Uma palavrinha sobre a raiva

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Foi-me sugerida a leitura de um capítulo específico do livro A mente vencendo o humor, que trata sobre a raiva, a culpa e a vergonha, e percebo o quão importante são as informações trazidas ali e o quão essencial é entender estas emoções que permeiam os relacionamentos e as situações das pessoas que nos procuram para a terapia, além de servir para cada um de nós, pois são estados de humor que nos afetam em vários momentos da vida, quando estamos diante de situações desafiadoras que nos fazem sentir ameaçados e/ou injustiçados.

Por agora vou me ater somente à raiva, para conseguir explorar bem os aspectos que percorrem esta emoção. Primeiramente deve-se avaliar com qual frequência, a duração de tempo, e a intensidade que este estado de humor aparece. O objetivo é sentir a raiva com menos frequência, que ela dure um tempo menor, e que não seja tão intensa a ponto de emitirmos comportamentos que depois iremos nos arrepender.

O livro traz uma folha de exercícios que permite você avaliar e depois monitorar  os estados de humor, e perceber o progresso ao passar do tempo. Após feito este levantamento, é importante entender como estas emoções funcionam e o que você pode fazer para se sentir melhor em relação à elas.

A raiva, assim como outros estados de humor, vêm acompanhada por mudanças no pensamento, no comportamento e nas reações físicas. Quando experimentamos a raiva, todo nosso corpo é estimulado para a defesa ou o ataque. A grande sacada é entender que a intensidade que experimentamos a raiva (deste irritação até fúria) é totalmente influenciada pela nossa interpretação da situação vivida, e isso pode variar de pessoa pra pessoa, pois esta maneira de vivenciar a situação perpassa a experiência de vida do sujeito, suas regras ou pressupostos e as crenças que ele tem.

A raiva normalmente está associada à percepção de injustiça, e também está relacionada à ameaça, dano ou prejuízo e à crença de que foram violadas regras importantes. Este sentimento está muito relacionado também às expectativas que temos de outras pessoas. Quanto mais próxima a nossa relação com alguém, mais expectativas temos, e quando percebemos que as pessoas não atenderam a nossa expectativa em relação a alguma coisa, ficamos frustrados, então aparece o sentimento de decepção, dor e de raiva.

Existem algumas estratégias que podem nos ajudar no manejo da raiva, e com treino podemos adquirir habilidades para lidar melhor com esta emoção. De acordo com a Terapia Cognitivo – Comportamental, que é a minha abordagem de escolha, e da qual o livro se refere, o conteúdo dos nossos pensamentos no momento da emoção contém informações muito importantes, e examinar este conteúdo irá nos ajudar a responder às situações de forma mais construtiva.

A TCC como é chamada, nos convida a questionar nossos pensamentos e nos propõem ampliar nosso olhar para que possamos encontrar formas alternativas de pensar em dadas situações. Quando estamos com raiva, costumamos interpretar os acontecimentos equivocadamente e as intenções das pessoas de forma negativa. Aprender a interpretar as ações das outras pessoas, considerar suas intenções de forma mais respeitosa e encarar as situações a partir de diferentes perspectivas são formas úteis de responder à raiva.

Fonte: encurtador.com.br/pwUW5

O livro traz um instrumento que pode ser utilizado para praticar essa reflexão, que consistem em um Registro de Pensamento, onde você descreve a situação, o humor experimentado durante a situação e quais pensamentos ocorreram durante este processo, conforme figura abaixo:

Folha de Excercícios 15.3 Compreendendo a raiva, a culpa e a vergonha

1.     Situação

Quem?

O quê?

Quando?

Onde?

2.     Estados de humor

a.      O que você sentiu?

b.     Avalie cada estado de humor (0-100%)

3.     Pensamentos automáticos (imagens)

a.      O que estava passando por sua mente instantes antes de começar a se sentir assim? Algum outro pensamento? Imagem? Lembrança?

b.     Circule ou marque o pensamento “quente”.

 

 

 

 

 

 

A mente vencendo o humor, segunda edição. 2016 Dennis Greenber e Christine A. Padesky.

Quando as pessoas ficam com raiva, elas tendem a tirar conclusões precipitadas, que podem ser imprecisas. Quando você estiver tendo uma discussão com raiva, pare e pense em suas respostas antes de atacar. Lembre-se de ouvir a outra pessoa na conversa. Uma boa comunicação pode ajudá-lo a resolver problemas antes que sua raiva aumente.

Outra forma de auxílio no controle da raiva é antecipar e se preparar para acontecimentos que possivelmente tragam essa emoção, se planejando, ensaiando mentalmente para aquele momento que possivelmente será estressante, dessa forma você poderá se sentir mais confiante e menos ameaçado se as coisas não derem certo. Sua resposta pode ser mais eficaz e adaptativa se utilizar deste “roteiro” pensando no que você quer atingir ao entrar naquela situação.

Além disso é importante reconhecer os primeiros sinais de raiva, para que ela não chegue a sair do controle, como por exemplo ficar instável, sentir tensão muscular, aumento da frequência cardíaca, mandíbula cerrada, aumento da pressão arterial e atitude defensiva ou de ataque. Você nesse momento pode parar e perceber o que está acontecendo e escolher ter a raiva (o que significa que os sinais se intensificarão ainda mais) ou dar um tempo e usar a assertividade para se acalmar.

Dar um tempo significa se afastar da situação quando você percebe os primeiros sinais que está ficando com raiva. Essa estratégia simples pode ajudá-lo a encarar a situação de forma diferente. Faça um intervalo (o tempo você determina de acordo com a complexidade da situação), e após esse tempo você retornará à situação provavelmente de uma forma bem mais eficaz.

A assertividade diz respeito à um ponto intermediário entre ser agressivo ou permitir passivamente que alguém se aproveite de você. O livro traz um exemplo que fica bem nítido. Suponha que vocês está voltando pra casa do trabalho e seus filhos começam a pedir sua atenção, todos ao mesmo tempo. Se estiver cansado e tentar satisfazer as necessidades deles (passivo), você começará a se sentir sobrecarregado e acabará explodindo de raiva (agressivo). Geralmente é melhor ser assertivo e dizer algo como: “Estou muito cansado e preciso de alguns minutos antes de brincar com vocês. “Isso dá tempo para você se recuperar, lembrar-se do quanto ama seus filhos e preparar-se para um tempo com eles e/ou definir limites quando necessário. Para ajudar você pode usar algumas estratégias como:

  1. Usar afirmações do tipo “Eu” – quando estamos com raiva queremos acusar então começamos com “Você”. Substituindo o “Você” por “Eu” aumentam as chances de fazer a outra pessoa escutar o que vocês está tentando comunicar;
  2. Reconheça o que há de verdade nas queixas que alguém tem de você, e ao mesmo tempo, defenda seus direitos. (como por exemplo aprender a dizer não sem se sentir egoísta, mas na perspectiva que você está cuidando um pouco de você);
  3. Faça declarações claras e simples sobre seus desejos e necessidades, em vez de esperar que outras pessoas leiam sua mente e prevejam o que você quer. (Isso vai te ajudar a alinhar as expectativas com o outro);
  4. Foque no processo de assertividade, e não nos resultados. (Foco no objetivo da comunicação clara, informar as pessoas que nos relacionamentos sobre nossas expectativas ou limites frequentemente reduz a mágoa e a irritação que podem conduzir à raiva).

E por último, praticar o perdão. Muitas vezes a raiva é consequência de mágoas profundas e repetidas que guardamos dos outros, por algo que eles tenham cometido contra nós. Este estado de raiva constante pode corroer o nosso espírito e nos impedir de experimentar felicidade e alegria. Não que este seja um exercício fácil, mas aceitar os fatos ocorridos e se despender da raiva vai aliviar a nossa carga na caminhada da vida. Perdoar não significa desconsiderar as ações da outra pessoa, significa olhar para essas ações de forma diferente.

Você pode tentar por si só controlar melhor a raiva quando ela aparece com as estratégias trazidas aqui, como testar os pensamentos de raiva, preparar-se para acontecimentos que provavelmente incitarão este humor, reconhecer os primeiros sinais de alerta, dar um tempo, ser assertivo e perdoar. Use esses métodos regularmente. Com prática você conseguirá ser mais eficaz quando precisar delas. Mas se mesmo depois disso você perceber que não têm uma boa regulação emocional para lidar com esse sentimento, que você têm prejuízos nos relacionamentos interpessoais por falta de saber lidar com a raiva, a terapia é uma excelente alternativa que pode ensiná-lo a se comunicar melhor, aumentando as interações positivas em seus relacionamentos e a desenvolver habilidades para ajudá-lo a exercitar as estratégias de identificação e a alteração de expectativas e regras. Essas habilidades podem reduzir a raiva e melhorar a qualidade de suas relações, e consequentemente sua qualidade de vida.

Referências:

GREENBERGER, Dennis; PADESKY, Christine A. A mente vencendo o humor: Mude como você se sente, mudando o modo como você pensa. Porto Alegre: Editora Artmed, 2ªEd., 2016.

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Qual a natureza do homem: emoção ou razão?

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Nietzsche acredita que a nossa natureza é uma só: crescer, aumentar, expandir e se fortalecer. O que faz que tenhamos um objetivo universal e inevitável: a vontade de potência.

Você já se perguntou qual o sentido da sua vida? O que te move? Emoção ou razão? Emoção ou motivação? Qual o teu propósito? Você acredita que cada ser humano contém um propósito individual? Qual o valor da vida? Nietzsche diz que o valor da vida não pode ser avaliado, para isto precisaríamos estar mortos. E como sabemos, nenhum morto pode nos declarar qual o valor da vida, ao menos para os que acreditam em metafísica. Mas isto não nos impede em alguma medida, avaliar a nossa vida, assim como conferir sentido, apreciar, depreciar e interpretar (THOMASS, 2019).

Nietzsche acredita que a nossa natureza é uma só: crescer, aumentar, expandir e se fortalecer. O que faz que tenhamos um objetivo universal e inevitável: a vontade de potência. Assim como Nietzsche, Baba (Mestre espiritual) também acredita que temos um objetivo universal, que ele dá o nome de expansão de consciência e faz uma analogia com a árvore: a semente é o ego, e tem o objetivo de se desenvolver, amadurecer e gerar frutos. A raiz representa nossas memórias, nos mantém de pé. O tronco representa nossos valores e virtudes, quanto mais consolidadas, mais longe poderemos chegar. Os galhos são os desdobramentos de nossas virtudes e dons. As folhas são nosso impulso de vida e capacidade de renovação, e por fim, as flores e os frutos representam o que viemos fazer aqui.

Rogers (1947) diz que o sujeito tem uma Tendência Atualizante, condizente com a teoria de ´´vontade de potência“ de Nietzsche. Para Rogers, “descobrimos, dentro da pessoa, sob certas condições, uma capacidade para a reestruturação e reorganização do self, e, consequentemente, a reorganização do comportamento, o que tem profundas implicações sociais” (Rogers, 1947, p. 368). Ou seja, o indivíduo tem a capacidade se organizar e reestruturar de acordo com as limitações do meio. Ainda sobre a tendência atualizante, Rogers & Kinget (1965/1979) pontuaram:

(…) a tendência à atualização é a mais fundamental do organismo em sua totalidade. Preside o exercício de todas as funções, tanto físicas quanto experienciais. E visa constantemente desenvolver as potencialidades do indivíduo para assegurar sua conservação e seu enriquecimento, levando-se em conta as possibilidades e limites do meio (p. 41).

Fonte: encurtador.com.br/cGPQ4

Se for da nossa natureza a vontade de potência, expansão de consciência e tendência atualizante, o que nos limita? Seria o meio em que vivemos? Afinal influenciamos e somos influenciados pelo meio. Muitos teóricos da psicologia sustentam que a personalidade se fundamentada até os 7 anos de idade, ou seja, crenças instaladas podem permanecer por toda vida. Logo, se reproduzimos ignorância, procriamos ignorância. E muitas vezes as crenças que protegem, são as mesmas que isolam e causam maior distanciamento do ´´verdadeiro eu“ (que Jung chama de Self ou Si-mesmo), o que dificulta a evolução.

De acordo com John Locke o homem é uma tábula rasa, ou seja, se constitui por meio das experiências. Logo, uma criança nasce pura e sem máscaras, e a partir das normativas sociais, ela vai se moldando, se corrompendo ou se desenvolvendo. Desta forma, é preciso iniciar uma reforma pelos adultos, de maneira que estes curem suas mazelas e não transfiram as mesmas para os filhos, sobrinhos, alunos etc., a partir do que Freud chama de projeção narcísica. Antes de ter um filho é preciso ter autorresponsabilidade. Você tem vontade de ter um filho para cumprir um programa social, suprir a própria carência ou é algo que vem do coração? Quem em você quer ter um filho?

Tal cenário resulta em uma sociedade doente, dependente de medicamento e terapia. Afinal, se dinheiro, fama, poder e beleza fossem sinônimos felicidade não teríamos tantos famosos adoecidos mentalmente. Whindersson Nunes, que passou por um processo depressivo se questionou em entrevista ao fantástico: “Eu virei um cara que tenho as minhas coisinhas e tudo mais. Mas você chega naquele momento e fica: e aí? Dinheiro, dinheiro, dinheiro e aí?”.

Fonte: encurtador.com.br/orE36

Ainda para suprir o vazio, acabamos nos tornando carentes do outro, mendigando atenção.  Baba diz que não somos carentes de nada, mas crenças nos condicionam e acabamos a achar que somos mendigos de atenção. Logo, muitas vezes fingimos o que não somos, visando receber atenção/carinho. O que resulta em uma vida desperdiçada, baseada na tentativa de forçar o amor do outro. Este estado provoca raiva, e esta raiva volta a si próprio, pois de maneira clara ou não, a pessoa sabe que está a se ´prostituir`. Algumas vezes, para chamar a total atenção de uma pessoa em específico, o indivíduoaz papel de vítima com intuito de conquistar, dominar e manipular o outro. Sendo característica da necessidade de amor exclusivo. Mas de acordo com Sartre: inferno são os outros. Vale ressaltar, também, que se o inferno são os outros, nós também somos o outro (e o inferno) na vida de alguém.

Como você tem agido? De forma racional ou instintiva? Você é uma pessoa que usa a mente para entender o mundo ou apenas para justificar suas opiniões através da emoção? Me atrevo a dizer que pensar no outro, saindo da nossa zona de conforto é uma maneira de praticar sentimento, desta forma, enquanto procuramos a nós mesmos dentro de uma multidão, sigamos a filosofia de Mahatma Gandhi: Seja a mudança que você quer ver no mundo.

Referências

BABA,S. Propósito: a coragem de ser quem somos. Editora Sextante, 1ª edição, 2016.

FREUD, S. [1914]. Sobre o narcisismo: uma introdução. In:____. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. 1. ed. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1974, v. XIV, p. 85-119.

Globo. Whindersson Nunes sobre tratamento contra a depressão: ‘Hoje eu me sinto bem para falar’. https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2019/07/14/whindersson-nunes-sobre-tratamento-contra-a-depressao-hoje-eu-me-sinto-bem-para-falar.ghtml

THOMASS. B. Afirmar-se com Nietzsche. Vozes Nobilis; Edição: 1 (2010)

SALATIE, J. John Locke e o empirismo britânico – Todo conhecimento provém da experiência. Acessado em < https://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/john-locke-e-o-empirismo-britanico-todo-conhecimento-provem-da-experiencia.htm?cmpid=copiaecola > no dia 09/08/19.

RAMOS, J. Os  tesouros da saúde. Acessado em < https://www.nova-acropole.pt/a_tesouros_saude.html  > no dia 09/08/19.

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Coração fraco, emoção forte

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No dia 24 de Janeiro de 2018, fui hospitalizada na Emergência do Hospital Geral de Palmas devido à uma Taquicardia Supraventricular, uma das arritmias cardíacas, doença que faz o coração bater descompassado. Foram momentos de intensa aflição e dor, meu corpo todo doía, mal conseguia respirar, mas ali, naquele hospital recebi tanto carinho, cuidado e afeto, ali senti apertos de mão atenciosos e muitos: como você está se sentindo?  Meu corpo estava em guerra, mas a mente estava em paz. Assim que retornei à minha cidade de origem, senti meu coração bater forte novamente, mas dessa vez é de saudade.

 

Arte: Laryssa Araújo

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Ivan Pavlov: a descoberta acidental revolucionária

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Você já sentiu seu coração acelerar ao ver algum animal? Tem algum tipo de fobia? Já ficou enjoad@ ao sentir o cheiro de certas comidas? Teve frio na barriga ao ser avaliad@? Se sim, esses comportamentos foram aprendidos, e a explicação desse fenômeno foi feita por Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936).

Pavlov nasceu no vilarejo de Riazam, na Rússia, em 26 de setembro de 1849. Filho de um pastor, sua família decidiu acompanhar os passos de seu pai. Ninguém imaginava que o menino com desempenho escolar abaixo da média um dia ganharia o premio Nobel. Ao concluir o ensino médio, Ivan entrou para o Seminário Eclesiástico de Raizam. Porém ao conhecer as traduções para russo dos artigos científicos ocidentais, o jovem se apaixonou pelas teorias darwinianas e abandonou a educação religiosa. Foi à Universidade de São Petersburgo, se formou em medicina com especialização em fisiologia animal. Depois de formado, Pavlov se mudou para Alemanha, onde estudou as áreas por mais dois anos, antes de decidir voltar a São Petersburgo e ser assistente em um laboratório de fisiologia (LEFRANÇÓIS; LOMONACO, 2008).

Universidade de São Petesburgo. Fonte: https://bit.ly/2Jp8IUt

Mais tarde foi nomeado professor de farmacologia, e aos 41 anos passou a chefiar o departamento de fisiologia. Seus trabalhos se tratavam majoritariamente de fisiologia, especialmente com processos digestivos. Só depois dos seus 50 anos que o fisiologista descobriu acidentalmente o que se nomeia Condicionamento Clássico (ou Condicionamento Pavloviano) fase que durou por mais 30 anos (LEFRANÇÓIS; LOMONACO, 2008).

Em seu laboratório, Ivan estudava os reflexos salivares de cães (salivação como resposta ao alimento). Em um procedimento cirúrgico, fez-se uma fístula próxima às glândulas salivares dos cães participantes do experimento, e inseriu-se uma mangueira por onde a saliva saia e era medida em função da qualidade e quantidade de comida apresentada aos animais. Pavlov descobriu acidentalmente que outros estímulos também estavam causando a salivação, como o som das pegadas ao se aproximar do experimento ou a simples aproximação da hora em que a comida era servida (MOREIRA; MEDEIROS, 2007).

A partir dessas observações, o cientista desenvolveu seu experimento clássico. Usando o cão como sujeito experimental, Pavlov passou a emparelhar o estímulo sonoro se uma sineta, que não causava nenhuma resposta inicialmente, a apresentação de carne, que naturalmente já eliciava a resposta de salivação. Após cerca de 60 emparelhamentos, o cão passou a apresentar a resposta de salivar apenas com o som da sineta. O fisiologista provou então que é possível aprender um novo reflexo (MOREIRA; MEDEIROS, 2007).

Fonte: https://bit.ly/2GD6e7d

Aprendizagem Emocional

Um tema que desperta curiosidade, é os motivos pelos quais as pessoas sentem emoções. Os reflexos e respostas emocionais inatos são uma forma mínima de preparação para interagirmos com o ambiente que nos cerca, em relação de valor com a sobrevivência. As emoções não surgem “do nada”, precisam de um determinado contexto e interagem com nossa fisiologia, sendo em grande parte relações entre estímulos e respostas, comportamentos respondentes, ou seja, não controláveis (MOREIRA; MEDEIROS, 2007).

Com os estudos Ivan Pavlov, descobriu-se que os organismos podem aprender novos reflexos, desse modo, podem também aprender a sentir emoções que não estavam em seu repertório comportamental quando nasceram. Um experimento amplamente conhecido sobre Condicionamento Pavloviano e emoções foi realizado por James B. Watson (1878 – 1958)  com Albert, um bebê de dez meses, para o qual foi apresentado um rato com o qual ele não apresentava medo.  Emparelhou-se então o estímulo do rato com um barulho alto, o que fazia com que Albert se assustasse e chorasse. Após emparelhamentos sucessivos, somente a presença do rato fazia com que Albert tivesse medo. Com isso, Watson atestou que as emoções podem ser aprendidas e modeladas (MOREIRA; MEDEIROS, 2007).

Fonte: https://bit.ly/2GBWQ3y

Implicações Educacionais

Embora não seja um tema muito abordado, o Condicionamento Pavloviano é um fenômeno comum nos processos de aprendizagem. Gostar ou não gostar de aprender pode ter a ver com algum processo de condicionamento, principalmente emocional, relativo a professores, matérias e avaliações.

Estímulos que eram neutros podem passar a eliciar respostas condicionadas agradáveis ou desagradáveis aos estudantes. Estímulos Incondicionados (que não causam resposta) como um professor calmo e sorridente, ou outro rígido e áspero, podem fazer as disciplinas que ministram serem Estímulos Condicionados (que eliciam resposta) agradáveis ou incômodos. Da mesma forma que Pavlov emparelhou a sineta à comida, palavras também podem ser emparelhadas a situações, causando grande carga emocional (MOREIRA; MEDEIROS, 2007). Para tanto, a potenciação de possíveis estímulos agradáveis, e minimização de aspectos desagradáveis, juntamente com o conhecimento das associações realizadas por quem aprende, podem ser opções de condicionamento para uma melhor aprendizagem (LEFRANÇÓIS; LOMONACO, 2008).

Fonte: https://bit.ly/2JqEvo0

Um ícone para a Psicologia

Assim como Fechner, Weber, Titchener e Wundt, Ivan Pavlov era fisiologista e psicólogo. Apesar de afirmar que não era psicólogo e chamar a atenção de seus aprendizes quando usavam terminologia psicológica em vez de fisiológica, escreveu artigos e teorias sobre temas psicológicos, como hipnose e paranóia, contribuindo também de maneira inestimável para as primeiras teorias da aprendizagem (LEFRANÇÓIS; LOMONACO, 2008).

O garoto com baixo desempenho escolar se tornou um ícone para a psicologia, com sua teoria sendo estudada até hoje em academias de todo o mundo. O Ganhador do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1904, que fez sua grande descoberta por acaso, é atualmente o principal teórico na explicação dos reflexos aprendidos, e também referência em estudos da Análise do Comportamento por seus experimentos revolucionários.

Fonte: https://bit.ly/2IzrTd9

REFERÊNCIAS:

LEFRANÇOIS, Guy R.; MAGYAR, Vera; LOMONACO, Jose Fernando Bitencourt. Teorias da aprendizagem: o que a velha senhora disse. Cengage Learning, p. 30-44, 2008.

MOREIRA, Márcio Borges; DE MEDEIROS, Carlos Augusto. Princípios básicos de análise do comportamento. Artmed Editora, p. 29-43, 2007.

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Estudo da Subjetividade na Família: a importância da comunicação

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No texto de Peres (2005), “O Estudo da Subjetividade na Família: Desafios Metodológicos”, a autora aborda aspectos da subjetividade no contexto familiar a partir da situação de “crianças de rua”, observando perspectivas econômicas, materiais e psicológicas, e considerando ainda, um método que contemple as especificidades de cada criança e família. Tendo como fonte a subjetividade individual constituída na comunicação da família para compreensão do desenvolvimento, são adotadas no texto concepções que contemplam a história e cultura dos indivíduos.

Peres (2005) pontua o social como importante catalisador para o desenvolvimento, de modo que a significação dos papéis de cada indivíduo se dá primeiramente através da família. As emoções como processos psicológicos, produziriam sentidos subjetivos das experiências, que devem compreendidos em cada momento da história pessoal. As necessidades da criança, por sua vez, seriam constituintes das emoções e motivariam o desenvolvimento, e por isso deveriam ser organizadas inicialmente na família por meio da comunicação entre os membros. Porém, isso seria dificultado devido aos vários modelos de família influenciados por situações socioculturais (PERES, 2005).

Fonte: http://zip.net/bdtLlG

Os papéis iniciais assumidos pela criança na família, oriundos da afetividade necessária, seriam gradualmente diferenciados e singularizados e também se tornariam mais complexos. A formação da subjetividade influenciada pela linguagem seria dependente da afetividade, tornando nossas condutas dependentes do social. Para a autora, a compreensão do caráter intersubjetivo dos papéis auxiliaria o desenvolvimento de um autoconceito, sendo a família um lugar de possível produção de subjetividades individuais, construindo um Sujeito (PERES, 2005).

A comunicação, segundo Peres (2005), seria uma via de acesso a construção informações sobre processos subjetivos familiares, sendo a qualidade de suas relações dependente disso. Porém, dificuldades e desigualdades no âmbito social tornariam a comunicação penosa e até mesmo impraticável, que é o caso das famílias de “crianças de rua”. A comunicação intersubjetiva permitiria o compartilhamento de expressões de subjetividades individuais, incluindo aspectos de reciprocidade no grupo. Uma comunicação autêntica seria, portanto, fundamental para o desenvolvimento individual na família e sociedade (PERES, 2005).

Fonte: http://zip.net/bctKMC

Dessa maneira, para a construção de um método que contemple qualidades construtivas e interpretativas, é necessário que haja “zonas de sentido do real”, ou seja, elementos que façam sentido para a família na sua relação com o pesquisador, através do contexto das subjetividades e histórias desse grupo (PERES, 2005). A formação dessas zonas em conjunto, propiciaria uma autonomia ou uma expressão aberta de ideias e sentimentos que são singulares, possibilitando ao investigador a construção de sínteses, e à família a oportunidade de entendimento das informações.

A compreensão da subjetividade na família seria, portanto, fundamental para seu estudo, sendo o método, responsável pela qualidade da relação com o pesquisador e também pela autonomia dos indivíduos. Vê-se desse modo, a família como responsável pelas construções subjetivas dos indivíduos, que são fundamentadas no social.  A formulação de necessidades no âmbito familiar de modo geral proporcionaria a sensibilização entre os membros do grupo, independentemente das condições da comunicação, que por sua vez é singular devido às subjetividades.

Fonte: http://zip.net/bgtKPs

O incentivo a comunicação familiar se apresenta, desse modo, como ferramenta indispensável para a compreensão de sua subjetividade. Além de uma oportunidade de expressão de suas construções subjetivas, os indivíduos ganhariam secundariamente, pois às organizariam para poder se comunicar, e a partir dessa organização conseguiriam perceber suas novas necessidades e emoções.

 A relação entre necessidades, emoções e comunicação no âmbito familiar demonstra a importância da qualidade de suas relações, pois refletem no autoconceito de cada um, bem como a maneira como o indivíduo interage com a sociedade. Logo, o papel do mediador/profissional que intervém nesse grupo, seria o de identificar as singularidades da família em questão e incentivar a comunicação entre os membros de acordo com essas características, de modo que seja possível compreender melhor sua subjetividade, bem como encorajar sua autonomia.

REFERÊNCIA:

PEREZ, Vannúzia L. A. O Estudo da Subjetividade na Família: Desafios Metodológicos. In: F. González Rey. (Org.). Subjetividade, Complexidade e Pesquisa em Psicologia. São Paulo: Thomson, 2005.

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It – Uma Obra-Prima do Medo: o palhaço e os medos da infância

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“Crianças, a ficção é a verdade dentro da mentira, e a verdade desta ficção é bem simples: a magia existe.”
Stephen King

Stephen King e a obra-prima do medo

Este escritor é, talvez, a maior referência mundial no gênero terror/terror psicológico. Suas obras fazem jus ao sobrenome que soa tão assustador hoje em dia. Agora, imagine aos 19 anos, quando começou sua carreira como autor. Inspirado em obras como Hobbit, de J. R. R. Tolkien, o jovem King tentou criar o seu próprio universo, ser diferente, não se prender ao que havia lido e aprendido, por mais fascinante que fosse.

Uma curiosidade é que parte de suas histórias são ambientadas ou tem algum tipo de ligação com o estado do Maine, Estados Unidos, local onde nasceu. Por exemplo, as adaptações como Conta Comigo (1986), Cemitério Maldito (1989) e It: Uma Obra Prima do Medo (1990) se passam, de alguma forma, nesta localidade. Ou seja, não são apenas universos, mas ninhos, como se tudo tivesse acontecido com o próprio Stephen King.

O autor também tem a “mania” de criar personagens que o representam nos contos. Em “It”, o personagem William Denbrough (Jonathan Brandis) é um garoto que escreve contos de terror e sonha ser escritor. Já tinha feito isso com Gordie Lancaster (Wil Wheaton), em “Conta Comigo”. É uma forma mais enfática de mostrar a todos como funcionam seus pensamentos, como ele reagiu ou reagiria às situações que apresenta.

Curiosidades à parte, Stephen King é conhecido não só pelo talento em criar sensações de medo nos leitores/espectadores, mas por dar vida ou poder às coisas. Pennywise, por exemplo, é fruto da aversão coletiva instaurada após John Wayne Gacy ter assassinado mais de 30 crianças, em Chicago, se fantasiando de palhaço para atraí-las. E o filme aborda bem isso, já que “A coisa” também é um tipo de espírito maligno que se aproveita da inocência de indefesos.

Com o iminente lançamento do remake de It, King foi alvo de inúmeras críticas de palhaços profissionais. Para eles, o filme afeta o julgamento do público quanto à profissão, denegrindo suas imagens e, por consequência, influencia nos negócios. Em resposta, em seu perfil oficial no Twitter, o escritor disse:

Os palhaços estão com raiva de mim. Desculpem, a maioria (deles) são ótimos. Mas… crianças sempre tiveram medo de palhaços. Não matem os mensageiros pela mensagem

Stephen King.

Se pararmos para pensar, o autor tem razão. Em algum momento de nossas vidas sentimos medo de coisas ou seres de aparência amigável e que não deveriam representar um tipo de ameaça. Então, por que ainda sentimos medo?

O medo e as respostas emocionais condicionadas

Algo certamente curioso são os motivos pelos quais as pessoas sentem emoções, nesse caso o medo e aversão. Segundo Moreira e Medeiros (2007), os reflexos e respostas emocionais inatos são uma forma mínima de preparação para interagirmos com o ambiente que nos cerca, em relação de valor com a sobrevivência. As emoções não surgem “do nada”, precisam de um determinado contexto e interagem com nossa fisiologia, sendo em grande parte relações entre estímulos e respostas (comportamentos respondentes, ou seja, não controláveis).

Com os estudos Ivan Pavlov sobre os reflexos, atualmente sabe-se que os organismos podem aprender novos reflexos, e a isso se deu o nome Condicionamento Pavloviano. Desse modo, se os organismos podem aprender novos reflexos, também podem aprender a sentir emoções que não estavam em seu repertório comportamental quando nasceram (MOREIRA; MEDEIROS, 2007).

No filme, um grupo de amigos de infância é convidado a se reunir novamente em sua cidade natal, Derry, pelo único membro que permaneceu morando ali por todos esses anos, Mike Hanlon. Mike os convoca a cumprir uma promessa que fizeram quando crianças: regressar se “It” ou “A Coisa” voltasse a atacar. A partir desse ponto, o espectador passa a descobrir aos poucos quem é Pennywise e o que aconteceu em Derry.

Assim como ocorre naturalmente durante o desenvolvimento, Os Sete Sortudos (Lucky Seven originalmente) também aprenderam seus medos. O medo de cada um deles possuí características diferentes, que foram exploradas por Pennywise. Sobre o aprendizado do medo, no ano de 1920, James B. Watson (1878 – 1958) ficou conhecido com o caso do pequeno Albert e o rato. Watson tinha a intenção de verificar se o Condicionamento Pavloviano (aprendizagem de novos reflexos) teria utilidade no estudo de emoções.

Watson realizou seu experimento com Albert, um bebê de dez meses, para o qual foi apresentado um rato, do qual ele não apresentava medo (MOREIRA; MEDEIROS, 2007).  Emparelhou-se então o estímulo do rato com um barulho alto, o que fazia com que Albert se assustasse e chorasse. Após emparelhamentos sucessivos, somente a presença do rato fazia com que Albert tivesse medo. Com isso, Watson provou que as emoções podem ser aprendidas e modeladas (MOREIRA; MEDEIROS, 2007).

Cada flashback para a infância dos personagens mostra ataques “personalizados” que Pennywise realizou: como o medo que Richie tinha de Lobisomens, devido a um filme de terror; o ataque contra Eddie nos chuveiros, envolvendo sua vergonha quanto ao seu corpo e biotipo; e a experiência que Bill teve com a perda de seu irmão, relembrada no ataque que sofreu. O medo e a aversão tanto de Albert, quanto das crianças do filme, possuem a mesma natureza: Experiências condicionantes.

Coulrofobia: o medo de palhaços

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), a Coulrofobia (fobia de palhaços) se encaixa na categoria de Fobias Especificas nos Transtornos de Ansiedade. A característica essencial das fobias específicas é medo ou ansiedade acentuados acerca do objeto ou situação (estímulo fóbico), nesse caso, envolvendo figuras que representem palhaços. “O medo, ansiedade ou esquiva causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo” (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014, p. 197).

Seu desenvolvimento pode ser ocasionado geralmente por eventos traumáticos, observação de outras pessoas que passam por um evento traumático, um ataque de pânico inesperado na situação que virá a ser temida ou ainda por transmissão de informações (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014). Dessa maneira, a polêmica envolvendo tanto o filme de Tommy Lee Wallace, quanto o livro de King, se deu pelo aumento de casos de Coulrofobia, principalmente nos Estados Unidos.

“Eu sou todo pesadelo que você já teve.”

 

Essa série de elementos aversivos para os personagens também têm um apelo para o espectador (vale aqui uma menção à cena do bueiro, por exemplo), somado à aparência e comportamento de Pennywise, incomodam em um horror diferente do convencional. Ao invés dos sustos sucessivos comuns nos filmes do gênero, IT tem o poder de literalmente perturbar e afligir a quem assiste, algo que seria um ponto interessante a ser explorado no reboot de 2017, que infelizmente não contará com a empolgante atuação de Tim Curry.

REFERÊNCIAS:

MOREIRA, Márcio Borges; DE MEDEIROS, Carlos Augusto. Princípios básicos de análise do comportamento. Artmed Editora, 2009.

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V). Trad. Márcia Inês Corrêa Nascimento et. al. 5. ed.  Artmed, 2014.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

IT – UMA OBRA-PRIMA DO MEDO

Diretor: Tommy Lee Wallace
Elenco: Tim Curry, Richard Thomas, Annette O’Toole, Jonathan Brandis, Brandon Crane;
País: EUA
Ano: 1990
Classificação: 16

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A Cidade do Silêncio

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Existia uma caixa que estava à disposição de guardar as profundas, sinceras e secretas emoções humanas. Lá havia todas as histórias imagináveis: “crimes perfeitos”, traquinagens, amores completos, serenos, e os que poderiam ser vividos, que, injustamente, foram impedidos, banalizados e julgados. Havia muita esperança, ódio, medo, sonhos, vidas guardadas naquela caixa. O “confessionário” – como era chamado – ficava dentro de uma grande sala; não havia nada a não ser esse contagiante objeto.

Na cidade, a desconfiança era o sentimento maior, não havia conversas, cumprimentos, simpatias entre vizinhos e conhecidos de forma solícita. A região sobrevivia de contatos formais, onde casamentos, negócios bancários, mobiliários, dentre outros, eram ações que, de fato, deveriam saciar e estar de bom tamanho para todos. Esse comportamento introspectivo era movido, talvez, para proteger todos de sofrerem possíveis consequências advindas de algum contato.

Era proibido qualquer tipo de música, pois esta proporcionaria alegria, paz, esperança, rebeldia, sabedoria e, principalmente, interação. Era certo afirmar que qualquer nota reproduzida naquele antro, provocaria explosões significativas, das quais poderiam “desrespeitar” a “regra” que era impregnada naquela população. Conseguiam se portar e conformar no silêncio, perfeitamente.

As luzes, as árvores, os parques não tinham emoção, uma decoração que pudesse foguear o coração das pessoas. Não se via crianças brincando na frente das casas, pulando e se divertindo com qualquer bagunça, porque, também, envolveria a interação. Os olhos daquela gente eram parcos, vazios, tristes e caídos. De tantas coisas ruins, a esperança reinava no coração de cada um, quem sabe, a única sensação que mantinha aquele povo a salvo. Porém, sem as outras qualidades, e necessitando, somente, da caixa, a cidade continuaria na escuridão.

Não se sabe quem começou com esse receio, mas era perceptível e assustador à proporção que aquilo tomava cada dia. Existia uma paranoia ali, mas, também, uma crescente carência, uma vontade de papear com alguém, manter relações, originalmente humanas, mas ninguém dava o primeiro passo. Como resultado, pairava o cansaço no ambiente, frente às repetidas e negativas condutas daquele povo. A carência e a falta de coragem fizeram com que todos se apoiassem, então, à caixa.

Com o tempo, esse recipiente foi diminuindo o seu espaço, criando montes de histórias, sorrisos, tristezas, dores e explosões sentimentais. Tudo era extravasado na caixa. Tinha gente que depositava sua história, mas, além disso, sentava do lado, conversava, descarregava seus demônios para o objeto, pois, talvez, não era satisfatória aquela entrega mecânica: por a carta no local; já bastava o comportamento diário do povo daquela cidade. Todos da região, milagrosamente, confiavam nesse instrumento, viam como um cofre que guardava segredos profundos, aqueles que poderiam santificar ou excomungar alguém.

E, então, as cartas tomaram todo o espaço da “santa” caixa. E agora? O que fazer? Onde depositar as angústias, as carências? Em pouco tempo, todos ficaram sabendo da péssima notícia, e tinham que encontrar um meio para que tudo se normatizasse. Mas, como, se o ambiente, as pessoas eram, de fato, a própria solidão? Se nenhuma solução fosse encontrada, o município, literalmente, ganharia o apelido de “A Cidade do Silêncio”; não sendo, apenas, uma alcunha dada por turistas que, sem conhecimento do local, passeavam por lá, no intuito de diversão, e viam, no final, um verdadeiro tédio presente naquele lugar.

O desespero aumentava cada vez que as horas se passavam e não havia solução para a caixa. Apesar da solidão, da caixa cheia, seria conveniente – e trapaceador, também – jogar fora um monte daquelas mensagens, dando espaço para novos desabafos, “terapias”… Mas, por incrível que pareça, além da esperança, a honestidade era outro ponto positivo daquele município, ficando todos os bilhetes intactos, sem com que bisbilhotassem. Então, tudo ficava como estava, aumentando mais a angústia. Entrava e saia gente – de um por um –, na esperança que alguém trouxesse a solução, mas a realidade, a tristeza acompanhava a face de quem saia do local, denotando resultados não tão bons.

De repente, no absoluto desespero, um rapaz foi de encontro à caixa, tentando, pelo menos, desabafar com ela, chorar suas dores, já que as cartas não poderiam ser o meio mais viável. Minutos depois, outro garoto entra na grande sala. Ele adentra tão ansioso que não percebe que já havia alguém no local. Os dois ficam espantados, percebem que o contato pode ser mais que informal, pois as sensações e os sentimentos estão aguçados. No silêncio, as lágrimas rolaram no rosto de ambos, e, logo após, a milagrosa interação:

– O que estamos fazendo de nós? – disse o rapaz que já estava no salão.

– Não sei… Só sei que estamos ficando loucos e depositando o coração, a cidade, todo o espaço numa caixa… E isso não está certo.

– A responsabilidade está toda num objeto, em algo que não tem vida. Enquanto isso, estamos nos acabando, alimentando uma tradição que nem sabemos quem iniciou. Talvez, foram algumas famílias no auge de suas intrigas.

– Não vamos encontrar os porquês dessa insana história, mas, sim, iniciar outra aventura… Alguma que termine bem…

Depois de todas essas verdades expostas, nenhuma palavra a mais caberia naquele momento se não um abraço sincero e apertado. Nesse instante, na inocência e ansiedade de buscar o afago da caixa, uma garota entra no ambiente, vendo toda a cena e, logo após, participando de todo o contexto. Era questão de tempo até todos entrarem no estabelecimento; alguns pela carência de obter contato; outros por curiosidade em ter significativos resultados sobre o problema presente.

A caixa, mesmo “incapacitada” de afagar por completo o vazio de cada um, “aproximou” a todos, fazendo esse individualismo se quebrar, nascendo um novo modelo, um novo ar. O coração – a caixa – daquela cidade batia numa velocidade gostosa, agora, vivia a adrenalina, a aventura, o pulsar… Dias desconhecidos e prazerosos tomavam o espaço. Veio, enfim, a alegria da mocidade banhar toda daquela região.

 

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“Além do horizonte”… está a felicidade

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“Ser feliz para mim, é estar de bem comigo mesma! É também estar perto das pessoas que eu amo e sei que também me amam!”, esclarece Érika Andrade. A busca pela felicidade é algo árduo e muitas vezes perigoso para a vida, porque envolve inúmeros fatores, psicológicos e emocionais, tudo afetando o indivíduo positivo ou negativamente dependendo dos estímulos procurados e das respostas alcançadas.

A Rede Globo exibiu a novela “Além do Horizonte”, cujo enredo principal envolvia a busca pela verdadeira felicidade. A Revista Super Interessante traz uma reportagem explorando exatamente o  perigo da felicidade, o seu lado “B”. Parece brincadeira, mas a Universidade de Yale (EUA) fez uma pesquisa com 20 mil participantes, o resultado apresentou que indivíduos com o bem-estar equilibrado tem níveis moderados de sentimentos positivos e negativos, e que tendo domínio da sua positividade isso pode significar para a pessoa uma redução de sintomas de depressão e ansiedade, além do aumento da satisfação pessoal.

 

 

A sensação da felicidade sempre foi procurada pelas pessoas durante a História. Mas, qual é a sua definição? Será que é possível defini-la? A estudante de publicidade Monnalisa Coelho apresentou uma colocação, um tanto criativa e filosófica sobre o assunto. Vejamos:

“Felicidade é aquela eterna sensação de bem-estar, todavia, acredito que existem coisas que ajudem a ser mais felizes, ou seja, a felicidade é conquistada, mediante o seu esforço e vontade de ser feliz, independente das adversidades que possam existir porque sentimento são controlados por nós, pelos nossos pensamentos e pela interpretação que fazemos deles. É a nossa decisão que determina isso, porém a plena felicidade não é possível, pois sempre almejamos mais e mais coisas e bens e objetos e se não satisfazemos isso, nos sentimos infelizes. Porque somos constantemente influenciados pelos meios que nos cercam e eles a todo o tempo nos dizem que preciso disso e daquilo para ser feliz., Buscar a plena felicidade é prejudicial, pois a pessoa acredita que para ser feliz ela tem que ter a casa mais cara, o melhor caro, fazer as melhores viagens e se não tiver uma vida cheia de luxo e poder ela não será feliz, sendo que não é necessariamente assim, porque os objetos conquistados nos trazem felicidade momentânea. Sendo a felicidade um estado de espírito sim, mas, muitas pessoas a associam como bens materiais, logo, torna-se difícil ter essa felicidade todo o tempo”.

Mas há outros pensamentos sobre a felicidade. “Se fôssemos máquinas tais como os computadores, onde apagamos e reescrevemos o que queremos no momento em que queremos, talvez chegaríamos perto de uma felicidade constante”, imagina Stanley  Ribeiro, acadêmico de Engenharia Elétrica. A plena felicidade parece ser impossível.  “Não é errado buscar a plena felicidade, mas creio que quem vier a fazer isso será uma pessoa frustrada. Mas, de alguma forma ela conseguirá alguma coisa”, constata o estudante.

 

Momento de felicidade de Stanley, a decisão de seguir a Cristo representado com o seu batismo nas águas. Foto – Arquivo Pessoal

 

Por fim, podemos concluir que a felicidade é algo positivo para a vida, porém é preciso ter um controle psicológico e emocional preparado para enfrentar a diversidade na busca por essa sensação. Estando prontos para altos e baixos durante o caminho, “talvez, a maneira mais fácil de se chegar a isso, é despindo-se de tudo… Assim, a felicidade irá se apresentar a você, sem necessidade de correr atrás dela” , conclui um entrevistado.

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