Frivolidade cultural no liberalismo contemporâneo

Compartilhe este conteúdo:

Este trabalho irá abordar um ensaio teórico entre dois autores, sendo o principal Vargas Llosa, trazendo o livro “Civilização do espetáculo”, e o autor de apoio Cláudio Novaes Pinto Coelho, com a obra “Indústria cultural e sociedade do espetáculo: a dimensão política da crítica cultural”.

De acordo com Coelho (2016, p.31) “política, sociedade do espetáculo e indústria cultural são conceitos inerentes ao capitalismo.”. Porém, até chegar à fase que predomina hoje, é necessário entender as nuances históricas. Já para Llosa, esse tipo de sociedade gera certas consequências, como a “banalização da cultura, a generalização da frivolidade e a proliferação do jornalismo irresponsável” (LLOSA, 2012, p.30).

A sociedade do espetáculo, que vigora atualmente, caracteriza-se pela busca desenfreada de diversão e entretenimento, através de recursos publicitários e midiáticos, nos quais foram criados com o intuito de vender e comercializar tais recursos. Em pleno século XXI, o valor supremo da civilização não é o fomento do intelecto muito menos a busca pela resolução dos problemas através do conhecimento, mas sim a diversão e lazer. O que é priorizado é a fuga dos problemas e causas de angústia através daquilo que proporciona prazer e conforto imediato, como por exemplo, as drogas.

Fonte: goo.gl/k9PKAP

Após a Segunda Grande Guerra, a economia dos países já desenvolvidos e emergentes cresceu exponencialmente e por consequência, a classe média também. Isto gerou maior mobilidade social. Além disso, os valores sociais se alargaram, pois se tornaram mais flexíveis com as transformações sociais e culturais.
Desse modo, o cenário formado com essas mudanças foi de uma sociedade com liberdade de costumes, com um bem estar social razoável e hipervalorização do ócio. Estas condições atraíram a publicidade e a mesma as tornou o foco de mercadorias, a fim de comercializar a própria cultura.

Llosa (2012) apresenta mais algumas causas para que essa realidade falsificada surgisse. Uma delas é a democratização da cultura. Afirma que antes desta etapa acontecer, a cultura era restrita a aristocracia. Quando a elite deixou de ter o monopólio do “bom gosto” e passou a compartilhar com a cultura popular, os conteúdos culturais passaram a ser produzidos apenas para fins comerciais, com alta superficialidade e mediocridade, sem sequer passar por uma avaliação crítica profissional e especializada. Fazendo um paralelo com o ensaio de Coelho (2016, p. 33), o mesmo afirma que ‘a indústria cultural unificou a cultura erudita à cultura popular.”. E isso põe em risco a democracia dos próprios consumidores.

Com a massificação da cultura, sendo esta apenas mais uma forma de passar o tempo, tudo o que se é produzido, é válido como elemento cultural, pois seu significado agora é amplo, não como outrora, onde era elitizado. A abrangência da ressignificação deste termo acarreta uma consequência nociva à cognição: estagnação intelectual. O indivíduo não busca mais fomentar seu conhecimento através da música, do teatro, das artes; ele apenas a “consome”, como um produto já moldado e preparado para ele.

Fonte: goo.gl/VLiwVe

Com isso, a publicidade age como um regime totalitário, onde as propagandas publicitárias trabalham com a repetição e consequentemente com a razão instrumental, devido à alta eficácia do elemento repetitivo. Desse modo, produz a redução do conhecimento racional, pois “tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação” (Debord, 1997, p.13). Essa afirmação de Debord exemplifica a sociedade do espetáculo e ao mesmo tempo capitalista, pois as pessoas julgam que os objetos produzidos por elas mesmas tem um valor já próprio, antes da sua produção.

