

Hades é o deus do reino dos mortos. É filho de Cronos e Réia, irmão de Zeus, Posseidon, Deméter, Héstia e Hera e marido de Perséfone. Conhecido em Roma como Plutão.
Após a vitória sobre os Titãs, o Universo foi dividido em três grandes reinos: cabendo a Zeus o Olimpo, a Posseidon os oceanos e a Hades o imenso império localizado no “seio das trevas brumosas”, nas entranhas da Terra, denominado Inferno.
Hades possui um capacete que o torna invisível. Esse capacete, por sinal, muito semelhante ao de Siegfried na mitologia germânica, foi usado por outras divindades como Atena e até por heróis, como Perseu, quando mata aGórgona Medusa.
Seu nome era raramente proferido pelos gregos, que temiam excitar sua cólera, pois era violento e poderoso.
Conforme Brandão (1986) era normalmente invocado por meio de eufemismos, sendo o mais comum Plutão (o “rico”), fazendo alusão não apenas a “seus hóspedes inumeráveis”, mas também às riquezas inexauríveis das entranhas da terra, sendo estas mesmas a fonte profunda de toda produção vegetal.
Hades era geralmente retratado como tranquilo em sua majestade. Conhecido como Zeus subterrâneo saiu apenas duas vezes, sendo uma delas para raptar Corée torná-la sua esposa.
Mesmo assim ele possui um caráter cruel, implacável e inflexível, sendo odiado por todos. E esse caráter se mostrava quando algum intruso teimava em não lhe respeitar os domínios. Exemplo disso ocorreu com o audacioso Pirítoo, que, acompanhado de Teseu, penetrou no Hades na louca esperança de raptar Perséfone. Pirítoofoi punido pelo Deus a ficar sentado em uma cadeira, por toda a eternidade.
Lutou ainda contra Héracles, que desceu aos Infernos, para capturar seu cão Cérbero. Foi no decurso deste combate que o herói o feriu no ombro direito com uma flechada. Tão grande era a dor, que o Senhor dos mortos teve que subir ao Olimpo e solicitar os serviços de curandeiro de Apolo, que lhe aplicou sobre o ferimento um bálsamo curativo. Essa foi a segunda e última vez que Hades saiu de seus domínios.
Esse reino dos mortos também leva seu nome Hades e sua localização era em um abismo encravado nas entranhas da Terra, e cuja entrada se situava no Cabo Tênaro (sul do Peloponeso) ou numa caverna existente perto de Cumas, na Magna Graecia (sul da Itália) (Brandão, 1986).
Hades e Perséfone tinham um casamento calmo. Apenas uma vez Hades a traiu, quando se apaixonou pela Minta. Minta (ou Minte), ninfa que habitava o Submundo, mantinha com Hades um relacionamento, interrompido por seu casamento; a ninfa então, procurando recuperar o amante, passou a se vangloriar, dizendo ser mais bonita que sua rival, despertando a fúria em Deméter, mãe de Core. Deméter então puniu a moça presunçosa, fazendo em seu lugar surgir a menta.
A simbologia da união dele com Perséfone mostra o casamento de duas forças da natureza e da vida: a riqueza do subsolo que fornece os minerais necessários para fazer brotar de seu âmago as sementes, simbolizando vida e morte, o nascimento da semente e sua consequente morte.
Importante salientar que Hades não é o deus da morte. Esse papel cabe a Tanatos.
Enquanto arquétipo, Hades simboliza a força que impulsiona o crescimento das plantas,o local onde os preciosos metais e pedras são extraídos e o localpara onde todos os seres vivos devem voltar.
Ele é o símbolo do inconsciente pessoal e coletivo. Local onde estão os tesouros da alma, nossas potencialidades, ou seja, os elementos que ainda não vieram à luz e que continuam nas sombras. Mas também lá estão nossos demônios interiores, nossos terrores, nosso inferno pessoal, as coisas mortas e reprimidas.
Como inconsciente pessoal podemos encontrar os arquétipos, nossos padrões humanos universais que existem desde o início dos tempos e que foram vividos pelas pessoas que já morreram.
Ele é o responsável por fornecer energia aos vegetais para erguerem-se a partir da semente mergulhada na obscuridade do solo, ou seja, é dele quem surge a energia necessária para criarmos algo novo em nossas vidas.
Mas seu caráter implacável não permite que ninguém saia de seu reino, uma vez ali tendo ingressado. Ele reclama de volta aquilo que ele dá. Por isso ele é tão temido. O ego não aceita o seu fim.
Para os gregos a esperança de uma possibilidade de pós-vida se encontrava em sua esposa, Perséfone que representa a vida emergente e a juventude. Ela é a semente que morre e retorna. Psicologicamente isso significa que a vida é feita em ciclos onde alternamos morte e vida. Coisas devem morrer para que o novo renasça. Perséfone e Hades mostram que para termos novas possibilidades e energia para surgir à riqueza interior, algo sempre deve ser sacrificado e morto.
Demeter é a deusa grega da vegetação, deusa da terra cultivada, das colheitas e das estações do ano. É conhecida como Ceres em Roma.
Filha de Cronos e Réia, irmã de Zeus, Hades, Posseidon, Héstia e Hera, as origens de seu culto são atestadas em Creta e o santuário de Elêusis data da época micênica (Brandão, 1986).
A planta a ela dedicada é o trigo e juntamente com Dioniso saiu ensinando aos homens a cuidarem da terra e da vegetação.
É retratada como uma mulher de cabelo dourado e vestida com roupão azul, ou, mais comumente na escultura, como figura matronal, sentada.
Teve uma filha, Perséfone, com seu irmão Zeus e esse mito é o centro dos Mistérios Elêusis da qual é um personagem vital.
Com seu irmão Posseidon teve um casal de gêmeos: a menina Despina(“a deusa das sombras invernais”) e Árion. Mas Demeter abandonou a menina ao nascer para procurar Perséfone quando raptada. Despina, que representa o inverno, é o oposto de sua irmã, Perséfone, que representa a primavera e de sua mãe, deusa da agricultura. O filho chamado Árion, era um cavalo de crinas azuis, tinha o poder da fala e de ver o futuro. Foi o cavalo mais rápido de todos os tempos e ajudou muitos heróis bravamente em suas conquistas. Ela também é uma das deusas que tiveram filhos com mortais. Com o herói cretense Jasãoteve o deus Pluto. Um fragmento do Catálogo de Mulheres, de Hesíodo, sugere que Deméter teve um outro amante mortal, Eetion, que foi fulminado por um raio de Zeus.
O culto a Deméter era levado muito a sério. A dor pela qual a deusa passou com o rapto de Coré por Hades, com o consentimento do pai Zeus fez com que ela deixasse de dar vida e alimento aos homens. A vegetação deixou de crescer e os alimentos se tornaram escassos.
Coma volta de Perséfone por dois terços do ano a sua companhia, Demeter devolveu os grãos da vida ao homem.
