Tratamento padrão ouro nos transtornos alimentares

Compartilhe este conteúdo:

É uma ilusão achar que os Transtornos Alimentares estão limitados a pessoas obesas ou pessoas muito magras. Os distúrbios alimentares podem ocorrer em pessoas com um peso adequado, e alguns sinais e sintomas apresentados podem incluir comer escondido, sentir-se culpado após as refeições, possuir sensação de inadequação social e apresentar várias tentativas fracassadas de dieta.

Os transtornos alimentares podem ser definidos como um padrão ou hábitos alimentares inconsistentes ou distúrbios contínuos no padrão alimentar que muitas vezes levam a consequências perigosas, tanto em termos de bem-estar físico quanto mental de uma pessoa, e seus efeitos podem ser catastróficos.

Um dos fatores que contribuem para o desenvolvimento dos TA´s são dietas restritivas que podem piorar o quadro de obesidade pelo chamado efeito rebote, onde o indivíduo adquire uma obsessão por comida, passando grande parte do seu tempo pensando nisso.

Os transtornos alimentares geralmente apresentam as suas primeiras manifestações na infância e na adolescência. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 4,7% dos brasileiros sofre de distúrbios alimentares, mas na adolescência esse índice chega até a 10%.

Em tempos da cultura do espetáculo, através das redes sociais, o apelo social dos padrões de beleza, as dietas e as fórmulas milagrosas podem deixar as pessoas mais vulneráveis a desenvolver problemas nesta área. Em muitos casos, a pessoa não imagina que tem um problema.

Fonte: encurtador.com.br/prCT0

Resumidamente, os principais transtornos alimentares presentes são:

Anorexia: Ou anorexia nervosa, é um distúrbio no qual a pessoa vê seu corpo sempre com excesso de peso, mesmo que ela esteja claramente com baixo peso ou desnutrida. Existe um medo intenso de ganhar peso e uma obsessão para emagrecer, sendo a sua principal característica a rejeição a qualquer tipo de comida.

Bulimia: É caracterizada por episódios frequentes de compulsão alimentar, nos quais há um consumo de grandes quantidades de comida, seguido de comportamentos compensatórios como forçar o vômito, usar laxantes ou diuréticos, ficar sem comer e praticar exercícios em excesso para tentar controlar o peso.

Compulsão Alimentar: Um dos indicativos são episódios frequentes de comer exageradamente, mesmo quando não se tem fome. Existe uma perda do controle sobre o que se comer, mas não existem comportamentos compensatórios como vômitos ou uso de laxantes.

Ortorexia: É a preocupação exagerada com o que se come, levando a uma obsessão para sempre comer de forma certa, com alimentos saudáveis e extremo controle de calorias e qualidade.

Pica: É a ingestão persistente de substâncias não nutritivas, que não são alimentos e não têm valor nutricional, como terra, barro, cabelo, alimentos crus, cinzas de cigarro e fezes de animais.

Transtorno de Ruminação: A pessoa com esse transtorno regurgita repetidamente os alimentos tê-los ingerido, normalmente todo dia. Ela não tem nenhuma sensação de náusea nem ânsia de vômito involuntária. É possível que a pessoa mastigue novamente o alimento regurgitado e, depois o cuspa ou o engula novamente.

Fonte: encurtador.com.br/xHQR6

A utilização da terapia cognitivo-comportamental (TCC) em transtornos alimentares foi apresentado pela primeira vez por Fairburn em 1981. Seu foco era utilizar técnicas para ajudar os pacientes a terem maior controle comportamental sobre a alimentação, para auxiliar a mudança de atitudes em relação aos hábitos alimentares, ao peso e à imagem corporal (NUNES; ABUCHAIM, 2008).

Atualmente a TCC é reconhecida como a psicoterapia mais eficiente (padrão ouro) no tratamento dos transtornos alimentares. Ela trabalha com intervenção semi estruturada, objetiva e orientada para metas que aborda fatores cognitivos, emocionais e comportamentais.

De maneira geral o objetivo da TCC nos transtornos alimentares é diminuir os pensamentos negativos sobre a autoimagem corporal e a sua relação com a comida, e aumentar a capacidade dos pacientes de tolerar os mesmos, buscando possíveis alterações comportamentais e reduzindo os episódios compulsivos e outros sintomas associados.

Fonte: encurtador.com.br/hFS14

A TCC parte do princípio que o sistema de crenças de um indivíduo exerce um papel importante no desenvolvimento de seus sentimentos e comportamentos. Assim sendo, os pacientes com TA apresentam crenças distorcidas e disfuncionais acerca do seu peso, formato corporal, alimentação e valor pessoal, e estas crenças são significativas para a manutenção dos transtornos.

Uma das crenças nucleares distorcidas mais presentes nos pacientes é a que o seu valor como pessoa está inteiramente ligado a seu peso e formato corporal, deixando de lado ou não valorizando outros indicadores. Para pacientes com TA a magreza estaria associada à competência, superioridade e sucesso, estando intimamente ligado com a autoestima e autoconceito.

