A família como instituição de controle e disparador do comportamento suicida

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O suicídio pode ser conceituado como uma morte resultante de um ato voluntário da vítima para si. Emile Durkheim faz desse fenômeno seu objeto de estudo em sua renomada obra “O Suicídio” (2000), livro que serve de base para esse ensaio acadêmico, e chega a conclusão de que, apesar de aparentar ser um ato privado, as causas do suicídio podem ser encontradas em fatores sociais.

Ao estudar as relações entre indivíduo e sociedade, Durkheim percebe que deve existir certo equilíbrio nas relações entre ambos. Quando os limites são atendidos, ou seja, quando o indivíduo possui um nível de integração com os seus grupos, essa relação se torna benéfica a ele, servindo até como um potencial controlador do comportamento suicida. Mas quando seus níveis de integração social saem do eixo, se tornando muito altos ou muito baixos, essa relação leva para o aumento de taxas de suicídios.

Para ele, toda sociedade oferece em seus elementos constituintes um contingente de suicídios que não age isoladamente, mas sobre grupos sociais. Porém, aquilo que oferece imunidade aos indivíduos, também pode servir de disparador do comportamento suicida, isso dependerá das relações indivíduo-sociedade e dos diferentes contextos sociais nos quais essas mortes voluntárias emergem.

Fonte: encurtador.com.br/dguQ0

Observando que a instituição familiar é uma das maiores e mais importantes constituintes da estrutura social, e levando em consideração a alta imunidade dos casados em relação ao suicídio em comparação aos solteiros, esse ensaio acadêmico propõe um enfoque na família e seus níveis de influência sobre o indivíduo enquanto desempenha o papel de instituição de controle do comportamento suicida, e também considerando as situações na qual ela faz o caminho inverso, sendo produtora do fenômeno.

Faz parte do senso comum a ideia de que pessoas casadas vivem uma vida mais difícil que as pessoas solteiras, pois um grande número de responsabilidades e privações que acompanham o casamento e a vida familiar atinge somente os primeiros e não os segundos. Seguindo essa lógica, a vida conjugal e familiar deveria favorecer a disposição do indivíduo.

No entanto, Durkheim desfaz esse ponto de vista em sua obra O Suicídio, através de uma detalhada comparação entre as taxas de suicídios de pessoas solteiras e casadas. Por meio dos dados expostos, torna-se claro que os casados não só se matam menos que os solteiros como obtém uma grande vantagem em relação a estes, ou seja, o matrimônio diminui consideravelmente o perigo de suicídio. E é esse curioso dado que irá direcionar o seguinte ensaio acadêmico. Além de discutir as causas dessa imunidade obtida pelos indivíduos casados, queremos saber em que situações ela também se faz perder dentro da vida conjugal e familiar.

Uma observação mais profunda da conjugalidade nos leva a perceber que existem dois diferentes elementos que compõem o meio doméstico: o cônjuge e os filhos. Conforme Durkheim (2000, p. 224-225): “Uma deriva de um contrato e de afinidades eletivas, a outra de um fenômeno natural, a consaguinidade”. Vendo que ambas têm diferentes naturezas, pode-se afirmar que elas também podem produzir diferentes efeitos e, por esta razão, Durkheim separa dois grupos: os casais com filhos e os casais sem filhos. Esse ato foi realizado justamente para medir a influência do casamento sobre o suicídio e descobrir de onde surge a imunidade observada no primeiro dado apresentado: se a pequena disposição ao suicídio é resultado apenas da relação conjugal, ou se ela está ligada a algum outro fator que a vida doméstica traz consigo.

Fonte: encurtador.com.br/jsuBG

Antes de expor as informações obtidas com a análise, é necessário explicar o significado da expressão coeficiente de preservação que irá aparecer com frequência no decorrer desse ensaio. Trata-se de um termo que indica quantas vezes um determinado grupo se mata menos que outro. Ou seja, quanto maior for o número do coeficiente, maior é a vantagem do grupo, pois seu número de suicídios em relação ao outro é muito menor.

A análise confirmou que o coeficiente de preservação dos homens casados sem filhos era maior do que os solteiros da mesma idade, porém o coeficiente chegava a dobrar quando se tratava dos homens casados com filhos. Outra informação importante obtida é a de que os homens viúvos com filhos apresentam uma imunidade maior ao suicídio que os homens casados sem filhos. É claro que a tendência ao suicídio aumenta após a morte do cônjuge, pois, independente da intensidade, instala-se uma crise no sujeito. Mas quando a morte do cônjuge não tem fortes repercussões nesses números, como notou na pesquisa, é correto afirmar que o matrimônio em si, apesar de ter uma influência positiva sobre os homens casados, não é quem contém a tendência ao suicídio.

Mas é no sexo feminino que a pouca eficácia do casamento se torna evidente quando não há a presença dos filhos. Na França, as mulheres casadas sem filhos se matam mais que a metade das mulheres solteiras de mesma idade. A mulher é, na maioria das culturas, desprivilegiada no casamento e o matrimônio pode até agravar sua tendência ao suicídio, mas é um fato que será discutido posteriormente. O que nos interessa agora é que os casamentos com presença de filhos amenizam esse mau efeito do casamento para as mulheres.

Fonte: encurtador.com.br/dfk37

Percebe-se então que a imunidade dos indivíduos casados em relação aos solteiros se deve não à sociedade conjugal e sim à sociedade familiar, pois a presença de filhos no casamento aumenta o coeficiente de preservação consideravelmente. No entanto, vale lembrar que o matrimônio também tem sua influência sobre a imunidade dos indivíduos casados, porém ela é muito restrita ao sexo, mostrando-se mais influente no sexo masculino, já que as mulheres sofrem um agravamento nas taxas de suicídio quando não têm filhos.

Os cônjuges detêm desse privilégio não por desempenharem o papel de marido e mulher, e sim de pais e mães. Por isso a morte de um cônjuge aumenta a tendência do outro ao suicídio, pois a ausência de um resulta numa crise no meio familiar que se torna difícil adaptação. Ou seja, a sociedade doméstica é um potente preservativo contra o suicídio. E essa preservação é mais completa quanto mais densa é a família, e quando se fala de densidade não se refere somente ao grande número de filhos, mas também da participação regular deles na vida familiar. Esse fato contradiz completamente com o que foi dito inicialmente, pois a propensão ao suicídio diminui à medida que estes encargos na vida doméstica aumentam.

Uma família fortemente integrada possui uma energia particular difícil de dissipar, pois todas as consciências individuais que compõem a família experimentam os sentimentos coletivos, sentimentos esses que repercutem um sobre os outros. É por essa razão que a intensidade dessa energia torna-se mais forte quando número de consciências que estão compartilhando e reforçando os sentimentos, lembranças, experiências, tradições dentro desse grupo.

Fonte: encurtador.com.br/rzKRW

Essa imunidade relacionada a uma forte integração que compreende a sociedade doméstica não é exclusiva dela, mas também compreende outros grupos sociais como a religião e a política. O indivíduo fortemente integrado, seja na família ou em outras esferas, está menos propenso ao suicídio, pois uma sociedade fortemente integrada mantém os indivíduos sob sua dependência. Ou seja, quando o indivíduo está engajado e a serviço de tais grupos sociais, o “eu” pessoal não está acima do “eu” coletivo, portanto não colocam os seus fins acima dos fins comuns. É isso o que justifica a pequena tendência dos casados com filhos ao suicídio. A sociedade familiar tem poder sobre o indivíduo e não os permite dispor de seus interesses privados, pois a morte interrompe os deverem que esse indivíduo tem com ela.

Numa sociedade coerente e viva, há entre todos e cada um entre cada um e entre cada um e todos uma troca contínua de ideias e de sentimentos e como que uma assistência moral mútua, que faz com que o indivíduo, em vez de ficar reduzido as suas próprias forças, participe da energia coletiva e nela venha recompor a sua quando esta chega ao fim (DURKHEIM, 2000, p. 259).

Para que a vida seja suportável, o indivíduo precisa se ligar a algo, ele deve possuir alguma razão que lhe prenda a vida e veja valor nela. O homem não é capaz de viver por si só, pois a essência da vida é muito frustrante. O ser humano é limitado no espaço e tempo e não importa todos os nossos esforços em vida, no fim nada irá nos restar. Portanto, se não tivermos um objetivo fora de nós, resta ao homem somente si mesmo, o que não é suficiente para camuflar toda essa angústia e o apavoro que dessa inevitável anulação, e assim, o homem fica sem forças para agir.

Existem funções que só interessam ao indivíduo: as funções orgânicas; e as realizando, o homem se torna capaz de bastar a si mesmo. É o que ocorre durante a infância e velhice. Mas ao entrar na vida adulta e na civilização que a compõe, uma infinidade de necessidades que não dizem respeito a manutenção da vida física o inundam. Essas necessidades, sentimentos e ideias implantadas em nós (religião, moral, ética, política, etc), foram criadas pela própria sociedade e são a ela que se referem. Ou melhor, Durkheim diz que “são a própria sociedade encarnada e individualizada em cada um de nós” (2000, p. 263). E é por isso que para termos apego a vida, é necessário termos apego à sociedade.

Fonte: encurtador.com.br/bfkr3

À medida que os grupos sociais se desintegram ou perdem força sobre o indivíduo, ele se vê inclinado ao suicídio, pois o homem é físico e social. Quando o segundo se enfraquece, tudo o que há de social em nós também se perde. Se a única vida que o homem coletivo conhece se perdeu, e a única fundada no real (orgânica) não responde mais as nossas expectativas, o homem não encontra mais razões para viver. O tipo de suicídio que resulta dessa desintegração, onde o eu individual é preponderante ao eu social, é chamado de suicídio egoísta, justamente porque há uma individualização desmedida onde o sujeito não se vê mais dependente do social e estando dependente apenas de si mesmo, as regras de conduta que valem para ele são apenas aquelas que o interessam.

É parte da nossa constituição moral, dentro da sociedade na qual estamos inseridos, um objetivo que nos ultrapasse e determine o valor da existência. A família é uma das principais instituições que realizam esse papel com êxito, tornando-se uma instituição de controle do comportamento suicida. No entanto, em algumas situações, ela pode se tornar a disparadora desse comportamento.

Nos casamentos precoces (dos 15 aos 20 anos) há um enorme agravamento no coeficiente de preservação do número de suicídio, principalmente nos homens que, na França, chegam a se matar 473% que as mulheres. O número de suicídios começa a cair após os 20 anos, onde tanto os homens quanto as mulheres se beneficiam de um coeficiente de preservação, que cresce até os 40 anos, com relação aos solteiros. Pode-se perceber que o matrimônio serve como um disparador do comportamento suicida quando ele ocorre muito cedo, sendo muito mais prejudicial aos homens do que as mulheres.