O período em que Perséfone passa com sua mãe corresponde à primavera, onde os grãos brotam, saindo da terra assim como a Perséfone. Ao retornar ao Hades inicia-se o outono, quando os grãos são enterrados, da mesma forma que Perséfone volta ao reino do marido. Durante o inverno, Despina mostra sua ira contra sua mãe Demeter e sua irmã, congelando lagos e destruindo plantações e flores.
Demeter é então uma deusa nutridora, a Terra-Mãe que envia seu filho Pluto (Rico), o deus da riqueza agrária aos homens piedosos. Ela é a mãe do grão, e o grão é Perséfone que fica escondida por certo tempo no interior da Terra para se tornar espiga, ou seja, alimento.
Ela então está ligada as estações do ano e aos ciclos da colheita do trigo e foi ela que ensinou os homens à arte de fabricar pães.
Demeter está indissoluvelmente ligada a sua filha Perséfone, formando com ela uma dupla denominada As Deusas. O mito do rapto de Coré /Perséfone já foi descrito no texto anterior sobre essa deusa, por isso não vou citá-lo novamente.
Um ponto importante na história do sofrimento de Demeter é que ela tentou tornar Demofonte imortal, mas foi impedida pela mãe do menino.
Essa decisão pode ser interpretada como o desejo de ‘adotar’ um filho (que a consolaria da perda de Perséfone) e, ao mesmo tempo, como uma vingança contra Zeus e os Olímpicos, pois Demeter estava transformando um homem em deus. As deusas possuíam esse poder de outorgar a imortalidade aos humanos, e o fogo ou o cozimento do neófito figuravam entre os meios mais reputados.
Isso significa que o homem jamais encontrará a imortalidade física.
Enquanto figura arquetípica, a relação de Demeter e sua filha representa a ligação mãe e filha arquetípica presente na estrutura psíquica de toda mulher.
Von Franz (2010), diz que na psicologia da mulher, o arquétipo do Self pode se apresentar sob os traços de uma mulher mais velha, ou então mais jovem (Demeter e Coré).
No processo de individuação a mulher na primeira metade da vida deve recolher as projeções que faz em sua mãe para que se torne individuo. E na segunda metade a mulher deve retirar a projeção que faz em sua filha. E essa ligação não é nada fácil de ser feita, pois se trata de uma ligação muito forte, e a ruptura dessa relação simbiótica é sentida como uma morte (Hades).
Demeter então representa o instinto maternal. Ela não consegue se ver como indivíduo fora da relação com um filho, por essa razão ela busca um filho substituto em Demofonte.
Como arquétipo materno representa a nutrição e a generosidade. Além de mãe de Perséfone era fornecedora de alimentação (como deusa do cereal) e de alimento espiritual (os mistérios eleusinos) (Bolen, 1990).
Deméter é a grande deusa das alternâncias de vida e de morte, que regularizam não somente o ciclo da vegetação, mas também de toda a existência. Ou seja, sem esses ciclos de vida e morte, não há fertilidade na terra, nem fertilidade psicologia.
O ato de descer ao Hades, realizado por Perséfone, simboliza uma descida ao inconsciente na busca do sentido da vida e da própria personalidade. Um processo iniciatório de morrer e nascer renovado.
O lado sombrio desse arquétipo é o a mãe que impede o crescimento dos filhos. A mãe destruidora. É o arquétipo que impede a independência do filho e o subseqüente desenvolvimento da personalidade. A perda do filho para o mundo é sentido como rejeição.
Toda mãe de certa forma e em variados graus, passam por esse sentimento quando os filhos crescem e saem de casa. É a síndrome do ninho vazio. Por essa razão é importante que a mulher desenvolva atividades criativas fora do âmbito da maternidade.
Esse é, portanto, um arquétipo que auxilia tanto homens e mulheres a nutrirem a si mesmos e aos outros, a serem generosos, a doar atenção e zelo, e a encontrarem satisfação como alguém que zela e provê a subsistência de outro. Ela nos proporciona a segurança interior que nos leva a crescer e prosperar.
É ela quem provê nossa subsistência física e nosso alimento espiritual, fornecendo o significado de nossas vidas por meio de uma iniciação nos mistérios da morte e renascimento.
Dioniso (Baco para os romanos) possui três outros epítetos: Iaco, Brômio e Zagreu.
Iaco é o deus que conduzia a procissão dos Iniciados nos Mistérios de Elêusis. Brômio é “o ruidoso, o fremente, o palpitante”, significação que se harmoniza perfeitamente com a agitação e o tremor, acompanhados de estertores e surdos rugidos, que assinalavam o estado de transe com a presença do deus que se apossou de seus adoradores.
Zagreu é um dos nomes pelos quais é chamado o deus do êxtase e do entusiasmo no mundo mediterrâneo e particularmente, ao que parece, na ilha de Creta, onde possivelmente Zagreu teve o seu berço (Brandão, 1987).
Era filho de Zeus, mas dentre os deuses olímpicos foi o único a ter mãe mortal, Semele.
O mito de seu nascimento conta que primeiramente da união entre Perséfone e Zeus (sob a forma de serpente) surgiu o deus Zagreu. Hera, ciumenta, persuadiu os Titãs a atacarem o deus enquanto ele se olhava em um espelho. Não só os Titãs o despedaçaram como também comeram os pedaços do seu corpo com exceção do coração que Atena resgatou.
Atena trouxe a Zeus o coração e este o usou para preparar uma poção com a qual engravidou Semele, que então gerou Dioniso.
Semele ficou grávida, o que provocou o ódio de Hera. Para se vingar disse a Semele eu pedisse ao amante para se mostrar em todo o seu esplendor, da mesma forma que aparecia a Hera. Não podendo negar seu pedido, Zeus aparece a ela em sua carruagem de raios e trovões, o que levou Semele a morte. Zeus pega então o menino prematuro e o costura em sua coxa. Ao nascer, Zeus enviou Dioniso a irmã de Semele, Ino e o cunhado Atamante e ordenou que fosse criado como menina.
Mesmo assim Hera descobriu e enlouqueceu o casal que tentaram matá-lo, mas Zeus novamente o salva e o leva as ninfas do monte Nisa.
Seu tutor Sileno lhe ensinou os segredos da natureza e da produção de vinho. Sileno era descrito como o mais velho, o mais sábio e o mais beberrão dos seguidores de Dioniso, e era descrito como tutor do jovem deus nos hinos órficos. Era representado como estando quase sempre bêbado e tendo de ser amparado por sátiros ou carregado por um burro.
Adulto, a raiva de Hera tornou Dioniso louco o fazendo cometer assassinatos. Assim ele passa a vagar por várias partes da Terra. Ao chegar em Frígia, a deusa Cíbele o curou e o instruiu em seus ritos de iniciação. Curado, ele atravessa a Ásia ensinando a cultura da uva. Ele foi o primeiro a plantar e cultivar as parreiras, dessa forma ele passa então a ser cultivado como deus do vinho.