O indivíduo não compreende que os produtos são resultados das interações humanas, com isso, ele acaba atribuindo valores que não pertencem ao objeto, mas por se identificar com o mesmo, dão-se atributos aos produtos. Essa concepção é um traço de fetichismo. A formação da cultura “light” faz com que o indivíduo seja cômodo no que ele recebe das produções publicitárias, como os livros, músicas e até mesmo a culinária.

Antes, a crítica era crucial para que dado recurso cultural fosse aceito pela maioria ou não. Já hoje, apenas a publicidade é quem decide o que entra e sai da moda, o que se ouve ou se lê. Antes, as obras artísticas, sendo elas de cunho literário, musical ou teatral, eram carregadas de influências filosóficas, ou de crenças religiosas ou ideologias. Entretanto, hoje em dia, as agências de publicidade tem o domínio sobre o que se vai consumir.

Fonte: goo.gl/SfetZT

Há vários exemplos onde o indivíduo já não filtra mais o que é comercial e o que é pura arte; um exemplo disso são as músicas, como em shows e raves. Nessas situações os sujeitos perdem sua individualidade e se torna comum ao restante da massa. Assim acontece também no futebol, quando um dado grupo se reúne para praticar ações violentas ao time rival. E por fim as drogas, exemplo claro da fuga da sociedade dos problemas e angústias. Antes, este último recurso era usado pela boemia ou a classe produtora da arte, a fim de aprimorar sua visão e experiências. Hoje, o uso desse recurso causou a dependência de muitas pessoas no escape da realidade.

Por fim, essa sociedade do espetáculo, formada basicamente pelo consumo exacerbado e inconsciente de produtos fetichizados, causa a separação das experiências concretas com representação de imagens. Isso causa a perda do controle da dimensão simbólica no indivíduo, pois ele não sabe o porquê de fazer dado comportamento, apenas o reproduz.

Há uma notável diferença cultural se for comparado à cultura produzida hoje com a dos últimos dois séculos, onde o valor intelectual passou por uma desvalorização muito grande, e foi trocado por valores culturais mais específicos e de pouco conteúdo. E com isso é nítido uma regressão artística, política, e nas práticas religiosas também. Na sociedade em geral, o erudito, ou em outras palavras algo mais elaborado, e com certo nível de complexidade maior, não tem mais tanto espaço na atualidade.

REFERÊNCIAS:

COELHO, Cláudio Novaes Pinto. Indústria cultural e sociedade do espetáculo: a dimensão Política da crítica cultural.

DEBORD, G. Sociedade do espetáculo. Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

LLOSA, M. V. (2013). A civilização do espetáculo: uma radiografia do nosso tempo e da nossa cultura. Objetiva.

Compartilhe este conteúdo:

Espetacularização da cultura: fenômeno contemporâneo

Compartilhe este conteúdo:

O Livro “A Civilização do Espetáculo”, de Mário Vargas Llosa, nos convida a fazer uma análise sobre a nossa atual cultura, levantando o suposto problema cultural da chamada “cultura de massa” ter dominado todo o âmbito social, percorrendo desde as classes mais ricas até as mais pobres.

A partir da discussão se levanta o seguinte questionamento: será preferível manter a “alta cultura” (cultura denominada culta e presente somente nas classes mais ricas) voltada para si em detrimento do desenvolvimento do conhecimento e dar manutenção às desigualdades sempre existentes? (corroboradas por essa própria separação) ou valorizar a cultura de massa buscando o seu desenvolvimento, carregando consigo toda uma sociedade que pode se beneficiar com isso?

O livro apresentado passa um conhecimento muito importante: o efeito que o desenvolvimento da cultura de massa teve dentro da nossa sociedade, que não foi muito positivo. Porém, o autor apresenta uma visão de que a cultura de massa nada trouxe para a sociedade, e apresenta certo saudosismo aos tempos em que a alta cultura, que era culta, porém excludente, era mais valorizada e estava no centro da política, da mídia, religião e de outros pilares da sociedade.

