Crip Camp: Revolução pela Inclusão

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Um recorte da luta por direitos dos deficientes

O documentário Crip Camp: Revolução Pela Inclusão, retrata as vivências no inovador acampamento para pessoas com deficiência nos anos 70, bem como aborda posteriormente a batalha política por reconhecimento de igualdade e pelos direitos sociais e civis dessas pessoas. Influenciado pelo movimento hippie, o Camp Jened era uma colônia de férias, ao norte do estado americano de Nova Iorque, sendo considerada o fator motivacional para, mais tarde, um grupo de jovens com deficiência se mobilizarem em torno da causa que lutava pelos direitos de igualdade em uma sociedade que desconsiderava a inclusão. Tal mobilização mais tarde se tornaria um movimento de grande impacto nos Estados Unidos, o 504 Sit-in, que exigia a regulamentação de uma importante seção da lei norte-americana, concernente aos direitos das pessoas com deficiências.

A princípio, o documentário explora a rotina do acampamento, onde parecia não haver diferença entre os monitores e os campistas. Ali havia cadeirantes, jovens com paralisia cerebral e espinha bífida, entre outras condições. Contudo, tais condições eram meros detalhes onde todos estavam unidos pela semelhança entre si. Ali, compartilhando suas experiências, os jovens relatam suas inseguranças e sobre a realidade fora daquele lugar carregada de rejeição e exclusão. Mas a experiência vai muito além das conversas sobre a vida, a ponto de compreender uma vivência surreal de acolhimento e aceitação.

Na colônia de férias, onde eles vivem o que não é costumeiro, sentem como se a deficiência não fosse uma limitação ou algo que os diferem dos demais, pois todos têm isso em comum. Com as atividades que eles desenvolvem, o que aprendem e até mesmo as relações amorosas os fazem se sentir iguais, diferentemente de como se sentem fora do acampamento.

Para contextualizar a época desses eventos descritos, em contrapartida é abordado no documentário instituições de “cuidados especiais” para pessoas com deficiência, onde o modelo segregacionista de cuidados era a prática de saúde adotada. Essas estruturas asilares aplicavam práticas desumanas de cuidados. Os internos viviam em meio a sujeira, recebiam uma má alimentação, dormiam em lugares que não favoreciam o bem-estar físico, eram muitas as atrocidades cometidas em seu interior que violavam os direitos humanos.

Fonte: encurtador.com.br/dBIT9

O documentário apresenta questões históricas vivenciadas por essas pessoas, como a exemplo iniciando na idade média, por alguns séculos elas eram tidas como aberrações, ou “criaturas” que estivessem sob alguma forma de castigo celestial, podendo ser retratadas em filmes e etc. como tais. Sendo assim começou o afastamento por parte da sociedade dessas pessoas, pondo-as em instituições fechadas ou até mesmo em sua maioria, sanatórios. O que ocorria há até pouco tempo atrás como relatado no próprio documentário, que estes quando em atividades na cidade eram tidos como problemáticos para os “normais”.

Contudo, ao considerar o ambiente inclusivo do Camp Jened, onde todos são eles próprios, sem os estereótipos e rótulos, fica clara que, no que tange às deficiências, o problema não era com as pessoas com deficiência, mas o problema era com os que não tinham nenhuma deficiência. No acampamento, eles brincavam, cantavam, namoravam, eram irreverentes e faziam jus ao espírito da contracultura de sua época, vivendo à sua maneira de uma forma inspiradora e motivacional.

McGill (2020), analisando a experiência do Camp Jened salienta a irreverência e o ativismo no brilho do verão, cujo radicalismo moldou várias gerações. Quanto à irreverência, isso é explícito nas filmagens da época, onde os jovens não têm nenhuma inibição quanto a falar de temas tidos como tabus, tal qual a sexualidade e o corpo humano. Isso pode chocar aqueles que não esperam tal comportamento dessas pessoas, devido à suas deficiências. Contudo, o documentário deixa implícita a lição de que eles, por serem jovens, por serem humanos, têm as mesmas necessidades que os demais, as quais variam apenas em sua intensidade e as circunstâncias pessoais.

Desde 1951 até seu encerramento em 1977, o acampamento proporcionou lugar onde adolescentes com deficiências podiam atuar e sentir-se livres. Isso compreendia uma abordagem permissiva do comportamento, e também uma cultura política que abriu caminho para o ativismo futuro. Suas discussões mostram que eles eram cientes de suas dificuldades, e ainda mais cientes de seus direitos, os quais eram cerceados pelos preconceitos alheios e pela inadequação das edificações, na contramão da acessibilidade.

Fonte: encurtador.com.br/pwMU4

A fala dos campistas revela seus desafios. Jimmy Lebrecht queria ser parte do mundo, mas não via ninguém como ele nesse mundo, tentava se encaixar em um mundo que não foi construído para ele. Segundo ele, todos no acampamento viram que suas vidas poderiam ser melhores, e que não há nada para lutar se o indivíduo não sabe que algo a ser conquistado existe. Para Steve Hoffman, todos eles querem ficar sozinhos às vezes, pensar sozinhos, mas lhe negavam o direito à privacidade. Para Corbett O’Toole, o mundo não os queria por perto, queria-os mortos. A realidade era, “será que sobreviverei? Será que recuo? Será que luto para estar aqui?”. Ele dizia que alguém poderia chamar isso de raiva, mas ele via como impulso para estar disposto a prosperar, ou não conseguiria nada.

Para Judith Heumann, quem na infância contraiu poliomielite e, por consequente, a levou a precisar de cadeira de rodas, um dos verdadeiros problemas é que, ao crescer deficiente, a pessoa não é considerada nem homem, nem mulher, é pensada como alguém deficiente e até mesmo assexual. Heumann não acreditava sentir vergonha de sua deficiência, mas sentia mais exclusão. Para essa jovem, que anos mais tarde lideraria a luta internacional pelos direitos das pessoas com deficiência, se ela e as pessoas como ela não se respeitassem a si próprias, e não exigissem o que elas acreditam que deveria ser delas, não iriam conseguir.

A inspirador papel de Judith Heumann, com seu espírito de liderança que a acompanha desde a juventude, é um dos mais comovedores no documentário. Em uma cena, durante o acampamento, ela lidera e coordena seus companheiros acerca dos ingredientes para um almoço. Abaixo, fotografias de Heumann quando jovem e atualmente. Anos mais tarde seria uma das organizadoras de um ato que pressionaria Washington, e posteriormente se converteria em uma das principais ativistas pelos direitos das pessoas com deficiência, a nível mundial.

No acampamento, a experiência de aceitação por parte dos outros traz à tona uma verdade inspiradora, o fato de que a mudança é possível, de que os direitos podem ser desejados e, principalmente, é possível lutar por eles até as últimas consequências. Bastaria que eles estivessem unidos em prol das causas coletivas.

