visto que são pessoas diferentes e em contextos diferentes de vida.

REFERÊNCIAS

AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. Pólen Produção Editorial Ltda, 2019.

ARIÈS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro, Guanabara, 1986

BADINTER, E. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985

BADINTER, E. O conflito: a mulher e a mãe. Rio de Janeiro: Record, 2011.

BARBOSA, P. Z.; ROCHA, M. L. Maternidade: novas possibilidades, anti-gas visões. Psicol. clin. Rio de Janeiro , v. 19, n. 1, p. 163-185, 2007

COLARES S. C. S; MARTINS R. P. M; Maternidade: uma construção social além do desejo. Revista de Iniciação Científica da Universidade Vale do Rio Verde, Três Corações, v. 6, n. 1, p. 42-47, 2016

MORAES, M. Maternidade: Uma Análise Sociocultural. Editora Appris, 2021.

MOREIRA, R. Maternidades: os repertórios interpretativos utilizados para descrevê-las. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade Federal de Uberlândia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Uberlândia, 2009.

RESENDE, D. K. Maternidade: uma construção histórica e social. Pretextos-Revista da Graduação em Psicologia da PUC Minas, 2(4), 175-191, 2017

RESENDE, D. K., BEDRAN, P. M. As construções da maternidade do período colonial à atualidade: uma breve revisão bibliográfica. Revista Três Pontos, 14(1), 2013.

SAFFIOTI, H. I. B. Ontogênese e filogênese do gênero. 2006.

SCAVONE, L. A maternidade e o feminismo: diálogo com as ciências sociais. Cadernos pagu, 137-150, 2001.

SCOTT, J. W. (1986) Gender: A Useful Category of Historical Analysis, American Historical Review, Vol. 91, Nº 5. Também publicado em HEILBRUN, Carolyn G., MILLER, Nancy K. (orgs.) (1988) Gender and the Politics of History. Nova Iorque: Columbia University Press, p. 28-50. Versão brasileira: Gênero: uma categoria útil de análise histórica, Educação e Realidade. Porto Alegre: UFRGS, 1990.

SOUZA, S. MARTINS, T. Patriarcado e capitalismo: uma relação simbiótica. Temporalis, v. 15, n. 30, 2015.

VENÂNCIO, R. P. A maternidade negada. In: PRIORE, M.D. (Org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, cap. 6, p.159-186; 2004.

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Desigualdade de gênero e mercado de trabalho

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Ao se examinar a sociedade atual e seus desdobramentos sobre a questão de gênero  no trabalho, faz-se fundamental revisitar a história e refletir sobre suas reverberações e influências nos dias atuais. A este respeito, no livro “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”, Friedrich Engels explana sobre os processos históricos que influenciaram o lugar da mulher na sociedade a partir do início da civilização. Neste processo, nas tribos, os homens eram responsáveis pela caça, pesca e busca de matérias primas para alimentação, sendo assim encarregados de produzir os materiais necessários para esse fim. Já as mulheres, tinham como função a confecção das roupas, dos afazeres domésticos e preparo da comida. Aqui, tanto os homens quanto as mulheres eram proprietários dos artefatos que produziam e usavam para as atividades que eram incumbidos.

Com o passar do tempo, as tribos foram encontrando novas maneiras de se organizar, como a domesticação de animais, onde se utilizava do leite, da pele e da carne para alimentação, assim como mais tarde as plantações de cereais, que serviam não só para consumo próprio mas para trocas, consolidando a comercialização entre as tribos da época. Logo, os rebanhos e plantações passaram a não ser mais propriedades conjuntas da tribo, mas patrimônio dos chefes de família já que eram eles quem cuidavam dos gados e plantações, a mulher, no entanto, não tinha mais participação na propriedade, apenas no consumo, mesmo ainda sendo responsável pelas tarefas domésticas “o trabalho doméstico da mulher perdia agora sua importância, comparado com o trabalho produtivo do homem; este trabalho passou a ser tudo; aquele, uma insignificante contribuição” (ENGELS, 1984, p. 182).

Para que possamos compreender a presença da segregação de gênero no âmbito do trabalho atual, é preciso analisar tais aspectos sociais e culturais. Embora a estrutura ocupacional com o passar do tempo tenha apontado um avanço no que se refere às taxas de desemprego, renda e formalização das trabalhadoras, a segregação de gênero ainda é presente nos dias atuais, demonstrando sua ligação com a construção social de gênero que atribuía às mulheres apenas a reprodução, consequentemente as destinavam a responsabilidade pelas tarefas domésticas e o cuidado aos filhos, e ao homem era designado o papel de provedor do lar.