As árvores a ele consagradas são: a videira, a figueira a hera e os pinheiros. Seus animais consagrados são: o touro, o bode, a pantera, a corça, o leão, o leopardo, o tigre, o asno, o golfinho e a serpente (Bolen, 1990).
Dioniso é um deus que está sempre rodeado de mulheres. Portanto o mundo feminino lhe é familiar. Ele é também um deus da vegetação e está intimamente ligado a Demeter.
Como arquétipo Dioniso está ligado a operação alquímica da solutio, uma vez que ele representa a intensidade emocional capaz de dissolver os limites do ego. Por isso ele é um mobilizador de fortes emoções, desde as mais elevadas até as mais vis.
Conforme Edinger (2006).
“Na sua forma extrema, é selvagem, irracional, louca, desestruturada e estática. É inimiga de todas as convenções, leis e regras estabelecidas. Está a serviço não da segurança, mas da vida e do rejuvenescimento. O fraco e o imaturo podem ser destruídos pela sua força; o forte, como a terra inundada pelo Nilo, será fertilizado e revitalizado. Muitas síndromes clínicas traduzem uma identificação concreta com o princípio de Dionísio. O alcoolismo e a adição à droga são exemplos óbvios. Também o donjuanismo pode ser considerado uma forma de identificação com Dionísio, na qual o indivíduo se rodeia de mulheres em vários estágios de amor (Mênades) que o ameaçam de desmembramento psicológico por conflitos, obrigações e ligações. Dionísio assume um caráter compulsivo quando acontece numa personalidade dissociada. Em outras palavras, Dionísio destrói o ego quando este, à maneira de Penteu, não está relacionado com o todo. Em circunstâncias favoráveis, promove a harmonia e dissolve as diferenças.”
O fato de não morrer, por ser imortal o aproxima do egípcio Osíris e também de Hades, o deus da morte, sendo que conforme Heráclito, Dioniso era um e o mesmo com Hades.
Nos mistérios Eleusis, Dioniso descia ao submundo e se unia a Perséfone, sua mãe, sendo uma representação do filho-amante da deusa.
Pelo fato de ser retratado por vezes como criança, Dioniso se aproxima da figura do eterno adolescente, o puer aeternus, que é caracterizado pela pessoa intensa e emotiva, que não consegue encontrar objetividade em meio as suas paixões e é devorado pelas emoções. Vive em busca do êxtase e frenesi. É viciado em fortes emoções, por essa razão vive em busca de sexo, ou drogas. A pessoa tomada por esse arquétipo se torna alguém muito temperamental, passando do frenesi ao desespero sem razão aparente.
A mãe biológica de Dioniso morreu, sendo então cercado por amas de leite e cuidadoras. A separação física entre mãe e filho aqui nos mostra que, acarreta uma idealização da figura materna e no caso dos homens, ocorrerá uma busca por mulheres que sejam mães e amantes ao mesmo tempo, sendo que essas nunca chegarão aos pés de sua mãe interna. Vide que Dioniso, desce ao submundo, ou seja, ao inconsciente para se relacionar com sua mãe divina, Perséfone.
Nesse caso, o mito nos mostra que Dioniso está ligado ao mundo materno e ao inconsciente. O eu é contraditório para um deus que é um dos filhos favoritos de seu pai Zeus.
Isso ocorre, pois Dioniso não teve uma relação direta com Zeus, assim como seus irmãos Apolo e Hermes. Ele não figurava entre os olímpicos e permanecia em meio à natureza. Mas apesar disso Zeus reconhecia sua importância, pois sendo um deus ligado ao poder e a consciência ele sabia que essa força precisava ser equilibrada pelo caos e pela simplicidade representados por Dioniso.
Ele é um deus feminino-masculino sendo um símbolo do mediador entre esses o mundo do inconsciente e da consciência. Ou seja, ele pode ser considerado o xamã, aquele que torna possível o contato com o mundo dos arquétipos por meio dos sonhos e das fantasias.
Não é a toa que tem uma ligação tão forte com as mulheres, pois essas têm muito mais facilidade em entrar em contato com o irracional. Entretanto, ele pode ser um grande aliado no desenvolvimento da psique masculina fazendo-o entrar em contato com seu lado obscuro e emocional.
Dioniso e Hera formam um par de opostos. Ela deusa do casamento, ele deus do desregramento. Isso mostra que as emoções suscitadas por Dioniso fazem o individuo esquecer seu papel habitual.
O êxtase e o arrebatamento do deus podem transformar o individuo de forma positiva e negativa, dependendo da força do Eu. Os felinos como a pantera e o lince, dedicados ao deus, mostram isso. Ambos são animais belíssimos e fascinantes, mas ao mesmo tempo sanguinários. Suas Mênades quando tomadas pelo deus se transformavam enfurecidas e assassinas.
Se o ego não tiver alguma força, existe o perigo de literalizar essas emoções. Muitos assassinos são movidos pelo aspecto místico de Dioniso. Mas se o ego estiver saudável existe a possibilidade de ampliação da personalidade e de vivenciar emoções antes desconhecidas.
O desmembramento representado por Dioniso é um tema conhecido nas mitologias. Osíris e Jesus Cristo (por meio da crucificação), também simbolizam a morte e a ressurreição do deus, que sofre e padece.
O desmembramento assim como a crucificação simboliza o estar repartido entre opostos. Quando se está dividido entre várias possibilidades e isso causa sofrimento, Dioniso está presente. E isso possibilita a tomada de consciência quando percebemos vários aspectos incongruentes em nós mesmos.
Mas para que esse desmembramento seja positivo ele deve ser intercalado com a consciência, assim como mostra o mito onde Apolo e Dioniso revezavam o oráculo de Delfos. Apolo, deus solar, patriarcal, representante da consciência cedia ao irmão o oráculo durante três meses do ano. Isso significa que, em uma sociedade como a nossa centrada no logos e na consciência, devemos ceder um espaço em nossa vida ao irracional, ao êxtase e ao contato com nosso inconsciente para que possamos nos refazer e renascer, assim como o deus, para uma nova forma mais completa e mais ampliada.
Coré ou Perséfone é filha de Zeus, o senhor do Olimpo e Deméter, a Senhora da vegetação e da produtividade da terra. Conhecida como Prosérpina pelos romanos. A palavra Coré ou Kore, em grego, significa donzela ou filha. Por isso enquanto Coré é a Deusa doce e virgem.
Hades e Perséfone
Seu mito conta que vários deuses como Hermes, Ares, Apolo e Dioniso cortejaram Coré. Sua mãe Deméter, no entanto rejeitou a todos e escondeu a filha longe da companhia dos deuses.