O sistema distorcido de crenças pode ser perpetuado em consequência de várias formas disfuncionais de raciocínio. Uma das tendências frequentemente encontradas é a de prestar atenção somente nas informações que confirmam suas crenças, ignorando ou distorcendo os dados que poderiam coloca-las à prova.

Fonte: encurtador.com.br/qILTW

Para modificar o sistema de crenças a TCC se utiliza de diversas técnicas. Uma delas consiste em ensinar o paciente a identificar pensamentos que possam ter alguma distorção. Em seguida ele é incentivado a analisar todas as evidências possíveis disponíveis que possam confirmar ou refutar o pensamento distorcido, fazendo com que ele se torne mais funcional. Uma variabilidade de estratégias pode ser usada para facilitar a modificação das crenças, por exemplo, o desenho da imagem corporal e a exposição gradual do corpo permitem que o paciente modifique suas crenças de que está gordo e de que será rejeitado em função disto.

Nesta abordagem são realizados trabalhos de flexibilização das crenças disfuncionais dos pacientes, através da reestruturação cognitiva e resolução de problemas. São utilizadas atividades com aplicações práticas, como metas pontuais e recompensas, dentro do contexto do tratamento.

É importante que os pacientes com transtornos alimentares tenham claro que o peso real não é o problema, mas, sim, questões importantes de crenças e estratégias que estão mantendo o transtorno alimentar. Um dos principais pontos para a eficiência do tratamento é a participação e o compromisso do paciente com a terapia, enfatizando as expectativas positivas do processo terapêutico e seus resultados.

REFERÊNCIAS

ALMEIDAB, M. D. E. P. E. D. M. Terapia cognitivo-comportamental dos transtornos alimentares. Rev Bras Psiquiatr 2002;SP, v. 24,p. 49-53, dez./2005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbp/a/CJKXBkfr6wBxGV4t7zL4w9J/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 27 abr. 2022.

KERBER, A. B. M. D. L. F. I. A INFLUÊNCIA DA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL NO TRATAMENTO DA COMPULSÃO ALIMENTAR: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA: Unisul, Florianópolis, 2005. Disponível em: https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstream/ANIMA/20195/1/TCC%20finalizado%20Anna%20e%20Isa.pdf. Acesso em: 27/04/2022.

MÜLLER, Lilian. CONTRIBUIÇÕES DA TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL NO TRATAMENTO DA ANOREXIA NERVOSA. Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS, dez./2005. Disponível em https://repositorio.ucs.br/xmlui/bitstream/handle/11338/4971/TCC%20Lilian%20Muller.pdf?sequence=1. Acesso em: 21/04/2022.

VEJA. De ruminação a compulsão: os transtornos alimentares que afetam os jovens. Disponível em: https://veja.abril.com.br/saude/de-ruminacao-a-compulsao-os-transtornos-alimentares-que-afetam-os-jovens/. Acesso em: 27 abr. 2022.

R7. OMS alerta que cerca de 10% dos jovens brasileiros sofrem de distúrbios alimentares. Disponível em: https://www.folhavitoria.com.br/saude/noticia/08/2020/oms-alerta-que-cerca-de-10-dos-jovens-brasileiros-sofrem-de-disturbios-alimentares. Acesso em: 3 mai. 2022.

CLAUDINO, J. C. A. A. M. Trantornos Alimentares. Braz. J. Psychiatry, SP, v. 22, dez./2005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbp/a/P6XZkzr5nTjmdVBTYyJVZPD/. Acesso em: 27/04/2022.

TUA SAÚDE. 7 Principais Trantornos Alimentares. Disponível em:  https://www.tuasaude.com/principais-transtornos-alimentares/. Acesso em: 21/04/2022.

Compartilhe este conteúdo:

Relato sobre a preparação do próprio funeral: implicações psicológicas

Compartilhe este conteúdo:

Só se pode morrer quem está vivo. E eu estou muito viva, portanto, a qualquer momento posso morrer. A morte é algo que pode estar “programado”, no caso de a pessoa estar, por exemplo, em estado terminal de uma doença, ou nos pegar de surpresa, quando, por exemplo, se é atropelado, assassinado ou até mesmo sofrer um ataque cardíaco. Em todos os casos, a situação é que ninguém está de fato preparado para este momento, o que não deixa de ser curioso, pois a morte é uma das condições da vida e, ainda assim, aterroriza a muitos.

Fonte: http://www.ahmanolo.com.br/wp-content/uploads/2015/04/hj_nao.jpg

Há algum tempo fiz um trabalho acadêmico cujo objetivo era elaborar o meu próprio funeral; assim, tomei a liberdade de me colocar nas duas situações descritas acima: a morte esperada e a morte surpresa. Enfatizo que não pretendo projetar o funeral em si, mas o antecedente a ele, pois acredito que o que eu fizer em vida será o meu legado e, baseado nisso, as pessoas próximas a mim são quem irão conduzir o funeral conforme eu merecer.