Fonte: encurtador.com.br/uxzM5

Apesar da liberdade proporcionada no acampamento, os próprios jovens reconhecem que aquela colônia de férias era uma utopia, que passaria tão logo acabasse o verão e eles voltassem para suas cidades. Razão pela qual houve choros na despedida, prestes a retornarem à agitação e impaciência na cidade grande.

Porém, a feliz vivência no acampamento mostrou-lhes que a realidade poderia ser diferente do que vinha sendo, e que deveriam lutar, ir atrás dos seus direitos porque, se ficassem resignados, ninguém iria fazer algo ao seu favor. Assim sendo, mais tarde houve um movimento que lutou pela aplicação da Lei de Reabilitação, mais precisamente a seção 504 da referida lei, que atesta que organizações que recebem recursos federais não podem discriminar uma pessoa por causa de sua deficiência.

Houve resistência por parte das autoridades, mas – após fortes manifestações, ocupação do prédio federal da Secretaria de Saúde, Educação e Bem-Estar Social, por duas semanas, além de greve de fome, aliado ao apoio de pessoas ligadas à causa LGBT, aos Panteras Negras e a uma igreja progressista – o secretário Joseph Califano regularizou a aplicação da seção 504.  Hoje os EUA detêm a Lei dos Americanos com Deficiência, que garante aos americanos portadores de necessidades especiais a proteção dos seus direitos civis de ter um emprego, de ter acesso à educação, saúde, transporte e lazer.

Entre os envolvidos nesse movimento pela aplicação da lei, incluindo Judy Heumann, uma dos organizadores dos protestos – quem segura um cartaz na foto acima, e fala ao microfone na fotografia abaixo – havia pessoas que fizeram parte do Camp Jened.

Fonte: encurtador.com.br/qHIY5

Esse era o ápice de uma experiência iniciada no acampamento, a qual desde o primeiro momento envolvia união, validação das emoções e dos discursos, e resultou na coletiva demanda pelos direitos que o Estado, a todo custo, ignorava e buscava esquivar-se disso.

Assim sendo, a emocionante experiência daquela colônia de férias ensina como uma vivência compartilhada com um número reduzido de pessoas pode resultar em lutas contra um sistema indiferente à inclusão, o que leva mudança para milhões de cidadãos. Nesse caso, o governo da maior potência mundial viu-se encurralado e obrigado a cumprir com sua obrigação. Além disso, a experiência do surreal acampamento – que não deixou de ser um experimento social ousado – mostra que, muitas vezes, pessoas com deficiência são mais compreendidas entre os seus iguais, pessoas que passam por lutas semelhantes às suas. O Camp Jened ensina que o problema não é do que não consegue usufruir plenamente de um lugar ou serviço, mas do ambiente que não propicia um direito basilar. Por isso há um dito de que, se um lugar não é apto para todas as pessoas, tal lugar é deficiente.

Obviamente a dimensão política que, de alguma forma, germinara naquele acampamento é estupendamente maravilhosa, isso é bem ressaltado no documentário. Entretanto, a obra também prova como qualquer pessoa pode ter uma vida satisfatória, desde suas vivências sociais até sua íntima vida sexual. McGill (2020) cita que o documentário homenageia a irreverência que tornou a experiência do acampamento tão poderosa. É evidente que, assim como ocorria afora, o Camp Jened era uma amostra da contracultura, particularmente ousado em seu trato com a deficiência.

Retratada no documentário, Denise Sherer Jacobson, escritora com paralisia cerebral, conta como conheceu seu marido banqueiro no Camp Jened. Ela relata sua experiência de contrair gonorreia desde o seu primeiro encontro sexual, e como estava orgulhosa de si perante a reação perturbada do seu médico, pelo fato de ela ser sexualmente ativa. Jacobson, então, fez um mestrado em sexualidade humana. O documentário termina com ela, de volta ao local onde existiu o acampamento, a dizer “quase quero sair da minha cadeira de rodas e beijar a merda do chão”. Abaixo, uma fotografia de Denise, quando mais jovem, em cuja blusa se lê: “Por trás dessa camiseta está uma mulher sensual”.

Fonte: encurtador.com.br/jtMZ3

FICHA TÉCNICA DO DOCUMENTÁRIO

Nome: Crip Camp: Revolução pela Inclusão

Nome Original: Crip Camp

Cor filmagem: Colorida

Origem: EUA

Ano de produção: 2020

Gênero: Documentário

Duração: 106 min

Classificação: 14 anos

Direção: Nicole Newnham, James Lebrecht

Referências

Alexa Fernando. 11 Memorable Quotes from Crip Camp. Disponível em: <https://accessnow.com/blog/memorable-quotes-from-crip-camp/ >. Acesso em 12 de maio de 2021.

Judith Heumann. Wikipedia. Disponível em: < https://es.wikipedia.org/wiki/Judith_Heumann >. Acesso em 12 de maio de 2021.

McGill, Hannah. Crip Camp review: irreverence and activism in the glow of summertime. Disponível em: < https://www2.bfi.org.uk/news-opinion/sight-sound-magazine/reviews-recommendations/crip-camp-1970s-disability-rights-documentary>. Acesso em 12 de maio de 2021.

Crip Camp: A interview with Filmmaker Jim LeBrecht About Acessibility, Universal Design, and Spaces of Freedom. Disponível em: < https://archinect.com/features/article/150185908/crip-camp-an-interview-with-filmmaker-jim-lebrecht-about-accessibility-universal-design-and-spaces-of-freedom >. Acesso em 13 de maio de 2021.

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A vivência da pessoa com deficiência visual durante a adolescência: Hoje eu quero voltar sozinho

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O filme retrata a vivência do jovem Leonardo, quem tem cegueira desde a infância, e sua forte ligação afetiva com Gabriel, seu colega de classe recém-chegado à escola. Com leveza e sensibilidade, a trama retrata os desafios de viver com a cegueira, o preconceito contra demonstração de afetos homoafetivos, e também contra a possibilidade de que uma pessoa com deficiência possa ter um relacionamento afetivo e, por regra, seja assexual.

Antes da chegada de Gabriel, Leonardo era muito apegado à Giovana, sua colega de classe e melhor amiga. Na verdade, ela era sua única parceira na escola, além de ajudá-lo no caminho de volta para casa.

Apesar de não ter outras ligações sociais importantes – excetuando sua família – Leonardo vê na sua colega um acolhimento mais que suficiente. Isso vai muito além do que oferecer suporte no caminho de volta para casa, ou ser colega de grupo para fazer trabalhos escolares, está no modo como ela o trata como alguém autônomo na medida do possível.

Na verdade, Giovana demonstra querer que seu relacionamento com Leonardo vá além da amizade. Quando ela pensa em levar a relação de ambos a outro patamar, demonstra que vê Leonardo como alguém capaz de dar amor, independentemente de sua cegueira, capaz de amar como todo ser humano, então, quer buscar nele tal amor, viver com ele uma experiência romântica, embora para muitos seja absurdo alguém com deficiência amar e ser amado.