Quando os sinais de sua grande beleza e feminilidade começaram a brilhar, em sua adolescência, Coré chamou a atenção de seu tio Hades que a pediu em casamento. Zeus, sem sequer consultar Deméter, atendeu ao pedido de seu irmão, que, impaciente, emergiu da terra e raptou-a enquanto ela colhia flores com as ninfas, ou segundo os hinos Homéricos, a deusa estava também junto de suas irmãs Atena e Artemis. Hades levou-a para seus domínios (o mundo dos mortos), desposando-a e fazendo dela sua rainha.
Irritada com Hades e Zeus, decidiu não mais retornar ao Olimpo, permanecendo na terra, abdicando de suas funções divinas, até que lhe devolvessem a filha. Inconsolável, acaba por se descuidar de suas tarefas levando as terras a tornarem-se estéreis e a escassez de alimentos.
Ela então se recusa a ingerir qualquer alimento e começa a definhar. Ninguém sabe lhe contar o que aconteceu com sua filha, mas Deméter depois de muito procurar finalmente descobre através de Hécate e Hélio que a jovem deusa havia sido levada para o mundo dos mortos, e junto com Hermes, vai buscá-la no reino de Hades (ou segundo outras fontes, Zeus ordena que Hades devolva a sua filha).
Como, entretanto Perséfone tinha comido uma semente de romã concluiu-se que não havia rejeitado inteiramente Hades. Assim, estabelece-se um acordo, ela passaria metade do ano junto a mãe, quando seria Koré, a eterna adolescente, e o restante com Hades, quando se tornaria a sombria Perséfone (Wikipedia, 2014).
Perséfone e Hades Plutão (com a cornucópia): gravura em fundo vermelho numa cílice, ca. 440–430 a.C.
A papoula e o narciso são as plantas a ela dedicadas. A papoula devido ao fato de ter abrandado a dor de sua mãe na ocasião de seu rapto. E o narciso, pois estava colhendo esta flor quando foi raptada por Hades. A ela também são associadas as serpentes.
Em seu mito podemos ver várias imagens arquetípicas importantes. Um deles é a imagem do rapto. A imagem do rapto representa um ritual de iniciação pertencente a ritos da vegetação. Normalmente, o rapto se consuma no outono, “quando os trabalhos agrícolas estão terminados”, os celeiros estão cheios e é, portanto, o momento de se pensar e preparar a próxima colheita (Brandão, 1986).
O rapto da noiva também era um costume entre os gregos e romanos onde a noiva sendo levada nos braços do noivo simula uma fuga e começa a gritar, pedindo o auxílio das mulheres que a acompanham. Psicologicamente isso significa que para a mulher o ato do casamento significa a morte. A morte de sua ligação com a mãe e de sua imaturidade enquanto mulher.
Pois para a relação mãe e filha o masculino é visto como violador e sequestrador.
Outro tema importante é o da heroína ou deusa que cai no sono da morte. Esse é um tema comum em contos de fadas. Heroínas como Branca de Neve e A Bela Adormecida ficaram adormecidas por um tempo devido a maldição de uma bruxa e despertaram por meio de um beijo de amor.
O mito de Perséfone pode fazer o seguinte paralelo com A Bela Adormecida: No conto a maldição do sono tem a duração de cem anos. Durante esse tempo o reino se tornou estéril e uma parede de espinhos cresceu ao redor do castelo. No mito a terra se torna estéril e sem vida, pois Demeter está sofrendo.
A esterilidade da Terra significa psicologicamente que o feminino está dormente, por essa razão não há fertilidade e tudo se tornou árido.
Ou seja, o mito da descida cíclica de Perséfone ao Hades e seu retorno a superfície simboliza as estações do ano e a fertilidade da terra, assim como os mistérios femininos, que inclui a espera pelo tempo certo para que algo amadureça.
Perséfone foi a figura central nos Mistérios de Elêusis, que por dois mil anos antes do cristianismo foi a principal religião dos gregos. Nos Mistérios de Elêusis os gregos experienciavam a volta ou renovação da vida depois da morte através da volta anual de Perséfone do Inferno (Bolen, 1990).
Era um rito centrado na Grande Mãe. Perséfone era uma deusa tipicamente cretense, assim como Hera, ou seja, ela era uma transposição da Grande Mãe, que foi assimilada pelos gregos, recebendo uma mãe grega, mas mantendo seu aspecto de fecundidade. Por essa razão era chamada de Hera infernal.
Perséfone também se liga a Afrodite, sendo que as duas rivalizavam em beleza. Com ela forma um par de opostos: a deusa da morte dos grãos e a deusa da vida dos grãos.
A híbrida Coré-Perséfone nos mostra dois arquétipos distintos em uma mesma divindade: o da jovem-virgem e o da rainha do mundo dos mortos.
Como a jovem Coré esbelta e bonita, está associada com símbolos de fertilidade: a romã, o grão, o milho, e também com o narciso. Como rainha do Inferno, simboliza uma deusa experiente que reina sobre os mortos, guia os vivos que visitam o mundo das trevas, e pede para si o que deseja.
Demeter e Perséfone
Coré representa a mulher presa a uma mãe dominadora e protetora. A eterna adolescente que não sabe o que quer e se deixa manipular por outras pessoas. Mesmo adulta está sempre voltada a agradar a mãe. Geralmente seu lado masculino é ausente e primitivo. O homem é visto como intruso nessa relação, sendo que somente um rapto, ou seja, uma possessão para ajudá-la a se relacionar com ele e adquirir características como objetividade e foco. Assim como A Bela Adormecida, espera para ser acordada de seu sono.
Já como Perséfone ela representa o aspecto feminino que empreendeu a descida ao inconsciente e ao sofrimento e por isso é capaz de guiar os outros em suas jornadas. Ela alcança um desenvolvimento psicológico e uma autonomia ao entrar em contato com sua subjetividade e não ficar presa a ela.
Perséfone é aquela que é capaz de regredir ao mundo interior quando necessário e de saber quando voltar para as exigências do mundo externo renovada.
Assim como Hera ela também é uma Rainha e ao contrário dela tem um casamento harmonioso com Hades, com raras brigas.
O rapto de Perséfone por Hades
Perséfone é o símbolo da função intuição, mas que amadureceu e mantém um relacionamento com sua contraparte inferior a sensação, representada pelo mundo subterrâneo e seu marido Hades. Nesse compromisso estabelecido com a função inferior é possível para a intuição materializar suas ideias no mundo exterior.
Para concluir, Perséfone é o arquétipo que nos auxilia em nossa descida a nossa própria profundeza. Ela é um guia, um psicopompo. A mediadora entre a realidade externa e a subjetividade interna. É ela, portanto, quem pode nos auxiliar na compreensão do significado simbólico de nossos próprios sofrimentos.
Cronos é a divindade suprema da segunda geração de deuses da mitologia grega, correspondente ao deus romano Saturno. Deus da agricultura e também símbolo do tempo cronológico. Filho de Urano, o Céu estrelado, e Gaia, a Terra, é o mais jovem dos Titãs.