Fonte: goo.gl/Wb8X1o

Com este pensamento, Mario Vargas demonstra certa supervalorização da alta sociedade por defender o retorno da valorização da alta cultura, podendo trazer uma perigosa justificativa para o retrocesso da sociedade, por colocar os pilares sociais ainda mais nas mãos da alta sociedade, que perdeu com o desenvolvimento da “tão odiosa” cultura de massa.

A partir desse perigoso pensamento, é importante que várias ressalvas não colocadas pelo autor sejam frisadas, evitando que esse discurso seja justificativa para a minimização dos adeptos a cultura de massa – que representa a maioria da sociedade – em detrimento da alta e culta sociedade podendo aumentar mais ainda o abismo social que há entre a classe rica e o restante da sociedade

Durante todo o desenvolvimento da sociedade pela historia, as classes mais altas estiveram sempre, como a própria palavra diz, num patamar mais alto, tiveram sempre o hábito de diminuir as classes “abaixo” dela. Isso se deve por inúmeros fatores, entre eles, está o fato dela sempre ter consigo mais conhecimentos teóricos.

Esse foi sempre um dos tantos fatores que aumentaram o abismo social entre classes. A partir disso, a possibilidade de uma aproximação cultural entre as classes, pode ser um susto para os adeptos a estratificação social, levando alguns destes, a procurarem motivos para justificar a manutenção das desigualdades sociais. Qual a melhor justificativa para isso do que dizer de forma culta e embasada que “estamos ficando mais burros”?

Fonte: goo.gl/dUFPfN

Levando em consideração que a alta cultura estava na mão de poucos, e as outras culturas estavam na mão de todo o resto da sociedade – que conta com muito mais de 80% da população – podemos partir para a reflexão básica sobre a mistura das culturas para a homogeneização em busca da cultura de massa. Ora, se colocarmos todos os poucos cultos entre o mar de “ignorantes culturais” (toda uma sociedade) e misturarmos, obviamente o que irá se mostrar é o que representa maioria em numero.

Com o desenvolvimento das democracias pelo nosso extenso globo, as classes mais baixas puderam ter mais acesso ao poder de escolha, como o voto. Com isso, os comandantes dos países tiveram que voltar seus olhos um pouco para a parte desbastada da sociedade. Ao longo dos anos, o povo começou a ter cada vez mais condições para consumir as artes e mídias, que antes eram voltadas apenas a quem tinha poder de compra (a classe alta). Obviamente sabemos qual o efeito disso: as mídias voltaram seus olhos para uma parte da sociedade que antes não era contemplada com informação e entretenimento.

As consequências disso são obvias, com o numero de consumidores maior entre as classes mais baixas, os repórteres, autores e artistas voltaram seu foco para pessoas com menos conhecimento, o resultado disso foi logicamente um reajuste nas formas de cultura em geral, já que agora focavam não só nas pessoas com alto nível de estudo e conhecimentos gerais.

As mídias agora se tornaram acessíveis a toda a sociedade, tendo consumidores desde semianalfabetos, ate grandes filósofos e intelectuais. As consequências disso foram rápidas, os cultos e nobres voltaram para si, em busca de continuarem consumindo obras, entretenimento e informações ainda equivalentes ao seu nível de conhecimento. Não demorou muito para que quase toda a arte e mídia em si fosse voltada para as massas, já que agora, seu publico alvo, se tornou apenas a massa, visto que a alta sociedade voltaram as costas para o mainstream.

Fonte: goo.gl/pCvwGL

A revolta da classe culta é válida, já que alguém que conhece e costuma apreciar a Oitava Sinfonia de Bethoven, obviamente não vai passar a apreciar uma música pobre em complexidade musical. Porém essa classe, deveria ver a beleza da diminuição das diferenças sociais, e que a expansão da cultura de massa, é apenas um reflexo disso. O papel dos grandes apreciadores de uma cultura complexa e cheia conhecimento, deveria ser de mostrar a toda a massa, a beleza de apreciar uma boa arte, mídia e informação.

A sociedade em seu engatinhar viu a necessidade de uma entidade liderante no qual teria acesso aos acontecimentos com uma amplitude de visão maior que os demais, para elaborar estratégias de acordo com as necessidades. Sendo assim a alta sociedade historicamente sempre teve mais acesso à informação,pois conhecimento é poder, e poder controla, controle esse que é almejado em qualquer tipo de governo, não só obtendo melhor acesso ao conhecimento, como limitando o acesso das classes inferiores. O problema disso é imbecilizar toda uma massa para que continue se contentando com tudo o que ative agradavelmente os seus sentidos.

Ao invés de limitar o acesso à informação, poderíamos através da educação, incentivar o pensamento crítico das massas, pois não é regra o mainstream ser fraco, e o cult rico. Isso acaba formando uma cultura de rejeição à própria cultura.

Não é de hoje que os governos usam a técnica da desinformação para manter o público inocente e desestimulado para questionar. Temos a ilusão de que o poder está em nossas mãos (democracia) porém somos influenciados pela própria mídia que através da publicidade, dita nossos comportamentos. Quem não se encaixa no padrão, é sutilmente excluído dos “privilégios” trazidos pela cultura implantada.

Particularmente acreditamos que o conhecimento deve sim estar disponível para todos, sem exceção, pois se há algum tipo de restrição, não só as classes baixas se prejudicam, mas as classes altas também, já que (querendo ou não) fazem parte da massa. Restringir cultura é contra a ideia de diversificação, negar a diversificação é negar a evolução do pensamento.

Fonte: goo.gl/k9WrnV

Devemos nos desconstruir e nessa desconstrução cabe a obtenção de valores culturais diferentes dos nossos.
Tudo bem que hoje a mídia está banalizando a cultura, tornando-a simples e atraente, criando uma fórmula para produzir arte, nos entregando mercadorias. Não há como quebrar esse ciclo de oferta e demanda se as massas não tem o conhecimento necessário para se localizar nesse jogo fetichista da mercadoria. Se não há o conhecimento de como vivem, como irão se rebelar?

Considerações finais

Não faz sentido esperar que classes evoluam culturalmente sem acesso à conhecimentos específicos de política e controle. As massas continuam sendo alimentadas como cães famintos, que esperam ansiosamente o dono colocar qualquer coisa para enfim ter sua temporária satisfação. É interessante ao governo que permaneçam assim, pois assim não questionam e são facilmente controlados. Mas existem outras reflexões.

A alta sociedade cria novas tendências que são seguidas fielmente pelo mercado, isso acaba introduzindo as massas ao costume elitista, numa homogeneização cultural , supervalorizando os costumes da alta sociedade. Mas dando oportunidades das demais classes atingirem uma cultura padrão, padrão esse almejado pelo mercado, para facilitar sua produção.

É necessário que a informação chegue à todos , por uma questão de sobrevivência. Não é sempre que teremos heróis dotados de conhecimentos nunca acessados, para nos acudir. O que a mídia faz é pegar o que há de mais pobre em nossa cultura e devolver em uma embalagem atraente, criando assim um ciclo difícil de ser quebrado, pois ela nos vicia com o que apresenta. Um exemplo na música, é a organização de certos acordes que fazem com que tal música (mesmo não sendo do nosso agrado) fique se repetindo em nossas mentes. Isso não é servir à população, isso é servir à alta sociedade que se alimenta do ciclo vicioso em que as massas vivem.

Fonte: goo.gl/4jnhLA

Direta ou indiretamente todos contribuímos para o progresso técnico e científico. Com o passar dos tempos a tecnologia vem ocupando trabalhos em que nós somos capazes de executar (como aspirar ao chão) , com essa substituição de tarefas, podemos nos preocupar em outras coisas. O problema é que a tecnologia não tem limites e há o risco de não sobrar mais funções exclusivamente humanas, tornando desnecessárias as massas. É um risco num mundo onde se quer tudo muito rápido.