Supondo que neste momento, na minha doce juventude, eu esteja carregando alguma doença que pode me levar à estado terminal, pois não tenho conhecimento dela e não faço o devido tratamento (amanhã mesmo vou correndo fazer um check-up!), então, com o passar do tempo, me vejo no leito de um hospital, beirando o óbito. Nesse caso, com a premissa da minha morte, meu desejo é passar meus últimos dias fazendo o que gosto, com quem eu amo. Pretendo confortar o máximo possível meus entes e amigos queridos, para que minha morte não se torne um peso em suas vidas. Eu gosto muito de olhar fotos, então, acho que seria legal olhar todas da minha vida, talvez, até faça um book, denominado “Pré-perecimento”, até daria a ideia para meus familiares mostrá-lo no dia do funeral, mas como já disse, ficaria a critério deles.


Fonte: https://67.media.tumblr.com/tumblr_lxm7ry7ghc1qey7szo1_500.jpg

Agora, no caso de uma morte surpresa, bem, ela obviamente não é esperada (se é que alguma vez ela é “esperada” de forma direta, racional), então, eu não teria um aviso prévio e não poderia programar como passar meus últimos dias. Acredito, então, que a possibilidade de morrer a qualquer momento seja como uma força motriz que me impulsiona a viver a vida intensamente, aproveitá-la o máximo possível, ser uma pessoa que possa inspirar as outras, sem guardar mágoas, ressentimentos e inimizades, então se eu morrer amanhã, por exemplo, morrerei com a consciência leve, satisfeita com a vida que tive e sabendo que estarei partindo sem deixar nada mal resolvido para trás.

Fonte: http://65.media.tumblr.com/76553bff481af0ff8c39c92d490dd476/tumblr_mgwmw6mY5i1rqt502o1_500.jpg

Enfim, só morre bem quem viveu bem, ou pelo menos buscou nos últimos instantes deleitar-se da abundância de maravilhas que a vida oferece. Pensar demais, preocupar-se demais, sofrer demais, guardar coisas ruins… para que tudo isso? A vida é linda, mas não é infinita. Todos temos um “prazo de validade”, como um ingrediente de bolo. Então, antes que o prazo vença, vamos nos jogar e fazer da vida um bolo delicioso e que cada pedaço desse bolo faça as pessoas que dele provar mais felizes…

Fonte: http://67.media.tumblr.com/tumblr_ma0dds9ktW1rfyxemo1_500.jpg

“A morte não é nada para nós, pois, quando existimos, não existe a morte, e quando existe a morte, não existimos mais.”

                                                                       – Epicuro

Compartilhe este conteúdo:

Ser ou não ser psicopata, qual o remédio?

Compartilhe este conteúdo:

A personalidade dos grandes homens faz-se das suas incompreensões.

ANDRÉ GIDÉ

Cheguei com o livro Psicopatas do Cotidiano a casa da minha avó, um lugar bem tranquilo nos fins de semana, para conversar um pouco com ela e, após o café com cuscuz, ler um pouco. Além dos seus setenta anos, mas curiosa como uma criança de cinco, logo perguntou do que se tratava aquele livro. Capa dourada e com um espelho no lugar do rosto de um homem, era mesmo de chamar a atenção. Respondi que era um livro da área de psicologia, com o intuito de mostrar características específicas que algumas pessoas possuem e que podem ser prejudiciais a elas e àqueles que a cercam.  Ela sorriu, disse que tinha um livro assim também. Levantou da cadeira, adentrou seu quarto, ouvi o barulho do guarda-roupa sendo aberto, revirou, fechou e surgiu sorridente com seu “guia”. Em suas mãos estava o Horóscopo 2016. Folheando, disse que aquele livro já tinha “avisado” ela sobre muitas pessoas e, com o adicional, ajudava a escolher os melhores dias para comprar, vender ou viajar. Sem graça, respondi que não era a mesma coisa, que o meu livro era baseado em pesquisas e o dela em superstição. Com a sabedoria da idade, não se ofendeu, mas me desafiou, pediu para ler alguma coisa que parecesse interessante e científico para ela. Sem pensar muito, abri no capítulo que falava dos obsessivos-compulsivos, como são apegados a regras, com tendências a inflexibilidade e comportamento rígido e teimoso. Do nada, ela falou alto: VIRGEM! Fiquei sem entender… vendo minha cara de tonto, ela esclareceu que aquelas características eram “sem tirar e nem por” de virginianos, signo considerado muito organizado, beirando a chatice. “Veja o caso do seu tio João, só vive para trabalhar e ir à igreja. E junto tem que ir a família.” Fiquei refletindo, tio João realmente tinha traços de personalidade obsessivo-compulsivo. Bufei. Não satisfeito pulei para outro capítulo. Narcisistas – conhecidos por sua busca por atenção, o que pode, às vezes, levar a arrogância e insolência. LEÃO! Bradou inesperadamente. “Lembra do teu primo Leandro, aquele metido, só porque fez medicina acha que é melhor que os outros.” Suspirei, as lembranças que tinha do primo não me deixavam negar, ele era um tremendo narcisista. Não querendo mais jogar com o acaso, apelei ao índice, decidido a escolher a psicopatia mais moderna e estranha que tivesse ali, nada que levasse a personalidades que minha vó poderia conhecer com sua experiência. “Ouve esse, vó. Bordeline”. Nome estrangeiro, pronúncia difícil. Citei as características: não se ajusta as normas sociais, incapacidade de planejar o futuro, descaso com a própria segurança e… ÁRIES! Disse animada, como se estivesse em um bingo. “Lembra daquele teu amigo, Zezinho? Era sábado e domingo bebendo, sempre com uma namoradinha diferente. Falava que ia ganhar muito dinheiro com um novo negócio, mas só sabia gastar o dinheiro do pai.” Fiquei olhando para o rosto da minha vó, satisfeito na sua sabedoria, e tinha que concordar – José era um borderline nato. Deixei o meu livro sobre a mesa e, humildemente, pedi que ela me emprestasse o dela. Esperta, passou o seu tesouro para mim e complementou “O melhor é que todo ano sai uma edição atualizada.”

2

A pequena crônica acima serve para reflexão sobre o livro da psiquiatra Katia Mecler, Psicopatas do Cotidiano (Ed. Leya, 2015) que procura caracterizar, com uma linguagem acessível, transtornos de personalidades normatizados pela Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5). Assim temos dez transtornos – esquizóide, esquizotípico, paranóide, antissocial, borderline, histriônico, narcisista, dependente, evitativo e obsessivo-compulsivo. – divididos em três grupos distintos – os “excêntrico-esquisitos”, os “dramáticos-emocionais-volúveis” e os “ansiosos-temerosos”.

Classificar é uma característica da espécie humana. Fazemos isso com tudo que permeia nosso ambiente, de plantas, pedras a nuvens. Nomear traz segurança, passamos a entender os “sinais” que determinado ambiente emite para que o ser humano melhor usufrua dele, em miúdos, criamos uma sensação de controle. E é assim também com a nossa espécie. O primeiro a fazer tal tentativa foi Hipócrates, na Grécia Antiga, que caracterizava o homem em quatro tipos: sanguíneo, fleumático, colérico e melancólico. Já no século XXI, há várias formas de classificação e estas dependerão da proposta a que é direcionada, seja para descobrir talentos, líderes ou transtornos.

Transtornos de personalidade, segundo Mecler (2015, p. 55), são perturbações mentais, caracterizadas por uma alteração no desenvolvimento da personalidade, decorrente de falhas na estruturação do caráter. Para a autora, a personalidade seria a junção de duas características:

(…) a interação entre dois componentes: o temperamento e o caráter. O temperamento é herdado geneticamente e regulado biologicamente. Já o caráter está ligado à relação do temperamento com tudo o que vivenciamos e aprendemos na relação com o mundo (MECLER, 2015, p. 24).

Assim, se a personalidade é o que define o homem, qual o parâmetro utilizado para identificar os transtornos sem buscar uma massificação ou eliminação do que distinguiria uma pessoa de outra? Simples, a própria sociedade. A autora, no decorrer do livro, demonstra que cada transtorno tem sua época para classificá-lo de maneira positiva ou negativa – vide a cultura narcisista atual em comparação com os evitativos do século XIX. Ou seja, podemos nos achar únicos, mas a realidade é que nos adequamos socialmente. A máxima “nasceu na época errada”, tem seu fundo de verdade

6

Outro fator preponderante para levar a identificação, classificação e tratamento de tais psicopatias é a necessidade do mercado em manter uma população apta para produção e consumo, como esclarece Miguel Chalub no prefácio do livro:

Na Idade Média eram considerados no máximo como marginais (à margem da sociedade): vagabundos, prostitutas, bandoleiros, mendigos e outros, mas não “doentes”. Agora, no entanto, era preciso que entrassem na ordem de produção. O capitalismo, em especial o industrial, não tolera aqueles que não produzem (2015, apud MECLER, p. 12).

Com esse pensamento, transformamos, teoricamente, grupos de marginalizados em potenciais consumidores (usuários de remédios e práticas terapêuticas) e, também, produtores (enquanto medicados, aceitos socialmente). Imagina internar, no antigo modelo psiquiátrico, todos aqueles diagnosticados com transtorno de personalidade antissocial ou narcisista?! Esvaziaríamos o Congresso Nacional e o Facebook.

Mecler, durante todo o livro, faz ressalvas aos leitores quanto aos julgamentos que possam ser tomados ao passar os olhos por cada transtorno.

Quando o excesso de rigidez e a repetição de aspectos comportamentais, a partir da adolescência, assumem um padrão negativo, que causa prejuízos diversos nas relações interpessoais, podemos ter o indicativo de um traço patológico de personalidade (MECLER, 2015, p. 247).

Como o ditado popular avisa que de médico e louco, todos temos um pouco, a advertência é clara para não termos leigos (possivelmente com traços encontrados no livro) diagnosticando parentes, amigos e colegas de trabalho. Até porque a própria Associação Americana de Psiquiatria tem suas ressalvas

Tanto o DSM-5 quanto a CID-10 não consideram uma condição médica (as psicopatias). Apesar de muito debate, a hipótese mais aceita hoje é de que se trata de um transtorno grave de personalidade antissocial (Idem, 2015, p. 58).