Casou-se com sua irmã Réia e com ela teve seis filhos: Deméter, Héstia, Poseidon, Hades, Hera e Zeus.
Sua lenda conta que seu pai Urano, tão logo nasciam os filhos, devolvia-os ao ventre materno, pois tinha medo de ser destronado por um deles. Gaia, sua mãe, então resolveu libertá-los e pediu aos filhos que a vingassem e a libertassem do terrível marido. Todos se recusaram, exceto Cronos, que odiava o pai. Gaia, então lhe entregou uma foice e quando Urano se deitou, à noite, sobre a esposa, Cronos cortou-lhe os testículos e os jogou no mar.
Com isso, após expulsar o pai, Cronos toma seu lugar e se torna tão déspota quanto o pai.
Temendo uma profecia segundo a qual seria tirado do poder por um de seus filhos, ele passa a engoli–lós ao nascerem. Assim comeu todos seus filhos exceto Zeus, que Réia conseguiu salvar enganando Cronos. Grávida de Zeus, Réia fugiu para a ilha de Creta e lá, secretamente, no monte Dicta, deu à luz o caçula. Envolvendo em panos de linho uma pedra, deu-a ao marido, como se fosse a criança, e o deus, de imediato, a engoliu.
Quando Zeus cresceu, iniciou uma longa e terrível guerra contra seu pai Cronos, solicitando para esse feito o apoio de Métis – a Prudência – filha do Titã Oceano. Esta ofereceu a Cronos uma poção mágica, que o fez vomitar os filhos que tinha devorado.
Zeus, então o expulsou do Olimpo, banindo-o com seus titãs aliados para o Tártaro, lugar de tormento, depois de uma guerra de dez anos que ficaria conhecida como titanomaquia. E assim como o pai simbolizava o tempo, ao derrotá-lo, Zeus tornou os deuses imortais.
Como arquétipo, Cronos representa a passagem do tempo, a velhice, as tradições. Nele encontramos as limitações da vida mortal. É natural que um soberano com a idade seja substituído por um de seus filhos, entretanto Cronos não aceita bem a passagem do tempo e a perda da fertilidade e do poder, por isso engole seus filhos.
Escultura Romana do séc. II a.C.
Ele somente encontra a sabedoria na velhice, quando é inevitavelmente expulso por Zeus e se torna um deus agrário. Porém isso ocorre de uma forma amarga e com muito sofrimento. Cronos, portanto representa o corpo físico, que envelhece de forma inexorável e ao mesmo tempo se rebela contra seu destino fatal.
Esse arquétipo também representa os complexos paternos que herdamos. Uma maldição familiar. Uma vez que Cronos repete a mesma insanidade, que seu pai cometeu com ele.
Saturno devorando um filho, GOYA (1819).
Esse arquétipo nos diz que devemos aceitar nossa condição mortal e isso se dá por meio da separação dos pais e da infância. Aceitar a maturidade nos traz sabedoria. Somente assim podemos parar de fantasiar que alguém virá como num passe de mágica transformar a nossa vida em um aconchego eterno. E então, passamos a assumir a responsabilidade dos nossos atos e escolhas. A maturidade do espírito faz com que diminuamos as projeções.
Nosso lado adolescente, que não quer “crescer” irá se rebelar, porém, se aceitarmos isso poderemos evitar muitas amarguras e descontentamentos e poderemos encontrar a sabedoria.
Kierkegaard é um autor que suscita muitas interpretações. Uns dizem que seus escritos2 não são reflexo da sua vida, e outros acreditam o contrário, que sua historicidade está ali colocada mesmo que com uso de pseudônimos. O uso desses nomes fictícios aumenta a dificuldade, ora em saber se fala de sua própria vida, ora com relação ao que é mesmo dito. Há ainda uma dúvida com relação à pronúncia de seu nome, em sua maioria se lê Kierkegaard, mas o professor e conferencista Emmanuel Carneiro Leão3 levanta um questionamento sobre isso, afirmando ser Kierkegoord, e não como a maioria costuma pronunciar. Há também algumas leituras e confusões com respeito a palavra ‘estádio,’ que para alguns deveria ser estágio, e vice-versa. Este problema é o mesmo do nome, uma barreira linguística.
A filosofia costuma “desbanalizar” conceitos que perduram, embora me pareça convincente seu argumento, me prenderei à maioria, não por covardia, mas por falta de conhecimento a respeito, haja vista que aprender dinamarquês em pouco tempo é inviável para mim, assim como quando aparecer a palavra ‘estádio’ me refiro à versão que li, embora alguns comentadores prefiram usar a palavra ‘estágio’. A barreira linguística denuncia mais do que uma dificuldade do autor, o que é intrigante, pois o mesmo Kierkegaard destaca este mesmo problema sobre quem procura entender, e diz que a falta do conhecimento do idioma original o impossibilita de entender mais, a recíproca é verdadeira. Traduzir obras é sempre difícil, pois fazê-lo no literal pode não representar a ideia real do autor, e por outro lado, saber qual é realmente a ideia pode ser mais complexo do que simplesmente traduzir.
A ideia principal aqui concatenada é levantar questionamentos e hipóteses seguindo o mesmo estilo que o interpretado. Talvez a própria palavra ‘estádio’ seja um desses problemas, onde a tradução é essa, mas talvez o sentido pudesse ser outro. Segundo a professora Guiomar de Grammont o estágio pressupõe uma passagem de um ponto a outro, onde se dá o nome de ‘estágio,’ o que não acontece com ‘estádio’ onde um sujeito pode permanecer a vida inteira em um, sem passar para outro. O lugar onde ele menciona que há pessoas que não chegam, pode ser este, o estádio, mas não qualquer um, o religioso, que está no grau mais alto. que o cavaleiro da resignação infinita. Talvez seja isso, é o que me parece. Geralmente menciona-se três estádios, mas para mim todos os outros são importantes.
O valor da dúvida cartesiana e da fé são meios pelos quais o homem segue crescendo e vai longe, é nesse método investigativo que se segue o pensamento dele. Mas isso não significa que ele venha a duvidar, nem tampouco Descartes, coisa que ele mesmo diz. A certeza que se tem em relação a fé deles é interessante. Também penso que Descartes não tenha duvidado de nada, usou a dúvida para enfatizar suas crenças, e este caminho é perigoso. Todo aquele que acredita em algo “prova” a seu modo, e tudo lhe parece ser favorável. Aí o perigo da boa argumentação almejada por muitos, pois acaba-se por conseguir “provar” o que se quer, como acreditavam os sofistas, e como diz Pascal sobre a causa “justa” ao advogado que ganha bem e antecipadamente, ou do necessitado.
A leitura nos intriga na medida em que pensamos na realidade do escrevente, e em nossa própria existência, já que um dos temas, o ‘desespero’, está diretamente ligado com o estádio religioso, e envolve a todos.