Evidenciando as atribuições designadas aos gêneros socialmente, Leite (2017, p. 51) evidencia que

Os papéis tradicionais de gênero foram socialmente construídos. De acordo com eles, os homens deveriam desempenhar o papel de “provedor”, responsável pelo trabalho produtivo, cujo salário deveria ser suficiente para o sustento da família. À mulher foi atribuído o papel de “cuidadora”, que deveria assumir responsabilidades familiares, sem remuneração. Essa ideia foi construída de acordo com a noção de que o exercício das responsabilidades familiares – cuidar de filhos/as e realizar tarefas domésticas – estaria relacionado a aptidões femininas tidas como “naturais”. Seguindo essa lógica, o mercado de trabalho foi estruturado para os homens, percebidos como trabalhadores que não precisavam se preocupar com responsabilidades familiares e, por isso, estavam totalmente disponíveis para o trabalho.

Fonte: encurtador.com.br/rwGWZ

 

MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO

A entrada das mulheres brancas no sistema econômico se deu a partir do mercado matrimonial, onde a moeda que fazia o sistema girar era a da “beleza”. Assim que a estrutura social percebeu a exigência dessas mulheres em ter acesso ao poder, ela se reconfigurou usando esse mesmo artifício – o mito da beleza – para barrar o progressos das mesmas (WOLF, 2020).  Conforme as mulheres tentavam driblar o sistema patriarcal que as impediam de avançar profissionalmente, mais ele encontrava novas maneiras de sabotar todo e qualquer tipo de vislumbre de uma atuação no mercado de trabalho que não mais fosse ligada a aspectos relacionados a beleza.

Com a mobilização dos movimentos feministas, que obtiveram maior força a partir da década de 70, as mulheres brancas começaram a conquistar lentamente acesso à educação, bem como outras áreas de atuação e ao mercado de trabalho. Embora seja considerada uma conquista tardia o movimento propiciou a inserção das mulheres nos espaços sociais que, no futuro, proporcionou a promulgação de leis que deveriam garantir amparo no âmbito do trabalho (VIEIRA, 2017). Apesar dos obstáculos, nota-se que a incorporação e permanência das mulheres  no mercado de trabalho tem se expandido, resultando na ocupação de espaços antes preenchidos, majoritariamente, pela população masculina. No entanto, mesmo com essas conquistas as mulheres ainda não estão em pé de igualdade em relação aos homens, seja no mercado de trabalho ou em qualquer esfera da vida.

No Brasil, durante as décadas de 70 e 80, as atividades domésticas – predominantemente exercidas por mulheres – não eram contabilizadas nos levantamentos censitários e domiciliares do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Quem se classificava nesta área era colocado no levantamento da População Economicamente Inativa (PEI), ou seja, o tempo dedicado à essas atividades não era considerado como um trabalho não remunerado e sim como uma inatividade. Porém, no decorrer dos estudos, percebeu-se que esses afazeres requerem tempo e energia para não serem classificado como um trabalho (BRUSCHINI, 2007 apud CANABARRO; SALVAGNI, 2015).

Fonte: encurtador.com.br/htFOX

LUGAR DE MULHER, É ONDE ELA QUISER!

O IBGE (2018) em recente pesquisa sobre estatísticas de gênero e indicadores sociais de mulheres no Brasil, apontou que, na faixa etária de 25 a 44 anos de idade, a porcentagem de homens que completaram o ensino superior é de apenas 15,6% enquanto o de mulheres é 21,5%, com indicador de 37,9% superior aos homens. Em contrapartida, o mesmo estudo demonstra que a presença de mulheres nos campos cívico e político assumindo posições de liderança tanto público como privado são baixas.

Ainda sobre a pesquisa do IBGE, observa-se que, em 2017, no Brasil, o percentual de cargos na câmara dos deputados ou no parlamento ocupado por mulheres eram de apenas 10,5% enquanto no mundo as mulheres ocupavam 23,6%. Já nos cargos efetivos ativos da polícia militar e civil brasileira, cargo este tradicionalmente ocupados por homens, a porcentagem é de 13,4%. Há uma ocupação maior das mulheres na polícia civil devido o Art. 10-A da Lei n. 11.340, de 07.08.2006 que dispõe sobre o direito da mulher que se encontra em situação de violência de ser atendida, preferencialmente, por policiais do sexo feminino. Nos cargos gerenciais no ano de 2016 apenas 39,1% eram ocupados por mulheres enquanto 60,9% eram ocupados por homens.

Os estudos acerca do mercado de trabalho apresentam que profissões e ocupações específicas apontam uma destinação de gênero, concernente aos pressupostos culturais, a relação disso se dá pelas atribuições designadas ao homem e a mulher. De maneira que as escolhas aos cursos profissionalizantes, tanto técnico quanto superior, demonstram a ligação com essas definições sociais, tendo em vista que as áreas relacionadas ao lar e de cuidados são reservadas às mulheres e aos homens são áreas relativas à construção, administração, setores agrícolas, industriais, dentre outras (VIEIRA, 2017).

As mulheres que ousam assumir profissões tradicionalmente consideradas masculinas além da tripla jornada de trabalho, também carregam o peso da discriminação, da sexualização e do machismo.  Um exemplo muito contundente é o de mulheres que trabalham como operadoras de empresas de petróleo, que relatam que elas é que devem  se adaptar ao contexto do grupo de trabalho masculino e não o grupo a elas, desenvolvendo maneiras de adaptação como disfarçar não ouvir comentários que as constrangem, como consta da  pesquisa de dissertação de Perrelli (2005).

Fonte: encurtador.com.br/oqsR1

RELAÇÃO FAMÍLIA-TRABALHO NO ATUAL CONTEXTO DAS MULHERES

Todos esses estereótipos e padrões ditados ao gênero feminino e a maior inserção das mulheres no mercado de trabalho geram mais cobranças e pressões dentro do âmbito familiar. Pois as mulheres se veem em um processo de intensificação do trabalho e de naturalização da exacerbada quantidade de responsabilidades atribuídas à elas, visto que sua jornada de trabalho acaba se duplicando ou até mesmo triplicando. Assim como explana Ladeira (2000) quando a mulher assume responsabilidades de cunho extra-familiar a intensificação do trabalho vem como consequência certa, por conta da prescrição social de papéis sexistas no quais, esperam que as mulheres sejam as principais responsáveis pelo cuidado familiar e doméstico.

Em relação ao contexto familiar e doméstico verifica-se na contemporaneidade que as configurações familiares sofreram mudanças, e muitas famílias passaram a ser chefiadas e sustentadas por mulheres. Dentro disso, estas lidam com pressões tanto internas quanto externas em relação ao seu papel na família, que partem da comparação destas com mulheres donas de casa, nas quais, geralmente, têm mais tempo de acompanhar o processo de aprendizagem e escolarização dos filhos. No tocante à isso, estudos mostram que as mulheres nas quais trabalham fora de casa, sentem que estão negligenciando os filhos mais do que as mulheres nas quais permanecem trabalhando em casa (BARHAM; VANALLI, 2012).

Atualmente as mulheres têm mais condições de passarem maior parte do dia trabalhando, com isso, os filhos são inseridos nas creches/escolas desde muito novos, e/ou são cuidados por babás ou um membro da família disponível (ARAUJO; POLSIN, 2017). Em relação à isso, as mulheres que trabalham fora do lar também se culpabilizam mais pelas crises no casamento, pelo fato de não estarem tanto tempo se dedicando aos cuidados dos filhos e aos afazeres domésticos, do que as mulheres que trabalham em casa. Também ocorre de críticas externas quanto às mulheres que terceirizam o cuidado com os filhos, nas quais são acusadas de serem as responsáveis quanto a danificação da qualidade de convivência familiar (BAHRAM; VANALLI, 2012).

Sendo assim, apesar da maior abertura da participação da mulher no mercado de trabalho, ainda é visível que a desigualdade de gênero influencia na dupla ou tripla jornada laborativa e na culpabilização e pressão quanto às responsabilidades familiares impostas ao gênero feminino.

Fonte: encurtador.com.br/PRUY9

CONCLUSÃO

A segregação de gênero na esfera do trabalho ainda é presente na atualidade, sendo possível identificar sua relação com a construção social de gênero. Embora com os movimentos feministas que propiciaram um avanço no que se refere à inserção e permanência das mulheres no trabalho, estas ainda não estão em nível de igualdade em relação aos homens.

As escolhas relativas aos cursos profissionalizantes reforçam a ligação com os pressupostos culturais, tendo em vista que há cursos que são reservados às mulheres e aos homens, trazendo uma destinação sexista. As questões sociais apesar de estarem em constante modificações ainda impactam negativamente nesse aspecto da vida da mulher.

As mulheres que assumem profissões consideradas masculinas tem como consequência a tripla jornada, discriminação, sexualização e machismo. O que intensifica a jornada não só no ambiente de trabalho remunerado como também o ambiente intra-familiar, estando estas mais propensas a chegar a exaustão psicológica e física.