Tendências aparecem e tornam-se obsoletas numa velocidade enorme, isso acontece também com os meio de informação que se desesperam tanto em entregar logo o produto, que nem revisam para saber se de fato a informação está correta, assim como leitores, não se questionam se aquilo que leram é de fato verdade, correndo o risco de estarem replicando algo falso.

REFERÊNCIAS:

VARGAS LLOSA, Mário. A Civilização do Espetáculo. São Paulo: Objetiva, 2015.

Pequeno Ensaio da Civilização do Espetáculo. Disponível em < https://jus.com.br/artigos/26314/pequeno-ensaio-em-resenha-critica-da-civilizacao-do-espetaculo-de-vargas-llosa > . Acesso em 02 de mar. 2018.

Comentários sobre a Civilização do Espetáculo. Disponível em < https://eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/121938031/comentarios-sobre-a-civilizacao-do-espetaculo-de-vargas-llosa > . Acesso em 02 de mar. 2018.

Compartilhe este conteúdo:

Entretenimento é apenas diversão?

Compartilhe este conteúdo:

A sociedade moderna foi moldada a partir de aspectos herdados de civilizações antigas. Dessa forma, é interessante repensarmos os costumes atuais e seus modos de conduta, fundamentando-os, com a influência das tradições gregas e romanas. Pois, como afirma Goldhill (2007), o modo dos costumes, da civilização greco-romana e Ocidental que marca os tempos atuais, estão mais presentes em nosso cotidiano do que podemos imaginar.

A história possui uma relação direta com o homem atual, e conhecê-la, em seus aspectos culturais, incluindo o entretenimento, que será o foco dessa discussão, nos ajudará na compreensão da conturbada época em que vivemos, e na reflexão sobre o homem enquanto ser que age pautado na construção social de seus próprios atos e que, assim, vai construindo seu futuro. As tradições greco-romanas estão presentes nas nossas vidas, até nas formas pelas quais os humanos se divertem, esta é a reflexão de Goldhill (2007) sobre o entretenimento nas civilizações Ocidentais. Além disso, o autor trás um alerta à condição humana frágil de reprodução das formas de diversão, socialmente herdada e construída, e diretamente ligada a questões subjetivas que revelam muito sobre nós mesmos.

teatro-de-dioniso

Fonte: http://migre.me/vqkrM

Segundo Goldhill (2007), a sociedade atual é uma Grécia imaginária, ao qual está presente no sistema de pensamento ocidental toda a lógica cultural deste mundo clássico. Acarretando, em nossa história e vivência, uma amnésia educacional e artística, pois não refletimos sobre nossas práticas de entretenimento e não a reconhecemos como uma tradição greco-romana. É passado, mais surpreendentemente, é presente e futuro, já que as relações humanas não são fáceis de lidar no que tange ao aspecto mudança. Morin (1997) discorre sobre o lazer nos tempos modernos como um produto da sociedade industrializada, está relacionado ao tempo gasto com diversões em detrimento do trabalho exaustivo, enfadonho e alienante.

Há uma grande confusão e preocupação no âmbito do papel do entretenimento, pois é sabido que as peças teatrais, as tragédias da Grécia antiga, que hoje se estendem ao cinema e ao teatro, comovem o público em grande nível de engajamento emocional e produz resultados que para o Estado, podem ser repugnantes, e por isso o entretenimento é alvo de controle. De certa forma, a confusão está em um pensamento desordenado da dualidade do Estado em querer controlar e se preocupar com a imagem pública e ao mesmo tempo garantir a liberdade de expressão. “A frase irritantemente maliciosa “mero entretenimento”, ou “é apenas diversão”, constitui um sinal desse pensamento confuso. É uma afirmação que quer evitar qualquer reflexão séria sobre os conflitos da vida cultural.” (Goldhill, 2007, p. 197).