Em outros casos, ou melhor, na maioria deles, a mulher é o sexo prejudicado no casamento. Ao comparar a participação de cada sexo nos suicídios das dois estados civis (solteiros e casados), percebeu-se que a imunidade entre os sexos é desigual: as mulheres casadas se matam mais na categoria de suicídio dos casados do que as mulheres solteiras na categoria de suicídios de solteiros. Isso não significa que a mulher casada está mais exposta ao suicídio que a solteira, e sim que a mulher se beneficia muito menos com o casamento do que o homem. Também como já foi apontado nessa discussão, a sociedade conjugal é prejudicial para a mulher quando há a ausência de filhos enquanto o homem, mesmo sem filhos, possui um coeficiente de preservação considerável. Ou seja, a vida familiar é a responsável pela minimização dos efeitos do matrimônio para a mulher.

Fonte: encurtador.com.br/dpzCD

Quando se fala em divórcios, sabe-se que os indivíduos não só se matam consideravelmente mais do que os casados, como também mais que os viúvos. Trata-se de um dado curioso, pois geralmente o divórcio é algo desejado. Ao analisar esses números, Durkheim percebe que o coeficiente de preservação das mulheres casadas aumentam à medida que os divórcios são mais frequentes. Já nas sociedades em que o divórcio é pouco praticado, as mulheres tendem a ser menos preservadas que o seu marido. O inverso acontece com o homem, ele é menos preservado à medida que o número de divórcios crescem.

Essas novas informações se relacionam com a já exposta: o casamento é benéfico ao homem, tão benéfico que quando ele o perde, sua propensão ao suicídio aumenta; enquanto a situação da mulher melhora à medida que o suicídio é praticado. Assim, entende-se que, o sexo masculino é o responsável por essa alta taxa de suicídio dos divorciados. Essa não é uma verdade absoluta em todas as sociedades, mas é uma realidade que se repete em muitas delas. Esses efeitos tão opostos do casamento sobre o sexo se dá porque seus interesses dentro desse regime são antagônicos.

A sociedade moderna é marcada por uma desorganização; há um estado de falta de objetivos e regras que se faz perder a identidade. Esse fenômeno é entendido por anomia. Para controlar os efeitos negativos da anomia na sociedade, instituiu-se diversas medidas que pudessem amenizá-las e conter os indivíduos, pois a ausência de limites gera uma perseguição interminável que nunca será satisfeita, consequentemente levando ao caos e muitas vezes ao suicídio. O casamento, principalmente o monogâmico, é uma das instituições que possuem essa função. Ele regula a vida passional do indivíduo, obrigando-o a se ligar a uma única pessoa e fechar seu horizonte. E como diz Durkheim (2000, p. 346), é disso que o homem tira vantagem:

É essa determinação que constitui o estado de equilíbrio moral de que o homem casado se beneficia. Por não poder, sem faltar seu dever, buscar outras satisfações além das que lhe são assim permitidas, ele limita a elas seus desejos. A disciplina salutar à qual é submetido faz com que deva encontrar felicidade em sua condição e, por isso mesmo, fornece-lhe os meios para isso.

O homem por culturalmente possuir uma liberdade maior, precisa ser regulado, pois definindo os seus prazeres, o homem irá garanti-los estabelecendo o equilíbrio mental que ele necessita. O que não acontece na vida do homem solteiro, onde a anomia assume um caráter sexual. Por não ter um regime que o regule, a vida de solteiro é repleta de frustrações porque, por não ter limites, o homem quer tudo e por isso, nada o satisfaz. “Quando não somos detidos por nada, não podemos deter a nós mesmos” (2000, p. 346).

Fonte: encurtador.com.br/iIOSZ

E da mesma maneira que o homem não se dá definitivamente a ninguém, nada a ele pertence também, condenando-o a um futuro instável e incerto. Disso resulta um estado de perturbação e insatisfação que aumenta as probabilidades de suicídio. E é isso o que ocorre no divórcio. A regulamentação estabelecida no casamento se enfraquece e os limites que eram colocados aos seus desejos já não são tão rígidos, podendo facilmente se deslocarem. A estabilidade e tranquilidade que o homem casado experenciava dá espaço para uma inquietude por não conseguir se ater ao que tem.

Contudo, enquanto o homem possui uma intensa liberdade que deve ser contida para o seu próprio bem, a mulher precisa de liberdade. A mulher sempre esteve presa a moldes sociais que até hoje influenciam muito na nossa cultura, mesmo que aos poucos sejam quebrados pelo movimento feminista. As necessidades sexuais da mulher têm um caráter menos mental em comparação aos homens, pois não se permitia que isso se desenvolvesse nelas. Portanto, a mulher não precisa de um meio de regulamentação como o casamento, pois ela já o faz há muitos séculos por imposições sociais.

Não só a mulher sofre com essa limitação de horizontes trazida pelo matrimônio, o homem também se vê numa condição complicada. Mas enquanto o segundo ainda é capaz de obter privilégios com o rigor desse regime, a primeira só sai perdendo. Além do casamento não ser útil para conter seus desejos que já são naturalmente limitados pela sociedade machista, o casamento tira dela a esperança de um futuro diferente e que realmente almeja, pois historicamente as mulheres sempre estiveram mais inclinadas ao casamento, como uma obrigação. Por essa razão o matrimônio é muitas vezes intolerável para a mulher, pois é um encargo muito pesado e sem vantagem; e assim, qualquer coisa, como a presença de filhos, vem a suavizar essa desvantagem que explica sua propensão maior a suicídio quando a única coisa que ela tem é o casamento.

Fonte: encurtador.com.br/opE08

Em determinado momento da vida, o homem também é afetado da mesma maneira que a mulher pelo casamento, mesmo que por outras razões. Isso ocorre com os homens jovens, e é por isso que o número de suicídio de homens casados entre 15 a 20 anos é tão alto como dito anteriormente. Eles não são capazes de se submeter aos limites impostos pelo casamento, pois suas paixões são muito intensas e ele não as consegue controlar. Os efeitos positivos do casamento só se vem sentir mais tarde, quando a idade tranquiliza o homem e a disciplina passa a se fazer necessária. Mas mesmo com esse contraponto, é ao homem que a instituição do casamento favorece, pois ele que necessita de coerção, tem o que precisa; e ela que precisa de liberdade, se vê mais presa.

A liberdade à qual o homem renunciou só podia ser para ele uma fonte de tormentos. A mulher não tinha as mesmas razões para abandoná-la e, sob esse aspecto, podemos dizer que, submetendo-se à mesma regra, foi ela que fez o sacrifício (DURKHEIM, 2000, p. 353).

De modo geral, é assim que o matrimônio pode se tornar um disparador do comportamento suicida para a mulher, enquanto serve como uma instituição de controle para o homem. Por essa razão, o divórcio a protege a mulher do suicídio que recorre mais facilmente a ele, enquanto inclina homens à morte voluntária.

Considerações Finais

A imunidade que os indivíduos casados desfrutam em relação aos solteiros se deve, em sua maior parte, não ao matrimônio e sim à vida doméstica que surge dela. Os coeficientes de preservação aumentam consideravelmente quando há a presença de filhos no casamento e a imunidade se torna maior quanto mais densa for a família. Uma família fortemente integrada, onde as consciências individuais que a compõem estão reforçando seus laços, serve como uma instituição de controle do comportamento suicida. E quanto mais membros ativos existirem na vida doméstica para alimentar essa energia particular, mais benéfica essa instituição se torna. Quando há um elevado, mas ainda estável, nível de comprometimento dentro do seio familiar, eliminar a própria vida não se torna uma opção porque o “eu” social é mais forte que o “eu” individual, tamanha é a importância que a família tem para esse sujeito.

Entretanto, o suicídio varia inversamente a integração desse ser dentro nos grupos. Assim, quando a instituição familiar se desintegra e/ou perde sua força, o indivíduo se isola da vida social e os fins sociais não possuem mais importância que os fins próprios. Desta maneira, essa estrutura pode agir como disparador do comportamento suicida. Por si só, o casamento tem seus benefícios, contudo, ele só atende a um dos sexos, sendo o sexo masculino o beneficiado na maioria das vezes. É correto afirmar que o ser humano precisa de algo que o regule em todas as esferas, e no âmbito afetivo quem faz esse papel é o casamento.

O homem precisa do matrimônio, pois enquanto solteiro, seus desejos são ilimitados e insaciáveis e assim, as normas regem a sociedade não correspondem os seus objetivos de vida. Uma vez que o indivíduo não se identifica com essas normas sociais, o suicídio passa a ser uma alternativa. Por isso, ao limitar seus horizontes, o homem passa a ter apenas um objeto de desejo, e ao limitar a esse objeto seus desejos e ele proporciona a si meios de satisfazê-los. Por essa razão o casamento, ao fazer essa regulação social, serve como um dispositivo de controle.

Fonte: encurtador.com.br/bdFHL

Enquanto isso, o casamento atua como um disparador do comportamento suicida às mulheres. Ao contrário dos homens, por toda a história, a elas foi imposto que deveriam regular seus desejos, e assim elas os fazem naturalmente, sem a necessidade de uma instituição com esse papel. Por isso, quando elas se casam, a liberdade da qual elas necessitavam e da qual os homens sempre desfrutaram, se perde. Se vendo ainda mais presa e sem esperanças de um futuro que atenda suas necessidades, a mulher se torna mais propensa ao suicídio.

Diante dessas informações, podemos pintar um cenário desvantajoso para as famílias contemporâneas quando falamos sobre suicídio. À medida que os anos passam, o número de filhos por casal diminuem, filhos esses que saem da casa dos pais com muito mais facilidade; pais superocupados com uma rotina repleta de afazeres e obrigações e que, por consequência, não dão a devida atenção para o cenário familiar e filhos desamparados dentro de seus próprios lares. Tudo é mais “eu” e menos “nós”. Todos esses fatores que moldam a família pós-moderna, favorecem a sua desintegração e a fraqueza dos laços internos que, como pudemos ver nesse ensaio, favorece a propensão ao suicídio.

Já para as mulheres, o cenário é vantajoso. A grande força que o movimento feminista ganhou nas últimas décadas garantiu às mulheres um espaço muito maior do que elas detinham e uma liberdade até então nunca experienciada. Tendo em vista que é isso o que a mulher necessita, talvez a sua perspectiva do casamento se altere com o passar dos anos, e a realidade apresentada aqui mude.

REFERÊNCIAS:

DURKHEIM, Émile. O Suicídio: Estudo de sociologia. São Paulo: Martins Fontes Editora Ltda., 2000. 513 p. Tradução de: Monica Stahel.

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Suicídio: a linha tênue que separa a vida da morte

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“O silêncio em torno do assunto alimenta a passividade, quando o momento deveria ser de ação. “ (André Trigueiro)

Com o passar dos anos a sociedade foi se tornando cada vez mais vazia e solitária, onde a educação dada às crianças e jovens enfatiza ao máximo o individualismo e a importância de conseguir alcançar um futuro de “sucesso”; como consequência disto, esses acabar por se tornar adultos frustrados, confusos e solitários. Um evento que pode se tornar exemplo, seria o ato de andar em uma rua de São Paulo com milhares de pessoas e, ainda assim sentir solidão, o que pode vir acarretar em doenças psicológicas e nos piores casos, o suicídio.

Essa solidão citada, muitas vezes é “abafada” pelas relações virtuais, onde a vida real passa a ser qualificada mediante a qualidade da vida virtual. Vida esta, que é bem limitada e depende da aprovação de determinados padrões estabelecidos. Refém desses padrões, a vida real pode perder o sentido. Este fato, poderia fazer o indivíduo em um determinado momento, perder também a vontade de viver e decidir por tirar a própria vida? Esse é um questionamento que não é aceito nessas mídias sociais, ao invés disso, o suicídio é um tabu e falar a respeito não é considerado um assunto plausível.

Fonte: encurtador.com.br/isLS4

O livro ‘’Amor & Sobrevivência’’, de Ornish (1998), aponta que é através da construção moral de cada grupo social, que se pode chegar aos fatos que levam a cometer o suicídio, mesmo que este seja algo individual, os índices mudam de acordo com o grupo social e diferentes períodos de tempo, concluindo que o principal fator que afeta o índice é o nível de integração social dos grupos, determinando maior ou menor probabilidade de uma pessoa cometer suicídio.

Uma das maiores problemáticas relacionadas ao suicídio, é que o mesmo ainda é tratado como um tabu, quando deveria ser discutido e priorizado. Nesses últimos meses o jogo da Baleia Azul – onde o adolescente é induzido ao suicídio – se tornou assunto foco nas redes sociais, no entanto enquanto uma minoria se preocupava em discutir de forma séria o assunto, por outro lado, este foi alvo de diversas piadas e “deboches”, por parte da maioria dos internautas. Em contrapartida, a série ‘’13 reasons why’’, demonstra alguns descuidos que a sociedade tem, tratando-se dessa temática. Diante disso, a série conseguiu levantar certa polêmica a respeito do suicídio, ganhando maior interesse dos jovens, porém tão logo foi deixada de lado pela mídia, sendo substituída pela casualidade de diversos outros assuntos, considerados mais “interessantes” pela mesma.

Fonte: encurtador.com.br/pty03

Até que ponto trazer isso na mídia de forma superficial ou manter o silêncio, pode ser prejudicial para os jovens e familiares que enfrentam de frente, problemas com potenciais suicidas? De acordo com André Trigueiro (2015) o silêncio em torno do assunto – um abominável tabu – só agrava a situação. A própria Organização Mundial de Saúde vem defendendo a comunicação aberta e responsável como medida eficaz de prevenção. É sabido que a informação cumpre uma função estratégica na prevenção dos mais variados tipos de males e doenças. E isso também vale para o suicídio.

Ainda segundo André Trigueiro (2015, p. 11) são muitos caminhos que levam ao suicídio. Tragicamente, a sociedade ignora a gravidade da situação e a urgência de algumas medidas que poderiam atenuar esse problema, considerado de saúde pública no Brasil e no mundo.

Os mais vulneráveis a tentar tirar a própria vida são os jovens adolescentes, por estarem passando por um processo de transformação e autoconhecimento, que na maioria dos casos, não acontece de uma forma confortável. Requer-se um maior cuidado quando o assunto é a adolescência, em que o jovem lida com muitas situações estressantes e desafiadoras como: ficar de frente com problemas de autoafirmação; a necessidade de se inserir no mercado de trabalho, que a cada vez mais aumenta a concorrência, com essas novas tecnologias e modelos de negócios; drogas; problemas mentais, que são muitas vezes negligenciados pelas famílias; escolas que priorizam a memorização e repetição dos conteúdos como forma de aprendizado – sem dar a devida importância a inovação e criatividade de seus alunos – entre muitos outros.

Ainda em se tratando de jovens, outro fator que deve ser levado em consideração é que a mídia além de tratar de forma superficial a respeito do suicídio, pode ainda ser motivo/causa que leva muitos jovens a cometê-lo. Inseridos nesse novo meio de comunicação virtual, são constantemente influenciados, deixando-se enganar pela quantidade de seguidores que possuem, desvalorizando relacionamentos e amizades no mundo real. Compartilham constantemente imagens, mensagens e fotos, em troca da aprovação da sociedade virtual, mesmo que essa aprovação seja oposta ao que o próprio jovem acredita ser melhor para ele ou não. Em um determinado momento, a consequência disso, é a perda do sentido, das relações, da verdade, do self, da sua vida real. Então quando o indivíduo se encontra “cheio de curtidas” e vazio de tudo, entra em conflito.

Fonte: encurtador.com.br/rAFN2

Há também os casos em que a mídia esmaga a pessoa, por não se encaixar dentro de seus próprios padrões de aprovação e, o jovem ao perceber ou acompanhar a “vida perfeita” de muitas pessoas, passa a duvidar do sentido de sua própria vida. O indivíduo se vê vazio de curtidas e vazio de tudo. Para eles, a vida real só tem qualidade, se obtiver aprovação da sociedade virtual. Gerando também conflito. Não se sabe até que ponto essa resolução pode prejudicar o crescimento físico e emocional de um jovem. Quantas gerações estarão sendo formadas cada vez mais isoladas? Como isso vai afetar a vida desses jovens quando forem adultos? Até que ponto esse contexto gera ou intensifica crises existenciais? Qual a proporção da influência disso no autoextermínio de crianças e jovens?

Trigueiro (2015, p.63) diz que “nós nos sentimos infelizes, solitários, ou culpados por não nos percebermos plenamente integrados ao ‘bônus’ da modernidade. Quando isso acontece, é comum perguntarmos: sou eu que preciso de ajuda ou o mundo se tornou mesmo um lugar estranho, sem graça? ” Diante desse levantamento, pode-se perceber o poder que a mídia possui e, o quanto poderia ser útil de forma positiva, tratando-se do suicídio.

Para Trigueiro (2015, p. 41,42):

O suicídio é um tabu, um assunto invisível, ausente sobre o qual preferimos não falar. Nem os números oficiais parecem ter forma suficiente para modificar esse quadro. Apesar da gravidade da situação e dos incalculáveis transtornos causados pelo elevado número de casos, o suicídio está fora do radar dos governos e da sociedade. Não é sequer lembrado como questão relevante na área da saúde pública pelas mídias. Sem informação, a sociedade não o reconhece como um problema, não mobiliza esforços e nem consagra tempo e energia para tentar reduzi-lo. É preciso quebrar esse círculo vicioso. Não será possível reverter as estatísticas de suicídio no Brasil e no mundo sem informação. Na área da saúde, prevenção se faz com informação. O que vale para a dengue, aids, hanseníase, câncer de mama, hipertensão, tabagismo, doenças cardiovasculares, e tantas outras morbidades vale também para o suicídio. Não é fácil quebrar esse estigma e há muito trabalho pela frente para tentar romper a muralha do silêncio.

Falando diretamente do Brasil, ele aparece abaixo da média de suicídio, porém, a situação ainda precisa dos devidos cuidados. Segundo André Trigueiro (2015, p. 27):

 O relatório revela que, considerando apenas os dados oficiais do Ministério da Saúde, entre 2000 e 2012, a taxa de crescimento dos suicídios em todo o país (33,6%) é superior a do crescimento da população no mesmo período (11,1%) e ultrapassa também o aumento dos homicídios (2,1%) e dos mortos em acidentes de trânsito (24,5%). São números preocupantes, e em alguns estados brasileiros os números se assemelham aos países que ocupam o primeiro lugar no ranking mundial. Apesar de todos esses números, o suicídio ainda está fora da discussão nos governos, da sociedade, e na mídia pouco se fala, e quando o tema é abordado, é de uma forma superficial, preconceituoso, irrelevante e dogmático, sem a devida informação a população acaba por não reconhecer como um problema, e nem procura formas de preveni-lo, a mesma atenção e esforço que se dá quando se fala de aids, drogas, câncer de mama, deve ser dado na mesma proporção quando se coloca em pauta o suicídio, e o silêncio em torno do assunto só aumenta a probabilidade desses casos ocorrerem. 

A mídia precisa perceber sua influência e a importância de sua responsabilidade sobre o suicídio, muitas vezes a forma como o aborda, nas poucas vezes em que o faz, pode atingir de forma negativa pessoas em estado de vulnerabilidade.

Fonte: encurtador.com.br/oMNR4

Ainda segundo Trigueiro (2015, p.42, 43):

Os estudiosos dizem que há uma maneira certa de falar sobre suicídio. Construiu-se ao longo do tempo a certeza – e há farto material de pesquisa sobre isso – de qualquer abordagem menos cuidadosa do assunto na literatura, no cinema, no jornalismo ou em qualquer outro meio de comunicação (e até mesmo nas relações interpessoais), poderá precipitar a ocorrência de novos casos em pessoas vulneráveis que estejam passando por um momento psíquica, emocional ou existencialmente.

Trigueiro (2015) afirma que os precedentes viriam de longe. No campo da literatura, a descrição do suicídio dos personagens principais de Romeu e Julieta (1597) – de William Shakespeare – teria desencadeado situações semelhantes. Na história moderna, a notícia da morte de Marilyn Monroe, reportada na época como suicídio – apesar de nunca ter sido comprovado – poderia ter causado o aumento da taxa de autoextermínio em 12% no mês de agosto de 1962, com 303 casos acima da média histórica para o período, nos USA. “Dá-se a esse fenômeno o nome de mimetismo, ou ‘efeito Werther’, processo que serve de inspiração para a repetição do ato, que atinge principalmente adolescentes e jovens” (TRIGUEIRO, 2015, p.43).

Durkheim (2000, p.143) diz que se, com efeito, a imitação é, como se disse, uma fonte original e particularmente fecunda de fenômenos sociais, é principalmente quanto ao suicídio que ela deve dar provas de seu poder, pois não há outro fato sobre o qual ela tenha maior domínio.

Fonte: encurtador.com.br/rxI03

Contudo, é evidente que a forma com que a mídia se coloca diante do suicídio, influencia na sua probabilidade e proporção de ocorrência. Trigueiro (2015, p.44) afirma que na maioria absoluta dos veículos de comunicação, prevalece o entendimento de que as notícias sobre suicídio podem precipitar a ocorrência de novos casos. Na prática é como se não houvesse suicídios no Brasil e no mundo. De todos os casos de saúde pública no Brasil, o suicídio é certamente aquele que menos espaço ocupa nas mídias (televisão, rádio, jornal, revista, sites, redes sociais etc.). Em nome da prudência elimina-se o assunto do noticiário. Será essa a melhor estratégia? Para os suicidologistas, a resposta é definitivamente ‘não’.

Segundo os suicidologistas, não se trata de censurar o suicídio nas artes, mídia ou jornalismo, pelo contrário, é muito necessário abordar o assunto, porém com ética, esclarecimento, cuidado e responsabilidade. Propiciando debates e reflexões a respeito. Trigueiro (2015, p. 46) defende que “noticiar acerca do suicídio de uma forma apropriada, cuidadosa e potencialmente útil pelas mídias esclarecidas, poderá prevenir trágicas perdas de vida por suicídio”. Falar a respeito do suicídio pode salvar vidas. Percebe-se que em todo caso, a linha tênue que separa a vida da morte, pode ter a mesma medida da barreira que separa o suicídio e o silêncio que se faz a respeito.

 

REFERÊNCIAS:

DURKHEIM, Émile, 2000. O Suicídio. 1º edição.  Martins Fontes Editora Ltda, 2000.

TRIGUEIRO, André, 2015. Viver é a melhor opção. 2º edição. Editora Espírita Correio Fraterno, 2015.

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Suicídio para além de um problema de saúde pública

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No século XIX, Durkheim (1897) apresentava dados e argumentos relevantes e surpreendentes, para a época, em seu livro “O Suicídio” que ainda hoje são referenciais no estudo deste fenômeno. Considerado o pai da sociologia, Emile Durkheim aponta o suicídio como um fenômeno multifatorial, mas que sofre grande influência dos aspectos sociais. Ao levantar os índices de suicídio ocorridos em sua época, o referido sociólogo francês observou padrões que se alternavam ao longo do tempo.

Ele notou a influência das mudanças de períodos de tempo determinados por fatores de ordem social sobre os dados apreendidos. Logo, o autor aponta o nível de integração grupal como variante fundamental sobre o ato  suicidar, ainda que este comportamento se apresente tão individual, Durkheim ressalta seu caráter social, bem como a influência das relações interpessoais sobre a ideia ou atitude de tirar a própria vida.

Sempre atual e silenciado o máximo possível como tentativa de repressão e não estímulo a sua ideação, o suicídio tem se tornado assunto recorrente entre as massas a partir das mídias sociais, e produções artísticas e informativas como livros, filmes e seriados. E, mesmo tendo passado pela prova dos séculos, a obra de Durkheim não só é lembrada, como também confirmada por diversas pesquisas realizadas recentemente sobre o tema. A exemplo das obras “Amor & Sobrevivência” de Dean Ornish, M.D. e “Viver é a melhor opção” de André Trigueiro.

Fonte: https://goo.gl/4iaKhS

Ao enfatizar em sua obra os aspectos preventivos ao suicídio apontando estratégia de valorização da vida, Trigueiro (2015), a partir de Durkheim (1897), anteriormente citado, aponta o caráter multidimensional do fenômeno, não deixando de apontar a importância das relações sociais sobre as diferentes reações dos indivíduos em contextos de estresse e abalos emocionais. O autor faz menção ao histórico familiar e à religiosidade, considerando os aspectos de transcendência, fé, esperança e perseverança, independente da crença ou cultura, sobre o enfrentamento de situações adversas. Aponta-se então, maior probabilidade de valorização à vida entre as pessoas que creem em alguma forma de divindade e/ou que contam com uma rede de apoio como amigos e familiares do que entre aqueles que são céticos ou solitários.

Bases científicas para o poder curativo da intimidade são apresentados por Dean Ornish (1999) através da menção de diversos estudos realizados em diferentes locais que confirmam a influência positiva das relações afetivas sobre a saúde integrada e o bem estar dos indivíduos. Em muitas das pesquisas relatadas, o grupo que contava com apoio emocional, social e familiar, psicoterapia e/ou bons relacionamentos com os pais e companheiros amorosos apresentavam melhores condições de saúde física e mental, em detrimento do grupo de comparação, ainda que compartilhassem dos mesmos comportamentos de risco à saúde, e em alguns casos o grupo que apresentava comportamentos de risco, mas tinha rede de apoio obteve melhores resultados que o grupo de hábitos saudáveis, mas não contava com rede apoio.

Dean Ornish (1999) trata em sua obra não somente do poder preventivo, como também do poder curativo da intimidade. Ao referir-se à intimidade ele indica as relações de confiança entre as pessoas, seja de natureza “romântica”, de amizade ou ainda os bons relacionamentos de parentalidade. Estas relações apontam os aspectos de saúde, qualidade de vida e bem estar, inclusive na luta contra males extremos como o câncer, patologias cardíacas e a depressão. Logo, infere-se a grande influência dos vínculos, da afetividade e da interação social frente à saúde integrada e à valorização da vida.

Fonte: https://goo.gl/XuEjzg

Existem algumas regularidades observadas no perfil dos suicidas, como mostra algumas pesquisas realizadas por Durkheim. De acordo com o que suas pesquisas apontam, o contexto social dos indivíduos em questão está relacionado com o os fatores motivadores do suicídio. Por exemplo; Mulheres sem filhos, soldados, homens solteiros, adolescentes sem pais, considerando sempre o oposto para a comparação, observou-se que os padrões das relações interpessoais mais comuns a estes grupos, podem contribuir para o surgimento de transtornos psicológicos, os quais normalmente não recebem a devida atenção, consequentemente se agravando com o passar dos anos, o que pode levar tais indivíduos a um comprometimento de sua saúde física com o surgimento de outros agravos, como, doenças cardíacas, ulcera e entre elas a depressão grave.

O Jornalista André trigueiro, em seu livro Viver é a melhor opção, relata o fato de que a humanidade atingiu um nível de desenvolvimento tecnológico inédito, o que proporcionou à humanidade inúmeras melhorias na medicina, comunicação, entretenimento, conforto e etc. Porém estas melhorias não foram capazes de diminuir os casos de suicídio em proporção a outros períodos da história, pelo contrário. A Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta, em várias publicações, que o número de suicídios tem aumentado nas últimas décadas. Nos últimos 40 anos, as ocorrências de suicídio aumentaram significativamente em todos os países, envolvendo todas as faixas etárias e, também, vários contextos socioeconômicos.  Pode-se dizer que o suicídio está entre as dez principais causas de morte. A OMS registra suicídios a partir dos cinco anos de idade e isso é altamente impactante, já que pensar que uma criança de cinco anos de idade, que está em processo de desenvolvimento cognitivo e emocional possa decidir buscar uma alternativa para o seu sofrimento, tirando a própria vida. Assim, é preciso dar atenção especial a esse problema. Nesses casos os perfis de pessoas que com maiores frequências cometem o suicídio são bem característicos, o que é preciso de fato estudar a fundo o individuo e o meio social em que vive.

A suiciodologia é a área da ciência que se propõe a estudar o fenômeno do suicídio. Trata-se de um estudo que utiliza o conhecimento de diversas áreas da ciência, como a psicologia, psiquiatria, sociologia, antropologia, história, entre outras, pois considera impossível compreender os motivos que levam um individuo a atentar contra a própria vida, considerando apenas superficialmente as circunstâncias em que o ato foi cometido. Exemplo; é comum atribuir os motivos que levaram um indivíduo a se suicidar a aspectos superficiais de sua vida pessoal, como o término de um relacionamento, problemas financeiros ou sexuais, entre outros. No entanto, o contexto pessoal do indivíduo é muito mais complexo do que aparenta ser. O investigador desse contexto é denominado, suicidólogo, que por meios de uma analise aprofundada da vida pessoal do individuo, desde sua historia a relações familiares, consegue identificar alguns fatores que motivaram o ato.

Fonte: https://goo.gl/kZxLFz

Emile Durkheim ainda em seu livro “Suicídio” menciona alguns perfis de suicídios relacionados com distúrbios mentais, como por exemplo; O suicídio maníaco, em que o indivíduo se mata para se livrar de possíveis perigos imaginários acarretados por seu estado psicológico extremamente volátil, em que altera o rapidamente o estado de consciência, podendo ser desencadeadas por motivos banais. O suicídio melancólico ao contrário do maníaco possui ideias suicidas recorrentes. É relacionado ao quadro depressivo do indivíduo, que não consegue enxergar motivos para continuar vivendo e considera constantemente a possibilidade de tirar a própria vida. Segundo Durkheim esses tipos de suicídios são Vesânicos, porém existem inúmeros perfis de suicidas que não se incluem nos grupos descritos acima.

Através de dados estatísticos, Durkheim analisou as taxas de suicídios em um período de tempo, tais informações foram cruzadas com variáveis como idade, sexo, religião e estado civil. Após analisar esses dados ele definiu o suicídio em três tipos; o Suicídio Egoísta (há uma individualização desmesurada, onde o individuo se coloca a cima do social, fazendo com que as relações sociais não seja um motivo, fazendo com que o individuo não veja mais sentido pela a vida), Altruísta (é aquele no qual o indivíduo sente-se no dever de fazê-lo para se desembaraçar de uma vida insuportável. É aquele em que o ego não o pertence, confunde-se com outra coisa que se situa fora de si mesmo) e o Anônimo (Quando ocorre um caos, ou que a realidade social saia dos padrões, podemos citar uma crise econômica. Esse tipo de suicídio ocorre em países mais desenvolvidos socioeconomicamente).

Durkheim fora então o primeiro Sociólogo a dialogar/pesquisar causas do suicídio, e explicar detalhadamente cada perfil, concluindo que em síntese a decisão de se matar, está relacionada ao contexto social do individuo, o que amplia a dimensão deste assunto para além da esfera da Saúde Pública.

 

Nota: Texto elaborado como parte das atividades da disciplina de Antropologia do curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra, sob supervisão do prof. Sonielson Sousa.

REFERÊNCIAS:

MENDES, André Trigueiro. Viver é a melhor opção. 3. ed. São Bernardo do Campo, SP: Correio Fraterno, 2017. 190 p., il.

ORNISH, Dean. Amor & sobrevivência: a base científica para o poder curativo da intimidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. 263 p., il.

DURKHEIM, Émile. O suicídio: estudo de sociologia. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 513 p., il.

 

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O suicídio como consequência de uma sociedade imediatista

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A contemporaneidade está marcada pelo imediatismo e fluidez em sua organização (BAUMAN, 2001). O ser humano não pode parar, não pode adoecer, não pode deixar de produzir e mais que isso, precisa produzir com rapidez, muitas vezes deixando de respeitar o próprio corpo, indo para além do seu limite. O sistema vigente influencia significativamente para essa produção alienante e adoecedora, porque quanto mais se trabalha, mais aquisições o indivíduo conseguirá ter: celular, carro, televisão, imóveis, roupas de marca e afins.

Ao dispor tempo e energia numa sociedade que valoriza o “ter” mais que o “ser”, o sujeito se vê isolado numa trajetória em que os relacionamentos são cada vez mais descartáveis e menos duradouros. A solidão assombra o território social, trazendo consigo um vento sorrateiro de suicídios cada vez mais intensos, que segundo Durkheim (1958-1917) seria a expressão individual de um fenômeno coletivo, sustentado por um conjunto de fatores sociais.

Numa sociedade que exalta obsessivamente um determinado padrão (jovem, belo, alegre, saudável e forte), o aparecimento das rugas e cabelos brancos pode abalar a autoestima” (TRIGUEIRO 2015, p. 79). Esse fenômeno conhecido como idadismo que é a desvalorização do velho em nossas sociedades atuais, como explica a doutora em sociologia Giselda Castro (apud TRIGUEIRO 2015), contribui para o isolamento e desvalorização do indivíduo à medida que este vai ficando idoso.

A solidão é dolorosa”, este termo, utilizado por Dean Ornish (1999) em seu livro Amor & Sobrevivência: a base científica para o poder curativo da intimidade levanta hipótese sobre se o amor teria poderes curativos e revitalizadores a ponto de empoderar o sujeito a rejeitar pensamentos suicidas. Segundo o mesmo autor, o amor, este  apoio social, os sentimentos que perpassam nas relações, a intimidade, os cuidados de uns para com os outros, influenciam significativamente a saúde e a felicidade do sujeito. “É menor o risco de adoecer e, se adoecer, é maior a chance de sobreviver.” (p.32).

FLUIDEZ

A sociedade contemporânea está fundamentada na cultura do imediato, cujas relações sociais são voláteis, marcadas por mudanças efêmeras em que nada é feito para durar. Dessa forma, a pós-modernidade concebe cada vez mais sujeitos fragmentados, imersos na  própria busca de um prazer supremo e individual, em  que pouco se percebe a figura do outro.

É a fluidez que permeiam os relacionamentos onde cada um assume a forma conforme o contexto inserido, sem a rigidez de regras de conduta ou de relacionamento. É característica marcante da sociedade contemporânea. É a era da digitalização da tecnologia em que é possível aproximar quem está longe, mas que distancia quem está perto. Bauman (2001) cunhou o nome desse conjunto de características sociais de modernidade líquida em que a dimensão do tempo é fragmentada e o resultado é, que não há tempo para estreitar os relacionamentos. Estes por sua vez, perderam a qualidade e a solidez, pois, a impressão de sempre estar à espera de algo melhor faz com que se abra mão dos relacionamentos, quase que na mesma velocidade dos produtos descartáveis e industrializados tão presente na vida atual.

Dificilmente se conserta algo, é muito mais vantajoso adquirir um mais novo e mais moderno. À medida que algo vai sendo superado por um modelo mais avançado, vai sendo encostado e isolado. Deixado para trás. O apego passa a ser pelas “coisas” enquanto que as pessoas são valorizadas conforme suas posses e posições sociais. O afeto é mecânico. A solidão se instaura.

Fonte: https://goo.gl/zbZuzc

Nesse cenário observa-se um indivíduo disposto a aderir às obrigações que lhes são impostas, sujeitando-se ao desgaste físico e psicológico para fazer parte da sociedade atual, com qualidade mínima ou nenhuma de sua saúde mental. Mesmo havendo novas formas, tipos e situações de trabalho, muitas delas são pautadas em modelos antigos de serviço, sem a valorização e conscientização adequada para este empregado. Dessa forma “os novos problemas de saúde do trabalhador devem-se a velhas razões”. (GIBERT, CURY, 2009 apud SATO, 2002)

Essa falta de percepção torna-se um mecanismo de manutenção dos sentimentos de desamparo e isolamento. Visto que, o sujeito por não ser notado pelos demais perde a crença de que é amado, compreendido e respeitado. Aos poucos, ele tende a perder o sentido de pertencimento, de fazer parte de uma comunidade. Sem esta noção de apoio social, o sentimento de solidão aumenta as chances de suicídio.

De acordo com o sociólogo Émile Durkheim (2000, p.14), o suicídio é “todo o caso de morte que resulta, direta ou indiretamente, de um ato, positivo ou negativo, executado pela própria vítima, e que ela sabia que deveria produzir esse resultado”. Nessa perspectiva, deve-se levar em consideração tanto questões sociais quanto psicológicas (próprias da subjetividade de cada um) porque segundo Camon (1997) a sociedade influencia significativamente os pensamentos intentos suicidas, já que engloba as relações interpessoais, mercado de trabalho, competitividade, visto que mesmo sendo um ato individual, “com sua morte o suicida não nos diz somente que já não suportava mais. Também fala de nós (sociedade). Demonstra, por um lado, que não pode continuar nos tolerando.” 

Esse sujeito adoecido, fragilizado e não valorizado tende a apresentar a saúde mental vulnerável, assim sendo, muitas doenças físicas e psíquicas tornam-se mais propensas a emergir nesse ínterim. Os trabalhadores não conseguem mais ter forças e condições para trabalharem com qualidade e precisam se isolar dessa rotina alienante e desgastante. Consequentemente, quando não há busca por ajuda, transtornos como Distúrbio Depressivo Maior, Psicose Maníaco-Depressiva, acabam sendo fatores de riscos notáveis para o comportamento de ideação suicida. (OMS, 2006) “A depressão, ou o “mal do século”, atinge mais de 350 milhões de pessoas em todo o mundo” (TRIGUEIRO, 2015), levando algumas vezes as ideações ou intentos suicidas, e em outras vezes, a concretização fatídica do ato.

Sendo assim, o suicídio passa a ser a saída que muitos encontram para “resolverem” seus problemas, acabarem com seus sofrimentos. O suicídio surge então como uma ruptura social, ou seja, “no suicídio mesmo sendo um ato individual, há a presença da sociedade a que pertence” (DURKHEIM, 2000 apud CARDIM, s/d). Ao apresentar três grupos de potenciais suicidas, Durkheim coloca o suicida egoísta, caracterizado pelo isolamento, solidão, sem laços sólidos social; o suicida altruísta, aquele que é extremamente ligado à sociedade e o suicida anômico que diz respeito àqueles que não sabem aceitar os limites morais que a sociedade impõe e tem dificuldade de cumprir normas. Perante essas categorias de pessoas fica registrado que desde o século XIX, época em que viveu Durkheim, que a solidão, a falta de amigos, família ou demais laços sociais pode ser o gatilho do próprio fim.

Fonte: https://goo.gl/K3AcZH

Nesse sentido, relacionamentos íntimos duradouros pautados no amor, ou seja, apoio social, como diz Dean Ornish (1998) pode apresentar o poder curativo de muitos males, dentre eles, a vontade de morrer. Ele explica:

A percepção consciente é o primeiro passo da cura, tanto para indivíduos como para a sociedade. Às vezes o cérebro precisa ser satisfeito antes de o coração começar a abrir. Para muitos pesquisadores, “o amor” pode ser uma palavra sem importância e “um coração aberto” é o que acontece durante uma cirurgia de ponte de safena. Em vez disso, o cientistas usam outros termos como apoio social, intimidade, hostilidade, depressão, raiva, cinismo e assim por diante (…). Acredito que esses termos e perspectivas diferentes partilham de um sentimento partilham uma raiz comum: amor (…) Quando nos sentimos amados, bem cuidados, apoiados e íntimos, temos maior probabilidade de ser feliz e de ter saúde.É menor o risco de adoecer e, se adoecer, é maior a chance de sobreviver. (p. 38)

O isolamento social é portanto uma das consequências dessa rede social extremamente delicada e frágil. O indivíduo se sente só, sem sistemas de apoios para ajudá-lo, por conseguinte, apresenta níveis de informações prejudiciais para lidar com o seu sofrimento. Isso tudo fomenta ainda mais tal isolamento. “O isolamento social gera stress, que, por sua vez, traz comorbidades (como por exemplo a depressão, já citada anteriormente) que agravam ainda mais o quadro e podem levar este paciente à ideação suicida” (ALMEIDA et. al, 2014, p. 182, grifo nosso).

Em uma sociedade cuja base está na cultura do imediatismo, da liquidez dos relacionamentos bem como, a superioridade do “ter” em detrimento do “ser”, torna-se comum, a presença de  sujeitos que ao se depararem com a agitação, de um mundo cheio de adversidades vão sempre em busca de realizações e respostas instantâneas. Os indivíduos, muitas vezes, voltam seus olhares para si, e se esquece da convivência com o outro, pessoas que são únicas e singulares. Vivem mais as relações EU-ISSO e não procuram viver relações EU-TU (CAMON, 1997), o que acaba por auxiliar na instauração do isolamento social, que por sua vez, eleva as chances de suicídio.

Insta pontuar que o ato suicida diz respeito tanto às questões próprias do indivíduo, quanto as da sociedade em que ele está inserido. Por isso, é de suma importância que se dedique tempo as relações sociais, tornando-as sólidas e íntimas. Para que assim, as  pessoas possam se sentir amadas, apoiadas e compreendidas, contribuindo de forma preventiva e/ou de redução  das ideias suicidas.

Como exposto por Dean Ornish (1999): “A solidão é dolorosa”, por isso deve-se preservar relacionamentos, vínculos sociais e a intimidade. Assim como abordado no livro Amor & Sobrevivência foram realizadas pesquisas mostrando que o vínculo afetivo, apoio social, amor e a convivência são de grande relevância para o indivíduo, tendo até mesmo um poder curativo.

Assim, por meio de uma rede fortalecida, seria possível eliminar os altos índices de suicídio? Para os próximos saberes, sugere-se a implementação de mais estudos e pesquisas que incentivem o conhecimento a respeito dessa área, investigando, também, mais fatores que possam estar influenciando de forma crescente o suicídio. Vale ressaltar, a importância de promover mais reflexões sobre o assunto para que consigam alcançar um número maior da população que sofre dos males citados no decorrer deste trabalho, tudo isso visando a redução de danos e concomitantemente, o aumentando a prevenção as ideações.

REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, Anele Louise Silveira de, et. al. ISOLAMENTO SOCIAL E IDEAÇÃO SUICIDA EM PACIENTES COM TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO. Revista Cesumar: Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, Maringá (PR), Brasil. v. 19, n. 1, 2014.

ANGERAMI-CAMOM, Valdermar Augusto. Suicídio: Fragmentos de Psicoterapia Existencial. Pioneira, 1997.

BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Ed. Zahar, 2001.

DURKHEIM, Emile. O Suicídio: Estudos de Sociologia. São Paulo, Martins Fontes, 2000.

OMS. Organização Mundial de Saúde. PREVENÇÃO DO SUICÍDIO UM RECURSO PARA CONSELHEIROS. 2006.

ONISH, Dean. Amor & Sobrevivência: A base científica para o poder curativo da intimidade. Rocco, 1999.

PEREZ GIBERT, Maria Agnes  e  CURY, Vera Engler.Saúde mental e trabalho: Um estudo fenomenológico com psicólogos organizacionais. Bol. psicol [online]. 2009, vol.59, n.130, pp. 45-60. ISSN 0006-5943.

TRIGUEIRO, André M. Viver é a melhor Opção: A prevenção do suicídio no Brasil e no mundo. São  Bernardo do Campo, SP: Correio Fraterno (2ªed.), 2015.

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Afeto: potencial minimizador de suicídio

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Quando se quer entender as causas que levam a pessoa a cometer suicídio, é necessário analisar o estado emocional em que o indivíduo se encontrava antes de praticar tal ato. Ao analisar a pessoa, conseguimos identificar alguns aspectos que podem ter levado ao suicídio como: a solidão, a baixa autoestima e a não aceitação nos padrões da sociedade. A maioria desses aspectos é silencioso – nos quais serão abordados com mais ênfase ao longo do trabalho, juntamente com outros fatores que desencadeiam o suicídio. Quem está em volta só percebe quando tem um contato próximo com a vítima. O silêncio só ocorre no meio externo, internamente a pessoa está com pensamentos constantes e doentios, que muitas vezes levam a fazer o ato.

Segundo Émile Durkheim (1897, p. 360): “A tristeza não é inerente às coisas; ela não nos vem do mundo e pelo simples fato de o pensarmos. Ela é o produto de nosso próprio pensamento. Somos nós que a criamos integralmente, mas para isso é preciso que nosso pensamento seja anormal.” A solidão é um dos males que tem feito muitas pessoas desistirem de viver. A falta do afeto, dos amigos e da própria família leva muitos a tirarem suas vidas, para se livrarem do isolamento de alguma forma. Estas pessoas muitas vezes não estão só, elas podem estar rodeadas de amigos e parentes, entretanto, mesmo assim se sentem só e isoladas interiormente. Esse afastamento, sistematicamente nem notado, causa um estado de profunda tristeza, pois a pessoa só consegue enxergar seu estado de miséria. Durkheim explica esse estado de isolamento no seu livro O Suicídio (1897, p.358):

Quando, portanto, a consciência se individualiza além de um certo ponto, quando se separa muito radicalmente dos outros seres, homens ou coisas, ela já não se comunica com as próprias fontes em que normalmente deveriam se alimentar e não tem nada a mais que possa se aplicar. Produzindo o vazio em torno dela, produziu o vazio em si mesma e nada mais lhe resta sobre o que refletir a não ser sua própria miséria.

A solidão faz com que a pessoa viva um vazio intenso, além disso, ela ainda sofre com os padrões da sociedade, que muitas vezes são inalcançáveis, gerando nela uma baixa autoestima. Os indivíduos vivem fundamentados em diversos padrões, muitas vezes nem percebidos, a maioria da população não consegue seguir essas exigências, mas por causa da grande influência da mídia, a maioria acredita ser essencial buscar viver guiado por esses aspectos, nos quais as guiam de uma forma sutil. Essas exigências, que são muitas vezes não são alcançadas, provocam nas pessoas um sentimento de fracasso, gerando consequentemente uma baixa autoestima.

Fonte: http://zip.net/bntLwL

Como afirma Durkheim (1897, p. 322): “[…] Mas então suas próprias exigências tornam impossível satisfazê-las. As ambições superexcitadas vão sempre além dos resultados obtidos, sejam eles quais forem, pois elas não são advertidas de que não devem avançar mais. Nada as contenta, portanto, e toda essa agitação alimenta a si mesma, perpetuamente, sem conseguir saciar-se […]”.

Em toda e qualquer idade se vê o sofrimento por causa disso, porque para a maioria das pessoas o sentir-se bem significa ser aceito na comunidade, e a não aceitação gera um mal-estar. Qual seria a forma para diminuir a solidão, e estabilizar a autoestima das pessoas, sendo que a maioria sofre de alguma forma com esses aspectos, uns mais e outros menos? A resposta seria: O afeto. Porque através dele o indivíduo consegue se sentir acolhido, mais amparado, amado e aceito, gerando assim laços fortes que ajudam a diminuir esse mal estar que leva ao suicídio.

A importância da Sociedade na Minimização do Suicídio 

É fácil notar que o ser humano não nasceu para viver isolado. Buscamos constantemente, até mesmo inconscientemente, nos sentir pertencentes a algum meio. Segundo o livro Amor e Sobrevivência de Dean Ornish, estar integrado a um meio íntimo e amoroso é fundamental para a nossa sobrevivência, pois por um lado pode evitar um ato suicida e por outro pode fortalecer nossa saúde física e psicológica.

Fonte: http://zip.net/bdtLZf

A sociedade em si tem um papel importantíssimo na minimização do suicídio. Por exemplo, umas das pesquisas mais importantes sobre o suicídio foi realizada pelo sociólogo Durkheim, no qual fala que a decisão de tirar a própria vida, sempre teria um fundamento social: “[…] a pesquisa de Durkheim o levou a concluir que o principal fator que afetava o índice de suicídios era o grau de interação social dos grupos. Verificou que o nível de integração de um indivíduo a um grupo determinava a maior ou menor probabilidade de esse indivíduo cometer suicídio”  (ORNISH, 1998, p. 31).

Ou seja, quando as pessoas se sentem amadas e aceitas por um grupo, elas têm menos chances de cometer suicídio, apesar desse não ser o único fator. Logo, pesquisas exibidas no livro Amor e Sobrevivência de Dean Ornish, M.D, comparam pessoas que têm pouco ou nenhum envolvimento com a família, grupo de amizade sólido, até mesmo envolvimento em comunidades ou seitas religiosas, enfim, a sociedade em si, com pessoas que têm muito envolvimento com o corpo social e perceberam que os indivíduos que continham muita interação eram os mais saudáveis psicologicamente e fisicamente mesmo que estes se preocupassem menos com a saúde do que aqueles que tinham pouco envolvimento, mas praticavam exercícios físicos.

Portanto, podemos perceber que ter uma boa relação com o meio no qual estamos inseridos, implica diretamente na saúde física e psicológica e se o nosso físico e psicológico estão fortalecidos é mais difícil adquirir um quadro depressivo no qual no futuro poderia desencadear no suicídio. Concluindo, uma boa relação afetiva com o âmbito social pode evitar um impulso kamikaze.

Fonte: http://zip.net/bltKZK

Porém, se a anulação à sociedade pode gerar um mal-estar, a socialização demasiada também pode causar o mesmo efeito. Segundo o sociólogo Émile Durkheim no seu livro O Suicídio, quando o indivíduo está totalmente integrado à sociedade ele poderia tirar a própria vida em benefício de alguém ou de alguma crença, como, por exemplo, os mártires da igreja católica. Para esse tipo de suicídio Durkheim deu o nome de altruísta, no qual também definiu suas características: detém o sentimento de dever cumprido, entusiasmo místico e coragem tranquila. Eis os dois lados da sociedade e sua influência sobre o ato do suicídio e como o a importância do afeto como minimizador do atentado à própria vida.

A Importância da Família do Afeto 

Uma base familiar sólida, com vínculo afetivo é de extrema importância para o desenvolvimento saudável do psíquico/emocional. Quando a criança não possui, ou seja, não recebe esta referência, a tendência de se tornar um adulto inseguro, carente e dependente de uma ligação afetiva, faz que com que ela crie vínculos superficiais, a fim de se defender de futuras decepções. Outro ponto relevante é a forma como o adulto trata a criança, os gestos, às expressões sobre como ela é, isso, se concretiza, podendo assim analisar sua personalidade. Esse cuidado é fundamental, pois o comportamento na infância repercutirá na vida adulta desse ser. Assim como diz Dean Ornish: ‘’[…] os pais são geralmente a fonte mais importante de amor, apoio social e intimidade em nossa vida’’ (ORNISH, 1998, p. 45).

Fonte: http://zip.net/bttL9B

Em se tratando da adolescência onde essa fase é cheia de conflitos, transformações biológicas, psicológicas e sociais, a família deve estar totalmente atenta, a fim de lidar com as inseguranças desse adolescente que se vê cheio de cobranças diante as tantas mudanças. De acordo com Dean Ornish: ‘’[…] o apoio emocional pode proporcionar uma sensação de finalidade, significado e de pertencer ao mundo que vive. Onde se encontra o importante papel da família.’’ (ORNISH, 1998, p. 35).

A fase adulta é onde a busca da realização profissional, formação da família, a chegada dos filhos e a independência financeira traz importantes responsabilidades, o que muda completamente a vida do ser humano, onde a maturidade emocional deve estar em perfeita harmonia. Ou seja, ‘’[…] se sua experiência familiar foi repleta de amor e carinho, você tem maior probabilidade de ser aberto em seus relacionamentos atuais’’ (ORNISH, 1998, p. 45).

Enfim, a família pode ajudar o depressivo, buscando ter um relacionamento íntimo e recíproco, ou seja, lhe dando carinho, respeito, proporcionando incentivos, permitir que o deprimido dialogue a respeito da vontade de tirar a própria vida e principalmente ser empático e responder com amor a essa conversa, ao ponto da pessoa se sentir acolhida, segura e amada. Não existem dúvidas de que a família deve buscar conhecimento sobre o assunto, se preparar, para então ajudar e dar o apoio necessário, porém, mais que isso é preciso estar atento ao comportamento do parente, estar disposto a se envolver e incentivar o deprimido para que o mesmo não abandone o tratamento. Outro fator relevante é buscar ajuda em grupos de apoio, onde todos abordarão sobre o mesmo assunto, no qual irá contribuir para o entendimento da depressão.

Fonte: http://zip.net/bbtLlw

Por fim, ‘’ […] depende de vários fatores, principalmente da forma como cada um de nós enfrenta o problema, o nível de informação de que dispomos (nós familiares e amigos) para lidar com ele, e as redes de assistência disponíveis’’ (TRIGUEIRO, 2000, p. 70). O fato é que varias hipóteses podem ser levantadas, porém nenhuma delas se pode generalizar, visto que cada ser humano tem suas particularidades quando o assunto é suicídio, e o mais importante não subestimar e nem menosprezar as atitudes suicida e o comportamento desse familiar.

A Solidão

A vida solitária passa a ser um problema quando causa sofrimento na pessoa, e esta começa a se isolar da sociedade entrando, em um quadro depressivo, pois, ela carrega consigo uma sensação de desesperança e incapacidade de sentir prazer e vontade, ou seja, nada vale a pena, nem mesmo a vida. ‘’Sou eu que preciso de ajuda ou o mundo se tornou mesmo um lugar estranho, sem graça?’’ (TRIGUEIRO, 2000, p.63).

Fonte: http://zip.net/bttL9C

Como visto no tópico sobre a importância da sociedade; estar totalmente ou parcialmente afastado da comunidade pode gerar um mal-estar na saúde e no psicológico das pessoas. Pesquisas expostas no livro Amor e Sobrevivência de Dean Ornish mostram claramente este argumento à respeito da saúde: ‘’Por exemplo, há mais de quarenta anos, observou-se que os índices mais altos de tuberculose são registrados em pessoas isoladas, com pouco apoio social, mesmo quando moram em bairros ricos’’(ORNISH, 1998, p. 38). Se o isolamento causa este tipo de doença física na pessoa, pode-se imaginar o que se causa no psicológico também. Por este motivo que é tão fácil uma pessoa apartada da sociedade, por vontade própria, cometer suicídio. O que se sabe é que depressão não tratada leva o indivíduo ao suicídio, pois quem sofre com esta doença acha que se matando irá acabar também como o seu sofrimento.

O apoio familiar é de suma importância, ao ponto de ser um bom ouvinte sem julgar sem querer dar conselhos ou opiniões, buscar conhecer esse sofrimento, levar em consideração tudo que se ouve, estar disponível a ajudar fazendo a ver o quão importante ela e sem fazer comparações, buscar ver a situação do ponto de vista que causa tanto sofrimento. ‘’Também reconhecida como transtorno do humor, a depressão se manifesta de diferentes maneiras ou graus de intensidade. Se imaginarmos uma alma de ferro que se desgasta de dor e enferrujam com a depressão leve, então a depressão severa e o assustador colapso de uma estrutura inteira” (TRIGUEIRO, 2000, p. 71).

Fonte: http://zip.net/bltKZL

O ser humano tem a necessidade de se sentir pertencente a algum grupo e necessita ver na sua vida alguma razão para a sua existência, isso faz com que nós experimentamos o bem estar. A solidão se agrava quando o indivíduo não tem essa perspectiva de que é importante e de que sua vida tem algum valor para a sociedade em geral, como afirma Émile Durkheim:

 […] é necessário que, não apenas de quando em quando, mas a cada instante de sua vida, o indivíduo possa perceber que o que ele faz tem um objetivo. Para que sua existência não lhe pareça vã, é preciso que ele a veja de modo constante, servir a um fim que lhe diga respeito imediatamente. Mas isso só é possível desde que um meio social mais simples e menos extenso o envolva de mais perto e ofereça um fim mais próximo à sua atividade (DURKHEIM, 2000, p. 489).

A solidão pode ser vivida mesmo a pessoa estando no meio da multidão, por isso o afeto desde a infância é algo extremamente necessário, a família precisa dar apoio desde as primeiras horas de vida até a velhice, para assim evitar futuros problemas emocionais que na maioria acarretam suicídio.

O Egoísmo

A primeira vez que um ser humano se juntou ao outro foi a partir da necessidade de procriação, e com isso o número da população foi crescendo aos poucos, tudo era feito em conjunto desde caçar, se alimentar, se proteger, entre outros aspectos que fizeram que a raça humana se perpetuasse. A sociedade aos poucos foi mudando e sempre que havia união entre as pessoas algo mudava no mundo.

Aquele velho ditado que diz que a união faz a força realmente tem muito sentido, desde revoluções a terríveis guerras, mesmo sendo algo tão destrutivo. Mas algo está mudando na vida das pessoas, uma peça chave está mudando todo conceito de unidade: o egoísmo. Na pós-modernidade o tempo acelerado tem feito as pessoas focarem mais em si, formando assim uma sociedade mais egoísta. Como exibido no livro Amor e Sobrevivência de Dean Ornish, a atenção, o amor, a dedicação muda muita coisa, podendo prevenir doenças e até mesmo o suicídio, que é o principal foco desse trabalho.

Fonte: http://zip.net/bgtLp6

O egoísmo tem mudado muitos aspectos pelo mundo, no qual altera inúmeras realidades, como diminuição do numero de natalidade, maiores casos de depressão, doenças cardíacas, aumentou os casos de suicídio, e a realidade de cada lugar do mundo mesmo que por muitas vezes sendo diferente, tem a mesma consequência. Quando o nós saiu de cena e entrou apenas o eu, é perceptível a mudança em um contexto geral. A individualidade, ou seja, não conseguem interagir mais socialmente, não interagindo com a família, amigos, entre outros grupos sociais existentes, não sentem mais aceitos no mundo, e surgem pensamentos melancólicos, como ninguém me aceita, ninguém gosta de mim, ninguém me entende, entre outros pensamentos negativos que vão deixando a pessoa cada vez mais pra baixo, chegando ao extremo de tirar própria vida.

Considerações Finais

O que fazer para mudar isso, como acabar com egoísmo e o suicídio, como perceber que uma pessoa precisa ser amada e aceita pela sociedade e pela família sem direcionar essa resposta levando a culpa para o governo ou para órgãos responsáveis? Não tirando de lado alguns erros causados pelos mesmos, mas a principal mudança precisa partir do eu para chegar ao nós. Se tirássemos as vendas dos olhos, seria bem possível ver que matamos pessoas, não diretamente, mas moralmente, por conta de agressões verbais, nas quais podem causar inúmeros problemas.

O amor seria uma forma de curar o mundo, pois o amor teria que começar principalmente no indivíduo, que seria o amor próprio, e depois ir para um todo, se assim fosse, os índices de suicídio diminuiriam de uma boa parte, pois nem tudo é causado por um único agente, como foi exposto neste trabalho, tem vários casos e fatores nos quais são muito subjetivas as causalidades que levam uma pessoa a tirar a própria vida. Entretanto, se tivesse união de verdade entre as pessoas, não seria por falta de amor que as pessoas morreriam no mundo.

Fonte: http://zip.net/bptL4K

Vale apena pensar se o que eu faço contribui apenas pra mim, ou pode ajudar uma pessoa, como dizia Newton em uma de suas leis tudo que fazemos tem uma consequência, então vale apena investir em coisas que ajudem a todos, às vezes conseguimos aquilo que queremos ajudando o outro, e muitas vezes mesmo querendo receber um abraço, dando um abraço em quem precisa mais de você é que se recebe a recompensa. “A percepção do amor… pode vir a ser um preventivo central biopsicossocial-espiritual, reduzindo o impacto negativo dos agentes estressantes e patogênicos e reforçando a função imunológica e a cura” (ORNISH, 1998, p. 40).

Nota: Ensaio elaborado como parte das atividades da disciplina de Filosofia do curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra, sob supervisão do prof. Sonielson Sousa.

REFERÊNCIAS:

DURKHEIM, Émile. O suicídio: estudo de sociologia. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 513 p., il.

MENDES, André Trigueiro. Viver é a melhor opção. 3. ed. São Bernardo do Campo, SP: Correio Fraterno, 2017. 190 p., il.

ORNISH, Dean. Amor & sobrevivência: a base científica para o poder curativo da intimidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. 263 p., il.

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Suicídio: tipos e possíveis intervenções

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Primeiramente, é preciso que se defina conceitualmente o que seja suicídio. Segundo Émile Durkheim (1858-1917), diferente de outros tipos de morte, nesse caso, a retirada da vida ocorre mediante a ação do próprio indivíduo. “(…) entre as diversas espécies de morte, há as que apresentam a característica particular de serem feito da própria vítima, de resultarem de um ato cujo paciente é o autor; e, por outro lado, é certo que essa mesma característica se encontra na própria base da ideia que comumente se tem de suicídio” (DURKHEIM, 2000, p. 11).

Fonte: http://zip.net/bktKcV

Cabe destacar que a ação é intencional e acompanhada por algum objetivo. Referente à fundamentação teórica do conceito, temos que: “(…) chegamos portanto a uma primeira formulação: chama-se suicídio toda morte mediata ou imediatamente de um ato positivo ou negativo, realizado pela própria vítima” (DURKHEIM, 2000, p. 11). Dentre os tipos de suicídio, temos os três seguintes: suicídio egoísta, suicídio altruísta e suicídio anômico. A seguir explanaremos a respeito de cada um e por fim, apresentaremos possíveis intervenções para os casos explicados.

Suicídio Egoísta

O egoísmo, segundo o dicionário Aurélio (2017, s/p), é o “amor exclusivo à pessoa e aos seus interesses próprios”. Partindo desse conceito, suicídio egoísta é aquele em que o ego individual se afirma fortemente frente ao ego social, ou seja, há uma individualização exagerada. A fragilização do vínculo relacional/emocional/afetivo contribui com a sensação de solidão e tristeza, o que facilita que a perda de direção/senso/sentido na vida se instale.

Acontece quando as pessoas se sentem totalmente separadas da sociedade. Nele os interesses particulares estão acima dos interesses da sociedade. Geralmente, as pessoas estão integradas à sociedade por papeis de trabalho, laços com a família e comunidade, e outras obrigações sociais (DURKHEIM, 2000).

Quando esses laços são enfraquecidos através de aposentadoria ou perda de familiares e amigos, a probabilidade de ocorrência aumenta. Os idosos que perdem estes laços são os mais suscetíveis ao suicídio egoísta (DURKHEIM, 2000). O suicídio egoísta acontece, especialmente, nas sociedades ditas “superiores” (as sociedades ocidentais modernas em contraposição às “primitivas”, tribais ou indígenas), mas com determinadas carências de integração entre sociedade e indivíduo.

O referido autor acredita que existem diferenças entre as populações mais intelectualizadas e que viver nas cidades seria a razão de terem maior inclinação ao suicídio, por exemplo, quanto maior a cidade, mais a pessoa sente-se sozinha considerando que existem pessoas que ela não conhece e nunca vai conhecer.

Fonte: http://zip.net/bvtKBw

A sociedade é individualista o que leva Durkheim (2000), a afirmar que uma individualização excessiva leva o suicídio. Quando desligado da sociedade, o homem é propenso a se matar facilmente. É o tipo de suicídio que prepondera na modernidade e, geralmente, é praticado por pessoas que não se sentem devidamente integrados à sociedade e, de certo modo, estão isolados dos grupos sociais (família, amigos, comunidade, por exemplo) (DURKHEIM, 2000).

A depressão, a melancolia, a sensação de desamparo moral provocadas pela desagregação social tornam-se, então, causas deste tipo de suicídio. Essa desintegração causa sofrimento à pessoa a tal ponto de ela chegar ao estado mais extremo de se matar para que, dessa forma, não continue sofrendo. Outras características desse tipo de perfil é que costuma ser um ser humano que não possui laços de amizade amigos, perdeu, ou nunca teve namorado/namorada, não se integra à família e não se sente útil de forma alguma. Diante dessa situação, ele é assolado por pensamentos de que ninguém vai sentir sua falta e acaba com tudo.

Ornish (1999, p. 31) salienta que: “o poder curativo do amor e dos relacionamentos tem sido documentado em um número crescente de estudos científicos bem orientados, que envolvem centenas de milhares de pessoas no mundo todo”. Assim, diante do potencial efeito de cura do amor, podemos ressaltar que a manifestação de afeto presente nas relações interpessoais causa em quem o recebe diferentes sensações. Com ações assim, vínculos são fortalecidos e problemas são mais facilmente encarados.

Nesse contexto, cabe destacar que a capacidade de se emocionar e de se comunicar de forma verbal consiste num dos atributos mais relevantes que diferencia o ser humano de outros seres. Segundo um dos principais suicidólogos do país, Carlos Felipe D’oliveira, a principal causa do suicídio é a depressão. “O indivíduo fica deprimido, se isola, e o isolamento alimenta ainda mais esse processo de depressão” (TRIGEIRO, 2015, p. 128).

Fonte: http://zip.net/bltJGY

Ou seja, quando o ser humano não se encontra num estado de experimentação de bem-estar e contentamento, ele tende a fugir de situações festivas, de momentos em que será mais visualizado. Sua tendência é se afastar de contextos que propiciem interação social. No entanto, devemos alargar a visão ao pensar em causas do suicídio, pois as possíveis razões conseguem ir além do que foi supracitado. Adiante veremos mais razões para a emissão desse tipo de comportamento. Durkheim (2000) observa que o homem é um ser duplo, possui uma personalidade individual e uma coletiva, sendo que a última representa um padrão comum entre todas as pessoas.

Assim, quando a sociedade, por algum motivo, não consegue infundir seus valores coletivos de pertencimento e de existência na pessoa, este pode dar fim à própria vida se alguma situação relacionada tão somente ao seu particular tenha dado origem a uma decepção, desilusão, descrença. Ainda, segundo Émile Durkheim (2000), pessoas casadas se matam em menor proporção que as solteiras, apontando uma relação estreita entre a formação familiar e a preservação da vida.

Há ainda uma relação direta entre o estado civil, que são: casado e solteiro. Foi verificado ainda associação entre o voto de celibato e maior tendência ao suicídio. Segundo o autor:

  • Os casamentos demasiado precoces têm uma influência agravante sobre o suicídio, principalmente em relação aos homens: os casamentos prematuros determinam um estado moral cuja ação é nociva, sobretudo para os homens;
  • A partir de 20 anos, os casados, homens e mulheres, se beneficiam de um coeficiente de preservação com relação aos solteiros;
  • O coeficiente de preservação dos casados com relação aos solteiros varia de acordo com os sexos: o sexo mais favorecido no estado de casamento varia, por sua vez, conforme a natureza do sexo mais favorecido;
  • A viuvez diminui o coeficiente dos casados, homens e mulheres, no entanto, na maioria das vezes, não o suprime completamente. Os viúvos suicidam-se mais do que os casados, mas, no geral, menos do que os solteiros (2000, p. 214-217).

Suicídio Altruísta

Considerando a perspectiva inicial, no que tange a possíveis causas, é sabido que, diferente do exemplo anterior, a individuação insuficiente é um dos fatores relevantes para a efetuação do comportamento de se suicidar (DURKHEIM, 2000).

Para o Dicionário Aurélio (2017, s/p), individuação consiste em: “acentuar as particularidades individuais de”. Assim, se utilizando dessa definição, compreendemos que esse processo existe a partir da visualização/reconhecimento de características pertinentes ao indivíduo.

Fonte: http://zip.net/bvtKBy

Nesse contexto, há os casos de suicídio obrigatórios, em que o meio social aborda a temática de forma explícita/clara. Alguns exemplos: “Suicídios de homens que chegam ao limiar da velhice ou são afetados por doenças; suicídios de mulheres por ocasião da morte do marido; suicídios de clientes e servidores por ocasião da morte de seus chefes” (DURKHEIM, 2000, p. 272).

Existe ainda casos de autoviolência praticada de maneira espontânea, como quando ocorre uma briga conjugal ou mesmo alguma demonstração ciumenta. É importante citar que esses comportamentos são mantidos em razão da falta de interesses próprios, de um sentido maior à existência. E, embora, nesse momento, não sejam, de forma formal, estimulados a se matar, a opinião social favorece a execução desse ato (DURKHEIM, 2000).

Fonte: http://zip.net/bltJKw

Como veem-se nas outras modalidades do suicídio a ausência do olhar apurado da sociedade, a falta de afeto e a falta de amor, constituem-se um quesito importante que levam ao ato suicida. Isso tudo exerce influência sobre como o indivíduo se vê, sobre a realidade de se sentir alguém diferente/diferenciado ou não.

No suicídio altruísta, tem-se uma causa curiosa, que seria o ato heroico do indivíduo, ou seja, dar sua própria vida em uma “suposta melhoria” para as demais pessoas. Não existe depressão, a pessoa está integrada à sociedade, mas mesmo assim decide tirar sua vida, por acreditar, que isso poderá contribuir positivamente na vida das pessoas ou na sociedade. 

Suicídio Anômico

Durkheim (2000) ainda nos fala de uma terceira forma de suicídio como uma tipologia social: o anômico. Esse termo, anomia, ao analisarmos separadamente, refere-se à uma “ausência generalizada de respeito a normas sociais, devido a contradições ou divergências entre estas” (FERREIRA, 2001). No entanto, em “O Suicídio”, o termo está mais relacionado a crises financeiras e individuais.

O suicídio anômico pode ser caracterizado como aquele possivelmente decorrente de perturbações da ordem coletiva, uma ruptura do equilíbrio econômico-social em que o indivíduo se encontra, como crises financeiras; atingem, principalmente, industriais e comerciais (DURKHEIM, 2000). A relação proposta pelo autor há um século continua presente na sociedade atual. Em parte, pode-se afirmar que nosso sistema econômico atual é muito sensível às crises financeiras mundiais devido aos mercados cada vez mais globalizados.

Uma pesquisa realizada em 2009 e publicada na “British Medical Journal”, mostrou que, nos 54 países americanos e europeus pesquisados após a crise financeira de 2008, o número de suicídios masculinos aumentou 3,3% nos países afetados pela crise financeira (BBC, 2013); o que nos mostra que o ato suicida pode ser influenciado grandemente por estes fatores.

Fonte: http://zip.net/bctJ3Y

É importante deixar claro que o suicídio não é um fenômeno social exclusivo de períodos anômicos porque, unicamente, os indivíduos passam a possuir menos. Mesmo em tempos de relativa paz econômica o suicídio ocorre. Contudo, o que se pode observar na anomia é um aumento dos índices.

Durkheim (2000) ainda nos apresenta algumas causas individuais que, decorrentes da anomia, podem atuar no aumento de suicídios. Uma delas é quando suas necessidades já são supridas, mas o indivíduo busca mais, como o luxo. Em outras palavras, significa não ultrapassar a barreira de ter aquilo que se consegue alcançar, baseado no seu poder de compra e classe social. Caso contrário, para o funcionamento dessa dinâmica, haverá dor e infelicidade.

O suicídio anômico é considerado diferente do suicídio egoísta porque aqui temos uma forma que depende da regulamentação da sociedade sob a vida dos indivíduos; diferentemente do segundo, no qual depende da maneira que os indivíduos estão ligados à sociedade (DURKHEIM, 2000).

Possíveis intervenções

No que tange a possíveis práticas interventivas, podemos citar que:

Diferentemente da realidade que vivenciamos, é necessário abordar a temática, por ser considerado um problema social (baseado na perspectiva apresentada até agora) e também de saúde pública – já que fere um dos maiores direitos garantidos por Lei, a saber, a vida. Nesse viés, entendemos que: “Na área de saúde, prevenção se faz com informação” (TRIGUEIRO, 2015, p. 46). Existe também a relação de que a pessoa que comete suicídio apresentada estado de intensos dor e sofrimento mental.

Ao se tratar do suicídio egoísta, a realização de grupos operativos (focados numa tarefa) pode ajudar a estruturar relações, o aprofundamento de vínculo relacional. O que, consequentemente, contribui para uma maior  integração/envolvimento ao meio social/comunidade em que se está inserido. Além disso, a psicoterapia pode ajudar no acompanhamento do estabelecimento de relações saudáveis.

Fonte: http://zip.net/bgtJ6X

Ao se referir ao suicídio altruísta, a base histórico-social precisa ser observada de forma minuciosa, uma vez que, a partir da história de vida do indivíduo é que esses valores – matar por algo maior – são instituídos. Nesse caso, o líder religioso e o momento da pessoa de filiação à determinada religião devem ser consultados.

Por fim, ao abordar o suicídio anômico, os profissionais de saúde mental – principalmente psicólogos e psiquiatras – devem ajudar o indivíduo a se fortalecer para conseguir enfrentar/lidar/superar as adversidades/instabilidades de cunho financeiro.

 

Referências:

Anderson, M.L. and Taylor, H.F. (2009). Sociology: The Essentials. Belmont, CA: Thomson Wadsworth.

BBC. Estudo liga aumento de suicídios à crise global. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/09/130918_crise_economica_suicidio_lgb> Acesso em: 17 mai 2017.

CABRAL, J F P. “Sobre o suicídio na sociologia de Èmile Durkheim”; Brasil Escola

Dicionário Aurélio. Individuação. 2017. Disponível em: <https://dicionariodoaurelio.com/individuar> Acesso em: 16/05/2017

ESTABLET, R. A atualidade de ‘O Suicídio’. In: MASSELLA, Alexandre Braga (org.). Durkheim: 150 anos. Belo Horizonte, MG: Argvmentvm, 2009, p. 119-129.

DURKHEIM, É. O suicídio: estudo de sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

DURKHEIM, É. Suicídio: definição do problema; suicídio egoísta; suicídio altruísta; suicídio anômico. In:______. Émile Durkheim: sociologia. Organizador José Albertino Rodrigues. São Paulo: Ática, 1981, p. 103-122.

FERREIRA, A. B. de H. Miniaurélio Século XXI: o minidicionário da língua portuguesa. 5ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

ORNISH, D. Amor e sobrevivência: a base científica para o poder curativo da intimidade. Brasil: Rocco, 1999, 268 p.

TRIGUEIRO, A. Viver é a melhor opção: a prevenção do suicídio no Brasil e no mundo. São Bernardo do Campo – São Paulo: Correio Fraterno, 2° ed, 2015, 51 p.

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