Com ressalvas até para os profissionais da área, é necessário atenção e cuidado com o conteúdo do livro – ótima introdução para futuros psicólogos e psiquiatras – e visto como conteúdo para conversas com os amigos ou para aqueles que, após um diagnostico correto, queira conhecer mais sobre o transtorno que alguém ou o próprio esteja passando. Até porque será mais tolerável alguém lhe apontar o dedo e dizer, “típico de um leonino” do que um apocalíptico “procura um tratamento, você está com traços narcisistas”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A crítica, talvez insustentável na sua forma, mas não ao seu conteúdo, está para a praticidade do título, sutileza publicitária de um livro de receitas (Psicopatas do cotidiano: como reconhecer, como conviver, como se proteger). Trata-se de um exagero ou uma simples brincadeira, porque quando o leitor olha para a capa, se depara com a própria face a encará-lo.

FICHA TÉCNICA DO LIVRO

100
PSICOPATAS DO COTIDIANO : COMO RECONHECER, COMO CONVIVER, COMO SE PROTEGER

Autor: Katia Mecler
Editora: Leya
Ano: 2015

Lista de figuras:

Figura 1-http://www.updateordie.com/wp-content/uploads/2015/07/1Toilet-Paper-Roll-Masks-by-Junior-Fritz-Jacquet-990×7391.jpg

Figura 2-http://2.bp.blogspot.com/-tHHh4x3RBsI/U-1wgcbwuGI/AAAAAAAAADo/B1OKM8yhrlY/s1600/faces.jpg

Figura 3-https://ominutodosaber.files.wordpress.com/2011/08/varias-faces.jpg

Figura 4-http://necesitodetodos.org/wp-content/uploads/2013/02/mascaras-personalidad-enga%C3%B1o.jpg

Figura 5-http://www.leblogdefanaworld.fr/wp-content/uploads/2013/09/i-robot-wallpaper.jpg

Figura 6-http://f.i.uol.com.br/livraria/capas/images/15238233.jpeg

Compartilhe este conteúdo:

Para Sempre Alice: Alzheimer e a arte de perder

Compartilhe este conteúdo:

Indicado ao Oscar de Melhor Atriz: Julianne Moore

Vencedor do Globo de Ouro de Melhor Atriz – Filme Categoria Drama (Julianne Moore)

“Meus ontens estão desaparecendo e meus amanhãs são incertos. Então, para que eu vivo? Vivo para cada dia. Vivo o presente… Esquecerei o hoje, mas isso não significa que o hoje não tem importância.”  Para Sempre Alice, Lisa Genova

O filme é baseado no livro homônimo da neurocientista e escritora Lisa Genova e tem como personagem principal Alice (Julianne Moore), uma mulher de 50 anos, bonita, bem sucedida na carreira (como professora de Linguística na Universidade de Columbia) e na vida pessoal (três filhos crescidos, um marido atencioso), convidada constantemente para eventos científicos para apresentação das ideias defendidas em seu livro “De Neurônios a Pronomes”. No universo de Alice, o entendimento das palavras e de como elas ganham sentido e significado em nosso cérebro compõe a base de toda a sua trajetória como pesquisadora. Assim, ao começar esquecê-las, mesmo que aparentemente em forma de simples lapsos de memória, a sua vida, antes tão direcionada e objetiva, começa a ser encoberta por um estranho e crescente borrão, tirando-lhe não apenas a coerência, mas a forma.

 

A doença de Alzheimer (DA) é clinicamente dividida em dois subgrupos de acordo com seu o tempo de início. Dado antes dos 65 anos (DA de início precoce), se caracteriza por um declínio rápido das funções cognitivas. Esses casos são mais raros, correspondendo a 10% do total, e observa-se um acometimento familiar em sucessivas gerações diretamente relacionado a um padrão de transmissão autossômico dominante ligado aos cromossomos 1, 14 e 21 (SENI, 1996; ENGELHARDT et al., 1998 apud TRUZZI & LAKS, 2005).

 

Alice foi fazer os exames temendo deparar-se como uma doença como o Câncer, então, depois de algumas consultas e acompanhada pelo marido (a pedido do seu médico), recebe o diagnóstico devastador: tinha Alzheimer e, como estava no subgrupo de portadores da doença “antes dos 65 anos”, teve que dolorosamente concluir que suas funções cognitivas seriam afetadas rapidamente. Além disso, havia, também, uma grande possibilidade de seus filhos virem a ter os mesmos sintomas no futuro, pois nessas situações a doença é transmitida geneticamente.

Ironicamente, a inteligência de Alice e sua vida dedicada à produção de conhecimento contribuíram para atrasar o diagnóstico, já que ela foi capaz de pregar peças em seu cérebro e encontrar artifícios para mascarar sua doença, sustentando a efetividade dos processos mentais por mais tempo. Assim, quando o problema veio à tona, a estabilização tornou-se menos efetiva e a deterioração cognitiva mais rápida.

 

“Eu sempre fui muito guiada pelo meu intelecto, pelo meu modo de falar, pela minha articulação. E agora vejo as palavras na minha frente e não consigo me expressar. Não sei quem sou, não sei o que mais vou esquecer.” (Alice)

O devastador entendimento de que aquilo que a define é o que lhe será bruscamente tirado marca o início da complexa jornada de Alice. O rápido progresso da doença e suas consequências para a família é retratada de forma sensível e direta. Vimos como alguns tentam se esquivar de responsabilidades, como outros tentam manter a esperança em uma possível cura e há aqueles (como Lydia, sua filha mais nova, interpretada por Kristen Stewart) que escolhem permanecer por perto e aceitar que ainda há uma Alice, mesmo que as lembranças de quem ela fora não reflitam a pessoa que ela é.

 

“Sou uma pessoa vivendo no estágio inicial de Alzheimer. E, assim sendo, estou aprendendo a arte de perder todos os dias.” (Alice)

 

O que há de mais especial no filme é a interpretação de Julianne Moore, pois através das suas expressões, especialmente do seu olhar, e o tom da sua voz, vimos Alice pouco a pouco desaparecendo ou, quem sabe, abrigando-se em algum universo ainda não explorado de sua mente. Com ela, iniciamos o processo de esquecimento, a estranha arte de perder, vimos suas tentativas de manter as palavras na memória a partir do uso de jogos em seu smartphone, de suportar entender a brevidade da vida ao lembrar-se das histórias que ouvia de sua mãe:

“Quando eu era bem nova, na segunda série, minha professora falou que borboletas não vivem muito, algo em torno de um mês, e fiquei tão chateada. Fui para casa e contei para a mamãe. E ela disse: ‘É verdade. Mas elas têm uma linda vida’. E isso me faz pensar na vida da minha mãe, na da minha irmã. E, de certa forma, na minha vida.” (Alice)

E tudo isso é, por vezes, devastador porque a coloca frente a frente com o estágio mais latente da fragilidade humana: a inevitável constatação de que somos breves, frágeis e vivemos cercados por medo. Há um constante desamparo em Alice, ou melhor, em todos nós, mesmo que nossas habilidades cognitivas tentem criar mecanismos para nos manter firmes em meio a um universo em movimento, sem delimitações claras, talvez um universo indiferente (como diria Carl Sagan).

Abaixo, na íntegra, o discurso de Alice em sua última palestra. Um fato interessante é que ela havia escrito um texto extremamente científico sobre o Alzheimer, mas sua filha a orientou a dizer algo sobre o que, de fato, sentia e não uma mera descrição de sintomas, assim ela o fez:

“A poetisa Elisabeth Bishop escreveu: ‘A arte de perder não é nenhum mistério; tantas coisas contêm em si o acidente de perdê-las, que perder não é nada sério’. Eu não sou uma poetisa. Sou uma pessoa vivendo no estágio inicial de Alzheimer. E assim sendo, estou aprendendo a arte de perder todos os dias. Perdendo meus modos, perdendo objetos, perdendo sono e, acima de tudo, perdendo memórias.

Toda a minha vida eu acumulei lembranças. Elas se tornaram meus bens mais preciosos. A noite que conheci meu marido, a primeira vez que segurei meu livro em minhas mãos, ter filhos, fazer amigos, viajar pelo mundo. Tudo que acumulei na vida, tudo que trabalhei tanto para conquistar, agora tudo isso está sendo levado embora. Como podem imaginar, ou como vocês sabem, isso é o inferno. Mas fica pior.

Quem nos leva a sério quando estamos tão diferentes do que éramos? Nosso comportamento estranho e fala confusa mudam a percepção que os outros têm de nós e a nossa percepção de nós mesmos. Tornamo-nos ridículos. Incapazes. Cômicos. Mas isso não é quem nós somos. Isso é a nossa doença. E como qualquer doença, tem uma causa, uma progressão, e pode ter uma cura. Meu maior desejo é que meus filhos, nossos filhos, a próxima geração não tenha que enfrentar o que estou enfrentando. Mas, por enquanto, ainda estou viva. Eu sei que estou viva. Tenho pessoas que amo profundamente, tenho coisas que quero fazer com a minha vida. Eu fui dura comigo mesma por não ser capaz de lembrar das coisas. Mas ainda tenho momentos de pura felicidade. E, por favor, não pensem que estou sofrendo. Não estou sofrendo. Estou lutando. Lutando para fazer parte das coisas, para continuar conectada com quem eu fui um dia. 

‘Então, viva o momento’, é o que digo para mim mesma. É tudo que posso fazer. Viver o momento. E me culpar tanto por dominar a arte de perder. Uma coisa que vou tentar guardar é a memória de falar aqui hoje. Irá embora, sei que irá. Talvez possa desaparecer amanhã. Mas significa muito estar falando aqui hoje. Como meu antigo eu, ambicioso, que era tão fascinado em comunicação. Obrigada por essa oportunidade. Significa muito para mim.”  Alice

 

Lydia: O que eu acabei de ler, você gostou?
Alice: O quê?
Lydia: Sobre o que era?
Alice: Amor. Sobre amar.
Lydia: Isso mesmo, mãe. Era sobre o amor.

Em “Para sempre Alice”, vimos como uma pessoa, em um dado contexto, reage à sua própria deterioração, como ela avalia cada fase desse processo (quando ainda tem condições para isso) e observamos as decisões que ela é capaz de tomar quando o futuro é, de fato, totalmente incerto ou certo de uma forma muito ruim. Em algumas das decisões de Alice podemos fazer um paralelo com o filme Amour, em que a morte passa a ser uma possibilidade menos angustiante do que imaginar uma vida na qual você não se reconheça.