Um homem com especial admiração por Abraão desejava ter participado da viagem de Abraão, e quem sabe assim poder entender o fato, coisa que quanto mais reflete menos consegue. Ele busca capturar a essência do fato e tudo que o envolve. Este homem reconhece sua fraqueza intelectual e a impossibilidade de se conhecer a verdadeira história de Abraão. A via mais interessante de suas suposições é a de Abraão preferir ser visto como monstro do que sem fé.
Pensar a existência é pensar o desespero humano. Este ponto é importante porque logo que se pensa na falta de existência divina, está instalado o desespero no homem. Se nós estivéssemos sós no mundo, no universo, e nossa existência se resumisse ao acaso, isso seria desesperador.
A comparação entre o herói e o poeta tem relação direta com quem escreve e sobre quem escreve, sendo o escritor um poeta, e o herói aquele de quem se escreve. O herói é Abraão, mas pode fazer alusão à seu próprio pai também. Se o professor Emmanuel estiver certo o pai de Kierkegaard pode estar sendo mencionado junto, ou na figura de Abraão. Emmanuel não diz isso, ele fala que Kierkegaard se coloca como Isaac, daí faço uma ligação entre os personagens.
O maior herói para ele é aquele que amou a Deus, não importa exatamente quem seja, lembrando que cada qual que feito grande por seus feitos, o foi por meio daquilo no qual almejava. Quando a esperança está no impossível de ser alcançado então se faz a maior grandeza do homem. Abraão foi o maior de todos os heróis, pois depositou sua esperança em Deus, embora Este seja cheio de paradoxos. Segundo Kierkegaard a fé de Abraão o fez grande, pois acreditando no impossível de ter uma geração mesmo em idade avançada o torna um herói maior do que aqueles que conquistam terrenos vencendo grandes batalhas. Veja só, primeiro ele crê em um Deus que não se conhece, em uma sociedade onde haviam Especialistas, ele aparece e diz que há Um só para tudo. Isso é interessante, pois não se tem todo o fato descrito na bíblia, que é uma junção de livros históricos a respeito de um povo, sua cultura e principalmente, sua fé. O motivo pelo qual o herói não será esquecido jamais, é simplesmente o fato dele ter vencido todos os seus temores sem nunca duvidar de sua fé. Crer é melhor do que admirar o crente, e é por isso que o herói sempre é maior que o poeta, este último apenas pode admirar o feito heroico sem nada poder oferecer.
Para ele Abraão nunca envelheceu, pois o que mantém sua fé não envelhece, apenas os que esperam sempre o melhor, mas estes chegam a senilidade quando lhes ocorre a decepção, e os que partem da visão contrária se gastam mais rápido. Obviamente essa juventude não se refere aos anos que se passam, pois é humanamente impossível que os anos passem e o homem permaneça jovem biologicamente, pelo menos até os dias atuais. Embora essa juventude seja também objeto de dúvida, minha opinião é que isso não se encontre apenas no desejo de ser pai e mãe, mas no desejo sexual que se perde naturalmente com o tempo, bem como seu vigor físico para o ato. Abraão mesmo em avançada idade contra todas as expectativas consegue não somente lograr o ato, mas gerar um filho, e não é qualquer um, é o da promessa, e é aí onde a felicidade bate, não só pela chegada do filho, pois já tinha um com Hagar, e sim pela promessa cumprida por Deus, caso isso não acontecesse, esse Deus não seria 4coerente, e ele haveria crido em outro deus. Kierkegaard diz que foi a fé que manteve neles o desejo e por sua vez a juventude, embora Sara tenha rido e oferecido Hagar a Abraão, eles ainda creram no impossível, tanto que realizaram o ato, mesmo que o organismo já não respondesse tão bem para isso. Agora fazendo uso de uma boa ironia, digo que ele faz o enorme esforço de se deitar com Hagar, que devia ser cheia de juventude em sentido temporal, ao contrário de Sara quando da geração de Isaac. Deixemos isso de lado.
A vida de Abraão não foi fácil, mas ele consegue o tão sonhado filho da promessa, e imagine só o desespero dele, esperar por décadas, lutar, conseguir o que se almejou, e pouco tempo depois ter que desfazer-se, e ainda mais matando aquele que ama. A desgraça de se matar seu próprio filho, o da promessa, é maior que o desejo que não se realiza. Até então não se havia negociado com Deus, ele simplesmente cumpria o que era mandado, talvez fosse o objeto de desejo de Deus a todo momento, mostrar ao homem que ele tinha como dialogar com Deus e não apenas obedecê-lo. Se fosse o caso ele seria um Deus autoritário e cruel, que manda e desmanda, sem se importar com os sentimentos do humano.
A princípio parece que Deus se diverte com Abraão, primeiro o faz ter um filho na velhice, para depois mandar matá-lo. Honrar4 suas próprias palavras é ser coerente consigo mesmo, se falamos uma coisa e fazemos outra, então não estamos sendo coerentes conosco. Se pensarmos precipitadamente conforme a razão, este é o Deus de Abraão. Paradoxalmente se trabalharmos a própria razão com mais detalhes podemos notar algo mais. Só o fato de Deus falar com ele já lhe impõe uma situação de fé quase que imponderável, pois até então nenhum outro o havia feito, mas não é só isso que acontece. Ele ainda cumpre as promessas que faz, mesmo que isso seja impossível. Se Ele faz o impossível, mandar matar o filho da promessa não está fora de cogitação. Talvez Abraão não tivesse dúvida de que isso não aconteceria, ou tenha ficado na dúvida sobre o que Deus faria, mas com certeza não descumpriria sua promessa, embora aqui a angústia estivesse presente. Se Ele faz um homem velho ficar novo, e vai mais além, fazendo com que uma mulher também idosa tenha um filho, então ele pode perfeitamente lograr qualquer impossibilidade, inclusive a de mandar matá-lo sem que isso aconteça. E é o que acontece, Abraão recebe a Isaac novamente como se fora a primeira vez, pois é como um novo nascimento.
Se Abraão sabia que estava em prova constante, ele sabia que qualquer coisa poderia acontecer, mesmo que fosse impossível. Mas não é de se descartar a possibilidade dele ter se enfurecido ou se entristecido com a ordem, não somente por ele, mas por ser ícone em uma nova sociedade, que seria mais uma a tê-lo por louco, ou algo do tipo. Em uma sociedade politeísta, este seria facilmente o Deus da loucura e da insanidade, que quando promete, cumpre, mas quando cumpre, tira. E tirando a promessa descumpre, pois a promessa não era somente de ter o filho, mas de posteridade sanguínea. O Deus de Abraão poderia ser também o “Deus da Brincadeira” e de mau gosto.Mas isso não aconteceu, e Abraão não estava regido por pensamento politeísta.
