Uma palavrinha sobre a raiva

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Foi-me sugerida a leitura de um capítulo específico do livro A mente vencendo o humor, que trata sobre a raiva, a culpa e a vergonha, e percebo o quão importante são as informações trazidas ali e o quão essencial é entender estas emoções que permeiam os relacionamentos e as situações das pessoas que nos procuram para a terapia, além de servir para cada um de nós, pois são estados de humor que nos afetam em vários momentos da vida, quando estamos diante de situações desafiadoras que nos fazem sentir ameaçados e/ou injustiçados.

Por agora vou me ater somente à raiva, para conseguir explorar bem os aspectos que percorrem esta emoção. Primeiramente deve-se avaliar com qual frequência, a duração de tempo, e a intensidade que este estado de humor aparece. O objetivo é sentir a raiva com menos frequência, que ela dure um tempo menor, e que não seja tão intensa a ponto de emitirmos comportamentos que depois iremos nos arrepender.

O livro traz uma folha de exercícios que permite você avaliar e depois monitorar  os estados de humor, e perceber o progresso ao passar do tempo. Após feito este levantamento, é importante entender como estas emoções funcionam e o que você pode fazer para se sentir melhor em relação à elas.

A raiva, assim como outros estados de humor, vêm acompanhada por mudanças no pensamento, no comportamento e nas reações físicas. Quando experimentamos a raiva, todo nosso corpo é estimulado para a defesa ou o ataque. A grande sacada é entender que a intensidade que experimentamos a raiva (deste irritação até fúria) é totalmente influenciada pela nossa interpretação da situação vivida, e isso pode variar de pessoa pra pessoa, pois esta maneira de vivenciar a situação perpassa a experiência de vida do sujeito, suas regras ou pressupostos e as crenças que ele tem.

A raiva normalmente está associada à percepção de injustiça, e também está relacionada à ameaça, dano ou prejuízo e à crença de que foram violadas regras importantes. Este sentimento está muito relacionado também às expectativas que temos de outras pessoas. Quanto mais próxima a nossa relação com alguém, mais expectativas temos, e quando percebemos que as pessoas não atenderam a nossa expectativa em relação a alguma coisa, ficamos frustrados, então aparece o sentimento de decepção, dor e de raiva.

Existem algumas estratégias que podem nos ajudar no manejo da raiva, e com treino podemos adquirir habilidades para lidar melhor com esta emoção. De acordo com a Terapia Cognitivo – Comportamental, que é a minha abordagem de escolha, e da qual o livro se refere, o conteúdo dos nossos pensamentos no momento da emoção contém informações muito importantes, e examinar este conteúdo irá nos ajudar a responder às situações de forma mais construtiva.

A TCC como é chamada, nos convida a questionar nossos pensamentos e nos propõem ampliar nosso olhar para que possamos encontrar formas alternativas de pensar em dadas situações. Quando estamos com raiva, costumamos interpretar os acontecimentos equivocadamente e as intenções das pessoas de forma negativa. Aprender a interpretar as ações das outras pessoas, considerar suas intenções de forma mais respeitosa e encarar as situações a partir de diferentes perspectivas são formas úteis de responder à raiva.

Fonte: encurtador.com.br/pwUW5

O livro traz um instrumento que pode ser utilizado para praticar essa reflexão, que consistem em um Registro de Pensamento, onde você descreve a situação, o humor experimentado durante a situação e quais pensamentos ocorreram durante este processo, conforme figura abaixo:

Folha de Excercícios 15.3 Compreendendo a raiva, a culpa e a vergonha

1.     Situação

Quem?

O quê?

Quando?

Onde?

2.     Estados de humor

a.      O que você sentiu?

b.     Avalie cada estado de humor (0-100%)

3.     Pensamentos automáticos (imagens)

a.      O que estava passando por sua mente instantes antes de começar a se sentir assim? Algum outro pensamento? Imagem? Lembrança?

b.     Circule ou marque o pensamento “quente”.

 

 

 

 

 

 

A mente vencendo o humor, segunda edição. 2016 Dennis Greenber e Christine A. Padesky.

Quando as pessoas ficam com raiva, elas tendem a tirar conclusões precipitadas, que podem ser imprecisas. Quando você estiver tendo uma discussão com raiva, pare e pense em suas respostas antes de atacar. Lembre-se de ouvir a outra pessoa na conversa. Uma boa comunicação pode ajudá-lo a resolver problemas antes que sua raiva aumente.

Outra forma de auxílio no controle da raiva é antecipar e se preparar para acontecimentos que possivelmente tragam essa emoção, se planejando, ensaiando mentalmente para aquele momento que possivelmente será estressante, dessa forma você poderá se sentir mais confiante e menos ameaçado se as coisas não derem certo. Sua resposta pode ser mais eficaz e adaptativa se utilizar deste “roteiro” pensando no que você quer atingir ao entrar naquela situação.

Além disso é importante reconhecer os primeiros sinais de raiva, para que ela não chegue a sair do controle, como por exemplo ficar instável, sentir tensão muscular, aumento da frequência cardíaca, mandíbula cerrada, aumento da pressão arterial e atitude defensiva ou de ataque. Você nesse momento pode parar e perceber o que está acontecendo e escolher ter a raiva (o que significa que os sinais se intensificarão ainda mais) ou dar um tempo e usar a assertividade para se acalmar.

Dar um tempo significa se afastar da situação quando você percebe os primeiros sinais que está ficando com raiva. Essa estratégia simples pode ajudá-lo a encarar a situação de forma diferente. Faça um intervalo (o tempo você determina de acordo com a complexidade da situação), e após esse tempo você retornará à situação provavelmente de uma forma bem mais eficaz.

A assertividade diz respeito à um ponto intermediário entre ser agressivo ou permitir passivamente que alguém se aproveite de você. O livro traz um exemplo que fica bem nítido. Suponha que vocês está voltando pra casa do trabalho e seus filhos começam a pedir sua atenção, todos ao mesmo tempo. Se estiver cansado e tentar satisfazer as necessidades deles (passivo), você começará a se sentir sobrecarregado e acabará explodindo de raiva (agressivo). Geralmente é melhor ser assertivo e dizer algo como: “Estou muito cansado e preciso de alguns minutos antes de brincar com vocês. “Isso dá tempo para você se recuperar, lembrar-se do quanto ama seus filhos e preparar-se para um tempo com eles e/ou definir limites quando necessário. Para ajudar você pode usar algumas estratégias como:

  1. Usar afirmações do tipo “Eu” – quando estamos com raiva queremos acusar então começamos com “Você”. Substituindo o “Você” por “Eu” aumentam as chances de fazer a outra pessoa escutar o que vocês está tentando comunicar;
  2. Reconheça o que há de verdade nas queixas que alguém tem de você, e ao mesmo tempo, defenda seus direitos. (como por exemplo aprender a dizer não sem se sentir egoísta, mas na perspectiva que você está cuidando um pouco de você);
  3. Faça declarações claras e simples sobre seus desejos e necessidades, em vez de esperar que outras pessoas leiam sua mente e prevejam o que você quer. (Isso vai te ajudar a alinhar as expectativas com o outro);
  4. Foque no processo de assertividade, e não nos resultados. (Foco no objetivo da comunicação clara, informar as pessoas que nos relacionamentos sobre nossas expectativas ou limites frequentemente reduz a mágoa e a irritação que podem conduzir à raiva).

E por último, praticar o perdão. Muitas vezes a raiva é consequência de mágoas profundas e repetidas que guardamos dos outros, por algo que eles tenham cometido contra nós. Este estado de raiva constante pode corroer o nosso espírito e nos impedir de experimentar felicidade e alegria. Não que este seja um exercício fácil, mas aceitar os fatos ocorridos e se despender da raiva vai aliviar a nossa carga na caminhada da vida. Perdoar não significa desconsiderar as ações da outra pessoa, significa olhar para essas ações de forma diferente.

Você pode tentar por si só controlar melhor a raiva quando ela aparece com as estratégias trazidas aqui, como testar os pensamentos de raiva, preparar-se para acontecimentos que provavelmente incitarão este humor, reconhecer os primeiros sinais de alerta, dar um tempo, ser assertivo e perdoar. Use esses métodos regularmente. Com prática você conseguirá ser mais eficaz quando precisar delas. Mas se mesmo depois disso você perceber que não têm uma boa regulação emocional para lidar com esse sentimento, que você têm prejuízos nos relacionamentos interpessoais por falta de saber lidar com a raiva, a terapia é uma excelente alternativa que pode ensiná-lo a se comunicar melhor, aumentando as interações positivas em seus relacionamentos e a desenvolver habilidades para ajudá-lo a exercitar as estratégias de identificação e a alteração de expectativas e regras. Essas habilidades podem reduzir a raiva e melhorar a qualidade de suas relações, e consequentemente sua qualidade de vida.

Referências:

GREENBERGER, Dennis; PADESKY, Christine A. A mente vencendo o humor: Mude como você se sente, mudando o modo como você pensa. Porto Alegre: Editora Artmed, 2ªEd., 2016.

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O aumento da invalidação de sentimentos na pandemia

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“Isso não é nada, não precisa chorar por isso”, talvez você já tenha escutado essas frases ou até mesmo as pronunciado em algum momento de sua vida para qualquer pessoa que tenha um grau de proximidade. Talvez já tenha dito a você mesmo “não tem porque eu me sentir assim, olha o meu amigo que tem um problema muito maior que o meu e não está sofrendo”. Estas típicas frases representam o que denominamos de um processo de “invalidação emocional” que ocorre quando os sentimentos e emoções de uma pessoa são tratados como errados, inadequados ou ridicularizados. Aprendemos isso ao longo do nosso processo de formação sem nem perceber, quando nossos pais desqualificaram nosso sentimento de tristeza e dor por um tombo de bicicleta ou quando nosso bichinho de estimação morreu. Quando a professora reclamava da nossa tristeza e decepção por ter tirado uma nota 8 e não 10, o que reforçava a compreensão de que nossas necessidades e sentimentos não eram válidos, não eram importantes.

Hoje compreendemos que tais práticas não nos ensinou a sermos pessoas mais fortes e resilientes, mas sim em reprimir nossas emoções, esquivar de determinados sentimentos e tornar invisível as necessidades do outro e nossa própria enquanto o mais assertivo seria acolher, orientar e descobrir em conjunto a melhor forma de lidar com aquele sentimento para aquela situação.

Na dinâmica familiar entre pais e filhos, marido e mulher, a invalidação emocional traz muitos prejuízos para a qualidade dos laços afetivos, da comunicação, do sentimento de pertencimento daquele sistema familiar.

E como ficamos com a invalidação emocional somado à pandemia? Não é “atoa” que nos dias atuais nos deparamos com diversos relatos e manifestações de pessoas, que também são trabalhadores, pais, filhos, esposos (as) verbalizando seu desespero, sua sensação de exaustão emocional, sua desesperança e clemência por socorro, reafirmando que não sabem mais como lidar com tantos sentimentos.

Fonte: encurtador.com.br/rFJT7

De repente a pandemia apareceu e nos forçou a estar em casa convivendo e lidando integralmente com nossas emoções, anseios, sem artifícios e recursos externos como ir a academia, dar uma volta no shopping, praticar um hobby, dentre tantas outras opções de lazer, que funcionavam como uma válvula de escape. Hoje vivenciamos inúmeros desafios que vão desde o distanciamento social, as dificuldades de acompanhar os filhos na educação remota sem ter didática pedagógica, em conciliar os cuidados da casa e da família com o trabalho remoto e outras. Somado a esta sobrecarga, muitos estão vivendo o desafio de descobrir quais são estes sentimentos e emoções que estão sendo aflorados e de aprender a lidar com eles. E esta não é uma tarefa fácil, considerando que durante todo nosso processo de construção pessoal fomos influenciados a esquivar ou negar nossas próprias emoções e necessidades psíquicas, o que acarreta hoje na “desqualificação pessoal”, provocando crenças de que não somos capazes, não vamos dar conta, ou como estamos fazendo está longe de ser o melhor e o adequado.

Para enfrentarmos essa sensação de exaustão emocional, é necessário tirar um tempo para a reflexão e se desprender do ideal imaginário de que temos de ser perfeitos. Busque refletir se foi levado a acreditar desde muito pequeno que suas necessidades não são importantes, se suas emoções e sentimentos foram reprimidos ou desvalorizados por quem esperava que o apoiasse ou trouxesse resposta àquela sensação ainda desconhecida por você. É de suma importância reconhecer isso, dar oportunidade de acolher sua criança interior, que teve emoções reprimidas, invalidadas, para então buscar adquirir recursos para começar a validar os seus sentimentos, tornando assim possível acolher e validar os sentimentos das pessoas que estão convivendo com você neste período pandêmico. Entenda que todas as emoções são válidas e importantes, por isso devem ser acolhidas. A busca pelo autoconhecimento pode ser a porta de entrada para uma melhor qualidade de vida neste período.

Comece a reconhecer e dar nome aos seus sentimentos, para que possa ouvir com atenção os de seus filhos, esposo (a), pais, e permitir assim que expressem os deles. Com seus filhos, compartilhe suas experiências de infância, utilize destes momentos para se conectarem e descobrirem juntos maneiras de lidar com as emoções desagradáveis. Com seu companheiro (a) compartilhe suas dificuldades, tentem deixar as atividades do cotidiano divididas igualmente, use a criatividade e separe um momento do dia ou da semana para realizarem um hobby ou aprenderem algo novo juntos. Dominar teorias complexas não irá proporcionar uma qualidade de vida e relações fortalecidas, mas a sua autopercepção, sua autoestima, sentimentos de amor, afeição e empatia poderão impactar na sua qualidade de vida.

“Não é o momento de abraçar, mas nunca foi tão necessário acolher”
autor desconhecido

Referências

CARNEIRO, Terezinha Féres-. Casamento contemporâneo: o difícil convívio da individualidade com a conjugalidade.Psicologia: Reflexão e Crítica, vol. 11, núm. 2, 1998.Universidade Federal do Rio Grande do Sul Brasil. Disponível em <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79721998000200014&lng=en&nrm=iso&tlng=pt>. Acessado em Fevereiro de 2021.

GOTTMAN, John, Ph.D.; DeCLAIRE, Joan. Inteligência emocional e a arte de educar os filhos: como aplicar os conceitos revolucionários da inteligência emocional para uma compreensão da relação entre pais e filhos.Rio de Janeiro:Objetiva, 2001.

ROSENBERG, Marshall B. Comunicação não violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: Ágora, 2006.

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