Alice aprendeu a ser autossuficiente desde muito cedo, afinal sua mãe e irmã morreram quando ela era bem jovem, e seu pai era um alcóolatra. O pensar a fazia existir. Daí quando sua mente se torna um labirinto e as palavras deixam de formar discursos ou, até mesmo, meras sentenças, quando não há como resgatar lembranças da memória, pois nela esse conceito estava caótico ou totalmente perdido, fica aquela sensação estranha que, talvez, a Alice tenha deixado de existir. Porém, o filme também é sobre esperança, por isso que, ao final, quando vimos uma Alice quase sem voz, balbuciando com dificuldade algumas palavras, mas entendendo (ainda que parcialmente) o significado de um texto recitado por sua filha, tem-se um vislumbre de alguém que ela foi e isso, naquele momento, é tudo.

 

TRUZZI, Annibal; LAKS, Jerson. Doença de Alzheimer esporádica de início precoce.Rev. psiquiatr. clín.,  São Paulo ,  v. 32, n. 1,   2005 .   Available from http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832005000100006&lng=en&nrm=iso. access on  20  Jan.  2015.  http://dx.doi.org/10.1590/S0101-60832005000100006.

 

Mais filmes indicados ao OSCAR 2015: http://ulbra-to.br/encena/categorias/oscar-2015


FICHA TÉCNICA DO FILME

PARA SEMPRE ALICE

Título Original: Still Alice
Direção: Richard Glatzer, Wash Westmoreland
Roteiro: Lisa Genova (livro), Richard Glatzer, Wash Westmoreland
Elenco Principal: Julianne Moore, Kristen Stewart, Alec Baldwin, Kate Bosworth
Ano: 2014
Compartilhe este conteúdo:

Michel Foucault e a Loucura Normal

Compartilhe este conteúdo:

Michel Foucault vem de uma família tradicional de médicos cirurgiões, mas como criticava a psiquiatria e a psicanálise moderna, decidiu tomar outro rumo em sua vida, tornou-se filósofo pela Universidade de Sobornne e sua tese de doutorado foi a obra História da Loucura em 1961. Embora já tivesse publicado o livro Doença Mental e Psicologia, foi com sua tese que se tornou conhecido.

Foucault era um jovem curioso e angustiado por sua existência, e isso fez com que tentasse suicídio por diversas vezes. Em 1951, quando assumiu aulas de psicologia na Escola Normal Superior na França, teve uma grande experiência no hospital psiquiátrico Saint-Anna, onde ficou internado por tentativa de suicídio. O autor escreve diversas obras em que julga as instituições como forma de dominação burguesa, pois elas estabelecem padrões para a dominação do comportamento humano.

Ele morre vítima da AIDS em 1984, deixando inacabado o terceiro volume de sua obra: “História da Sexualidade”, obra que o autor coloca o prazer sexual como forma de dominação.

Segundo Michel Foucault, em sua obra História da Loucura (2006), o louco era qualquer indivíduo da sociedade, alguns com uma loucura em um grau a mais que o outro, alguns sendo nomeados loucos pelo meio social em que viviam. A loucura para Foucault se torna algo natural, algo que nasce com o ser humano, e as instituições (estado, igreja, família e escola) são quem nomeia um mais louco que o outro, ou até que ponto sua loucura é considera normal.

Durante a Idade Média, poderiam ser considerados loucos aqueles que sorrissem fora da Igreja ou sem motivo católico, pois acreditava-se que Jesus era o único que poderia dar alegria aos indivíduos; eram loucos aqueles que dissessem a verdade; aquelas mulheres que por um deslize olhassem para outro homem que não fosse o seu marido; eram loucos aqueles que fugiam de casa por não concordar com as regras impostas por sua família e quisessem ganhar a vida de outra maneira; eram loucos aqueles que fugiam dos padrões impostos pelas instituição Estado/Igreja, que durante a Idade Média ainda eram uma só. Assim, ser louco está dentro de cada um, mas alguns com graus de normalidade e outros não.

A seguir, mostro-lhes um trecho da obra, onde resumidamente Foucault nos mostra o que é ser louco: “Os homens são tão necessariamente loucos que não ser louco significaria ser louco de um outro tipo de loucura.” (FOUCAULT; 2006, p. 36).

Aqui podemos perceber o quão natural Foucault considera a loucura, pois considera a loucura um fenômeno existente em qualquer ser humano e a sociedade em geral é que irá nominar as representações de loucura.

Podemos ainda, fazer uma análise histórica da representação da loucura em seus diferentes contextos, considerando o que é normal e anormal no decorrer da história. Era normal na Idade Antiga, por exemplo, ver a devoção dos indivíduos com seus supostos deuses, suas aparições ou a sua possível demonstração de que existe. Durante esse período, as pessoas consideravam fenômenos físicos e naturais como forma dos deuses provarem sua existência.

Esse comportamento seria considerado nos dias de hoje, como um tipo de loucura. Mas, analisando o contexto histórico da época, não podemos julgar as pessoas loucas, pois ainda não tinham a concepção do que é normal ou anormal. Fazendo um paralelo com esse fato, vemos hoje em algumas sociedades africanas, que são consideradas “anormais”, aqueles sujeitos que se dizem nunca ter sido possuído por demônio, e normais aquele que acreditam terem sido possuído por um demônio pelo menos uma vez na vida.

Percebemos nesse exemplo que a concepção de normal ou anormal muda em cada sociedade, pois, se esse fato africano ocorresse no Brasil, as pessoas logo considerariam loucos aqueles que acreditam ser possuídos por demônios, já que na sociedade brasileira, essas manifestações são consideradas anormais.

Já na Idade Média podemos ver o pensamento social referente à representação da loucura mudar de rumo. Pessoas que dissessem que tinham visões ou que professassem algum tipo de acontecimento eram julgadas como loucas, pois o Papa era a figura maior e ninguém poderia saber mais que ele. Como foi o caso da Inquisição Católica, em que queimaram as mulheres consideradas bruxas por praticarem outro tipo de profecia a não ser a católica. Ou seja, podemos fazer a relação em que aqueles que não seguissem as profecias católicas e dissessem ter visões que não fossem relevantes para a Igreja Católica, seriam considerados como loucos ou como bruxas e, assim, consequentemente seriam retirados do meio social em que viviam.

Vemos ainda na obra de Michel Foucault, no período da Idade Média, a loucura como algo criminalizado, banalizado e vulgarizado. Os considerados “normais” temiam aos loucos, não sabiam cientificamente o que acontecia com eles, então davam explicações religiosas, colocando-os a margem da sociedade, ou até mesmo, como o autor cita no primeiro capítulo de seu livro, dizendo que os loucos, sem família, deixados à margem da sociedade, eram colocados em navios e jogados no meio do oceano, vistos que estes não teriam contribuição nenhuma para a sociedade, a não ser a vergonha de encontrá-los nas ruas necessitando de ajuda e cuidados. Um ato desumano para nossa época, mas que para eles, era o correto a se fazer, já que a Igreja tinha o poder centralizado e era ela quem ditava as regras.

Após esse fato, criam-se instituições de caridade com o mesmo objetivo, fazer uma higienização social, ou seja, pegar todas as pessoas em situação de rua e colocá-las nestes abrigos, estas sendo loucos ou não, criminosos, hereges ou não. Estes indivíduos eram colocados nesse abrigo e tratados da mesma maneira.

Posteriormente, há uma divisão do doente e não doente, sendo classificados como loucos e como criminosos. O direito e a psiquiatria começam a trabalhar juntos, com o objetivo de caracterizá-los como tal e tentar tornar o sistema mais humanista, dividindo estes abrigos em alas de criminosos e insanos. Causou-se assim mais uma exclusão, tornando estes sujeitos – novamente – alvo de discriminação social.

No pensamento moderno, com o surgimento dos princípios capitalistas, industriais e modernos o conceito de loucura foi se cientificizando e começando a tornar-se uma patologia. Philippe Pinel que era médico atuante e apaixonado pela psiquiatria e ao ver a forma de tratamento das pessoas com transtornos mentais, um tratamento que era a base da discriminação e da dor, ficou descontente com a situação e passou a considerar essas pessoas como seres doentes e, assim, dizia que elas deveriam ser tratadas como doentes, e não a base de violência como à Igreja católica previa.

Ao analisar a história da loucura podemos perceber que o conceito de loucura se torna uma metamorfose, que se modifica dependendo do contexto social e histórico que está inserido. E esse conceito irá implicar nas formas de tratamento que as pessoas com transtorno mental teriam. Vemos na obra do Foucault, os loucos na Idade Clássica sendo tratados de forma degradante, sendo vítimas de torturas físicas e psicológicas. A Igreja católica previa que as pessoas com transtornos mentais eram também portadoras de grandes pecados e que quanto mais eles sofressem, mais fácil seria de alcançarem a salvação após a morte.

Estes eram princípios católicos fortes na época, o que a Igreja considerava certo pelo contexto histórico em que estes fatos estavam inseridos. Seria um grave anacronismo julgar essa forma de tratamento como errada, pois até mesmo os tratamentos dos dias atuais podem ser considerados incorretos futuramente, ainda não se sabe a etiologia dos transtornos mentais. Logo, também não saberemos a maneira correta de tratar essas pessoas.

Durante da Idade Média, não havia divisão de Estado e Igreja, ambos eram uma só instituição. Sendo assim, a Igreja obtinha o poder centralizado, sendo capaz de controlar a forma de vida, comportamento e pensamento das pessoas. Portando, loucura também estava relacionada ao confronto das ideias impostas pelo poder religioso, ou seja, aqueles que não obedecessem a doutrina católica eram considerados loucos e consequentemente jogados a margem da sociedade.

Essa ideia ocorre ainda hoje, mas com as instituições de poder (escola, Igreja, estado e família), que padronizam o comportamento humano, ou seja, aqueles que não forem a escola, não terem um trabalho, não terem uma religião ou não constituírem uma família, serão denominados loucos, por enfrentarem o padrão imposto e quererem viver como quiser.

Compartilhe este conteúdo: