Steven Universo – um retrato sobre relacionamentos abusivos em “Alone at Sea”

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Steven Universo (ou Steven Universe, nos Estados Unidos) é uma série animada norte americana produzida por Rebecca Sugar para o canal televisivo por assinatura Cartoon Network. Você pode conferir mais sobre o desenho neste link:

No episódio “Alone at Sea”, ou “Sozinhos no Mar” em português, temos uma abordagem sobre relacionamentos abusivos e a dificuldade em seguir em frente em decorrência de traumas. Tudo isso retratada de uma maneira muito delicada para o público.

Sinopse: Steven, Greg e Lapis Lazuli fazem uma viagem de barco para o mar e encontram-se em águas perigosas.

O episódio começa com Steven levando Lapis Lazuli, sua amiga, para uma viagem de barco pelo mar com seu pai, Greg. Steven diz que, embora Lapis tenha passado por uma experiência traumática, onde ficou presa em uma fusão por meses, a água faz parte de quem ela é e ela não deveria ofuscar o quanto ela gosta dela.

Em um breve resumo: meses atrás, Lapis Lazuli, para poder salvar Steven, se fundiu com uma inimiga (Jasper) e a prendeu no mar, não permitindo que a fusão se desfizesse durante meses. A experiência foi extremamente traumática para Lapis, que se encontrava em uma constante luta para não deixar Jasper desfazer a fusão e escapar. Na série, as fusões são retratadas como um relacionamento, onde ambas as partes precisam estar de acordo para funcionar, o que não foi o caso da fusão de Lapis com Jasper, onde as duas passaram meses presas no caos dessa fusão, levando a uma experiência traumática para ambas.

Jasper e Lapis, presas no interior da fusão

Voltando ao episódio, Lapis reforça que não foi apenas uma experiência traumática, dando a entender que foi pior que isso, mas Steven insiste em leva-la para essa viagem, de modo a ver o lado bom de não estar mais passando por isso, e, embora Lapis diga que acha que não mereça, irá tentar.

Durante a viagem, Lapis e Steven se divertem bastante, jogam conversa fora, tentam pescar e admiram a paisagem, mas Lapis constantemente olha para o oceano com uma vista triste e começa a se sentir pra baixo. Mais tarde, alguma coisa bate no barco causa um tremendo barulho, e antes que eles pudessem saber o que era, ocorre outra batida que acaba prejudicando o motor do barco, fazendo com que Greg desça ao motor para saber o que aconteceu.

Enquanto isso, Steven pede desculpas pela viagem estar fracassando, mas Lapis diz que é culpa dela por não conseguir aproveitar a viagem por constantemente pensar sobre a fusão com Jasper e a constante batalha que enfrentou durante os meses que isso durou.

Steven diz que ela não precisa mais se preocupar com isso, pois Lapis não precisa mais estar com Jasper nessa fusão, mas para sua surpresa Lapis diz que sente falta dela. Steven não entende e comenta o quanto Jasper era horrível para ela, mas Lapis diz chama a si mesma de terrível e diz o quanto é culpada por tudo de ruim que aconteceu com ela desde que chegou à Terra, ao mesmo tempo em que grita com Steven questionando se ela estava errada.

O barco bate violentamente em alguma coisa novamente, e então algo começa a subir nele. De repente, Jasper aparece dizendo “finalmente, achei que nunca conseguiria te encontrar novamente”, com uma expressão insana. Lapis questiona se Jasper estava os seguindo, mas Jasper a corrige, dizendo que na verdade era Lapis que estava a procurando. Steven tenta interferir com seu escudo, protegendo Lapis, mas Jasper começa a rir dizendo que Steven está apontando o escudo na direção errada, que era a Lapis que ele deveria temer.

Lapis diz que isso não é verdade, mas Jasper a confronta e diz que sabe do que ela realmente é capaz de fazer. Jasper diz que achava que ela era bruta, mas que agora vê como Lapis é um monstro. Jasper tira Steven do caminho e antes que Lapis pudesse ajuda-lo, Jasper agarra seu braço e ajoelha, pedindo para que se fundissem novamente.

Jasper explica como fundidas as duas eram maiores, mais fortes e podiam até voar. Steven alerta Lapis para não a ouvir. Lapis diz o quanto ela realmente foi horrível para Jasper, odiando-a e descontando toda a raiva nela e na fusão. Jasper começa a implorar, dizendo que Lapis a mudou, que ela é a única capaz “aguentá-la” e que juntas elas seriam imparáveis.

Lapis olha para Steven, que estava esperando que ela fizesse a escolha certa, e diz não. Lapis diz que nunca mais quer sentir o que sentiu quando estavam juntas, mandando Jasper ir embora. Jasper fica furiosa e culpa Steven pela rejeição de Lapis. Ela vai em direção a ele para destruí-lo, mas Lapis usa seus poderes para mandar Jasper pra muito longe, de volta ao oceano.

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O barco começa a afundar e Lapis leva Steven e Greg voando. Steven diz o quanto está feliz por ela ter feito a escolha certa e ter derrotado Jasper. O episódio acaba com Lapis concordando e eles vão embora, aliviados.

 

 

Este episódio faz diversas referências a traumas e relacionamentos abusivos na vida real.

Lapis se sente culpada por tudo de ruim que aconteceu a ela desde que chegou a Terra, chegando a dizer que não merece coisas boas ou ser feliz.

water wangs — i was terrible to you. i liked taking everything...

Quando confrontada por Steven, que diz o óbvio ao mencionar quão horrível era a fusão das duas, algo que no desenho foi sempre retratado como relacionamento, Lapis diz que na verdade sente falta daquilo, mostrando como é difícil para pessoas que se encontram em relacionamentos abusivos se desapegarem ou enxergarem o que estão passando.

Steven Universe Lapis admits she miss being fused to Jasper on Make a GIF

Jasper ajoelha e diz que mudou, colocando-se em uma posição de vulnerabilidade e arrependimento, dizendo que é a única capaz de aguentá-la, fazendo uma chantagem emocional, que depois claramente se mostra falsa quando a mesma tenta atacar Steven, culpabilizando-o, sendo uma referência a como pessoas abusivas culpam as outras pessoas e fatores externos para se livrarem da culpa.

Tantei Armin

Embora Jasper seja a vilã no desenho, o episódio aborda como ambas as pessoas nesse tipo de relacionamento podem ser abusivas umas com as outras, mostrando Lapis como um dos fatores que também contribuiu para que isso acontecesse.

A dificuldade de Lapis para aproveitar a viagem e os momentos bons com Steven mostra a dificuldade que as pessoas que passaram por esse tipo de trauma possuem para conseguir seguir em frente, mesmo quando não estão mais vivendo aquilo, ao mesmo tempo em que se sentem culpadas ou não conseguem ter uma perspectiva diferente e melhor para o futuro.

Ainda assim é possível seguir em frente.

 

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Por que é comum a mulher levar a culpa pelo fracasso da relação?

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Eu começo este post pedindo desculpa a mim mesma e a todas as mulheres que já julguei e culpei pelo fracasso de uma relação hétero amorosa. Nesta semana a cantora Luísa Sonza e o humorista Whindersson Nunes se separaram. Os 2 fizeram um texto anunciando o término e postaram em suas redes sociais. No mesmo momento um amontoado de pessoas foram até a conta de Luísa responsabiliza-la pelo termino e a acusaram de nunca ter amado o humorista. Da mesma forma, foram na conta do Whindersson, mas desta vez para falar que ele teve foi um livramento. Isto nos mostra que em uma sociedade com práticas machista, a mulher ainda leva a culpa pelo fracasso de uma relação.

Mesmo quando o homem age de má fé e não respeita a parceira com quem está, a mulher é responsabilizada (não estou falando do humorista). Quem nunca ouviu os  seguintes julgamentos: ¨ela não se dedicava tanto ao marido¨; ¨trabalha fora e esqueceu de cuidar da casa¨; ¨ele traiu porque ela não dava a merecida atenção¨; ¨ela se casou só por causa do dinheiro¨; ¨ela era dramática demais¨; ¨também, ninguém aguenta aquela mulher histérica¨; etc. Toda está dinâmica coloca o homem num lugar de vítima e responsabiliza apenas uma parte, sendo que a relação é construída por 2. Ninguém constrói uma relação sozinho.

Numa relação os 2 erram e os acertam. Não existe apenas um culpado. Porém, as mulheres ainda são atreladas a um estereótipo imaginário de maternidade, afeto, carinho, feminilidade, delicadeza, ou seja, a famosa ¨ bela, recatada e do lar¨. Se a mulher desvia deste padrão, é comum ser taxada como rebelde. Como consequência, é comum que a mulher feminista esteja sempre experimentando a solidão e/ou tendo casos curtos, e nem sempre isto é uma escolha. Muitos homens não estão preparados para ir contra algo que lhes favorece e ir para um local que considerado como frágil (para muitos). Desta forma é mais confortável colocar toda a culpa de seu despreparo na mulher feminista que busca independência do patriarcado. E infelizmente ainda me deparo com estereótipos do tipo: mulher para casar e mulher para ficar. Em qual estereótipo você acha que a mulher feminista se encaixa?

No patriarcado o homem é o provedor, e muitos estranham quando uma mulher ganha mais ou não precisa mais ser sustentada pelo homem, obtendo sucesso profissional. Haters julgaram Luísa de usar o humorista apenas para crescer profissionalmente. Estas pessoas não conseguem enxergar que ambos cresceram de forma profissional e pessoal quando estavam juntos. E assim acontece em muitas relações, onde a mulher é taxada como interesseira/aproveitadora, mas a relação amorosa é uma troca, de afeto, de tempo, de cuidado, de experiências e de aprendizados.

Outro ponto que me chamou a atenção foi o fato de internautas procurarem postagens em que Luísa declarava amor eterno, para dilacerar ódio e mensurar o amor da cantora. As pessoas precisam entender que toda separação tem suas dores e que não é nada comum alguém casar já pensando na separação e é natural quando se está tendo uma boa troca amorosa com alguém, desejar esta boa sensação para sempre. Afinal, na vida queremos o que nos faz bem, mas o mundo muda, as relações mudam e nós mudamos juntos. O que nos fez feliz ano passado, este ano pode deixar de fazer sentido e isto não invalida a veracidade do que foi sentido ano passado.

Assim como o amor é construído, a falta de amor também é uma construção. Algumas vezes ambos perdem o interesse, outras vezes acontece de forma unilateral. Assim como quem descobre que não é mais amado, quem deixou de amar também sofre. Quem deixou de amar também perdeu um amor. E se Luísa, Ana, Rosa ou Maria amou e deixou de amar, quem somos nós para mensurar e duvidar do amor de alguém?

Devido este contexto, depois do termino de uma relação, muitas mulheres aprendem a conviver com a culpa. E esta culpa carrega toda uma história que nos acompanha de maneira consciente e inconsciente. É comum ver a representação submissa da mulher em romances, lendas, mitologias, poemas, fatos históricos, filmes e textos bíblicos. Ir contra tudo isto, ter e exigir o poder de escolha se torna um grande peso. No entanto, aos poucos vamos nos fortalecendo. Seja uma mulher que fortalece a outra. Nós não somos as únicas culpadas quando algo dá errado em nossos relacionamentos, cada um tem sua parcela de culpa.

Não se responsabilize e carregue sozinha o peso de uma culpa que não é só sua. Perdoe o outro e se perdoe também!

Obs: Foi realmente triste ver que grande parte das críticas que Luísa recebeu foram feitas por mulheres. Não é só o homem que tem práticas machistas, a mulher também tem. A desconstrução do machismo precisa ser abraçada por ambos os sexos. Todo dia é um novo aprendizado e uma nova tomada de consciência.

Prints feitos no perfil do Instagram de Luísa 

 

Prints feitos no perfil do Instagram de Whindersson

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“Sete minutos depois da meia noite” e o enfrentamento do luto

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“E no fim, Connor, não importa o que você pensa. O que importa é o que você faz.”

Sete Minutos depois da Meia-Noite é um filme dirigido por Juan Antonio Bayona lançado em 2017. O longa é baseado no livro de mesmo nome escrito por Patrick Ness, tendo como elenco: Lewis MacDougall, Sigourney Weaver e Felicity Jones.

A história se inicia com uma narração que já chama atenção para os dois personagens principais do filme, que diz: “Como essa história começa? Começa como muitas histórias, com um garoto velho demais para ser criança e muito jovem para ser adulto.”

Connor O’Malley é um garoto que não tem uma infância das mais felizes possíveis. Sua mãe está doente de câncer e se encontra numa fase da doença em que nenhum tratamento tem funcionado mais. Além disso, ele sofre bullyng na escola, sendo alvo de constantes violências físicas e morais por parte de um grupo de garotos. Esse cenário difícil e triste tem colaborado para que todas as noites Connor tenha o mesmo pesadelo. Nesse, ele sonha com sua mãe sendo engolida por uma cratera, enquanto ele agarra sua mão tentando segurá-la, acordando sempre antes do fim sem “saber” se ela cai ou não no buraco.

Fonte: encurtador.com.br/fCMTZ

Certo dia, depois de ter tido o pesadelo, O’Malley está desenhando no seu quarto, quando de repente uma árvore gigante e falante aparece em sua janela, dizendo que lhe contará três histórias e que a quarta história será contada por ele e esta será a “sua verdade”.