O trabalho afeta diretamente as relações familiares, uma vez que os indivíduos não podem ser compreendidos independentemente de suas relações, portanto, afetam e são afetados dentro de todos os contextos nos quais estão inseridos. O fato das mulheres estarem inseridas em um processo de intensificação do trabalho e de naturalização da grande quantidade de responsabilidades que lhes são atribuídas, prolongam sua jornada de trabalho, o que acaba a reduzir o tempo de convivência familiar. Nisso, o risco para a conjugalidade e parentalidade podem ser considerados uma vez que, quanto maior o conflito em uma vida conjugal, menor a satisfação e os membros irão vivenciar menor proximidade afetiva.

Por fim, foi possível analisar que as mulheres estudam mais, trabalham mais e mesmo assim ainda não atingiram um patamar de igualdade entre os gêneros, além de sofrerem mais com pressões psicológicas dentro do contexto familiar. O movimento feminista luta diariamente para a desconstrução de papéis limitantes atribuídos às mulheres e na busca de direitos iguais em todo e qualquer contexto entre os gêneros.

REFERÊNCIAS

ARAUJO, Tatiane; POLSIN, Fernanda. Relação entre a interação familiar e a qualidade de vida no trabalho como provedora da satisfação para o colaborador. Brasília, v. 7, n. 2, ed. 1, p. 17-30, Jan./dez. 2017. DOI https://doi.org/10.5102/un.gti.v7i1.3550. Disponível em: https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/gti/article/view/3550. Acesso em: 12 set. 2020.

BARHAM, Dra. Elizabeth Joan; VANALLI, Ana Carolina Gravena. Trabalho e família: perspectivas teóricas e desafios atuais. Rev. Psicol., Organ. Trab.,  Florianópolis ,  v. 12, n. 1, p. 47-59, abr.  2012 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984-66572012000100005&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em  19  set.  2020.

ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado: trabalho relacionado com as investigações de l. h. morgan. 9. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984. 215 p.

(IBGE) INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA: Estatísticas de gênero : indicadores sociais  das mulheres no Brasil. Rio de Janeiro ,2018. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2101551.> Acesso em 18 set. 2020.

LADEIRA, Kátia de Freitas. Dupla jornada da mulher e qualidade de vida: a influência do nível socioeconômico nas estratégias de conciliação entre o tempo laboral e o tempo familiar, 20 de Setembro de 2000. Disponível em: https://www.locus.ufv.br/handle/123456789/10745. Acesso em: 19 set. 2020.

LEITE, Marcia. Gênero e Trabalho no Brasil: Os Desafios da Desigualdade. N° 8. ed. [S. l.]: REVISTA CIÊNCIAS DO TRABALHO, Agosto de 2017. 45 – 60 p. Disponível em: https://rct.dieese.org.br/index.php/rct/article/view/144/pdf. Acesso em: 14 set. 2020.

PERRELLI, Marly Terezinha. MULHERES DO PETRÓLEO: sentidos atribuídos por homens e mulheres a tarefas tradicionalmente consideradas masculinas. 2005. 128 f. Dissertação (Mestrado) –   Programa de Pós Graduação em Psicologia, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2005.

SALVAGNI, Julice; CANABARRO, Janaina. MULHERES LÍDERES: as desigualdades de gênero, carreira e família nas organizações de trabalho. Revista de Gestão e Secretariado, São Paulo, v. 6, n. 2, p. 88-110, abr./ago. 2015.

VIEIRA, Isabela. Uma Análise da Segregação de Gênero para os anos 2000. 13° Mundos de Mulheres & Fazendo Gênero 11: Transformações, Conexões, Deslocamentos, Florianópolis, s/p, 2017. Disponível em: http://www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1502978463_ARQUIVO_FazendoGeneroIsabelaTaitsonVieira.pdf. Acesso em: 12 set. 2020.

WOLF, Naomi. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres; tradução Waldéa Barcellos. – 11ª ed. – Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2020.

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Machismo: uma Construção Social

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Marina Castañeda Gutman, autora do livro “O machismo invisível” cujo vem a ser resenhado, nasceu no México em 1956, possui diversas formações, incluindo História; Psicologia; Música e Letras pela Universidade de Harvard nos Estados Unidos, com especialização em homossexualidade.

O livro resenhado foi desenvolvido no México, traduzido ao Português e Italiano; possui 295 páginas e 11 capítulos subdivididos em várias temáticas. Tem como finalidade expor acerca do machismo oculto que, por vezes, passa despercebido por todos, engajado nas várias esferas sociais. Buscar explanar sobre as teorias psicológicas que abordam acerca, e às diversas maneiras de manifestações deste fenômeno humano. Além disso, os mais variados âmbitos que expõem, tanto quanto o contexto histórico concernente.