Curiosamente o prazer se segue após a dor, parecendo até que para a existência de um, há a necessidade do outro, o que não seria absurdo se notarmos a dualidade da vida, esse é um pensamento que Sócrates expõe quando retira os grilhões que lhe machucavam momentos antes de tomar a cicuta. Imagine a alegria de Abraão quando o anjo aparece pondo fim à provação, isto inclusive poderia ser mais um dos títulos divinos, “O Deus da Prova”, o que o faz com severidade. Não se sabe os motivos divinos, mas provar parece uma burla com o ser humano que já sofre tanto, mas também pode ser uma forma de tirá-lo da zona de conforto, e reviver momentos de alegria no lugar de ficar na felicidade almejada. Isso faz sentido, já que tudo está em movimento, mas a prova então viria apenas para os que creem, pois os que não tem esta fé parecem conseguir seus objetivos sem elas, não que não tenham dificuldades, mas ser provado é diferente de passar dificuldades.
Na dificuldade sabe-se que se pode superar a qualquer momento, a prova não, só passa quando Quem prova determina, e esta diferença faz quem tem fé ter também temor, este Deus determina isso. Como toda lapidação, Este provador põe a dualidade humana a seus limites, talvez ‘limite’ seja uma palavra importante para este Deus, já que Ele gosta de sempre aparecer no último instante, isso em relação à prova, e não à dificuldade, mas somente para quem crê. Coloca seus crentes às mais extremas situações, isso é contraditório, mas essa parece ser a maneira que Ele tem de melhorar o ser humano em seu processo de lapidação, mas só passa pelo processo de lapidação divina, quem crê. Quem não crê pode também lapidar-se, porém por meios próprios, e aí Kierkegaard diria que este não chegaria muito longe, ou a lugar nenhum, pois para isso precisaria crer. O estádio religioso parece ser a máxima humana para Kierkegaard sobrepondo os outros, ou seja, o estádio ideal é o que se está em Deus. Para quem não crê pode ser mais difícil lapidar-se por conta do estádio desesperador da solidão existencial.
Uma coisa é saber que há alguém por perto, ou pelo menos que aparecerá, outra coisa é saber que está só em meio ao vazio do universo imenso, frio, e desconhecido. Aqui o cavaleiro da resignação pode se confundir com o da fé, mas um é carnal, e o outro tem fé, mas no Deus de Abraão, já que a crença em Deus exclui qualquer outro que se creia, dessa forma ele não fala de qualquer tipo de fé, mas aquele que ama a Deus, a Quem Abraão creu e amou. Excluir qualquer outro Deus ou forma de crença no divino não é difícil de deduzir, haja vista que Ele é único, e se o é, não pode existir outro.
Costuma-se ouvir que Deus nunca chega atrasado, mas para o quê? A resposta não é tão óbvia, já que o homem passa por muita dificuldade antes dele aparecer, a dificuldade aqui gerada pela prova. Ele não chega atrasado para o fim da prova, ou seja, Ele sempre chega na hora certa para dar fim à provação, e assim refrescar um pouco a alma, pelo menos até que venha a próxima, e chega na hora que quer, não adianta murmurar, se quem prova é Ele, é Ele quem dá fim à prova, e se Ele acaba a prova quando quer, quer dizer que aparece quando quer. Escolher ter fé nesse Deus, é ter a dúvida de quando sessará uma prova e começara a outra. O que não quer dizer que não se possa negociar com Ele, pois Abraão fez isso e salvou seu sobrinho e família.
Se Isaac era o filho da promessa, Cristo também. O sacrifício que Abraão quase realiza é além de uma prova extrema do limite humano, um ensaio para o de Cristo, como Quem diz: “Você acha isso absurdo, mas eu mesmo o farei, e por você.” E por que não? Quem disser que sabe o que Deus pensa é sem dúvida um ignorante maior do que esse que vos escreve. Se Deus submete seu único filho à morte de cruz, então prepare-se crente, pois este Deus é severo.
Seja no tempo dele ou no meu, qualquer pessoa que “ouve” a voz de Deus,é duvidoso, mas se ouve, sabe que não terá vida fácil, pois é crente, e se não era, passa a ser, pois ouvir Deus e não crer é loucura. E todo aquele que crê, será provado, pelo menos parece ser esse o meio que Deus encontra para lapidar o homem, ou para outros fins que fogem a meu entendimento.
O desespero humano apresenta-se como outro grande mistério do ser. O desespero vem da existência corporal acabar aqui mesmo e a qualquer momento. O desespero existencial desaparece quando há Deus, mas a investigação continua, e a falta de conhecimento dá lugar a conforto na continuidade da existência, mesmo que não humana, pois buscar o conhecimento também é desesperador, porque há o risco de se perder nesta senda.
Acreditando que Abraão sabe o motivo da prova diz que o mesmo sabe que nenhuma prova é dura demais quando Deus pede. Tenho certeza de que Kierkegaard se equivoca muito nisto, a severidade da prova não tem outra visão, senão a de um pai que mata o próprio filho e de vontade própria. Ele não é obrigado a isso, Deus pede, ou manda, não sei bem qual a relação que Abraão tinha com Deus, nem exatamente a diferença de um pedido divino e uma ordem. Nos dias de hoje não é muito difícil de se ver esse tipo de notícia, mas naqueles dias isso parecia ser um absurdo. Percebe-se claramente o uso do estádio religioso neste argumento, em apoio à crença, quando diz que nenhuma prova é dura demais quando Deus pede.
“Sabia que o Todo-poderoso o punha à prova,
sabia que este era o sacrifício mais duro que se lhe podia exigir, mas
sabia também que nenhum sacrifício é demasiadamente pesado
quando Deus o pede — por isso puxou da faca.”
Não sabemos de fato se Abraão sabia que estava sendo provado, segundo diz a bíblia sabe-se que empunhou a faca, e que realmente ia matar a Isaac. Aqui quem fala é o poeta em um estádio religioso, pois é movido por concatenações emotivas enquanto não começa a fazer comparações sobre o ponto de vista ético, porém seu cunho filosófico aparece quando observa o homem religioso fazendo comparações com outro homem. Não tenho dúvida de que seria um assassino, e Abraão também seria, mesmo tendo sido a mando de Deus, se tivesse chegado a matar Isaac seria um assassino.
Na verdade se não era, acabou sendo, pois é muito difícil que ele tenha ido livrar a seu sobrinho, e não tenha matado ninguém, assassino agora é, se não era. Mas em situação de guerra esse termo não costuma ser empregado. Creio que tanto naquela época como nessa, ouvir a voz de Deus já era duvidoso, se cria por meio do estádio religioso. Mas se ele chega a matar seu filho, em qualquer época isso não seria visto com bons olhos, ainda que o próprio Deus tivesse mandado, só e somente só, se Ele o fizesse na frente de toda a humanidade, mas neste caso acho que Deus mesmo seria o não bem visto, e as pessoas buscariam outro, pois a dedução é rápida, “terei um filho e Deus pode a qualquer momento mandar matá-lo.”
A complexidade do autor não foi completamente abordada aqui, Kierkegaard trata também de outros assuntos em “Tremor e Tremor”, fiquei na esfera religiosa, abordando algumas coisas de outros temas, que são mais abrangentes.
Então os estádios não são etapas, parecem ser um lugar onde se pode permanecer, ou sair dele. Abraão é um herói porque amou a Deus sobre tudo, inclusive sobre quem mais amava, a Isaac. O poeta nada faz de grandioso, apenas admira o herói, que faz grandes feitos, e o maior deles, é amar a Deus dando seu melhor, esperando o impossível, e este herói o cavaleiro da fé. Qualquer um pode ser um cavaleiro da fé. O Deus de Abraão é severo, pois submete o crente a duras penas, fazendo promessas, e cumprindo. O importante é a escolha subjetiva.
Bibliografia:
Kierkegaard, Søren Aabye, 1813-1855. ‘Temor e Tremor’, Coleção os Pensadores.
Notas:
1) < http://www.librosmaravillosos.com/metodo/parte02.html>
2) Profa. Guiomar de Grammont em: “As figuras estéticas em Kierkegaard” Disponível em:<http://www.youtube.com/watch?v=74iUvu-9wQc> Acesso em: 09/01/2014.
3) Emmanuel Carneiro Leão, conferencista em: “Existência e alternativas, um olhar sobre Kierkegaard” – 1° Ciclo de conferências. Disponível em:<http://www.youtube.com/watch?v=KbEQxPHjaas> Acesso em: 09/01/2014.
4) Sabiduría Tolteca. Disponível em:<http://nuestraedad.com.mx/sabiduriatolteca.htm> Acesso em: 02/01/2014.
O milagre da vida é o nascimento, e a aventura é a construção dessa vida até chegar sua morte, mas como na natureza existem alguns impedimentos causados por fatos distintos. Não importa a idade, sexo, cor ou religião, a morte sempre chega para nós, porém há aqueles que ficam na ponte entre a vida e a morte, situação vivida por inúmeras pessoas, muitas delas com doenças incuráveis ou um sofrimento físico impossível de suavizar, tendo que sobreviver por meio de máquinas ligadas ao seu corpo garantindo assim sua vida nesta realidade.
Aqui chegamos ao dilema. Muitos dos familiares desses pacientes são os que mais sofrem com a situação do parente, provocando mudanças na vida, nos hábitos, na rotina. A recuperação pode demorar dias, meses ou anos. Alguns sequer têm essa perspectiva, então para minimizar o sofrimento os familiares escolhem o procedimento de eutanásia, alegando que essa seria a vontade do paciente.
No Brasil, como em Portugal, a morte por eutanásia é considerado um ato ilegal. Em outros países, a “morte assistida” já é legalizada, como na Bélgica. O país, no último dia 13, liberou o procedimento para pacientes menores de idade (crianças e adolescente), tornando assim o segundo na Europa para esses casos.
A equipe do Portal (En)Cena entrevistou pessoas distintas sobre o assunto. E queremos saber também a sua opinião. Por isso, comente sobre o assunto no final da página.
“Bem, na visão espírita, todo efeito provém de uma causa. Nenhuma folha cai de uma árvore sem que haja um motivo e que não tenha tido a permissão de Deus, ou seja, nada acontece por acaso. Para o espiritismo a Eutanásia é crime, uma vez que vivemos num mundo de provas e expiações: provas, por que precisamos enfrentar alguma adversidade para evoluirmos, expiação, por que precisamos reparar algum erro que por nós foi causado. Tudo o que acontece em nossa vida é resultado de nossas escolhas, uma vez que temos o livre arbítrio, o resultado de nosso sofrimento só pode ter sido causado por nós mesmos. A eutanásia tira de nós a responsabilidade de repararmos essas falhas uma vez que embora o corpo físico esteja debilitado, o espírito ainda está lá e nós sabemos que a encarnação não é para o corpo e sim para a evolução do espírito. Interromper esse processo, sem a permissão de Deus, é como cometer suicídio. A responsabilidade de tirar a vida seja de outrem ou de nós mesmos, não é nossa e sim de Deus, se o corpo está passando por esse momento de sofrimento é por que as escolhas de seu espírito levaram à aquele resultado, então ele deve ser seguido até o fim e mais, nem sempre o que parece é. Não é uma matemática exata. Assim, uma pessoa está nessa condição, vivendo através de aparelhos, ela tem um débito a pagar por isso, mas em boa parte, a família que está tendo que administrar esse sofrimento também faz parte do processo de expiação. Todos nós temos falhas para reparar, e tudo faz parte de um processo, interromper esse processo só faz com que protelemos a nossa dívida, ou seja, mais dia menos dia teremos que pagar o débito”, opinião expressada por uma pessoa de fé espírita.
“Eu penso que é um ato que interrompe o que Deus nos deu de mais precioso, a vida. Sei que os casos em que se questionam sobre a eutanásia são ocasiões em que as pessoas passam por sofrimentos, doenças terminais, pode até ser caminho sem volta. Mas o que nós cristão aprendemos é que sem sofrimento não há salvação. Por isso a vinda e morte de Jesus na cruz. A dor pode ser um instrumento de salvação, quando vivido de maneira cristã, guiada pela Palavra da Salvação, Deus. Sendo assim, a nossa fé nos ensina que todo e qualquer sofrimento entregue à Deus é um ato em prol da salvação. Outro ponto que me vem à mente é que ninguém tem o direito de tirar a sua própria vida ou a do próximo, somente Deus que a deu, somente Ele que tem o direito de retirar.”, opinião expressada por um cristão católico.
“Eu acho que não poderia haver leis favoráveis a isso, porque a vida não é nossa, a vida é de Deus, ele tem o poder para tirá-la, tipo assim, na Bíblia tá escrito “tudo dai graças”, se eu estou numa situação assim ou se algum familiar, devemos dar graças a Deus, se você é cristão , você não pode retirar a sua vida ou a dos outros porque o nosso corpo é templo do espírito. Quando Jesus curou o cego, o que ele falou? Ele disse q ele era cego não por algum pecado, ou por algo que os pais fizeram, mas sim para mostrar o poder de Deus, quantas vidas foram tiradas a qual Deus poderia ter usado para mostrar o seu poder. Eu, particularmente, sou contra a qualquer forma de matar alguém como suicídio, ou pena de morte. Quando Judas traiu Jesus, na Bíblia esta claro q ele foi tomado por satanás, quem não garante quando ele se enforcou ele não estava tomado por satanás? Outro ponto, na Bíblia também fala que os filhos são herança dos pais, como um pai deixa a sua herança ir embora? Isso que eu penso, que não tem lógica isso tem estão fazendo, inclusive na Bélgica.”, opinião expressa por um cristão evangélico.
Cada visão mostrada neste espaço é individual. Agora é sua vez, o que você pensa sobre o assunto, você contra ou a favor? Tem dúvidas? Quais? Participe.