A primeira história fala sobre um príncipe que assassinou sua amada, para obter o trono enganando sua nação e ainda sendo coroado rei e adorado por estes; a segunda história fala sobre um apotecário (farmacêutico) que se mostrou mais honesto e sincero que um padre; a terceira história fala sobre um homem que era invisível e desejava não ser, mas que ao ter seu desejo realizado não soube lidar com a notabilidade. E o que essas três histórias tinham a acrescentar na vida de O’Malley? Ajudá-lo a enfrentar o processo de luto pelo qual ele iria passar quando sua mãe morresse!

A “verdade” de Connor era essa, conseguir contar e experienciar o pesadelo que ele sempre tinha até o final. Nesse vivenciar, ele conta todo o sonho para a árvore e descobre que o momento em que segura a mão de sua mãe no penhasco, ela cai e é engolida pela cratera.

Fonte: encurtador.com.br/EFUV1

Contudo, ao contar a sua verdade ele se sente muito mau e pergunta a árvore: “Eu não queria que ela caísse, mas eu soltei a mão dela! Como eu pude fazer isso? É tudo culpa minha.” A árvore então lança a reflexão que amarra todo o enredo do filme e diz: “Como um príncipe pode matar e ser amado pelo seu povo? Como um homem pode se sentir mais sozinho quando é visto? (…) Porque os humanos são coisas complicadas. Acreditou em mentiras confortáveis mesmo sabendo a verdade dolorida que fez essas mentiras serem necessárias. E no fim, Connor, não importa o que você pensa. O que importa é o que você faz.”

Portanto, as quatro histórias são usadas para mostrar o quanto o processo de perda de um ente querido se torna doloroso, fazendo com que muitas vezes o familiar se negue a perceber que a morte acontecerá. Del Bianco Faria e Cardoso (2010, p.18) trazem que muitas vezes “as pessoas evitam enfrentar conscientemente a realidade que as ameaça”, na tentativa de amenizar o sofrimento de tal experiência.

Outro ponto a ser observado é o sentimento de culpa experimentado por Connor ao perceber que ele tinha soltado a mão da mãe, numa alusão ao processo de aceitação da morte como certa e inevitável. Nesse momento, ele sente extrema dificuldade em admitir que aceita a morte da mãe, uma vez que a dor e o sofrimento que ele experienciou eram muito intensos, fazendo com que ele desejasse o fim dessas sensações.

Fonte: encurtador.com.br/ijlJP

Muitas vezes os cuidadores de pessoas com câncer se sentem extremamente cansados do processo de contexto da doença. Não por não gostarem do familiar adoentado, mas por sofrerem muito ao verem a pessoa que amam morrer aos poucos. Quando eles chegam a esse ponto, passam a desejar o fim de tudo isso, o que em suas cabeças pode ser confundido com querer a morte do ente querido, acarretando assim em sentimentos de culpa (ULLYSSES DE CARVALHO, 2007)

Connor precisou de tempo para aceitar que a morte da mãe aconteceria, e precisou entender que o fato de aceitar, não o tornava culpado pelo seu falecimento. “Sete minutos depois da meia noite” refere-se ao luto e a morte de forma delicada e verdadeira, demonstrando que a perda é, e ainda será, uma das barreiras mais difíceis a serem enfrentadas pelo ser humano!

FICHA TÉCNICA DO FILME

Fonte: encurtador.com.br/qKTU3

Título original: A Monster Calls
Direção:
Juan Antonio Bayona
Elenco:
Lewis MacDougall,Sigourney Weaver,Felicity Jones
País:
 EUA,Espanha,Reino Unido
Ano:
2017
Gênero: 
Fantasia,Drama

REFERÊNCIAS:
CARVALHO, Célia da Silva Ulysses de. A Necessária Atenção à Família do Paciente Oncológico. Revista Brasileira de Cancerologia, Rio de Janeiro, v. 54, n. 1, p.87-96, nov. 200787. Disponível em: <http://www1.inca.gov.br/rbc/n_54/v01/pdf/revisao_7_pag_97a102.pdf>. Acesso em: 19 maio 2019.

FARIA, Ana Maria del Bianco; CARDOSO, Carmen Lúcia. Aspectos psicossociais de acompanhantes cuidadores de crianças com câncer: stress e enfrentamento. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 27, n. 1, p.13-20, mar. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v27n1/v27n1a02>. Acesso em: 19 maio 2019.

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Sempre assim

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É sempre assim depois de um erro
Você me fala que não teve a intenção de me machucar
Quantas desculpas
Diz que nunca mais vai fazer isso ou aquilo de novo
Mas as palavras somem no ar
Esquecidas na memória
E você retoma sua face sem rastros nenhum de culpa
Então depois de me machucar
Você faz questão de me tornar especial
Me fala que sou a pessoa que mais ama
Quer mostrar esse tal amor para os quatro cantos do mundo
Mas me esquece na primeira oportunidade
Depois de me quebrar inteira e moer os pedaços
Você nega a sinceridade sorrindo
Mente tanto pra si mesmo
Sempre na esperança de me fazer acreditar em você de novo
Volta com aquela fala mansa de quem é sempre educado
Me enaltece
Nessas horas eu volto a te fascinar
Me diz o quanto sou perfeita
Me põe num pedestal
Quer a todo custo me arrancar sorrisos
Espera que eu sempre esqueça tudo outra vez
É
Por um tempo funcionou
ERA sempre assim depois que você errava
Eu perdoava
Acreditava por nosso futuro
Por não querer ver tamanha crueldade
De você brincar com o íntimo dos outros
Por brincar com o meu
Mesmo sabendo toda dor que em mim já habitava
Eu insistia acreditando
Que as verdades poderiam substituir as mentiras
Era sempre assim
Continua sempre assim depois que você erra
Você sempre tenta contornar
Volto a falar que quando era assim funcionava
Não funciona mais
Não importa o que você me fale
Seus erros continuam seus
E você permanece errado
Só que agora
Eu vejo tudo isso
Estou blindada de você

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Violência contra a mulher: estado de alerta

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Falta de atenção do parceiro, descaso, indiferença, ausência de carinho, desmerecimento, agressões verbais, instabilidade emocional e afetiva… Um tipo de VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER que também precisa ser combatido…

Eu preciso escrever sobre isso……

Quem nunca?…. Conheceu um “gentleman”… Ah! O príncipe dos nossos sonhos. Inteligente, gostos afins… Meu Deus! Ele até advinha nossos pensamentos. É conexão de outras vidas.

Fonte: https://bit.ly/2XFSGg8

Não há outra explicação!

Então, nós, mulheres super bem resolvidas, até relutamos no início com indagações do tipo “Esse cara é muito perfeito! Tem alguma coisa errada”… “Melhor ir com calma!”

Mas é tanta felicidade quando estamos juntos que, aos poucos, vamos “baixando a guarda”… E… inevitavelmente, entregamo-nos de corpo e alma a essa nova relação.

Tudo bem! Estamos felizes!