Dessa forma, a autora propõe esclarecer que o machismo não é o um fenômeno reproduzido somente pelos homens, mas também pelas mulheres, portanto, social. O machismo durante todo o percurso da obra é abordado enquanto uma relação de poder, dominação, construção e subordinação de um indivíduo perante aos seus semelhantes, seja nas mais variadas relações interpessoais homem-mulher, mulher-mulher  e homem-homem.

A autora durante todo o percurso do livro tenta problematizar o modo como ainda na contemporaneidade os sujeitos tendem a buscar justificativas cabíveis para comportamentos machistas, tendo ainda como embasamento estudos tal como excêntricos. Contudo, sabe-se que não é por esse ângulo que os fatos fluem, o machismo é algo instituído na sociedade e impregnado aos indivíduos desde o nascimento, primeiro dentro da própria casa, segundo na escola. Portanto, torna-se-ia uma cultura repassada durante gerações, nesse caso, construída pelos mesmos. Por isso, é notório perceber que as pessoas se apossam do machismo utilizando-se de demasiados instrumentos, que, por vezes tornam-se sutis e/ou quase imperceptíveis. Um desses utensílios têm sido beneficiar-se de uma via que muito serve para a criação de vínculos entre sujeito-mundo, sujeito-meio, a linguagem. Por muito ou quase sempre, o homem de maneira não-genérica alude a tentativa de diminuir a mulher a uma fase do ciclo vital regressa a fase atual de sua vivência, a infância, é constante a busca para infantilizar-la. Frequentemente, com sucesso.

Os/as machistas, a todo custo estão a procura de aplausos, atenções e reconhecimentos, mesmo nas mais banais conversações, e às vezes, de modo não-verbal, para enrijecer ainda mais o que está instituído. A sociedade desde muito cedo estipula a masculinidade/paternidade como sinônimo de proteção, o que na realidade não o é, já que em muitos casos há uma paternidade ausente e quase sempre distante. Muito se sabe que a paternidade tem atualmente recebido diferentes significações, não mais privilegiada como nas décadas passadas, já que no momento atual há casos e casos que evidenciam o abandono paterno. Por outro viés, cresce cada vez mais a postura da mulher enquanto aquela que exerce o papel de mãe protetora, nutriz, que contribui com o sustento da casa.

Nesse ângulo, é nítido que tais postulações anteriormente explanadas tem início na vida doméstica, como visto no decorrer do livro, esse contexto emerge fortes contribuições no que diz respeito a consolidação do machismo. Nesse sentido, pode-se evidenciar e concluir que, é em casa que inúmeras e pertinentes perspectivas que visam a dominação feminina por intermédio da virilidade são aprendidas. Mas como se pode romper com tais institucionalizações, já que não há como interferir em todos os lares?

Fonte: http://bit.ly/2mXWFXL

Além disso, essa é uma forma peculiar de propagá-lo e de certa maneira fixá-lo cada vez mais. É dentro de casa que se tem as diversas maneiras de ensinar o machismo, seja oriundo dos pais, mães, babás, avós. Outrossim, colocam o homem em uma escala mais elevada que as mulheres, o que só faz reforçar seu narcisismo e desejo de dominação. Atualmente, as maneiras pelos quais o machismo se apresenta é diferente de outros tempos, a violência mesmo ainda existindo em massa, está sendo substituída por uma forma mais sutil, o poder.

Dessa forma, é perceptível como demasiadamente vários fatos são vistos de maneiras diferentes entre os sexos, até mesmo ligado a aparência, sexualidade dinheiro, posicionamentos corporais, e até questões ligadas aos aspectos emocionais. As mulheres diferentemente dos homens, talvez pela falta do self support acreditam que requerem regozijar um Outro,  não elas mesmas para sentirem-se plenas. Frequentemente seguem um padrão induzido pelo gosto masculino, enquanto eles, seguem o seu próprio desejo. Até mesmo a sexualidade é vista por outro ângulo em conformidade com o gênero, a mulher não pode sentir prazer, gozar e expor suas fantasias sexuais, a vista que é vista como perversa, ou como impura, pecadora. O homem pode expor e ainda de maneira desinibida e por muito, dissimulada seus mais variados desejos sexuais.

Nesse mesmo ângulo, por um lado o homem pode expressar as mais variadas emoções, hostilidades e grosserias, já a mulher se o fizer, é condenada. Ela pode sentir, mas precisa reprimir. Porque disseram, “isso é coisa de homem”. E por qual razão os sentimentos precisam ser divididos em quem pode ou não senti-los, já que são questões totalmente ligadas a natureza humana, e portanto, universais?