Obviamente, o forte vínculo que ela tem com ele, as experiências escolares e sociais, é a base desse desejo. Não as experiências em si, mas os sentimentos envolvidos que tornam maiores as vivências interpessoais, para não serem meros encontros frios e superficiais. Isso mostra que os relacionamentos e afetos envolvidos nascem das experiências entre pessoas, e não necessariamente se devem a aspectos como cor da pele ou condições médicas de uma das partes.

Fonte: encurtador.com.br/fHNZ5

Mas, Giovana tem dificuldade em revelar o que sente pelo amigo, o que torna mais difícil para ela é o fato de que ele não poderá ver seus sinais de interesse. A jovem vê seu desejo mais distante da realidade quando o novo aluno chega, e Leonardo passa a gastar mais tempo com Gabriel, tanto para atividades escolares quanto para momentos de lazer. Ressentida, sentindo-se trocada e preterida, Giovana se afasta do velho amigo, sem imaginar que o que está germinando entre os dois vai mais além da amizade.

Gabriel é importante para Leonardo desde o momento em que ele ouviu a voz dele pela primeira vez, na sala de aula. As vivências entre ambos se tornam mais complexas no decorrer do tempo, das obrigações escolares, dos momentos de lazer. A cegueira do colega parecer não ter relevância para Gabriel. Na verdade, este às vezes esquece que Leonardo é cego, quando lhe pergunta se ele viu um vídeo da internet e outros lapsos do tipo.

No entanto, ambos vão ao cinema, onde Gabriel descreve as cenas de um filme para Leonardo na melhor forma possível. A essa altura da história é visível que a deficiência, embora seja reconhecida como tal, não é importante o suficiente para causar embaraços e desconforto para nenhuma das partes. Leonardo, obviamente, já conhece sua falta de visão. Gabriel, por sua vez, mal a percebe, enquanto volta-se para o amigo em sua totalidade.

Ambos nutrem sentimentos recíprocos, contudo, não sabem disso. Gabriel, ao mesmo tempo em que investe em tempo com Leonardo, parece muito ligado às garotas da escola, o que confunde o protagonista. Assim, descobrir a verdade só é possível com o tempo e o rumo que a relação toma.

Além da tensão sexual, Leonardo lida com o bullying na escola e uma mãe superprotetora. Ele está bem integrado na escola, tem ferramentas assistivas que lhe dão suporte, mas isso irrita alguns colegas, os quais o ridicularizam abertamente. Isso prova como a integração isoladamente não basta, e que grande parte do problema reside numa opinião tortuosa, generalizada, sobre o que é ter deficiência. Tal preconceito existe mesmo dentro de sua própria família. Na verdade, é o no seio familiar que isso parece mais forte, graças à mãe que teme pelo filho, dando à cegueira um drama exacerbado e até mesmo fatalista.

Fonte: encurtador.com.br/eiyM9

A inclusão envolve um pleno acolhimento da pessoa com deficiência, em sua plenitude, indo além de prédios adequados, envolvendo uma mudança de cunho social, onde o preconceito e o bullying não têm vez. Chega a parecer utopia um mundo melhor, e ao mesmo tempo algo desesperador, se for levado em conta que até numa escola de alto padrão, onde a educação implicaria em respeito às diferenças, haja formas tão desumanas de tratar o outro. O que pensar, então, das escolas precárias onde a desordem e violência parecem regra do dia?

O tratamento social dispensado às pessoas com deficiência, geralmente, tem sido movido por desconfiança e chacota, e muitas vezes indignação contra os direitos dessas pessoas, os quais são vistos como privilégios.

Se para uns as pessoas com deficiência são privilegiadas, para outros eles são absurdamente incapazes, e quanto mais grande for o desejo dessas pessoas, maior ainda é o senso de que elas não conseguem o que querem. Quando Leonardo conta aos pais sobre sua vontade de fazer intercâmbio, é frustrado pela reação negativa da mãe com relação a tal ideia.

Segundo Vigo (2015) os estereótipos resultam em preconceitos, e lhes dão base de sustentação. Julgar precipitadamente é concluir antes de ter conhecimento cabal e fundamentado, e manter tal conclusão mesmo que haja provas contrárias, sendo, portanto, juízo parcial, obstinado e geralmente desfavorável a quem é julgado. A genitora não vê possibilidade de o filho cego estudar fora do país, e mesmo após ele provar que havia intercâmbio disponível para pessoas cegas, ela se mostra determinadamente contrária a isso.

Enquanto isso, o personagem principal lida com as incertezas quanto a Gabriel, ao mesmo tempo em que o tesão mostra quão claro e indubitável é o desejo. Não tem sua amiga por perto para revelar-lhe o segredo. Aparentemente Leonardo não tem receio com relação ao que os outros acharão de sua homossexualidade, mas muito mais sofre por não saber se o que sente é recíproco, e desconhecer qual seria a reação de Gabriel.

Fonte: encurtador.com.br/fnBLQ

Leonardo parece ter uma cegueira simbólica quando ele, consciente ou inconscientemente, seja por não contemplar cenas de intolerância ou por ser alguém de mente aberta, ignora os tabus e a aversão social às relações homoafetivas. Assim, com paz e inquietação, seguro do que sente, mas confuso quanto ao outro, nutre o desejo através das memórias, fantasias e masturbação.

Em alguns aspectos o filme parece um ponto fora da curva, se considerado o contexto social onde os preconceitos e estereótipos, a superproteção familiar, a educação sexual incompleta e as barreiras arquitetônicas são as principais condições que impedem o desenvolvimento e exercícios da sexualidade das pessoas com deficiência (CARVALHO; SILVA, 2018).

Além disso, há uma perspectiva cultural e histórica de pensar a deficiência não somente como uma marca corporal ou um diagnóstico, mas também como uma identidade política e social, uma identificação burocrática, administrativa e também um termo em disputa (GAVÉRIO, 2019).

Assim sendo, muitas famílias mantêm trancafiadas pessoas com deficiência ou em constante vigília. Isso oferece à família maior segurança, embora não necessariamente implique em segurança para os indivíduos com deficiência. É comum o tabu quando a família lida com um membro com deficiência, no que tange à possibilidade dessa pessoa manter relações sexuais saudáveis, inclusive há tabu quanto a educa-la a usar métodos contraceptivos e contra doenças sexualmente transmissíveis (GAVÉRIO, 2019).

Dutra (2019) cita a importância de saber que “deficiência” e “sexualidade” são construções sociopolíticas. Embora o senso comum considere que a deficiência e a sexualidade sejam coisas orgânicas e naturais aos humanos, tais categorias não vêm dos próprios sujeitos, mas são construídas na sua sociedade.