O problema reside, em alguns e não raros casos, quando começamos a sofrer com um assédio, um tipo de violência velada que causa tanta dor e traumas quanto a violência física. E o enredo dessas histórias de agressividade parece muito previsível. Pois, o conto de princesas do início do relacionamento vai, aos poucos, sendo substituído por capítulos de novela mexicana. Não pela previsibilidade da tessitura narrativa, contudo pelas lágrimas jorradas motivadas pela tristeza que ocupa, sem pressa, o lugar que outrora era da euforia.

Fonte: https://bit.ly/2H4zvro

Tudo começa com “pequenos descuidos” materializados na demora para pequenas respostas, como a de um “bom dia!” no WhatsApp. Acrescido de esparsas ligações telefônicas … Depois, os carinhos se tornando escassos… Vem a irritabilidade com futilidades do cotidiano… A reclamação por bobagens… Dessa forma, você começa a “pisar em ovos”, mede minuciosamente suas palavras… Passa a viver em um constante ESTADO DE ALERTA. Esforço hercúleo para não magoar ou irritar o “dito cujo”

Logo, você passa a ponderar “Tem alguma coisa errada! Acabou o amor e afinidade que nos unia?” Esse é o ponto crucial. Porque enquanto fazemos essa pergunta, ainda estamos lúcidas para refletirmos acerca da realidade que nos cerca. Todavia, algumas vezes, permitimos a mudança desse questionamento para “O que EU estou fazendo de errado?”

Então, quando o parceiro percebe que está nas mãos dele “o controle” da situação, muitas vezes, o “príncipe” se transforma em nosso ALGOZ.

E ele não terá piedade em nos fazer sentirmos CULPADAS por essa mudança tão drástica e negativa no relacionamento. Como estamos apaixonadas, perdemos um pouco o senso da razão. Por isso, a partir disso, oprimidas e subjugadas, é comum nos sujeitarmos a situações, dantes nunca imaginadas.

Vamos “aprendendo” a nos conformar com o descaso com que passamos a ser tratadas, com as brigas constantes, com as humilhações, com as inseguranças e instabilidades que nos trazem um dos piores dos sentimentos: a angústia.

E se alguém nos pergunta “Por que você se permite viver assim?”

Fonte: https://bit.ly/2C5zI9o

Temos medo de admitir que por ter sido “tão bom no início”, lá no fundo, ainda nutrirmos a esperança de que tudo volte a ser como antes…

Infelizmente, quase nunca volta!

Passamos a ter uns pensamentos bizarros do tipo “melhor estar com alguém a ficar sozinha”. Certo! Somos livres para fazermos nossas escolhas. Contudo, temos que nos questionar “Merecemos estar junto de alguém …  Mas A QUE PREÇO?”

Se custar sua PAZ, sua AUTOESTIMA, seu AMOR-PRÓPRIO, sua LUCIDEZ… É UM PREÇO CARO DEMAIS.

Se você, mesmo assim, estiver disposta a pagar, todo meu respeito à sua decisão.

Mas se você decidir que o valor para estar ao lado desse alguém é alto demais pelo pouco, ou quase nada que você recebe, não tenha medo de colocar um ponto final.

Há sofrimento com essa decisão? Sim! E muito…

Afinal, dói desconstruir o “conto de fadas com final feliz” que idealizamos… Porém, a dor será muito maior se nos mantivermos em um relacionamento que VIOLENTA nossa essência de mulher que merece RESPEITO, inclusive e sobretudo, à integridade dos nossos sentimentos.

Não podemos nos contentar com migalhas de carinho, lapsos de atenção, restos de afetividade… Afinal, MERECEMOS um relacionamento em que haja reciprocidade.

Então, que tenhamos a sabedoria para rompermos as amarras de dependência afetiva que nos impedem de sermos plenas.

Fonte: https://bit.ly/2IVoDOa

Que saibamos lutar contra toda forma de violência que nos agrida e aprisione.

A maturidade nos possibilita compreender um ditado antigo de nossas avós “Antes só (e feliz) do que mal acompanhada”!

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Manchester à Beira Mar: quando o luto é um mar profundo de dor e culpa

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Com seis indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Diretor (Kenneth Lonergan), Melhor Ator (Casey Affleck), Melhor Ator Coadjuvante (Lucas Hedges), Melhor Atriz Coadjuvante (Michelle Williams), Melhor Roteiro Original (Kenneth Lonergan).

Banner Série Oscar 2017

“Há um momento que não consigo imaginar: o momento da vida dos outros que deixamos sempre de lado. ”
(Virgínia Woolf) [I]

Manchester à Beira Mar, o terceiro filme do roteirista e diretor Kenneth Lonergan, é uma exploração minuciosa sobre como as pessoas sentem a tristeza, a perda, o amor e a culpa, especialmente sobre como sobrevivem a tragédia de uma existência sem leveza e sem esperança. Casey Affleck é Lee Chandler, um zelador que mora em um porão em Boston e que leva uma vida aparentemente ordinária, executando tarefas de forma robótica, sem deixar-se tocar pelas mazelas que ouve sobre as vidas das pessoas que o cerca e que necessitam do seu trabalho.

cassey

Se não fosse pelo vazio do seu olhar, o personagem poderia passar despercebido. Mas é o insustentável peso que esse vazio carrega que provoca o interesse de quem acompanha a história, pois é na aparente calmaria do rosto de Lee que reside uma angustiante sensação de tragédia latente, capaz de provocar um tipo de dor diferente, uma dor que não passa com o tempo, ao contrário, torna-se mais e mais profunda com o decorrer dos anos.

A morte do seu único irmão traz Lee de volta à sua cidade natal (Manchester). E enquanto tenta entender como vai assumir a responsabilidade de cuidar do seu sobrinho adolescente (Lucas Hedges), sua vida é contada em forma de flashbacks. A preciosidade da interpretação que deu a Casey Affleck uma indicação ao Oscar e o tornou vencedor do Golden Globe e do Bafta de 2017 é a sua condução minimalista do mar de emoções conturbadas que acompanha Lee.

cassey e sobrinho

Segundo o diretor Kenneth Lonergan [II], era a angústia sem fim que geralmente nasce da vivência de grandes tragédias que ele estava interessado em trazer à tona. O que ele evidencia nesse filme, de forma extremamente realista e sem exageros ou pieguices, é a maneira como algumas pessoas sobrevivem a situações que são maiores que elas próprias, que são simplesmente esmagadoras. E acrescenta ainda que a disparidade e a variedade da experiência humana, de como uma pessoa pode ter um tipo de vida e seu vizinho ter outro completamente diferente em todos os aspectos, provocam seu fascínio e o impressionam, mas também confundem a sua percepção das coisas.

A tragédia de Lee é apresentada no filme ao som do Adágio de Albinoni, em uma sequência de fatos que mostra o momento que sua vida foi transformada para sempre. É através do seu olhar de pavor diante de sua casa em chamas que começamos a entender a pessoa que ele se tornou.

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Segundo Elisabeth Kubler-Ross [III], há cinco fases do luto: a negação, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação. Claro que isso não é uma lei universal, apenas uma forma de sistematização das emoções que acompanham essa experiência. O que torna o luto diferenciado nesse filme é que ele nasceu de uma tragédia provocada pela pessoa que o vivencia e, assim, a fase de “aceitação” parece pouco provável, logo a dor, o sofrimento e a culpa não atenuam com o tempo, apenas submergem no mar revolto de fantasmas que povoam a mente de quem os sente.

Um dos momentos mais significativos do filme é o encontro do Lee com sua ex-esposa, a única sobrevivente da tragédia. Casada novamente e com um bebê recém-nascido, ela tenta reconstruir sua vida. A dor e a falta são latentes, mas ao menos nela não há a culpa. Lee não consegue estabelecer um diálogo com a ex-esposa, pois vê-la torna a dor ainda mais insuportável, já que isso traz à tona as vidas que ele perdeu, em especial, a pessoa que ele foi, tão diferente da figura que ainda respira e vive, mas que está eternamente presa a um amontoado de lembranças sofridas.

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Esse encontro mostrou-lhe que ele nunca poderia voltar a morar em Manchester, mesmo que amasse o sobrinho e quisesse cumprir o último desejo do irmão. Viver naquela cidade significaria estar diante do olhar acusador de alguns, mas especialmente diante do seu próprio julgamento. Mesmo que os policiais o tenham inocentado no momento da tragédia, por se tratar de um ato irresponsável, mas não de uma conduta criminosa, a culpa que ele carrega e a raiva pela impossibilidade de mudança do passado tiram o caráter transitório do luto, tornam a perda uma dor sem fim.

“Eu não consigo superar... Sinto muito. ”
“Eu não consigo superar… Sinto muito. ”

“Manchester by the Sea” não é um filme que nos faz sentir esperança ou que nos leva a refletir sobre o milagre da vida. É simplesmente um filme sobre o quanto a dor do outro, aquele que passa por nós na rua, o vizinho que nunca conhecemos bastante para imaginar o que sente, entre tantos outros, pode ser devastadora e imensurável. Que nos mostra o quanto somos desamparados diante das imensas tragédias da vida. Um filme que fala da tristeza que existe nos detalhes das dores que nos cerca, da raiva que não acha espaço para escoar, da falta que não pode ser preenchida e do amor que, felizmente, não acaba.

Referências:

[1] Woolf, Virgínia. “Contos Completos – Virginia Woolf”, Editora Cosac &Naif, edição de 2005.

[2] http://www.filmcomment.com/blog/interview-kenneth-lonergan-manchester-by-the-sea/

[3] KUBLER- Ross, E. “Sobre a morte e o morrer”: 8ª Ed., Martins Fontes. São Paulo, 1998.

FICHA TÉCNICA DO FILME

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MANCHESTER À BEIRA-MAR

Diretor:  Kenneth Lonergan
Elenco: Casey Affleck, Michelle Williams, Lucas Hedges, Kyle Chandler
País: EUA
Ano: 2016
Classificação: 14

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Ninfomaníaca I e a Terapia de Sentido

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Ninfomaníaca (2013), de Lars Von Trier, é sem dúvidas um filme perturbador. Uma característica marcante é a sexualidade explícita: nudez, masturbação, orgasmo, excitação, penetração, sexo oral, etc. O filme se inicia com Joe (Charlotte Gainsbourg) abandonada em um beco escuro, inconsciente, cheia de hematomas. Ao vê-la, um homem chamado Seligman (Stellan Skarsgard) a conduz para sua casa, onde presta assistência e, assim, começam a dialogar.

Joe então narra, repleta de culpa, a relação que desenvolveu com o sexo. Sua primeira experiência de descoberta com seu corpo foi aos 2 anos, quando conheceu sua vagina; depois, esfregou sua genitália no chão do banheiro; aos 15 anos, tinha um só objetivo: perder a virgindade. E o fez, com um mecânico, Jerônimo. Depois da experiência considerada por ela humilhante, jurou a si que nunca mais transaria com ninguém – o que durou pouco tempo. Numa viagem de metrô, competiu com sua amiga para ver quem faria sexo com o maior número de homens. O prêmio seria uma caixa de chocolate. Joe perdeu. Todavia, a partir dali, percebeu o poder de atração e/ou sedução que, como mulher, possuía.

Fonte: http://zip.net/bltCjL
Fonte: http://zip.net/bltCjL

Não tinha habilidades nem experiência profissional (trabalhou, inadequadamente, como secretária), a relação com a mãe era conflitante e, aparentemente, seu pai era a sua fonte de vínculo afetivo com a família. Passou a fazer parte de um grupo feminino, regido por regras claras: “não transe com um cara por mais de uma vez”. O lema era a luta contra o amor, que para elas, não passava de nada além da luxúria. Só que um ideal como esse era difícil de ser seguido para sempre.

Algumas se apegaram aos parceiros sexuais, chegaram a dizer que “o ingrediente secreto para o sexo é o amor”. Todo esse contexto de desconfiança amorosa e de afastamento familiar favoreceu seu investimento libidinal na única origem de satisfação/prazer por ela conhecida: o sexo. E não somente. Passou a ser uma via de fuga, escape, novidade, desespero, exploração. O que pode ser corroborado no fato de Joe ter relações com vários homens num só dia, chegando a 10 (dez) ou 15 (quinze).

Diferentes termos têm sido usados para designar o impulso sexual aumentado, e os mais frequentes são: compulsão sexual, comportamento sexual compulsivo ou impulsivo, adição sexual, transtorno hipersexual e impulso sexual excessivo (SPIZZIRRI, 2015, p. 78).

Muitos estudiosos objetivam determinar os atributos que podem ser considerados para caracterizar o transtorno hipersexual e a maior parte dos teóricos testifica que há a possibilidade de a compulsão sexual ser detalhada pela complicação na regulagem dos pensamentos, ímpetos e ações sexuais que direcionam a uma dor individual relevante e, ainda, efeitos prejudiciais ao indivíduo e a outros (SPIZZIRRI, 2015).

Fonte: http://zip.net/bstC6P
Fonte: http://zip.net/bstC6P

Descrição que se encaixa com a realidade de Joe. Pois, apesar de ter desejado e ter sido desejada por diversas pessoas, sua vida continuava vazia e monótona, como testificado por ela. Ajudou a desfazer casamento, trouxe dor, mas permanecia indiferente. A busca por sensações ainda não experimentadas continuava. Por diversas vezes resumiu: “talvez meu único pecado tenha sido querer mais do pôr do sol”.