Seguindo essa lógica, a autora também assim como nos exemplos acima exteriorizados, expõe o capital financeiro como sendo algo versado como uma das especialidades masculinas, longe de ser entendível pelas mulheres. Os primeiros são vistos como os que entendem e de tudo sabem. As segundas, vistas como sem conhecimentos, incultas, ou inábil para desenvolver habilidades sociais semelhantes às masculinas.

Uma outra vertente ainda não explicitadas, é referente o quão a mulher recebe imposições até mesmo com questões ligadas a profissão, há uma divisão de profissões que devem ser seguidas por homens e uma outra gama, por mulheres. Não somente isso, os altos postos também são assim vistos, cargos de chefia e liderado dentro das cooperativas são sempre limitados aos homens, mesmo havendo uma possível diminuição do quadro, ainda existe.

Fonte: http://bit.ly/2nS47UQ

São questões como estas, embora abordadas aqui de maneira sintética que emergem durante todo o livro de Marina Castaneda, e ela o faz de um modo crítica e coerente, detém de grande facilidade para articular seus pensamentos e ideias, o que deixa o livro em demasia interessante para quem o ler. O referido porta de uma linguagem acessível ao público leigo, pois trata de questões tão cotidianas e de fácil entendimento ao leitor, por isso, não carece de uma leitura prévia para que seja lido. O mesmo oferece uma grande contribuição para uma visão mais pontuada acerca do machismo, no sentido de, entendê-lo enquanto sendo uma questão muito mais cultural do que se possa pensar, não limitando-o enquanto algo disseminado pelo homem, mas sim como algo repassado por todos, por isso, um fenômeno social. É destinado para a população que procura aprofundar na temática e poder identificá-lo em suas diversas ocorrências.

A obra faz surgir diversos questionamentos, tais como os que foram evidenciados no decorrer da resenha. O machismo e sua desconstrução dependem muito mais do coletivo do que se possa pressupor, mas que precisa ainda ser  mais discutido. Deixar de ser invisível e normal aos olhos de muitos, já que a percepção é subjetiva. Ainda assim, traz uma perspectiva enriquecedora pelo fato de expor as diferentes formas de dominação e relações de poderes perante os indivíduos, que são constituídas por eles próprios. Nesse sentido, traz uma grande explanação para consolidar o entendimento das relações instituídas e cristalizadas na sociedade,  que são difíceis de modificações, ou quase impossíveis.

E são por meio dessas institucionalizações sociais, que originam as mais variadas manifestações de desigualdades sociais, estigmas, preconceitos, a vista que é constantemente imposto aos sujeitos o que ele deve ou ser e/ou fazer com sua própria existência. É complicado lidar com o projetivismo contemporâneo, quando os indivíduos querem dominar e destruir o que está presente neles mesmos, ou isso é mais uma manifestação narcísica?

Tudo que é visto como diferente, é dado como anormal, e portanto, passam a serem vistos como algo que precisa de controle. Mas, por quê? Como evidenciado no decorrer do livro pela autora, tudo que existe, hoje, existe porque tiveram espaço para tal, são reflexos de relações, foram constituídas pelas pessoas que habitam a sociedade e são por elas que a ruptura desse paradigma precisa ser desmembrado, a mudança necessita ocorrer primeiro em cada um, através de uma análise pessoal de si mesmo.

Portanto, o livro é bastante recomendável para profissionais e estudantes de diversas áreas, impreterivelmente das ciências sociais, para todos que visem pesquisar e estudar sobre gênero e machismo e as suas nuanças. Os pontos mais marcantes que podem de alguma maneira receber um olhar diferencialmente do leitor diz respeito a  constituição propriamente dita do machismo como um fenômeno histórico, portanto, social.

 

FICHA TÉCNICA

Nome do livro: O machismo invisível
Editora: A Girafa
Autor: Marina Casteñeda
Idioma: Português
Ano: 2006
Páginas: 304

 

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O indivíduo oprimido, oprime!

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O desafio é construir um novo indivíduo em uma nova sociedade. ” – Ignácio Martín-Baro

Há anos, pesquisadores de diversas áreas buscam explicações do porquê existirem pessoas ruins. Em meados da década de 70, Philip Zimbardo, professor e psicólogo, realizou o Experimento da Prisão de Stanford, com ele, levantou a ideia de que o papel social determina como o indivíduo irá se comportar. Para isso, um grupo de universitários seriam os guardas, e outro grupo seriam os presos; Zimbardo seria o próprio diretor da prisão.

No decorrer do experimento, os alunos que tinham posição de poder se tornaram autoritários e agressivos com os “presos”, praticando excessos e até se divertindo com a dor alheia. Após apenas seis dias o experimento foi cancelado visto o estado psicológico e físico fragilizado em que se encontravam os participantes. Com isso, Zimbardo declara que forças sociais podem gerar comportamentos ruins, que até pessoas consideradas boas podem se tornar más frente a situações extremas, mesmo que isso signifique ir contra seus valores morais. Temos possibilidades de ser vítima, réu, ou até ambos.

Fonte: encurtador.com.br/afnU9

À vista disso, fica o questionamento: será se há influência de fatores sociais e institucionais que justificam ações/pessoas cruéis? Em paralelo com a situação do Brasil, em 2014 fomos o país sem guerra declarada com mais assassinatos no mundo todo. Tamanha violência deixa de ser sintoma individual e se torna sintoma social, não é mais um caso isolado de roubo na vizinhança, é violência desmedida e por todos os lados, não é só fracasso pessoal, tomou dimensões continentais.

Sob o mesmo ponto de vista, Martim Sampaio, da OAB, relata que “Individualmente, o número de pequenos assaltantes tem aumentado, mas é preciso entender esse fenômeno. Todas as medidas que o governo toma são no sentido de criminalizar o jovem. Se ele quer melhores condições de estudo, o governo chama a polícia e resolve com surra e bomba; se não aceita pagar mais pelo transporte público, não pode protestar que é levado a uma ratoeira e massacrado. Não oferecem alternativa. O que precisamos é de uma política pública inclusiva, de educação e renda. São coisas que falamos há mais de cem anos e não fizemos até hoje.”

Não que o Ser seja passivo ao que acontece a sua volta, não é relegar valores e livre arbítrio, inclusive não é a intenção desse texto reforçar a ideia de que “delinquente é excessivamente vítima da sociedade”. Há uma via de mão dupla: a sociedade constitui o ser e é por ele constituída. Entretanto, estamos sempre, de algum modo, buscando justificativas para culpabilizar um único indivíduo, mas, não é possível ter uma visão holística dele e sua saúde mental sem considerar seu contexto sociocultural.

Fonte: encurtador.com.br/ipwAB

Como relata o psicólogo, filósofo e padre Ignácio Martín-Baro: “Traumas devem ser analisados sob a perspectiva da relação entre indivíduo e sociedade”. De acordo com ele, certos problemas de grupos historicamente oprimidos se expressam de forma compreensível diante de circunstâncias anormais, considerando as idiossincrasias de acordo com o ambiente. Em oposição à psicologia tradicional que tinha seu foco voltado para a abordagem individual e a grupos mais privilegiados economicamente, na metade da década de 1980 surge a Psicologia da Libertação, que enfatiza a alteridade, o conteúdo psicológico sobre influência da sociedade e se compromete em libertar esses grupos menos favorecidos. Essa ideia revolucionou o modo como a psicologia se porta hoje.

Entendendo o que motiva certas pessoas a cometerem atrocidades morais colabora para uma justiça realmente justa. Buscando as raízes do problema e agindo para mudar, o resultado pode demorar, mas as futuras gerações serão gratas. A luta é resgatar a humanidade, mas sem se tornar imparcial. Quem sabe assim o Brasil deixa de ter mais de 70000 homicídios por ano.

 

REFERÊNCIAS

FERNANDES, Nathan. Bandido bom não é bandido morto (2016). Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2016/03/bandido-bom-nao-e-bandido-morto.html. Acesso em 17 ago. 2019.

NEVES COSTA, Rita; RODRIGUES, Tiago. Philip Zimbardo: “O heroísmo não existia em nenhum livro de Psicologia” (2018). Disponível em: https://www.jn.pt/nacional/videos/interior/philip-zimbardo-o-heroismo-nao-existia-em-nenhum-livro-de-psicologia-9816275.html. Acesso em 17 ago. 2019.

GISCARDFF. Ignácio Martín-Baro (1942 – 1989) (2014). Disponível em: https://muvucopedia.com/2014/12/23/ignacio-martin-baro-1942-1989/. Acesso em 17 ago. 2019.

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O amor é fruto de uma construção histórica e social

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Este amor tem como normas o amor romântico, monogâmico, patriarcal e heteronormativo.