Fonte: encurtador.com.br/fivEP

Há um conceito, “looping”, que explica como uma prática social, que é nomeada cientificamente depois de muito tempo, torna-se categoria científica que passa a ser absorvida pelos indivíduos aos quais as práticas foram nomeadas. Os sujeitos se apropriam do termo e o transformam. Depois a Ciência se volta a esse termo transformando, o que resulta em tensão entre as práticas sociais e os saberes sociais dessas práticas (GAVÉRIO, 2019).

Há necessidade de uma educação sexual por parte de pais e professores, para que compreendam a sexualidade de crianças com deficiência, quem, na puberdade, terão desejos e curiosidades semelhantes aos das outras crianças da mesma idade, as quais não possuam deficiência. A diferença é que as com deficiência costumam ser mais vigiadas, e têm sua sexualidade abordada por muitos mitos. Em síntese, essas pessoas são tidas como naturalmente hipossexuais ou hipersexuais, ou mesmo assexuais.

Dutra (2019) sugere que, ao tratar da sexualidade e deficiência, propositalmente usar termos como “foder”, “trepar” ou qualquer outra equivalência em Português, para tirar a carga de inocência e infantilidade que frequentemente é lançada sobre pessoas com deficiência. Pois, ao tirar esse véu, todos se tornam somente humanos que fodem, que se masturbam e se relacionam amorosamente com outras pessoas. Afinal, como diz Centeno (2019), estar vivo é estar atravessado pela disposição ao prazer.

No que tange a Hoje quero voltar sozinho, é um mérito do filme o fato de ele, além de não romantizar a deficiência nem a dotar de drama excessivo, explorar com maior complexidade a vida do jovem protagonista. O foco não é o fato de ter ou não ter visão, pois isso é apenas detalhe de uma vida, mas a obra se debruça em um ser humano e tudo que lhe diga respeito, isto é, suas ansiedades, alegrias, sua vida erótica e as formas que usa para lidar com a tensão sexual, seu papel como amigo e colega de aula, de pessoa autônoma não apesar da deficiência, mas com a deficiência.

Independentemente de qualquer deficiência, é possível amar e ser amado, querer e ser querido, é possível estar excitado e provocar tesão, é possível explorar o novo, ter experiências raras, ter noção de um filme mesmo sem vê-lo, é possível mesmo ir para o exterior. É possível voltar sozinho para casa, ou mesmo acompanhado de um amor.

Fonte: encurtador.com.br/iqtX8

FICHA TÉCNICA DO FILME

Direção e Roteiro: Daniel Ribeiro

Produção: Daniel Ribeiro e Diana Almeida

Produção Executiva: Diana Almeida

Direção de Fotografia: Pierre de Kerchove

Direção de Arte: Olivia Helena Sanches

Montagem: Cristian Chinen

Produção: Lacuna Filmes

Elenco: Ghilherme Lobo, Fabio Audi e Tess Amorim

REFERÊNCIAS

CARVALHO; Alana Nagai Lins de; SILVA, Joilson Pereira da. Sexualidade das pessoas com deficiência: uma revisão sistemática. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v70n3/20.pdf>. Acesso em 18 de maio de 2021.

CENTENO, Antonio. Estar vivo es estar atravessado pela disposição ao prazer. [Entrevista concedida a] Víctor M. Amela. Disponível em <https://www.lavanguardia.com/lacontra/20170501/422188080583/estar-vivo-es-estar-atravesado-por-la-disposicion-al-placer.html>. Acesso em 18 de maio de 2021.

DUTRA, Mari. Por que a sexualidade das pessoas com deficiência ainda é tabu. Disponível em: < https://www.hypeness.com.br/2019/06/por-que-a-sexualidade-das-pessoas-com-deficiencia-ainda-e-tabu/>. Acesso em 18 de maio de 2021.

GAVÉRIO, Marco Antonio. Por que a sexualidade das pessoas com deficiência é tabu. [Entrevista concedida a] Mari Dutra. Disponível em: <https://www.hypeness.com.br/2019/06/por-que-a-sexualidade-das-pessoas-com-deficiencia-ainda-e-tabu/>. Acesso em 18 de maio de 2021.

VIGO, Iria Reguera. ¿Son los estereotipos siempre malos? Prejuicios y estereótipos. Disponível em: <http://rasgolatente.es/estereotipos-malos-prejuicios-y-estereotipos/>. Acesso em 17 de maio de 2021.

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Incluir e socializar ou normalizar os anormais – Eu deficiente

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A falsa segurança de normalidade, inserido e socializado desmoronou quando a condição antes tida como “normal”, mudou radicalmente para uma condição diferente, precisando de um auxílio biônico para ouvir melhor. Não sendo isso os monstros das minhas madrugadas, o contraste teria vários nomes, viria de várias formas, estaria em vários lugares, teria várias faces. O nosso olhar se prende ao cerne de algo, quando somos pego por uma força que nos atrai, algo tão forte que construído pelo tempo em nós corpos ambulantes, torna-nos resistentes comparados aos heróis de quadrinhos. Foi quando surgiu em determinada conversa, sobre a vontade de fazer uma pós, que um amigo falou sobre a possibilidade de inscrever-me como aluno especial no Programa de Pós-graduação do Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos da FFLCH, USP, mais conhecido como Diversitas, que surgiu em mim a força de tentar.

A viagem semanal que faço a cidade de São Paulo deslocou meu corpo de um costume completamente diferente do que era de praxe, para essa cidade que atrai pessoas do mundo inteiro, em que ser normal ou anormal não faz muita diferença. Os corpos que geram imunidade e sobrevivem diante do determinismo, onde pessoas não procuram saber o nome do outro nem ao menos se cumprimentam, assim o povo dessa metrópole socializa-se e vive nessa grande bolha.

Está em São Paulo seria um sonho realizado, embora já tenha tido outras passagens por esta cidade, mas foi no Programa de Pós-Graduação que passei a ter um convívio mais próximo da cidade paulistana. Aos poucos, fui aprendendo a conviver com um trânsito absurdo, andar em ônibus, trem e metrô lotados, onde por muitas vezes somos jogados literalmente para fora na saída. Entender o que estava acontecendo comigo, nessa cidade, tornou-se visível a partir da disciplina Corpo, Conhecimento e Compreensão na Cidade, este corpo sou eu, tendo que me adaptar, conhecer, compreender esse espaço. O que antes era visto apenas como uma oportunidade de socializar, incluir pessoas, abriu-se o leque sobre necessidades maiores.

A experiência inicial, todas as semanas, de fazer parte de um espaço, de diversidade densa, contraste claros, aprendendo sobre os reflexos de experimentação que os corpos passam é um processo de desconstrução do pensamento do “eu corpo” pertencente à coletividade que começa logo nas primeiras aulas.

Fonte: encurtador.com.br/iklpT

A interdisciplinaridade de conversação, a experiência em conviver com a diversidade explicita que há na cidade, instiga mais ainda uma luta alimentada a alguns anos por inclusão e socialização como fundamental a dignidade humana. Segundo o que está elencado no escopo da Constituição de 1988, o que é percebido na cidade mais desenvolvida do Brasil é o desrespeito avassalador a esse direito.

Uma das leituras iniciais feitas neste processo foi Courtine (2013), Decifrar o Corpo, a partir de então entender o corpo como meio e não dissociá-lo da imagem e verbo. Enquanto a linguística e imagem é indícios fortes de identificação, o corpo não seria apenas o meio, mas também como suporte de imagem, existindo um corpo no meio que conversa de várias formas. O paralelo às minhas observações foi se provocando, de corpos com deficiência em Palmas, para corpos zumbis; linguagem de sinais, para linguagem de quem pertencem às favelas; imagens de corpos que dormem ao céu aberto expostos ao perigo, para minha casa simples em Palmas, um tripé que dialogou comigo no experimento inicial do meu corpo.

Assim tenta-se normalizar esses corpos dentro de seus espaços, assim como na cidade parisiense, em que os corpos eram usados como atrações para burguesia, expostos para trazer prazer aos poderosos. Quanto mais bizarro fosse a deficiência e maior capacidade intelectual tivessem, mais pessoas seriam atraídas. Uma prática de superveniência pelos próprios familiares desses corpos, tudo por um retorno financeiro.

Nos dias atuais a exposição tem outra roupagem, perguntei-me algumas vezes, enquanto estudante, com holística acadêmica, científica de pesquisador, se não seria um meio de blindagem, separar-me das imagens que falam; não me relacionando com imagens internas e externas ao ponto de me sentir um corpo incluído, nessa coletividade; assim como outros grupos distintos que apreciam esses corpos chamando-os por outros nomes.

Fonte: encurtador.com.br/bnIOR

Nas idas e vindas a cidade São Paulo, balbuciei comigo se na condição de pessoa com deficiência, eu não estaria me distanciando daquilo que meu próprio corpo sofre, com discriminação, rechaço, olhar analítico, essa maneira incineradora que se tem para com as minorias. Ao me deparar como essa cidade, que se difere muito da minha, na diversidade, estrutura, economia, cultura, procurei não me ultrajar de uma máscara para viver esta experiência.

É inaceitável admitir que dentro de um mesmo espaço, a diferença que há de proteção, dignidade, seguridade para esses corpos sejam tão grandes e que a vitrine a que são expostos tem outros nomes, arquitetura, patrocinadores, desde que continuem como entretenimento.

As quartas-feiras, no meu translado para universidade, vivenciei experiências incríveis, em todos os meios de transportes, seja no ônibus do aeroporto de Guarulhos para Congonhas, ubers, trem, metrô e transporte coletivo. Sempre que me identificava, surgiram vários comentários e perguntas, dentre eles “nunca ouvir falar em Palmas”, “Tocantins ficar em qual Estado?”, “estudar na USP não é para qualquer um”. Fiquei abismado quando certo dia ao sair com um colega do curso, dirigi-lhe a pergunta, se ele não se sentia incomodado com tantas pessoas jogadas pelas ruas, enquanto passávamos por alguns. Ele respondeu que não, que ainda não tinha visto ninguém; era comum aquele tipo de situação em São Paulo.

Visitar durante as minhas aventuras, vários locais, na busca de decifrar corpos, de entender os movimentos da cidade; sair com demais colegas para estudos em campo, avenida paulista, Luz, Brás, e Santo Amaro, que virou minha segunda casa; viver essa experiência foi desafiador, as diferenças mudam de nomes, mas as essências dos corpos continuam as mesmas. Tem algo neste deslumbre experimental, que nos une independente do Estado brasileiro em que vivemos. É a maneira de como nossos corpos são usados, para interesse estatal ou de quem comanda essa máquina.

Fonte: encurtador.com.br/bkwHV

Começa-se a perceber características antes não vistas, de um corpo que entra em movimento de acordo ao ambiente, para que não seja destruído, esmagado, rechaçado, excluído por não ser adaptável como outros. Quando se tem no imaginário, a perceção de quanto maior o desenvolvimento, mais esses corpos estariam incluídos, socializados, normalizados. No entanto a verdade salto pelos olhos, a gente desconstrói o velho discurso, de que o Brasil é do povo brasileiro.

O multiculturalismo territorial brasileiro, tem sido preponderante na disseminação do entendimento trazido pelos tratados, convenções e estatutos e todas as formas, garantindo a diversidade e igualdade como princípios fundamentais; para a democratização por meio de políticas públicas; alcançando a efetivação. Isso é visto no Brasil como algo muito complexo, devido o histórico de políticas públicas fragilizadas e inoperantes. O desafio, talvez, seja desconstruir o ensinamento existente por décadas de não exclusão, mas sim inclusão.

A morosidade do Estado em cuidar de assuntos inerentes ao seu povo, em baila, o cidadão que sofre a discriminação e a sua inclusão no convívio social, com portas abertas para recebê-lo na educação; com programas voltados para atender suas necessidades básicas, preparando-o para a vida; de maneira plena. São direitos garantidos na constituição e também estabelecidos nas diretrizes da educação nacional. É o mínimo que se espera de um Estado democrático e de uma governança com o povo e para o povo.

Fredrich Müller (2000), no livro “Quem é o Povo?”, trata em um dos capítulos sobre “Povo” como ícone, correspondente àquela situação que, em termos jurídicos, já não se fundamenta em nenhum tipo de relação entre governantes e governados. A falha no regime político-jurídico deste povo, em que se visualizam brechas na legitimidade da democracia, mesmo existindo um povo ativo ou até mesmo em um regime em que o povo não legitima juridicamente, mas é chamado a participar concedendo tal legitimidade.

Fonte: encurtador.com.br/bdqLP

A manipulação ideológica, neste caso, está escancarada na palavra “povo”, usada pelos seus governantes, para que pareçam que atuam em nome dos seus cidadãos, sendo que não o fazem. Neste sentido, mistificam o povo como entidade abstrata, genérica, apoiadores do regime político-jurídico, apenas com concepções ideológicas. Passando a ser utilizado um discurso político do povo, para o povo, pelo povo; servindo apenas como uma ideologia para dominação das massas dentro do Estado.

Müller trata em um dos capítulos sobre exclusão, talvez este seja o capítulo mais importante do livro, já que é nele que o autor fala acerca da busca pela legitimidade democrática, como uma forma de se acabar com a exclusão social, política, econômica e jurídica de parcelas da sociedade.

Pode haver situações ocasionadas por condicionantes econômicos ou sociais, em que parcelas da sociedade, ainda que juridicamente incluídas, acabam por não ter acesso aos sistemas prestacionais estatais.

Quando a situação de parcela da sociedade chega a esse ponto, não se pode falar mais de simples “marginalização”, mas sim de “exclusão”, no sentido de que esses grupos populacionais dependem (negativamente) das prestações dos mencionados sistemas funcionais da sociedade, sem que tenham simultaneamente acesso às mesmas “(no sentido positivo)”.