Sob a ótica da logoterapia, uma possível explicação para a experiência supracitada seria o fenômeno do vazio existencial que pode ser compreendido a partir da sensação de tédio (FRANKL, 1984) e pela “’neurose dominical’, aquela espécie de depressão que acomete pessoas que se dão conta da falta de conteúdo de suas vidas quando passa o corre-corre da semana atarefada e o vazio dentro delas se torna manifesto” (FRANKL, 1984, p. 132). Neste caso, o corre-corre pode ser substituído pelo fim da relação sexual.

Para Viktor Frankl, fundador da terapia de sentido, (p. 124, 1984): “a busca do indivíduo por um sentido é a motivação primária em sua vida“, ou seja, “cada qual tem sua própria vocação ou missão específica na vida (…) Nisso a pessoa não pode ser substituída, nem sua vida ser repetida. ” (1984, p.133). Quando essa vontade de sentido não é satisfeita, consequências passam a existir. Um exemplo é a relação direta entre a falta de sentido e a energia direcionada a atividades prazerosas, visando a equivalência.

Fonte: http://zip.net/bktCWr
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Existem ainda diversas máscaras e disfarces sob os quais transparece o vazio existencial. Às vezes, a vontade de sentido frustrada é vicariamente compensada por uma vontade de poder, incluindo sua mais primitiva forma, que é a vontade de dinheiro. Em outros casos, o lugar da vontade de sentido frustrada é tomado pela vontade de prazer. É por isso que, muitas vezes, a frustração existencial acaba em compensação sexual. Podemos observar nesses casos que a libido sexual assume proporções descabidas no vazio existencial (FRANKL, p. 132, 1984).

Num de seus empregos, Joe trabalhou com Jerônimo (sim, o mesmo da primeira vez), alguém que quando reconheceu, desprezou-o. Porém, com o decorrer do tempo, passou a nutrir sentimentos por ele – ela considerava amor. Quando foi se declarar, descobriu que o mesmo havia ido embora. Ficou em estado de choque. Passou um tempo sem conseguir fazer sexo com mais ninguém. No final, ela o encontra no jardim que gostava de ir durante as tardes. Ali, eles se encontram e vão para a casa de Joe. Apesar do desejo satisfeito, no meio da transa, ela começa a chorar: “eu não sinto nada!”. O vazio continuou.

Fonte: http://zip.net/bbtCK7
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Cabe ressaltar que não ficou claro qual situação gerou nela tanto arrependimento. O anfitrião fica, na maior parte do tempo, tentando mostrar à ninfomaníaca que ela não é tão ruim assim, que não é uma pessoa má. A mulher se acusa. Não aceita o rumo que sua vida tomou. No entanto, apesar de Joe apresentar a Seligman um pedaço da sua história, sua expressão facial ainda assim transmite uma impenetrabilidade desconcertante. Trata-se, portanto, de um filme instigante e que vale cada minuto dispensado.

.REFERÊNCIAS:

FRANKL, Viktor Emil. Em busca de sentido. 37° ed. Petrópolis: Vozes, 1984.

SPIZZIRRI, Giancarlo. Compulsão sexual: O impulso sexual aumentado pode acarretar como consequência comportamentos e/ou práticas sexuais excessivas, tanto em homens como mulheres. Psique Ciência e Vida, São Paulo, ed. 127, p. 78, 2015.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

Ninfomaníaca-filme-

NINFOMANÍACA

Direção e Roteiro: Lars von Trier
Elenco: Charlotte Gainsbourg, Stacy Martin, Shia LaBeouf, Stellan Skarsgård, Uma Thurman
 Ano: 2013
Países: Dinamarca, Suécia, França, Alemanha e Reino Unido
Classificação: 18
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A Culpa é das Estrelas: quando o infinito é breve

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“Você me deu uma eternidade dentro dos nossos dias numerados, e sou muito grata por isso.”(Hazel)

O filme “A culpa é das estrelas”, baseado no livro homônimo de John Green, conta a história de Hazel, uma garota de dezesseis anos, diagnosticada com câncer aos treze, e seu encontro com Augustus (Gus), com quem compartilha a experiência de viver a emoção do primeiro amor mesmo diante da constatação cruel e sem artifícios da brevidade da vida.

É complexo, sob qualquer perspectiva, entender como o câncer pode afetar psicologicamente um adolescente, pois, para isso, tem-se que considerar especialmente as rápidas mudanças físicas, emocionais e sociais que acontecem nesse período.  Segundo Zebrack [1], teorias do desenvolvimento humano sugerem que, apesar de todos os pacientes com câncer experimentarem um conjunto comum de interrupções relacionadas ao seu cotidiano, essas experiências são sentidas e assimiladas de forma diferente dependendo do momento da vida que foi diagnosticada a doença.

Para a maioria dos pacientes [2], o diagnóstico e o tratamento do câncer resultam em interrupções nas atividades diárias, em uma contínua dor física, na diminuição da energia (ânimo), em alterações da aparência física, em limitações na capacidade funcional, alterações nas relações sociais e, especialmente, no confronto com a mortalidade, em reflexões relacionadas às questões existenciais universais e mudanças na percepção sobre si mesmo, sobre o futuro e o mundo.

“A depressão não é um efeito colateral do câncer, é um efeito colateral de se estar morrendo.”(Hazel)

É nesse universo de dúvida, medo e raiva latente que se encontra Hazel (Shailene Woodley), cuja força para encarar o tratamento de um câncer em estágio avançado parece ter como base o entendimento de que se deve olhar para a vida sem grandes expectativas. Hazel compreende que poderá morrer ainda jovem, além disso, pensa que assim como foi breve a sua vida, breve também serão as lembranças que os outros terão dela.

Para suportar a ideia da brevidade, tenta encarar o mundo com um certo cinismo, afinal, segundo ela, tudo tende a acabar e nada é especial, nem Aristóteles ou Cleópatra, muito menos ela. Assim, se até a nossa espécie está fadada à finitude e ao esquecimento, não será ela que tentará semear jardins fantasiosos de lembranças que, logicamente, não terão força para resistirem ao tempo.

“Eu tenho medo de ser esquecido.” (Gus)

Por isso que o encontro inusitado com Gus (Ansel Elgort) em uma sessão de terapia em grupo foi tão impactante. De certa forma, quando ele externou para o grupo seu medo (de ser esquecido) e levou-a a falar pela primeira vez (de forma espontânea) naquele ambiente que tanto a aborrecia, trouxe à tona muito da angústia que é viver constantemente tendo que considerar seu próprio fim iminente. Talvez Hazel, ao considerar o fim de todos como uma das poucas verdades que permanece constante, tenta fazer com que a ideia da morte seja assimilada de forma menos traumática, não importando se o sujeito tenha 8, 18 ou 80 anos, já que o tempo é relativo, logo complexo demais para ser mensurado.

“Tudo o que fizemos, construímos, escrevemos, pensamos e descobrimos vai ser esquecido e tudo isso aqui vai ter sido inútil.” (Hazel)

Mas entre o discurso e o pensamento há um grande abismo. É possível até que, em alguns momentos, um seja a refutação do outro, ainda que, também, funcione como uma forma de proteção. Se a terapia em grupo irrita Hazel, por não considerar o método, nem a forma como é conduzido (já que, no filme, quem faz isso é um sobrevivente frustrado), afirmar que sua existência não deve ser motivo para despertar lembranças duradouras pode ser uma forma de rebeldia, a única possível no contexto em que se encontra.

“Estou morrendo, mãe. Vou morrer e deixar você sozinha, […], e você não vai mais ser uma mãe, e eu sinto muito, mas não há nada que eu possa fazer a respeito.” (Hazel)

Mas, aos poucos Hazel começa a demonstrar toda a confusão emocional que carrega dentro de si. Oscila na forma de aceitação do “esquecimento”, algumas vezes o considera uma dádiva, já que libertará as pessoas que a ama de um grande sofrimento, e outras vezes entende que tal fato reflete uma realidade terrível, já que parece determinar que sua breve vida tenha sido em vão. Os pais ficam impotentes diante do seu sofrimento e isso traz danos psicológicos profundos para todos os envolvidos.

Segundo [3], o diagnóstico de câncer em uma criança ou adolescente muitas vezes acarreta em crise familiar. A família experimenta o choque e a tristeza ao acompanhar o dia-a-dia da criança diante de uma doença potencialmente fatal. Assim, a atenção psicossocial nesses casos deve compreender o atendimento psicológico e social de apoio à criança ou adolescente e sua família durante todo o tratamento do câncer, inclusive há uma preocupação especial para que este acompanhamento ocorra por algum tempo nas famílias que vivenciaram o luto. Só o tempo pode suavizar a dor, mas um acompanhamento adequado pode ajudar a criar mecanismos para suportar a ausência e o vazio que somente esse tipo de sofrimento tão avassalador pode provocar.

“Estou apaixonado por você, e sei que o amor é apenas um grito no vácuo, e que o esquecimento é inevitável, e que estamos todos condenados ao fim, e que haverá um dia em que tudo o que fizemos voltará ao pó, e o sei que o sol vai engolir a única Terra que podemos chamar de nossa, e eu estou apaixonado por você.” (Gus)

O diferencial desse filme, considerando tantos outros sobre essa temática (e.g. Love Story – 1970, Tudo por Amor – 1991), é a linguagem utilizada por John Green no livro e que foi tão bem conduzida e refletida no roteiro. Assim, embora tendo como base um assunto tão denso, a história de amor entre Hazel e Gus é um sopro de delicadeza e esperança.

 

Os olhos da Hazel conduzem a história. Neles são refletidas as várias camadas de emoções que são apresentadas na tela. É possível entender, por exemplo, que ao perceber a si mesma como uma “granada”, ela toma a decisão que parece ser a mais lógica, ou seja, manter-se distante. Por isso Gus é tão especial, ele consegue enxergá-la profundamente, percebe o medo em suas palavras cortantes na primeira sessão de terapia, mas também tem um vislumbre da sua sensibilidade e inteligência.

Por mais que a doença tenha lhe tirado tantas formas de alegria, tenha alterado seu cotidiano, transformado o sonho de independência que permeia a adolescência em um borrão longínquo e sem sentido, Hazel ainda consegue inebriar-se através da imaginação.

“[…] Me apaixonei do mesmo jeito que alguém cai no sono: gradativamente e de repente, de uma hora para outra.” (Hazel)

A menina que tem como melhor amigo um autor que nem a conhece, que ama os livros e vê na permanência dos seus personagens em seu coração uma forma, ainda que inconsciente, de suportar a brevidade da vida é a pessoa pela qual Gus se apaixona. E, longe desse fato dar ao filme uma conotação piegas, o amor entre os adolescentes é uma forma demasiada humana de mostrar que podemos conseguir criar novos sentidos para as inúmeras variáveis que compõem o universo de significados que carregamos conosco.

“Alguns infinitos são maiores que outros… Há dias, muitos deles, em que fico zangada com o tamanho do meu conjunto ilimitado. Eu queria mais números do que provavelmente vou ter.”(Hazel)

O título do livro/filme, “a culpa é das estrelas”, vem de um diálogo extraído da peça “Júlio César”, de Shakespeare: “A culpa, caro Brutus, não está em nossas estrelas, mas em nós mesmos, que somos subordinados”. Mas, usando outro trecho de Shakespeare, é possível criar uma dúvida na origem dessa culpa, já que “há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha desvendar nossa vã filosofia”. Assim, não parece ser incoerente supor que algumas dores e sofrimentos são impostas ao sujeito sem que haja qualquer explicação ou culpa, tirando-lhe qualquer autonomia ou controle. Assim, para Hazel, Gus e tantos outros que precisam conviver com diagnósticos terríveis e com um conjunto limitado de dias, fica a estranha sensação de que é preciso aprender a viver morrendo, por mais paradoxal e absurdo que isso seja.

Segundo Elisabeth Kübler-Ross [4] em seu livro “Sobre a morte e o morrer”, as emoções e sensações que são vivenciadas diante da morte iminente podem ser sistematizadas em cinco estágios: negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação. Vimos alguns desses estágios representados no filme, mas considerando que Hazel e Gus são adolescentes, essas manifestações também ocorrem de uma maneira diferenciada.

Gus, por exemplo, mesmo tendo tido câncer e tendo a possibilidade sempre alta de um possível retorno, tem os mesmos sonhos heroicos que muitos de nós tivemos em sua idade. Há sempre um universo de possibilidades na adolescência e isso é evidenciado através de suas palavras, de suas ações, ou seja, de sua postura diante da vida.

Gus emana vida. É como se a vida nele fosse tão intensa que por isso mesmo não coubesse em seu corpo. Sua relação com Hazel permitiu que ele compartilhasse esse excesso de vida, contribuindo para que ela percebesse um aspecto que eles tinham em comum: mesmo que suas vidas fossem definidas em um pequeno intervalo de tempo, o universo de cada um ainda era infinito. Talvez alguns infinitos sejam maiores que outros, como provou o matemático russo Georg Cantor, mas isso não significa que sejam melhores ou mais intensos. As relações que são construídas no espaço de uma vida são o que tornam cada vida única e, quem sabe, infinita.

 

[1] Zebrack BJ. Psychological, social, and behavioral issues for young adults with cancer. Cancer. 2011 May 15;117(10 Suppl):2289-94.

[2] Rowland JH. Developmental stage and adaptation: adult model. In: HollandJC, RowlandJH, eds. Handbook of Psychooncology. New York, NY: Oxford University Press. 1990; Chapter 3: 25–43.

[3] Improving outcomes in children and young people with câncer. Disponível em: http://guidance.nice.org.uk/CSGCYP/Guidance/pdf/English

[4] KUBLER- Ross, E. “Sobre a morte e o morrer”: 8ª Ed., Martins Fontes. São Paulo, 1998.

 


FICHA TÉCNICA DO FILME

A CULPA É DAS ESTRELAS

Título Original: The Fault in Our Stars
Direção: Josh Boone
Roteiro: Scott Neustadter, Michael H. Weber, John Green (autor do livro)
Elenco principal: Shailene Woodley, Ansel Elgort, Nat Wolff, Laura Dern, Sam Trammell, Willem Dafoe
Ano: 2014

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Crimes Imaginários – Por que nos sabotamos?

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“Quando crianças, convencemo-nos inconscientemente de que somos
responsáveis pelas falhas, sofrimentos e decepções de nossos pais ou irmãos.
São essas ideias inconscientes – de que causamos a infelicidade, a frustração

e o sofrimento de nossos pais e irmãos – que chamamos de crimes imaginários.”

Para os pesquisadores americanos Lewis Engel (Ph.D) e Tom Fergunson (MsC), autores do livro “Crimes Imaginários – Por que nos punimos e como interromper esse processo”, publicado no Brasil pela Editora Nobel (230 páginas), a maior parte dos problemas psicológicos é decorrente de um tipo especial de culpa, uma culpa inconsciente e que envolve o medo de magoar certas pessoas a quem depositamos especial atenção, sobretudo os parentes mais próximos.

Neste processo, o “criminoso imaginário” desenvolve uma espécie de patologia, uma obsessão por imaginar que não foi suficientemente bom ou justo para com os seus “chegados”. O mais comum nisso tudo é o surgimento de indivíduos que sabotam o próprio sucesso, as relações corriqueiras e os casamentos, sendo que alguns são “incapazes de ter relacionamentos íntimos satisfatórios” ou mesmo de “relaxar e aproveitar a vida”. Sob as suas costas, o peso da culpa parece ser irremediável, mesmo que muitos sequer se deem conta de que estão nutrindo tais sentimentos.

No livro, que usa como referência um amplo trabalho feito pelo Grupo de Pesquisas de Psicoterapia de Mount Zion, em Israel, há seis “crimes imaginários” que são considerados os mais comuns: suplantar, sobrecarregar, roubar amor, abandono, deslealdade e maldade básica. Todos eles relacionados à forma como encaramos nossas “respostas” aos familiares.

No caso de “suplantar”, um dos tópicos do livro escolhidos para este artigo, devido à extensão da obra, trata-se de perceber-se como o mais feliz ou bem-sucedido da família, em detrimento dos demais membros. “Julgamo-nos culpados por esse ‘crime’”, e inconscientemente tem-se início a um processo de auto-julgamento, em que a pessoa realizada se cobra por não “levar junto”, no mesmo bojo do eventual sucesso, os demais integrantes da família. Essa percepção, que para Engel e Fergunson corresponde à “Teoria do Domínio do Controle”, é decorrente de um falso senso de responsabilidade “pela infelicidade de entes queridos”. Na obra, há dezenas de exemplos (casos clínicos) de pessoas que tiveram que se submeter a terapias (seja na psicoterapia ou na psicanálise) com o objetivo de “exorcizar” esses “crimes imaginários” e, por fim, poder viver uma vida mais altiva, menos autodestrutiva e autopunitiva.

De acordo com os autores, depois de se identificar essas formações subjetivas confusas, o passo seguinte é fazer a pessoa perceber quão irracional ou exageradas são as pré-concepções que elas “carregam na bagagem”. Só aí, neste esforço de se ver como alguém que está supervalorizando determinadas posições, é que se inicia um processo de “libertação”, de absolvição “dos crimes imaginários”. Há de se destacar que, “embora a Teoria de Domínio do Controle ofereça soluções significativas, [as soluções] não são imediatas”, ou seja, é necessário que se demande um grande esforço de amadurecimento psicológico e/ou filosófico por parte do proponente, onde as mudanças de atitudes, no dia-a-dia, reforçarão as mudanças.

E parte desta culpa a que algumas pessoas estão inebriadas, segundo Engel e Fergunson, vem da chamada “onipotência infantil”, que como o próprio nome diz é característico de determinada fase de nossas vidas (a infância), mas que em algumas pessoas insiste em perdurar por décadas (ou pela vida inteira). Trata-se de uma necessidade exagerada de controlar as emoções e o comportamento dos outros. Não é difícil perceber que, para muitas crianças, o mundo gira em volta delas. “Embora a onipotência pareça uma qualidade, chega, de fato, a ser quase uma maldição”, dizem os autores. Isso porque como a criança, e depois o adulto, “não é de fato todo-poderoso, a chamada onipotência infantil se traduz, de modo geral, em um opressivo sentimento de responsabilidade para proporcionar a felicidade a todos e de garantir que tudo dê certo na vida”, o que obviamente não acontece. Daí que surgem as crises.

Os autores dizem que, aliado à “maldição da onipotência infantil”, há o desejo de as crianças se alinharem às perspectivas dos pais, por medo de magoá-los. E surgem as primeiras repressões, quando se procura esconder “aspectos de nossa personalidade que possam magoá-los e rejeitamos a realização de certos desejos que eles consideram extravagantes”. Só para citar um exemplo, uma criança ativa num lar onde a mãe é depressiva pode imaginar que “sua vitalidade é ameaçadora e nociva, reprimindo assim seus impulsos brincalhões”, o que pode resultar, na idade adulta, em desordens psíquicas.

Enfim, “Crimes Imaginários” é um livro recheado de exemplos clínicos e de métodos de solução para um problema que podemos até atribuir apenas aos outros, mas que certamente em alguma medida (ou em algum momento de nossas vidas) também enfrentamos. A capacidade de a pessoa assumir que nutre tais culpas (e mesmo de identificar essas culpas) é o grande desafio. Esse é o primeiro passo para aquelas pessoas que “se sentem atormentadas por criar seus próprios obstáculos”, por dificultar aquilo que parceria tão simples e por, no fundo, não se julgar merecedor(a) de determinada conquista (em todos os campos da vida). Como os próprios autores do livro escreveram, a “tarefa” exige tempo, dedicação e paciência, afinal identificar e reprogramar ideias não são coisas que se fazem de um dia para o outro. No entanto, os resultados são positivos e construtivos, uma vez que incidem diretamente na forma de como lidar com os parentes e amigos, tornando as relações mais sólidas e menos dependentes, mais autênticas e menos baseadas na necessidade de punição. Relações onde os sentimentos de culpa cedam lugar à autoconfiança e a um amor menos apegado, mais altruísta.

INFORMAÇÕES TÉCNICAS DO LIVRO

CRIMES IMAGINÁRIOS: POR QUE NOS PUNIMOS E COMO INTERROMPER ESSE PROCESSO

Autores: Lewis Engel e Tom Fergunson
Tradução: Mônica Fuchs
Editora: Nobel
Ano: 1992

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