Apatia emocional no (quase) pós-pandemia: um recorte para adolescentes em idade escolar

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A longa duração da pandemia do covid-19 tem revelado um vasto cenário de consequências e imprevisibilidades comportamentais que acometem pessoas das mais variadas idades, mas principalmente os jovens a partir de 12 anos de idade em idade escolar. Apatia emocional e cansaço extremo tem sido a maioria das queixas dos adolescentes na escola. Estudantes enfrentam a dura luta de reaprender a pensar, estudar, estabelecer relações lógicas, e fazer uma prova ou uma simples atividade avaliativa em sala de aula. O ato em si de concentrar-se em uma sala de aula incorre em incômodos que vão desde a inquietação e ansiedade a total apatia emocional.

Muitos dos efeitos da pandemia sobre a nossa saúde mental são facilmente identificáveis. Um desses efeitos sentidos as vezes permanece escondido e é até difícil de nomear. O Sociólogo Corey Keynes nomeou esta sensação “languishing”. Tal sentimento foi descrito pelo psicólogo organizacional Adam Grant no jornal The New York Times, é um estado emocional que, em sua essência, se define pelo vazio…. O Psicólogo definiu esse estado de moleza, cansaço e desânimo como “definhamento”.

De acordo com o autor, isso acontece quando uma pessoa tem a sensação de vazio e estagnação na forma como ela se percebe diante da vida. Os sinais são variáveis e passam por esquecer que dia da semana é hoje frequentemente, e por uma impressão de que se está observando a própria por meio de um para-brisa enevoado. Uma parcela da população mundial já lida com as consequências da apatia persistente, marcada, substancialmente, pela sensação de vazio que determina o languishing, sensação que não passa, perdura dia após dia.

É como se a pessoa estivesse no limbo, num estado de indecisão, incerteza, indefinição e nada a movesse para sair desse lugar. É viver com sentimento de desalento e desamparo.

Fonte: encurtador.com.br/cmPW2

Para Adam Grant, esse sentimento poderia se tornar a emoção dominante em 2021, o que de fato presenciamos isso nos estudantes nas escolas. Em 2022 o cenário mudou pois já com muitas pessoas vacinadas a incidências de casos da covid-19 caiu drasticamente, porém agravou-se pelo estado de irritação e impaciência de adolescentes inseridos em ambiente escolar. Enquanto estudantes, eles tem que lidar com sua rotina de estudos que inclui o tempo de permanência dentro da sala de aula por até seis horas aulas por turno com um intervalo de recreio em média de 30 minutos. Essa rotina que antes da pandemia era considerado tranquila, hoje é reforçado por comportamentos de desprezo, inquietação, imediatismo, irritabilidade e apatia emocional. Todo esse comportamento é resultado de período longo de enclausuramento pandêmico, fato que levou os adolescentes a repensarem o tempo de permanência dentro da escola e até a metodologia de ensino neste período quase pós pandêmico.

Não podemos deixar de considerar o fato de que a pandemia acentuou a diferença entre aqueles que já apresentavam dificuldades na aprendizagem, hoje o simples ato de aprender exige muito mais deste aluno como do professor regente. O ensino online modelou o comportamento dos estudantes e consequentemente é um causa para o medo e a desmotivação atual na escola.

Diante deste cenário é fato que o ensino aprendizagem apresenta grandes desafios que envolvem desde novas metodologias e estratégias de ensino a formas empáticas de acolher, escutar e tentar perceber as diversas nuances comportamentais afloradas e repercutidas dentro da sala de aula como também ter um olhar diferenciado para aqueles alunos de inclusão social e pedagógica. Esse movimento é perfil característico de um novo educador, que também precisou de reinventar, aprendendo novas tecnologias e utilizando novas metodologias transformando um ambiente virtual em uma sala de aula.

Fonte: encurtador.com.br/qPVWZ

Infelizmente ainda vivemos em um mundo onde muito se estigmatiza a saúde mental, onde é mais fácil rotular do que pensar sobre as causas de comportamentos afetivos. Hoje vivemos um tempo em que o ser humano grita para ser ouvido e entendido. De acordo com (GRADIN, 2018) rotineiramente adolescentes e jovens buscam ajuda psicológica com sintomatologia de tédio, apatia e vazio existencial. Tais casos são corriqueiros e frequentes em consultório e trazem uma narrativa de carregarem um vazio incômodo, pesado e paralisante.

É necessário pensarmos na complexidade do ser humano, observando as premissas que norteiam as causas e relações dos comportamentos humanos. Assim poderemos perceber que há fatores determinantes que afetam a saúde emocional de muitos e que no caso dos adolescentes, esses fatores são mais intensos, profundos e por muitas vezes paralisantes. Ao reconhecer que muitos adolescentes estudantes estão definhando, podemos começar a dar voz ao desespero silencioso e iluminar um caminho para sair do vazio.

De acordo com Morin ao pensar complexo deve-se considerar a incerteza e as contradições como parte da vida e da condição humana e ao mesmo tempo o autor sugere que a solidariedade e a ética deve ser o caminho para a religação dos seres e dos saberes.

Fonte: encurtador.com.br/azFJK

No início do século XX ocorreram duas revoluções, uma envolvendo a teoria da relatividade de Albert Einstein e a outra a mecânica quântica de Max Planck. Tais teorias obrigaram a humanidade a rever doutrinas e tiveram aplicações nas mais diversas áreas, da filosofia à indústria bélica. A teoria quântica, por exemplo, derrubou certezas da Física e as substituiu pela noção de probabilidade. A relatividade pôs em questão os conceitos de espaço e tempo.  Essas e outras reformulações do conhecimento humano levaram Morin a definir sete “princípios-guia” da complexidade, interdependentes e complementares. São eles os princípios sistêmico (o todo é mais do que a soma das partes), hologramático (o todo está em cada parte), do ciclo retroativo (a causa age sobre o efeito e vice-versa), do ciclo recorrente (produtos também originam aquilo que os produz), da auto-eco-organização (o homem se recria em trocas com o ambiente), dialógico (associação de noções contraditórias) e de reintrodução do conhecido em todo conhecimento.

A escola da contemporaneidade precisa pensar nessas novas ferramentas de estratégias para serem utilizadas livremente desde o planejamento das aulas até a ministração da aula em si de forma a contemplar os diversos estados emocionais que podem eclodir dentro da sala de aula.

A psique juvenil está em fase de desenvolvimento, muitos pensamentos e sentimentos se conflituam deixando ainda mais intenso e dolorosos os processos relacionais. É necessário que na escola haja um olhar empático, uma visão de todos, sem fragmentações, encaixar todos no mesmo quadrado e sim pensarmos o ser humano com Carl Jung pensou, quando disse: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana seja apenas outra alma humana”.

REFERÊNCIAS 

AVENTURA DE CONSTRUIR. Um novo normal também na escola. Disponível em: https://aventuradeconstruir.org.br/. Acesso em: 24 abr. 2022.

BOCK, A. M. B. A adolescência como construção social: estudo sobre livros destinados a pais e educadores. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11  • 63-76, , v. 11, n. 1, p. 63-76, null.

CORREIO BRAZILIENSE. Entenda o languishing: entorpecimento da vida e sensação de vazio. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/ciencia-e-saude/2022/01/4981358-entenda-o-languishing-entorpecimento-da-vida-e-sensacao-de-vazio.html. Acesso em: 24 abr. 2022.

MORIN, Edgar. A Educação e a Complexidade do Ser e do Saber. 13. ed. São Paulo: Editora Vozes, 2011.

NOVA ESCOLA. Edgar Morin, o arquiteto da complexidade. Disponível em: https://novaescola.org.br. Acesso em: 24 abr. 2022.

VIVA BEM UOL. Languishing: o que é essa sensação de apatia que cresceu durante pandemia?. Disponível em: https://www.uol.com.br/. Acesso em: 24 abr. 2022.

VOCÊ RH. Desânimo e apatia se proliferam na pandemia: como enfrentá-los? . Disponível em: https://vocerh.abril.com.br/. Acesso em: 24 abr. 2022.

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O uso do Álcool na Pandemia

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Era 31 de dezembro de 2019, o mundo ouvia falar em um vírus desconhecido. No Brasil, nos preparávamos para a queima de fogos, para as promessas de um novo ano com 365 dias de oportunidades.

Em Wuhan – China, os médicos se depararam com os primeiros pacientes da doença nCoV 2019(Corona Vírus) em dezembro, apresentando sintomas de doenças já conhecidas como pneumonia, os mesmos, não respondiam de forma satisfatória ao tratamento e exames de imagem mostravam danos pulmonares severos. Os Especialistas estavam estarrecidos com a situação, mas, nem de longe, acreditavam se tratar de uma epidemia local, sequenciando uma pandemia global (Huang, 2020).

O ano começou, 2020 trouxe com ele a chance de um novo emprego, de grandes expectativas… Parecia um ano como todos os outros, escolheram a Globeleza, escolhemos nossos abadás de carnaval. Brasil, o país do carnaval, né?! Mas, a festividade passou. E com ela levou a folia, os abraços, os beijos, as carícias, os contatos, tudo.

Fonte: encurtador.com.br/jvU28

Na China, especialistas e pesquisadores corriam contra o tempo para identificar que novo vírus era esse, quais eram suas características, como se desenvolvia, etc. Imaginem, uma correria só! Cerca de 41 pacientes internados no hospital foram identificados como tendo infecção por nCoV 2019, confirmadas já em laboratório. A maioria dos infectados era masculina.

Dia 26 de fevereiro, o primeiro caso de um tal de COVID-19 aqui no Brasil veio à tona, a essa altura já sabíamos que era/é um vírus letal. “Ah, mas ele não aguenta nosso clima tropical”, disseram.  “Pode ser que essa nova variedade não chegue ao Brasil, como o da Sars não chegou, porque seu avanço foi possivelmente bloqueado pelas temperaturas altas das regiões tropicais”, disse o virologista Edison Luiz Durigon, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo – ICB-USP (FABESP,2020). Quem dera fosse verdade.

Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde anuncia que sim, COVID-19 é uma pandemia, ou seja, o mundo estava/está lutando, combatendo o mesmo vírus. E que por sua vez, ataca os pulmões e tem transmissão em velocidade recorde. O mundo entra em um filme de terror.

Fonte: encurtador.com.br/sCSVY

Nas últimas duas semanas, o número de casos de Covid-19 [doença provocada pelo vírus] fora da China aumentou 13 vezes e a quantidade de países afetados triplicou. Temos mais de 118 mil infecções em 114 nações, sendo que 4.291 pessoas morreram”. Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, 2020.

Como forma de tentar conter o avanço desenfreado da Covid – 19, a Organização Mundial de Saúde – OMS recomendou várias medidas preventivas, dentre elas, o isolamento social. Com a disseminação do vírus no mundo, aqui no Brasil, governadores e prefeitos adotam tais medidas com o intuito de não colapsar os hospitais. Veja só, nada de churrasco no fim de semana, nada de barzinho na sexta feira, cineminha, então nem pensar. Os brasileiros, povo de aglomeração estavam prestes a passar pela prova de fogo, uma quarentena (40 dias e 40 noites que se tornaram 365 dias).

Uns dias em casa sem poder convidar amigos e familiares?! Molezinha. Assim, o Brasil coloca a taxa de vendas de bebidas alcoólicas em 93,9%. Isso mesmo que você acabou de ler, 248,9 mil compras de cerveja entre 24 de fevereiro a 3 de maio de 2020, segundo a plataforma Compre&Confie (2020). Em casa + 0 coisas para fazer + tédio = cerveja, né?! Oh no, ou no, ou no, no, no (cantou que eu sei).

Fonte: encurtador.com.br/asDX8

O problema foi que algumas “pessoinhas” começaram a utilizar as redes sociais para fazerem divulgações MENTIROSAS, entre elas, que o álcool ajudava a prevenir o Corona Vírus (é mole?!), com isso a OMS (2020) divulgou um folheto chamado “Álcool e Covid-19: O que você precisa saber”, com o intuito de informar e combater as famosas Fake News. Ao invés de evitar a contaminação pelo novo coronavírus, o alto consumo de álcool debilita o sistema imunológico e ainda pode acarretar riscos de desconforto respiratório agudo (SDRA), o que já sabemos que é um dos cargos chefes da doença (OPAS/OMS, 2020).

Aqui no Brasil, nós já gostamos de beber uma cervejinha aqui outra ali, né?! E com tanto estresse, incertezas, o consumo de álcool foi para 42%, segundo a ONU (Brasil, 2020). O que nos remete pensar que usamos o álcool nesses momentos à procura de um efeito relaxante, equivocadamente.

Entenda que o aumento do uso de álcool não apenas pelos possíveis danos à saúde. Mas também pelas suas consequências no meio social. Em São Paulo, houve um aumento de 22% de casos de violência letal praticados em mulheres e 44,4% de violência doméstica. No Amapá, o aumento foi de 100% no que se trata de feminicídios durante a pandemia (FBSP,2020). É triste pensar que ainda estamos em tempos de pandemia, até onde esses números irão chegar?

Essa pandemia não tem sido fácil para ninguém, não tornemos esse momento ainda mais difícil! O uso excessivo de álcool pode debilitar seu sistema imunológico e ainda acarretar problemas ainda maiores dentro do seu lar. Caso precise de ajuda (e precisamos), procure um psicólogo no seu município, procure o Centro de Atendimento Psicossocial Álcool e outras drogas – CAPS AD, a Unidade Básica de Saúde, o Centro Comunitário de Saúde – CSC pelos canais de atendimento.

Fonte: encurtador.com.br/bmtDE

Vamos criar estratégias de enfrentamento mais saudáveis durante a pandemia para lidar com o estresse, o tédio, as incertezas e até mesmo o luto, que tal? Atividade física com a família, jogos de grupo, tira o jogo Uno da gaveta, aquele bom e velho dominó, vale até truco (jogo de cartas). E a cerveja? Coloque um dia da semana para apreciar a bebida, chamamos isso de redução de danos, capitou a palavra? Vamos reduzir os danos?

A falta de rotina nos deixa ociosos e com isso, a carga de estresse aumenta, então prepare seu calendário da pandemia, o dia do cineminha em casa com pipoca e suco (combina, né?!), com chocolate para dar uma equilibrada. Acorde, tome café da manhã reforçado, almoço saudável e a noite aquela cervejinha, porque equilíbrio é tudo.

Não tem conseguido controlar o humor, a agressividade, ou a carga de estresse está muito alta? Primeiro, respire fundo e depois, procure ajuda profissional. Sua família merece esse cuidado, sua namorada merece esse respeito e você merece esse carinho por si mesmo. Se cuide nessa pandemia com todos os protocolos de prevenção contra a COVID-19, beba com moderação e procure ajuda sempre que for necessário, você não precisa enfrentar tudo isso sozinho.

REFERÊNCIAS 

BRASIL. Ministério da Saúde. Resposta nacional e internacional de enfrentamento ao novo coronavírus. Brasília. Disponível em < https://coronavirus.saude.gov.br/linha-do-tempo/#jan2020> Acesso em: 01 de maio de 2021.

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Violência Doméstica Durante Pandemia de Covid-19 Edição 03. Nota Técnica. c2021. Disponível em: < https://forumseguranca.org.br/publicacoes_posts/violencia-domestica-durante-pandemia-de-covid-19-edicao-03/> Acesso em: 01 de maio de 2021.

GARCIA, L. P.; SANCHEZ, Z. M. Consumo de álcool durante a pandemia da COVID-19: uma reflexão necessária para o enfrentamento da situação. Cad. Saúde Pública vol.36 no 10 Rio de Janeiro 2020. E pub. Oct 26, 2020. Disponível em <https://doi.org/10.1590/0102-311×00124520> Acesso em: 01 de maio de 2021.

HOSPITAL SANTA MÔNICA. Uso abusivo de álcool durante a quarentena: os perigos do aumento de consumo. São Paulo. Pub. 29 de outubro de 2020. Disponível em: < https://hospitalsantamonica.com.br/uso-abusivo-de-alcool-durante-a-quarentena-os-perigos-do-aumento-de-consumo/#:~:text=A%20falta%20de%20uma%20rotina,n%C3%A3o%20segue%20mais%20essa%20regra.> Acesso em: 01 de maio de 2021.

HUANG, C.; WANG, Y.; LI, X.; REN, L.; ZHAO, J.; HU, Y.; et al. Características clínicas de pacientes infectados com novo coronavírus de 2019 em Wuhan, China. THE LANCET. volume 395, ISSUE 10223, P497-506,15 de fevereiro de 2020. Publicado em 24 de fevereiro de 2020. Disponível em <  https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30183-5> Acesso em: 01 de maio de 2021.

NEVES, U. Consumo de bebidas alcoólicas cresce 93,9% na quarentena. Portal PEDMED, pub. 20 de fevereiro de 2021. Disponível em: < https://pebmed.com.br/consumo-de-bebidas-alcoolicas-cresce-939-na-quarentena/> Acesso em: 01 de maio de 2021.

ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE.  Folha Informativa sobre a COVID-19. Brasília: OPAS/OMS https://www.uniad.org.br/wp-content/uploads/dlm_uploads/2020/04/PT_ALC_COVID_LONG_SHEET_11420OPAS.pdf> Acesso em: 01 de maio de 2021.

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Vida acadêmica: da expectativa ao enfrentamento de dificuldades

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Josélia ingressou na faculdade no ano de 2014, com 39 anos de idade, havia concluído o ensino médio há mais ou menos 20 anos. Não obstante a mesma já tinha iniciado outros dois cursos superiores, mas não havia dado certo. Iniciou a faculdade de Psicologia com muitas expectativas, sonhos, como se estivesse indo para escola pela primeira vez. Josélia, além de ser acadêmica, era filha, mãe de dois filhos de 22 e 12 anos, esposa e empreendedora. Cursar Psicologia naquele momento era uma realização pessoal de muito, muito tempo atrás, um sonho que não foi possível realizar antes, mas agora tinha investimento, recursos e talvez tempo para arriscar a realizar este sonho.

Logo no primeiro semestre se deparou com uma disciplina muito complexa para quem há tanto tempo permaneceu afastada dos estudos. Foi neste momento que ela teve sua primeira frustração e desencanto, pois o seu rendimento acadêmico não foi um dos melhores, uma vez que sua nota foi baixíssima por ter dificuldade de assimilar o conteúdo e compreendê-lo. Para ela, a única explicação, foi o fato de ter passado tanto tempo acomodada no que tange aos estudos, mas afinal, quem sabia da sua história mais do que ela mesma? A resposta seria: “Naquele momento, apenas ela!”.

Logo após ter recebido o resultado de sua primeira avaliação, Josélia sofreu bullying por parte de um dos professores, foi chamada de burra, não só uma, mas várias vezes pelo fato de não entender a matéria. Tal professor fazia questão de dar o “atestado de burrice” a qualquer aluno(a) que demonstrasse falta de entendimento na sua disciplina. Josélia ficou estarrecida e volta e meia se questionava, como uma instituição de ensino daquele porte, com professores renomados, num curso de Psicologia, poderia ter esse tipo de comportamento?

Fonte: encurtador.com.br/cnFMQ

O que ocorreu naqueles primeiros momentos marcou profundamente a vida acadêmica e pessoal dela, seu sofrimento foi tanto que pensou em desistir. Certo dia, ao chegar à sua residência, trancou-se em um dos quartos e chorou descompassadamente como criança. O sentimento dela era de que o seu mundo havia desmoronado, o seu sonho havia se tornado um pesadelo. E não era apenas a pressão acadêmica que gerava sofrimento a ela, mas os vários papéis que tinha de desempenhar, como ser mãe, ser trabalhadora, ser esposa.

Infelizmente, ela se sentia só e não tinha uma rede de apoio suficiente para ter melhores resultados acadêmicos e se dedicar o suficiente aos estudos, como queria. Percebeu então que carecia de outros recursos além dos financeiros para poder se formar, como tempo para estudar e se dedicar.

 Seus familiares não entendiam o que havia acontecido, pois ela não tinha coragem de falar por vergonha de dizer que fraquejou, pelo baixo desempenho e pela vergonha que passou perante todos seus colegas de disciplina. Talvez eles nunca se dessem conta do quão imenso foi o sofrimento causado na vida dela. O mais doloroso foi ter que retornar às aulas como se nada tivesse ocorrido, mesmo ciente de que as mais profundas marcas de dor e tristeza não eram visíveis exteriormente, mas interiormente nela.

Fonte: encurtador.com.br/tFTZ5

É importante destacar que essa pressão, o excesso de demandas acadêmicas, às cobranças constantes da rotina universitária fizeram com que Josélia desenvolvesse sintomas que nunca sentiu antes, identificados por ela como reações psicossomáticas. Tristeza constante, paralisação, procrastinação, ansiedade excessiva, falta de confiança, baixa autoestima foram alguns dos sintomas que ela começara a desenvolver depois dessa experiência e de outras semelhantes.

Josélia após se dar conta de que sua longa caminhada estava apenas iniciando decidiu passar por cima de toda aquela dor para tentar ser melhor e mais forte. Assim o fez e mesmo com pouco apoio e se esforçando sozinha, vieram às avaliações, ela deu o máximo de si e conseguiu recuperar sua nota e ser aprovada no final. O mesmo professor que a humilhou perante todos, reconheceu os seus esforços e mudou seu posicionamento e sua percepção em relação à sua “burrice” no passado. A partir desse ocorrido, ela tornou-se uma nova estudante, mais dedicada, porém também, mais retraída.

Contudo, mesmo que ela tenha superado essa experiência, sequelas ainda permaneceram ao decorrer da trajetória acadêmica, pois outra situação semelhante a essa acabou passando. Um exemplo disso foi quando ela passou por procedimentos intensos de saúde para tratamento de hanseníase e mesmo passando mal por conta disso foi assistir aula. Na sala de aula, passou mal, chegando a evacuar na roupa por ter perdido o controle do esfíncter decorrente da dor no estômago que sentia e dos efeitos colaterais do tratamento (poliquimioterapia), após isso desmaiou. Após acordar, várias pessoas estavam ao seu redor juntamente com a professora.

Fonte: encurtador.com.br/vwPZ2

O tratamento da professora quanto a esse ocorrido foi bastante frio, distante e robotizado, como se fosse um procedimento automatizado e mecânico. Não se direcionou empaticamente a estudante, era como se a acadêmica fosse culpada por atrapalhar e interromper a aula (essa foi a visão dela e de muitas outras colegas diante da forma como a professora reagiu naquele momento). Durante esse período percebeu que já estava passando dos seus limites físicos, psicológicos e emocionais e que estava totalmente esgotada, mas pretendia continuar mesmo assim.

Ao decorrer dos semestres, Josélia percebeu que a rotina acadêmica exigia muito esforço e, portanto, é um cenário que pode ser desencadeador de adoecimento psíquico, e não era nada do que imaginava no começo. Mesmo passando por decepções dentro da faculdade, ela viu também outras vantagens, como enxergar a realidade em uma percepção diferente e até mais apurada da realidade a partir do aprendizado de conteúdos relacionados ao curso que escolheu.

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Isolamento Social: possibilitando ajustamentos criativos

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O isolamento social foi considerado uma medida universal de prevenção desde o início do atual surto de coronavírus (SARS-CoV-2), causador do Covid-19, em decorrência da transmissão rápida e com diferentes impactos. Tal iniciativa pode auxiliar na redução da contaminação, sendo necessário para que a normalidade se restabeleça o quanto antes.

encurtador.com.br/acfjX

 A Gestalt Terapia considera que o indivíduo é um ser relacional, em um processo de devir, em constante troca com o meio, e que o processo de mudança está diretamente ligado a criatividade. Segundo Zinker (2007, p. 21) “o ato criativo é uma necessidade tão básica quanto respirar e fazer amor. Somos impelidos a criar”.

 O isolamento é observado como tendo vantagens e desvantagens. O menor entendimento sobre sua condição ou sua necessidade interfere na compreensão sobre os procedimentos e adesão às medidas cautelosas (Duarte et al., 2015 apud Newton et al., 2001). Nesse período, com o aumento da espetacularização da vida nas mídias sociais, está sendo possível verificar o ajustamento criativo (Perls, 1951), processo pelo qual o contato com o meio ambiente se dá através de uma fronteira, de forma saudável, e favorece o despertar da individualidade e o florescer dos relacionamentos.

encurtador.com.br/fDY07

Este é um dos conceitos chaves da abordagem em questão, pois, não implica em “ajustamento” mas em “ajustamento criativo”. Referindo que existe nesse processo a participação ativa do indivíduo, não se tratando de uma adaptação a algo já existente e sim de transformar o ambiente e enquanto este se transforma, o indivíduo também se transforma e é transformado. As práticas ligadas à pinturas, desenhos, modelagens, composições, danças, ligações por vídeos em formações grupais, dentre outras vistas nesse período se caracterizam como parte desse processo de ajustes criativos.

O COVID-19 está nos deixando uma mensagem dura, mas clara, relativa às relações sociais, pois o ato de estarmos em isolamento, ocasiona um benefício coletivo, portanto, ou construímos alternativas melhores em conjunto, ou pereceremos coletivamente. Bastos (2010) descreve em seus estudos a aprendizagem quando centrada nos processos grupais coloca em evidência a possibilidade de novas elaborações, de integrações e de questionamentos acerca de si e dos outros, portanto, é um processo contínuo em que comunicação e interação são inseparáveis, tendo em vista que aprendemos a partir do contato com os outros.

encurtador.com.br/AJSTU

Por fim, a importância do isolamento durante essa fase pode se legitimar, por estar sucedendo em ajustamentos criativos, propiciando processos de constantes transformações, ressignificações, possibilitando aos indivíduos que repensem uma vida possível de ser vivida mesmo em contextos permeados por distanciamentos físicos.

 

REFERÊNCIAS

BASTOS, Alice Beatriz B. Izique. A técnica de grupos-operativos à luz de Pichon-Rivière e Henri Wallon. ​Psicol inf., São Paulo, v. 14, n. 14, p. 160-169, out. 2010.

CIORNAI, Selma. Relação entre criatividade e saúde na Gestalt Terapia. Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt Terapia de Goiânia, Goiânia, v. 1, n. 1, p.1-7, jan. 1995.

DUARTE, Tássia de Lima et al. Repercussões psicológicas do isolamento de contato: uma revisão. Periódicos Eletrônicos em Psicologia, São Paulo, v. 13, n. 2, p.1-5, 2015.

Perls, F.; Hefferline, H.; Goodman, P .Gestalt therapy: Excitement and growth in human personality. New York : Dell Pub. Co, 1951.

ZINKER, J. O Processo Criativo em Gestalt–terapia. São Paulo: Summus Editorial, 2007.

 

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Mad Max: Estrada da Fúria – o (re)nascer do herói

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Que raízes são essas que se arraigam, que ramos se esgalham nessa imundície pedregosa?
Filho do homem 
não podes dizer, ou sequer estimas, porque apenas conheces
um feixe de imagens fraturadas, batidas pelo sol, e as árvores mortas já não mais te abrigam,
nem te consola o canto dos grilos, e nenhum rumor de água a latejar na pedra seca.
Apenas uma sombra medra sob esta rocha escarlate.
(Chega-te à sombra desta rocha escarlate),
E vou mostrar-te algo distinto de tua sombra a caminhar atrás de ti quando amanhece
ou de tua sombra vespertina ao teu encontro se elevando;
Vou revelar-te o que é o medo num punhado de pó”.
Wasteland, de T. S. Eliot por Ivan Junqueira.

O fosso da queda

Max Rockatansky não é um louco, como os títulos da franquia do personagem pressupõem. Ao menos esta não é sua estirpe essencial no início de sua concepção, nos idos de 1979, com o longa-metragem Mad Max (sabiamente não traduzido, o que manteve a força da pronúncia) de George Miller, também idealizador do argumento da obra; o que há diante de nós é um policial, já assolado pela cruel realidade vivenciada por ele e sua família, se perguntando qual a diferença entre usar ou não um uniforme nas estradas combatendo o crime. Ao final deste primeiro filme, e ao longo das duas sequências Mad Max 2: a caçada continua (Mad Max 2: The Road Warrior, 1981) e Mad Max: além da cúpula do trovão (Mad Max: Beyond Thunderdome) é que Max se tona Mad, sendo possuído por sua dor, agonia, arrependimento e ódio do mundo que lhe tirou tudo.

Max, início do filme de 2015.

Estas considerações são fundamentais para entendermos o que é, ou ao menos esboçar, a significância por trás do road movie Mad Max, Estada da Fúria (Mad Max, Fury Road do original) lançado em 2015. Nas investidas originais da franquia, Mel Gibson deu corpo, força e profundidade ao ex-policial de um mundo cada vez mais decadente e, três décadas depois, após inúmeros problemas de produção e adiamentos, Tom Hardy assume o posto deixado por Gibson, e a mudança conseguiu dar vitalidade e novas facetas para personagem, o apresentando e modernizando para nossa época, linguagem e público.

Este novo Max nem que quisesse seria o mesmo do longa inicial de 1979, muito menos o guerreiro implacável dos dois filmes posteriores. Estrada da fúria é um conto sobre alguém perdido em si mesmo, quase uma negação de estudo sobre o personagem título, já que pouco dele nos é apresentado, justamente pela vontade de esquecer-se da própria vida: “Eu era um policial. Um guerreiro da estrada, em busca de uma causa justa” (Max Rockatansky), uma sombra do passado, caminhando num presente sem sentido.

Mel Gibson e Tom Hardy como Max, respectivamente. Fonte: www.imdb.com

Nas telas da obra de 2015 vemos a penumbra do herói que um dia viveu nas infindáveis estradas do deserto que se tornou o mundo. O que vemos nesta versão do personagem é a sua mais profunda condição de fuga, sobrevivência e introspecção, agregados ao peso de seu passado, ações e decisões: “Eu sou aquele que foge tanto dos vivos quanto dos mortos. Caçado por saqueadores. Assombrado por aqueles que não consegui proteger” (Max Rockatansky).

Mas, ao mesmo tempo, o roteiro não nos entrega uma versão anti-heroica de Max, o que seria uma via tentadora, algo reincidente na atual indústria cinematográfica. Desta forma, não uma vendeta ou grande catarse na qual o protagonista trilha seus passos, dos cenários, objetos pessoais e trejeitos não emanam pomposidade ou luminescência moral. O instinto de sobrevivência prevalece como causa e condição para seguir alimentando o andarilho das terras desoladas em Estrada da Fúria.

E, este estado em que se encontra o novo/velho Max é que intrigou boa parte do público que assistiu aos longas clássicos. Apesar da riqueza e espetacularidade – há muito não vistas nas maçantes computadorizações do cinema contemporâneo – do filme apresentado por Miller, a impressão que se teve em muitas pessoas foi de estranhamento em relação ao herói título, muito mais por resistência em mergulhar na proposta de seu renascimento do que na incontestável qualidade do filme, um dos mais premiados e elogiados dos últimos anos.

A viagem pela Estrada da Fúria

O realismo e discussões propostas por Miller só encontraram tamanho eco na indústria cinematográfica a alguns anos, com o Cavaleiro das Trevas (The Dark Night, 2008) de Christopher Nolan. Não há transparência da virtualidade nos cenários e ambientações, vemos o sangue, a ferrugem, a areia e o sol de uma maneira crível e temível, como um mundo distópico suporia ter.

O filme inicia sua jornada com uma das aberturas mais intensas já registradas por Hollywood e que, certamente, ecoará por muitos anos em obras similares. Desde a concepção de sua distopia arenosa Miller viu sua maior criação ser objeto de diversas investidas plagiosas e por vezes falíveis, como O livro de Eli (2010), O Justiceiro (2004) e o brasileiro Reza a Lenda (2015). Mas o filho pródigo retornado às mãos do seu genitor atinge um patamar ainda a ser debatido em sua totalidade.

Os temas trazidos direta e indiretamente ao longo de suas duas horas de duração não temem as reações que possam causar inquietude ao público, como o feminicídio e exploração sexual e corporal das mulheres; a crítica aos extremismos religiosos em torno de Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne) e seus seguidores; toda a crítica ao armamento nuclear, causador do apocalipse que devastou o mundo; e a raridade, distribuição e consumo de petróleo e água; a adoração aos objetos acima de qualquer coisa, neste caso os carros e suas corridas representando este argumento crítico, dentre tantas outras nuances sobrepostas nas camadas de Mad Max, Estrada da Fúria.

Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne).

E não menos importante que todos os pontos já levantados, há a questão do papel de coadjuvante destinado a Max em seu próprio filme, uma consequência e resultado de todos os elementos supracitados. A depreciação corporal, moral, sexual e natural do mundo em Mad Max: Estrada da Fúria é o ponto de sustentação da essência do seu protagonista, um homem que lutou até as últimas forças contra tudo e todos, mas no momento apenas se arrasta como um ser inerte à própria existência.

Era preciso dar força à desgraça de Rockatansky, e a atuação internalista e brutal de Hardy interligada à visceralidade e camadas da Furiosa de Charlize Theron para aumentar toda a potência dos momentos em que estão juntos, em lados contrários ou como aliados. Furiosa é todo o que Max foi um dia e deixou de ser, sua crença, luta e persistência remete à versão oitocentista do herói caído e, não por coincidência, a partir dela o filme se estrutura e desenvolve, aos poucos mostrando a Max uma nova chance, ou ao menos, algum propósito em seus dias terrenos. A relação dos dois é intensa, bruta, real, talvez, por estas razões, não foram poucas as notícias de conflitos entre os dois atores durante as filmagens, devido a vontade mútua de transparecer em máximo realismo possível os sentimentos e contextos de seus personagens.

Furiosa (Charlize Theron) e Max.

E lembremos, é Furiosa quem apresenta a Max uma chance dele buscar algo, um propósito, um sentido para sua caminhada na estrada. Porque se ela é, no contexto do filme, o que Max deixou de ser, portanto, faz todo sentido que nela seja encontrada a rota para sua identidade.

“Furiosa: Você nunca vai ter uma chance melhor.
Max: Em quê?
Furiosa: Redenção.”

Theron/Furiosa é forte, convicta, justa, emocional, profunda e, assim como o personagem título, carrega consigo um peso do tempo em que viveu e vive neste mundo devastado e, mais do que isto, em meio às cores cruas do mundo em que vivem: vibrante e pulsante no cinza, amarelo e sombras, seu sonho, sua almejada redenção reside na busca pelo Vale Verde (menção intertextual à esperança).

Esperança esta também apresentada e dividida, a pós o embate inicial com Max, que passa a acreditar na chegada a este lugar. O vai e vem da história não deixa de ser uma reminiscência ao eterno retorno nietzschiano, pois mesmo negando-nos nossa essência, ela estará lá, mesmo esquecida ou relegada ao ostracismo por muito tempo. O arco envolvendo Furiosa remete a esta alegoria numa linguagem criativa e adequada para este reinício da franquia.

Portanto, devemos entender, ou tentar compreender, que Max não luta ou compete contra Imperatriz Furiosa, Immortan Joe ou Nux, até porque nenhum destes – principalmente a líder da fuga da Cidadela – precisam de outro personagem para se impor, cada qual possui sua história e complexidade. A luta de Max, o seu enfrentamento é consigo próprio, e com isto, e somente e partir disso, a força, fúria e potência de suas convicções e motivações tomam ainda mais importância para sua regeneração, após anos em meio ao seu breu pessoal.

Novos Aliados, pontes para a reificação de si.

O herói renascido de suas cinzas

Após a alucinante sequência inicial, orquestrada de maneira crível e sufocante por Miller, é possível observar, aos poucos, a maneira como o herói morto em Max começa a se reerguer, combatendo o ceticismo dele mesmo ao longo do desenvolvimento do longa. Alguns sinais desta (re)descoberta de si podem ser vistas em momentos-chave e elementos que compõem a mitologia construída ao longo da herança oitocentista de Mad Max.

Por exemplo, as aliadas, lideradas pela Imperatriz Furiosa em sua fuga; a preocupação com os mais novos e inexperientes neste mundo, sendo Nux (Nicholas Hoult) e as pariedeiras seus principais representantes; a recuperação de sua vestimenta, tal como as botas e sua icônica jaqueta, além de suas armas; por fim, mas ainda de maneira subjetiva o embate com seu carro, parte fundamental da construção da identidade do andarilho da terra devastada.

Finalmente a última consideração, não necessariamente sobre Mad Max, Estrada da Fúria, mas sob o personagem título da obra. Os pré-julgamentos e desprendimento da carga iconográfica e sígnica das atuações originais de Mel Gibson construíram uma cortina de fumaça, um velamento analítico sobre este Max do século XXI, e assim como ocorre ao novo Homem de Aço de Zack Snyder ou o Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan, neste filme temos não necessariamente o herói que queremos, mas o que merecemos. Um alguém humano, assolado por seus erros e, mesmo que relutante, em busca de um fio de esperança em meio às cinzas, sombras e derrotas.

A contemporaneidade é mais fria, descrente e hipócrita que a 30 anos atrás, no período de lançamento das primeiras obras do universo megalomaníaco de Miller. A chegada do Max de Hardy não poderia, nem deveria, ser de outra maneira. Um homem carregado pelas cicatrizes de anos a fio num deserto de decepções, enfrentamentos e sobrevivência. No fim das contas, Mad Max Estrada da Fúria é um filme de (re)começos, Furiosa e Max, representam este plot do roteiro, e todo o percurso de ida e volta que assistimos demonstram isso explícita e cruamente.

Mas não nos esqueçamos, o Max que em certo porto da fuga na estada da fúria profere sua sentença de erro sobre a esperança, é o mesmo que a mantém para o grupo de pessoas que decide ajudar. No fim da loucura e maldição do sangue e sal em que estão afundados, o herói renascido do seu fosso assume seu papel de mantenedor de uma crença no possível, uma via de desconstrução para sua realidade distópica e esquizofrênica. Este é o Max que o público, em sua maioria, deixou de apreciar, (re)ver e deixar-se (des)envolver.

Pelo menos assim nós vamos ser capazes de,  juntos,
se deparar com algum tipo de redenção.”
Max Rockatansky

FICHA TÉCNICA DO FILME:

MAD MAX: ESTRADA DA FÚRIA

Diretor: George Miller
Elenco: 
Tom Hardy, Charlize Theron, Nicholas Hoult, Hugh Keays-Byrne
País:
Austrália e EUA
Ano:
2015
Classificação:
16

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