Fonte: encurtador.com.br/giFL7

Há forte interferência da esfera econômica no dia a dia dos cidadãos e esta interferência, muitas vezes, traz reflexos também para a própria legitimação da democracia.

O contraste visto em uma cidade, tida como a mais evoluída economicamente do país, em que tem em suas ruas, tantos corpos perambulando, excluídos, vivendo completamente fora de um contexto de dignidade, respeito e valoração, põe em questão o que seja uma democracia.

Quanto a Palmas, uma cidade tida como a mais nova capital dos pais, diferencia-se em muito de São Paulo; seja à economia, educação, tecnologia, emprego, saúde; além dessas díspares situações, existe ainda uma grande discriminação da pessoa com deficiência, do idoso, homossexuais, transexuais, índios, quilombolas, negros etc… Uma minoria que ainda desconhece algumas conquistas, como existente em São Paulo, a exemplo da casa de apoio aos transexuais, situada nas proximidades da cracolândia, que apoia e cuida daqueles que a procura.

Em geral, a experiência adquirida pelo meu corpo, diante dos contrastes existentes, entre ambas as cidades, tem afetado o meu conhecimento e consequentemente meu crescimento pessoal, o que ocasionou várias perguntas, quanto a percepção e decifração do corpus na cidade? Do indivíduo pertencente a essa coletividade? De como meu corpo se sentiria, incluído, normalizado enquanto eu deficiente?.

Fonte: encurtador.com.br/ensO5

Referência:

MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo?: a questão fundamental da democracia. São Paulo: Max Limonad, 2000.

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Música do Silêncio: afetividade musical

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Segundo Erich Fromm, tudo pode ser tirado de uma pessoa, exceto uma coisa: a liberdade de escolher sua atitude em qualquer circunstância da vida. Esta ideia, também, constitui a linha central da obra de Viktor Frankl.

“O amor é a maravilhosa sinfonia de cada batida do coração.”

“Música do Silêncio” (2018), dirigido por Michael Radford, é um filme baseado na vida extraordinária do renomado cantor de música clássica e tenor Andrea Bocelli. Vindo de uma família muito afetiva da região italiana da Toscana, nasceu com glaucoma, que o deixou parcialmente cego. Posteriormente, levou uma bolada no rosto, que fez com que perdesse a visão por completo, durante uma partida de futebol.

 O filme retrata a infância de Bocelli, que sempre sentiu afinidade musical. É difícil pensar em um mundo sem a música, pois ela está sempre presente reforçando os nossos sentimentos. Bocelli fez da música sua única razão de viver e, segundo Erich Fromm (2000), as necessidades humanas são as que ajudam as pessoas a encontrarem respostas à sua existência e significam o desejo da integração com o mundo natural, compreendendo o modo que este se encaixa nele. Quando estava no hospital, Bocelli não conseguia lidar com o fato de que não enxergaria o mundo como a maioria das pessoas e sentiu-se frustrado, chegando a ter episódios de agressividade. Sua mãe, sem saber o que fazer, tentou manter-se carinhosa e determinada para ajudar o filho a se acalmar – a efetividade é, em todas as intervenções, poderosamente influenciada pela postura do paciente. Não mais tardando, a calmaria veio através do som musical do paciente do quarto ao lado.

As experiências e a percepção do mundo que nos rodeia seriam completamente impossíveis se nós não conseguíssemos recordar o que vemos, o que sentimos e de maneira geral, o que percebemos. Nascemos não apenas com a possibilidade de receber estímulos reforçadores do contexto social e do meio, mas também com a capacidade de aprender a usar as experiências vividas para melhorar os futuros repertórios comportamentais.

Segundo Erich Fromm (2000), tudo pode ser tirado de uma pessoa, exceto uma coisa: a liberdade de escolher sua atitude em qualquer circunstância da vida. Esta ideia, também, constitui a linha central da obra de Viktor Frankl. Bocelli não conseguia captar as sensações do mundo através da visão, logo, a sua percepção dependeria de outros estímulos e de seus quatro sentidos restantes: auditiva, tátil, olfativa e gustativa.

A sensação e a percepção possibilitam a existência dos demais sentidos, sendo possível criptografar pertinentes aspectos da energia química e física que nos envolve. A percepção refere-se ao modo como cada pessoa organiza e interpreta as suas sensações em relação ao seu contexto social, sendo um processo neurológico de transformação de estímulos simplesmente sensoriais em situações perspectivos conscientes. A sensação é um acontecimento que ocorre por consequência dos estímulos biológicos, físicos e químicos, ocasionado de fora para dentro do organismo, promovendo alterações nos órgãos receptores.

Fonte: encurtador.com.br/cjADZ

No filme, Borcelli compartilhar experiências e vivências e nos permite entrar um pouco no mundo dos deficientes visuais e as dificuldades dos cegos em um mundo de maioria não cegos. Mostra a interação social e o contexto familiar como reforçadores a qualquer diversidade. O filme nos instiga a pensar a respeito das diferenças existentes e no qual é importante aprendemos a respeitar e entender cada pessoa, com suas características e necessidades únicas e respeitar o ser humano dentro da sua subjetividade.  Em suma, o filme mostra que Bocelli aprendeu novos repertórios comportamentais diante dos problemas que lhe foram impostos no decorrer de sua vida, adaptando-se ao ambiente, superando as adversidades e desenvolvendo-se, uma vez que a deficiência visual poderia ser um limitador de comportamento.

REFERÊNCIAS:

ANDRADE, V., M.; SANTOS, F.  H. ; BUENO, O. F. A. Neuropsicologia hoje. São Paulo: Artes Médicas, 2004. 454 p., il.

CATANIA, A. C. Aprendizagem: Comportamento, Linguagem E Cognição. Porto Alegre: Artmed, 1999.

FROMM, Erich. A arte de amar.Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

MOREIRA, M. B.; Medeiros, C.A. de. Princípios básicos de Análise do Comportamento. Porto Alegre: ArtMed, 2007.

FICHA TÉCNICA DO FILME

Diretor: Michael Radford
Elenco:Toby Sebastian, Antonio Banderas, Jordi Mollà
Gênero: Biografia, Musical
País: Itália
Ano: 2018

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“De encontro com a vida” e os desafios de um quase cego

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O filme alemão “De Encontro com a Vida” conta a história de Saliya (Kostja Ullmann), o qual recebeu um terrível diagnóstico quando estava prestes a terminar os estudos. Certo dia, ao se deparar com a percepção de manchas em seu campo visual que foram aparecendo progressivamente, o jovem precisou buscar ajuda para entender o que estava atrapalhando sua visão e por que enxergava tudo embaçado.

Após vários exames, Saliya descobriu que sofria uma doença hereditária grave a qual causou um descolamento da sua retina em um curto período e que perdeu 80% da sua capacidade visual. Além disso, seu nervo óptico sofreu danos e ficou impossibilitado de transmitir impulsos. A única alternativa foi fazer uma cirurgia, a qual não lhe garantia a cura, mas era a opção mais viável para que ele não ficasse totalmente cego. Feito o procedimento cirúrgico, o rapaz pôde enxergar com apenas 5% da capacidade total.

Desde o início Saliya teve o apoio da mãe e da irmã, a qual lhe ajudou a dar os primeiros passos no enfrentamento dos novos obstáculos. O pai de Saliya sempre demonstrou menosprezo em relação ao filho e agora ainda mais, diante do factível fracasso por não conseguir enxergar, pois “há uma tendência cultural da pessoa vidente considerar este indivíduo como limitado, e, consequentemente, incapaz ou deficiente” (LIRA; SCHILINDWEIN, p.176, 2009). Dessa forma, propôs que o jovem mudasse para uma escola especial, já que ele não era mais uma pessoa “normal”, todavia Saliya estava determinado a continuar, pelo pouco tempo que restava e em razão do sonho de posteriormente estudar gerenciamento de hotéis.

Fonte: encurtador.com.br/luz19

Como a visão de Saliya estava comprometida e considerando que “o organismo dispõe de outras vias que podem suprir ou complementar a via visual” (LIRA; SCHLINDWEIN, p. 173, 2008), ele buscou aprimorar outros sentidos. Todavia, vale ressaltar que para Vigotski (1997, p. 107) a pessoa com deficiência visual não tem sua fonte compensatória no “desenvolvimento do tato ou a maior sutileza do ouvido, mas a linguagem, quer dizer, a utilização da experiência social, a comunicação com os videntes”, o que contraria a perspectiva permeada pelo senso comum. Talvez a dificuldade de Saliya seria muito maior se ele não pudesse contar com sua notável capacidade de memorização, a qual lhe permitia aprender mais facilmente por lembrar-se dos sons, das texturas dos objetos, das falas que ele repetia para si e do cheiro das coisas.

Felizmente o jovem conseguiu a aprovação com exímios resultados e então começou a se candidatar para vagas de aprendiz nos vários hotéis da região, no entanto não era admitido devido à sua deficiência, o que corrobora com a ideia de Lira e Schlindwein (2008), de que ao longo da história, pessoas consideradas “deficientes” e com diferenças visuais como a cegueira, viveram um árduo processo marcado por desvalorização e exclusão social, mas é possível perceber que apesar dos progressos, ainda há muito preconceito. As pessoas duvidavam da sua capacidade. E quando já não havia mais oportunidades, Saliya resolveu tentar novamente, só que dessa vez ele não contou que era praticamente cego e a vaga era em um dos maiores hotéis em Munique.

A irmã de Saliya treinou o rapaz para enfrentar a entrevista de seleção e dava dicas para que seu problema não ficasse tão evidente. Umas das táticas utilizadas era contar os passos e memorizar as direções (direita/esquerda), isso evitava que ele se perdesse ou se acidentasse.

Fonte: encurtador.com.br/kyFMO

No dia de sua entrevista, o rapaz encontrou Max (Jacob Matschenz), o qual se tornou seu parceiro e grande amigo. Max parecia ser de classe média/alta, buscava emprego porque havia reprovado na faculdade duas vezes e seu pai retirou sua mesada. Ele percebeu que havia algo de errado com Saliya, mas só depois descobriu qual era o problema.

Eles precisaram passar por vários módulos nos mais diferentes setores do hotel: serviço de quarto, recepção, cozinha e bar. Apesar de contar com a ajuda do amigo, Saliya passou por alguns constrangimentos e até acidentes no trabalho. Na ocasião, ele estava atuando como auxiliar de cozinha e sofreu um corte no dedo ao manusear uma máquina.

Aos poucos, as pessoas iam percebendo e ao ser interrogado, Saliya confessava sua deficiência. A cada dia aumentava o número de pessoas que davam suporte nas dificuldades do rapaz e o ajudavam a desempenhar um trabalho de qualidade, que tanto era cobrado naquele hotel. Nesse período, o rapaz conheceu Laura (Anna Maria Muhe) uma mulher loira por quem apaixonou-se. Os dois tiveram um romance, mas para ela, Saliya ainda mantinha o segredo.

Fonte: encurtador.com.br/efMQX

Em dado momento, ao visitar a família, foi informado de que seu pai havia lhes abandonado e tirou todo o dinheiro que sua mãe e irmã ainda possuíam. Dessa forma, o rapaz se sentiu-se mais pressionado a cuidar delas e suprir as necessidades enquanto sua mãe procurava emprego. Para aguentar a responsabilidade que assumira e as pressões que sofria durante seu treinamento no hotel, o jovem passou a usar drogas e fazer uso de bebidas alcoólicas o que afetou o seu desempenho nas atividades pois ele tornou-se mais impulsivo e perdia o controle daquilo que estava fazendo.

Certo dia, Saliya se propôs a cuidar do filho de Laura no parque enquanto ela resolvia alguma coisa, mas o menino havia saído de perto do jovem e já não respondia mais quando ele chamava. Saliya entrou em desespero quando percebeu que o menino de 5 anos havia desaparecido. Ao chegar, a mãe do menino pediu que ele ajudasse a procurar, foi então que ele confessou que não podia enxergar. A moça ficou inconformada por ter deixado seu filho sob os cuidados de uma pessoa “cega” e principalmente por não ter tido conhecimento disto antes.

O auge do descontrole se deu porque Saliya havia esquecido que estava escalado para trabalhar em um casamento que ocorreu no restaurante do hotel, mas a sua sorte foi que o atraso não foi notado pelo supervisor. Durante a festa, ao se direcionar para servir os convidados, Saliya tropeçou e derrubou a bandeja quebrando todas as taças ao cair no chão e foi duramente repreendido.

Fonte: encurtador.com.br/BGIOV

Mesmo com o pedido de Max para que ele se ausentasse do serviço e não causasse mais estrago porque estava sob efeito da droga Saliya resolveu continuar, até que pior aconteceu: o jovem esbarrou no bolo e o destruiu por completo causando o maior transtorno na festa. Como resultado, ele seria impedido de fazer o teste final para receber o diploma. Diante do fracasso, Saliya resolveu sair e ficou bêbado a ponto de ser expulso da casa de shows. No caminho de casa caiu de uma escada, ficou ferido e foi socorrido por pessoas que passavam pelo local sendo levado ao hospital.

No hospital, o jovem soube que sua mãe conseguiu emprego e não corria mais risco de perder a casa. Apesar da boa notícia, Saliya estava muito decepcionado com tudo o que lhe ocorrera chegando à conclusão de que não poderia mais lutar contra sua deficiência, e se os hotéis não lhe quisessem, ele iria trabalhar com outra coisa que estivesse dentro de suas condições especiais. O rapaz chegou a visitar uma empresa que oferecia benefícios às pessoas nessa condição, mas não era o que ele gostaria de fazer.

Max encontrou uma maneira de encorajar Saliya, o qual decidiu tentar mais uma vez ao falar com os responsáveis que fariam o teste e pedir que lhes dessem uma última chance de alcançar aquilo que tanto almejava: “A partir de agora vou assumir quem eu sou: um cara que não consegue nada sem os amigos, um cara que está sempre precisando de ajuda por que não consegue enxergar quase nada”. Os supervisores ainda sem acreditar que seria possível, concedeu o direito do jovem de participar do teste.

Fonte: encurtador.com.br/lnwOW

Saliya estava diante da sua maior dificuldade que era pôr a mesa num tempo hábil, com talheres, copos taças e pratos bem posicionados. Com a ajuda de Max, eles estudaram e treinaram bastante e finalmente conseguiram a tão esperada aprovação e o diploma. É importante compreender que “ao assumirem papéis sociais mais visíveis, mais atuantes, a marca da diferença deixa de ser negativa e passa a ser uma característica que define espaços de atuação e valoração” (LIRA; SCHLINDWEIN, p.188, 2008), assim, o jovem fez as pazes com Laura e recebeu uma proposta de emprego no restaurante do seu supervisor, o qual o elogiou por ter um excelente “nariz” para os vinhos.

A ideia do filme foi muito clara e coerente na lição que quis transmitir: de superação, determinação e coragem. Também, percebe-se que para Saliya, o aprendizado mais significativo foi a importância da amizade quando disse: “Se quiser ir rápido, ande sozinho! Mas se quiser ir longe, vá bem acompanhado! E Eu sempre gostei de distância…”.

Estar disposto a ir atrás de seus sonhos não é uma tarefa fácil para a maioria das pessoas, mas Saliya mostrou que mesmo diante do preconceito e de todas as dificuldades inerentes à vida, é possível alcançar aquilo que você deseja. Para isso é importante que você realmente queira e faça acontecer.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

DE ENCONTRO COM A VIDA

Título original: Mit Dem Leben
Direção: Marc Rothemund
Elenco: Kostja Ullmann, Jacob Matschenz, Anna Maria Mühe
País: Alemanha
Ano: 2018
Gênero: Comédia, Romance

REFERÊNCIAS

LIRA, M. C. F de; SCHLINDWEIN, L. M. A Pessoa Cega e a Inclusão: Um Olhar a Partir da Psicologia Histórico-Cultural. Cad. Cedes, Campinas, vol. 28, n. 75, p. 171-190, maio/ago. 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v28n75/v28n75a03.pdf. Acesso em 01 de maio de 2019.

VYGOTSKI, L.S. Obras escogidas: V. Fundamentos de Defectologia. Madrid: Visor, 1997.

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Dorinha: a inclusão dos deficientes visuais através dos gibis

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Dorinha, uma das mais novas personagens da Turma da Mônica, ensina que respeitar as diferenças é uma das melhores formas de construir um mundo melhor.

Criada em 2004 por Mauricio de Sousa, a personagem Dorinha estreou na edição nº 221 do gibi Turma da Mônica. Há 14 anos, os personagens com deficiência passaram a ter espaço no universo criado pelo desenhista. Dorinha é uma menina cega e foi inspirada em Dorina Nowill, atuante na defesa dos direitos das pessoas cegas, que perdeu a visão ainda na infância e ficou conhecida pelo trabalho realizado na Fundação Dorina Nowill para Cegos. Dorinha é inteligente, meiga e participa de várias aventuras da turminha. A personagem está sempre deslumbrante, com roupas fashion e óculos escuros, segurando, numa mão, a sua bengala e na outra, a coleira do Radar, um cão-guia labrador. Ela surpreende os amigos, que reconhece pela voz e cheiro, com suas habilidades e sentidos aguçados como o tato, a audição e o olfato.

Fonte: https://bit.ly/2SJ7SXi

A deficiência visual é o comprometimento parcial (de 40 a 60%) ou total da visão. As pessoas que possuem miopia, astigmatismo ou hipermetropia não são consideradas deficientes visuais, uma vez que essas doenças oculares podem ser corrigidas com o uso de lentes ou cirurgias. A inclusão de deficientes visuais ainda é um desafio na nossa sociedade e é necessário refletirmos se a deficiência faz de alguém um cidadão diferente ou com menos direitos. Mauricio busca sensibilizar os pequenos leitores de seus quadrinhos da importância da compreensão acerca de temas relacionados à deficiência como dignidade e bem-estar das pessoas deficientes através de personagens como a Dorinha, que vêm encarando aventuras com a Turma da Mônica há 14 anos.

Fonte: https://bit.ly/2SGIHEC

Apresentar uma personagem cega leva à conscientização e conhecimento sobre a deficiência visual desde a infância. Dessa maneira, se torna possível a construção de uma verdadeira sociedade inclusiva através de historinhas que buscam educar e ensinar as crianças de que há outras formas de se ver a vida assim como Dorina, que era uma líder e que, mesmo após perder a visão muito jovem, não se abateu. Dorina Nowill enfrentou o problema e foi e é um exemplo de força de vontade e simpatia que Mauricio busca espelhar em Dorinha e assim mostrar aos seus leitores que os deficientes visuais, apesar de possuírem certas limitações, são pessoas normais e merecem ser respeitadas. O cartunista retrata isso através da personagem, que é bastante extrovertida e brinca normalmente como qualquer criança. Dorinha aparece nas histórias sempre ativa: faz natação, pratica judô, é esportista e joga futebol.

Fonte: https://bit.ly/2F3XuGN

Mauricio de Sousa, que se preocupa muito em abordar a inclusão de pessoas com deficiência com figuras como Dorinha, Luca (deficiente físico) e Tati (personagem que possui Síndrome de Down), publicou as revistas especiais “Acessibilidade” e “Saiba Mais Inclusão Social”. Os filmes da série Cine Gibi trazem versão em LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) e os filmes “Cine Gibi 7 – Bagunça Animal!” e “Cine Gibi 8 – Tá Brincando?” trazem audiodescrição realizada pela Fundação Dorina Nowill, como acontece desde o Cine Gibi 5.

REFERÊNCIAS:

http://turmadamonica.uol.com.br/mauricio-de-sousa-participa-da-8a-semana-de-valorizacao-da-pessoa-com-deficiencia/

http://turmadamonica.uol.com.br/personagem/dorinha/

http://turmadamonica.uol.com.br/inclusaosocial/

https://www.fundacaodorina.org.br/a-fundacao/deficiencia-visual/o-que-e-deficiencia/

http://www.acessibilidadebrasil.org.br/joomla/noticias/382-inclusao-dos-deficientes-visuais-ainda-e-desafio

https://novaescola.org.br/conteudo/270/deficiencia-visual-inclusao

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