Sabe-se que a sociedade muda de acordo com as necessidades vigentes. Houve mudanças na forma de se trabalhar, na forma de se vestir, na forma de se comunicar, assim como na forma de se relacionar. Se antes somente a monogamia era um possiblidade de amar, atualmente o arranjo poliamoroso vem sendo desenvolvido e discutido na atualidade. Tal arranjo ainda não é assegurado em lei, mas há exceções, visto que na Constituição da República de 1988, é dado ao homem o direito de ser pluralista, de modo político e afetivo. No entanto tal prática não é habitual, já que o relacionamento amoroso contemporâneo se baseia no amor romântico e monogâmico.

Como no Brasil 86,8%[1] da população é adepta do cristianismo e o relacionamento cristão ideal é o monogâmico, os adeptos ao poliamor ainda sofrem um descaso, que é refletido em leis, já que o casamento civil e religioso poliamoroso ainda não é assegurada na lei, o que torna estas relações familiares invisíveis. No momento, a monogamia é vista como regra, tem-se como responsável principal, o conservadorismo, por fazer com que essa regra seja tão presente.

Fonte:encurtador.com.br/wzHJ3

O amor é fruto de uma construção histórica e social, tendo como normas o amor romântico, monogâmico, patriarcal e heteronormativo. Na Idade Média, o amor cortês foi a primeira manifestação de amor. No Renascimento, a vigilância moral foi fortalecida, tendo o casamento como negociação, se tornando popular o casamento religioso. Na Idade Moderna, houve uma separação entre amor e paixão.  Com o iluminismo, a razão era foco, sendo o amor visto como ridículo. Hoje o amor romântico ainda é prioridade das massas, de acordo com a maioria dos arranjos atuais, mas novas necessidades estão presentes. (DEL PRIORE, 2006; LINS, 2012). O romantismo defende a liberdade de escolha do cônjuge, tendo como ideia que o casamento deve ser baseado no amor, mas ainda é visto como utópico, isto porque ainda é baseado na relação patriarcal e burguesa.

Em 1960 houve uma revolução sexual contra a repressão, a favor da liberdade sexual e, em 1980, a homossexualidade deixou de ser considerada como “desvio” no DSM-III (DEL PRIORE, 2006; TONIETTE, 2005). Tal revolução permitiu alguns questionamentos sobre as normas de amor. O casamento passou a não ser determinante como uma decisão eterna e o divórcio deixou de ser visto como tragédia, passando a ser, em muitos casos, a salvação de alguns indivíduos. A ampla legalização do divórcio resultou em algumas modificações de papeis de gênero. A mulher passou a ser inserida no mercado de trabalho e o advento da pílula anticoncepcional, proporcionou uma maior liberdade sexual para o gênero feminino, adquirindo autonomia sobre seus corpos, tendo escolha de reproduzir ou de ser ativa sexualmente com o único intuito de dar e receber prazer. Diante de tal cenário, a família monogâmica passou a não ser mais vista como o único símbolo de felicidade amorosa.

Fonte: encurtador.com.br/fNZ27

Cada ser humano é fruto das experiências vividas no meio ambiente em que está inserido. Cada núcleo familiar é carregado de genéticas, crenças e visões de mundo transgeracionais. A partir da auto percepção, o sujeito subjetivo percebe as diferenças de si em relação aos demais. (PIAGET, 1975; YOUNG, 2008). Logo, cada forma de se relacionar é permeada por seres subjetivos, com interesses particulares, convencionais ou não à época em que vive.

Referências:

ARAUJO, Maria de Fátima. Amor, casamento e sexualidade: velhas e novas configurações. Psicol. cienc. prof.,  Brasília ,  v. 22, n. 2, p. 70-77,  Junho  2002 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932002000200009&lng=en&nrm=iso>.Acesso em: 04  Nov 2018.  http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932002000200009.

SOUZA, Thuany Barbosa de. Amor Romântico. 2007. 36 f. TCC (Graduação) – Curso de Comunicação Social, Centro Universitário de Brasilía, Brasília, 2007. Disponível em: <http://repositorio.uniceub.br/bitstream/123456789/1833/2/20366245.pdf>. Acesso em: 20 Out. 2018.

LINS, Regina Navarro. Novas Formas de Amar – Nada vai ser como antes, grandes transformações nos relacionamentos amorosos. 2017: Ed. Planeta do Brasil.

[1] Dados retirados da matéria ´O IBGE e a religião – Cristãos são 86,8% do Brasil; católicos caem para 64,6%; evangélicos já são 22,2%“. Acessado em < https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/o-ibge-e-a-religiao-cristaos-sao-86-8-do-brasil-catolicos-caem-para-64-6-evangelicos-ja-sao-22-2/ > no dia 17/11/2018.

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