plateia-rindo-pipoca

Fonte: http://migre.me/vqjOG

Vemos, então, que ao se tratar do que é divertido, muitas vezes nos deparamos com o caráter descontraído do entretenimento, e por isso é deixado de lado a problematização e reflexão do mesmo, pois até a própria expressão “é apenas diversão” deixa subjacente às implicações sociais que o entretenimento nos trás. Já que é notório que, diz muito sobre nós mesmos as forma pelas quais nos divertimos. É por isso que certas formas de entretenimento incomodam tanto a sociedade, pois elas falam quem somos. Estão obscuras as implicações desconfortantes, psicológicas e sociais, que fundamentam qualquer tipo de entretenimento. Já que o divertido é pra ser descontraído, por que não disfarçar a tensão social e deixar de lado o que isso diz sobre nós mesmos?

Antigamente, peças teatrais refletiam casos trágicos que expressavam o conflito, a sátira, os traumas psicológicos acarretados pelos piores sentimentos humanos, hoje em dia, o mesmo é feito no cinema, no teatro, na música, na dança, nas artes em geral. Os jogos de gladiadores da Roma clássica, hoje expressados nas artes marciais e no cinema. A competição pelo poder dos status sociais hoje, também é visto na civilização greco-romana. Tudo isso está ligado às formas de entretenimento atual, que são antigas, mas bem atuais.

gladiator-gladiador-filme

Fonte: http://migre.me/vqjZM

Para Morin (1997) o homem moderno procura se afirmar como sujeito privado, se afastando dos problemas políticos e religiosos, passou a ser um espectador vendo a vida através de lentes, passivo no espetáculo. Mas, contudo, ativo, pois o entretenimento reflete o sujeito e sua subjetividade. E que, sobre tudo, dizem mais dos seres humanos do que eles gostariam, trás sua subjetividade e aspectos ruins de sua natureza, e a dualidade dos conflitos inconscientes, e os papeis sociais do que você é e do que gostaria de ser. Nesse sentido Goldhill (2007) disserta  que na Grécia antiga o teatro era parte da própria cidade, representava como o povo a compreendia. No entanto, para Platão o entretenimento se tornava um impeditivo na formação do cidadão responsável devido impacto intelectual e psicológico que influenciava os indivíduos.

O povo grego utilizava as festas como a Grade Dionísia, festival religioso que acontecia anualmente em Atenas para louvar o deus Dionísio, como um acontecimento social e um espetáculo político de demonstração de poder. No Império Romano os jogos eram distribuídos ao longo do ano, trazia para a arena o fascínio do povo pela morte humana e dos animais, demonstração da virilidade, assim como, as tensão sociais.

O que fazemos constitui grande parte do que somos, e é por isso que o entretenimento – como passamos nosso tempo – é uma parte integral de nossa autodefinição. O contraste entre as formas de entretenimento contemporâneo e as tragédias atenienses do festival da Grane Dionisíaca revela um buraco no centro de nossa cultura pública. (Goldhill, 2007, p. 209)

É um choque, e nos faz pensar, pois no caso dos gladiadores, demonstram que os status valem mais do que a vida humana. Podemos ver que entretenimento não “é apenas diversão”, é claro que é lazer, mas trás consigo a subjetividade humana e reflete o homem como um espelho e o defini como ser, bom ou ruim. Como afirma Goldhill (2007), “são frágeis às fronteiras daquilo que nos orgulhamos de considerar uma civilização moderna. […] o que diz sobre nós o fato de que gostamos de assistir a essas coisas em nome do entretenimento?”.

 

REFERÊNCIAS:

GOLDHILL, S. Isto é entretenimento!. In: GOLDHILL, S. Amor, Sexo e Tragédia. Como gregos e romanos influenciam nossas vidas até hoje. Rio e Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1ª ed. v.1 p.195-233, 2007.

MORIN, E. Uma cultura de lazer. in: MORIN, E. Cultura de massa no século XX: neurose. Rio de Janeiro. Forense Universitária, 9º ed. v.6 p.67-85, 1997.

Compartilhe este conteúdo: