Desafios da docência no Ensino Maternal: atuação de professores na rede privada
14 de novembro de 2022 Maria Laura Maximo Martins
Mural
Compartilhe este conteúdo:
O ato de ensinar carrega singularidades e desafios que devem ser levantados, para assim ser possível entender o processo de aprendizagem e o contexto em que ocorre esse movimento. Levando em consideração o mundo volátil em que vivemos, faz-se necessário dar voz àqueles que fazem parte de ambientes escolares e acadêmicos, sendo essa uma forma de fomentar melhorias e constantes reflexões.
Em prol dessa escuta e da compreensão da realidade atual, o (En)Cena convidou diferentes professores da rede pública de diferentes níveis de ensino (maternal, fundamental, médio e superior) para falarem sobre os desafios de ensinar. Nestes espaços as professoras e os professores puderam relatar suas experiências pessoais e profissionais. As realidades narradas em cada entrevista são um convite para pensarmos sobre a educação, sua constituição, sua disseminação e em como ela pode ser aperfeiçoada para ser significativa a todos e todas: “O educador se eterniza em cada ser que ele educa” (Paulo Freire)
Visando preservar a identidade de nossos convidados e pensando na potência do ato de ensinar livre de pressões institucionais, optamos por manter em sigilo o nome de todos os entrevistados. Entendemos que suas falas alcançam, contemplam e priorizam, ainda que de modo particular, professores e professoras da educação pública e privada de nosso país.
A entrevistada de hoje é professora na rede privada, lecionando no ensino maternal. Seu relato perpassa pela sua história que a levou até se tornar professora, detalha seus desafios diários e visões sobre a educação, e também fala de seus desejos, sobre o que espera da educação, as possíveis mudanças que para ela seriam necessárias. Foram respostas densas, verdadeiras e detalhistas, valendo a leitura até o fim.
Segue a entrevista na íntegra abaixo:
(En)Cena: Como foi a sua trajetória até se tornar professora? Por que você escolheu a docência?
Resposta: Eu tinha muito carinho pelas crianças desde nova. Não me passava pela cabeça ser professora! Sempre pensei que minha formação seria fisioterapia, mas o tempo passou. Comecei a trabalhar em uma escola como secretária. Desde então passei a conhecer a rotina dos alunos de perto. Nessa mesma escola, eu também recebia os alunos no portão e entregava aos pais no final da aula. Ao passar do tempo, fui criando um vínculo com cada criança. Foi então que surgiu o desejo de ser professora. Logo depois trabalhei em um berçário. Onde eu cuidava de vários bebês, não era só cuidar, mas também era necessário estimular a criança. Daí eu percebi que realmente eu precisava estudar para ser uma professora.
(En)Cena: Qual o seu principal objetivo como professora? Você diria que alcança tal objetivo a cada ano?
Resposta: Levar o conhecimento de forma prática, lúdica e prazerosa. Buscando alcançar a cada criança para fazer parte no mundo do conhecimento e de muitas aprendizagens. Transmitindo afeto, conhecendo cada um em suas particularidades e despertando para as novas descobertas. Apesar de tentar aplicar no meu dia-a-dia, não significa que sempre alcanço o que desejo. Muitas das vezes me frustro por não conseguir o objetivo almejado.
(En)Cena: Levando em consideração que a escola/faculdade é um ambiente repleto de pessoas com características singulares, de que forma você lida com a diversidade subjetiva de cada estudante? Você percebe a escola como um ambiente inclusivo?
Resposta: O ser humano é único. Cada um tem seu valor. A cada dia em minha prática docente percebo as diferenças e me esforço para atender e acolher cada criança dentro de sua particularidade. Entendendo seu jeito de ser e ajudando a mediar os conflitos e desafios do dia a dia. A escola tem a cada dia tentado fazer o seu papel de inclusão. Preparando os professores para atender bem o público de uma maneira desejável. Criando um ambiente com estímulo, que favorecerá a criança no seu desenvolvimento. Pois não é de qualquer jeito que iremos atender a inclusão. Mas, percebo que a escola ainda tem muito o que fazer para alcançar melhores resultados.
En(Cena): Como é ser professor (do ensino maternal/ fundamental/ médio/ superior) na (rede pública/rede privada) atualmente?
Resposta: Sou muito feliz por ser professora de Educação infantil. Não penso em sair dessa fase. Quero a cada dia aperfeiçoar meus conhecimentos, para contribuir com o desenvolvimento das crianças. É um privilégio contribuir nessa primeira infância, atendendo as partes física, mental e social. Mas, não tem sido fácil, nos dias em que estamos vivendo, ser professor. As crianças a cada dia sem limites. Faltando com respeito e comportamentos inadequados. As famílias sempre cobrando. Pais super protetores… isso tem dificultado o trabalho na sala de aula.
En(Cena): Como você avalia a escola nesse processo de formação de indivíduos e de que maneira, dentro da sua profissão, você consegue perceber que está contribuindo com esse movimento?
Resposta: A escola tem seu papel fundamental no desenvolvimento de cada criança. Formando cidadãos pensantes, criativos e sociáveis. Entendemos que a educação se inicia em casa. Na escola se busca o conhecimento secular. Onde cada indivíduo ao decorrer de sua trajetória acadêmica alcança aprendizagem e desenvolve suas habilidades. O convívio social e a troca de experiências e vivências traz para criança muitos saberes, adquiridos dentro da sala de aula.
En(Cena): Como está a saúde mental dos professores na atualidade?
Resposta: A cada dia a saúde do docente está mais fragilizada. Tem sido difícil se manter sadio nos dias de hoje. Se já era ruim, depois da pandemia ficou pior. O docente teve que se reinventar em todos os aspectos para atender as demandas exigidas pela escola, para dar aula mesmo que a distância para todas as faixas etárias. E a educação infantil não ficou de fora. Tivemos que dar aula para os alunos com pais ao lado. Sendo que os pais, em muitos momentos atrapalhavam o andamento da aula. Então, vieram as cobranças da parte administrativa da escola, sem contar que as famílias também cobravam, foi ruim. Estamos vivendo dias ditos normais, mas, não tem nada de normal. Temos visto crianças totalmente agitadas, sem limites, os pais culpando professores, porque seus filhos não conseguem aprender. Baixa concentração, isso faz com que o rendimento seja prejudicado. Tem sido difícil continuar o trabalho depois de tudo que vivemos. Percebo a necessidade de termos um terapeuta para ajudar o docente diante dos desafios vivenciados.
En(Cena): A educação é capaz de mudar vidas? De que forma? Como os professores podem influenciar esse processo?
Resposta: A educação é capaz dar ao indivíduo uma perspectiva de vida melhor. Amplia os conhecimentos e ultrapassa fronteiras. Podendo desenvolver suas capacidades intelectuais e habilidades. Mas, para essa educação ter êxito, é preciso que o poder público dê mais importância e valorização aos seus docentes.
En(Cena): Na sua opinião, para onde a educação está caminhando? O que podemos esperar de nossas crianças no futuro enquanto sociedade e qual o papel da escola na formação dessas crianças?
Resposta: É importante entender o valor grandioso que tem a educação para a sociedade. Sabemos que sem educação não se chega a lugar nenhum. Mas, infelizmente, com poucos estímulos e nada de reconhecimento aos docentes, muitos irão desistir dessa profissão. E o que vai sobrar? Uma sociedade sem rumo. Sem esperança.
Compartilhe este conteúdo:
Desafios da Docência no Ensino Fundamental: atuação de professores na rede pública
O ato de ensinar carrega singularidades e desafios que devem ser levantados, para assim ser possível entender o processo de aprendizagem e o contexto em que ocorre esse movimento. Levando em consideração o mundo volátil em que vivemos, faz-se necessário dar voz àqueles que fazem parte de ambientes escolares e acadêmicos, sendo essa uma forma de fomentar melhorias e constantes reflexões.
Em prol dessa escuta e da compreensão da realidade atual, o (En)Cena convidou diferentes professores da rede pública de diferentes níveis de ensino (maternal, fundamental, médio e superior) para falarem sobre os desafios de ensinar. Nestes espaços as professoras e os professores puderam relatar suas experiências pessoais e profissionais. As realidades narradas em cada entrevista são um convite para pensarmos sobre a educação, sua constituição, sua disseminação e em como ela pode ser aperfeiçoada para ser significativa a todos e todas: “O educador se eterniza em cada ser que ele educa” (Paulo Freire).
Visando preservar a identidade de nossos convidados e pensando na potência do ato de ensinar livre de pressões institucionais, optamos por manter em sigilo o nome de todos os entrevistados. Entendemos que suas falas alcançam, contemplam e priorizam, ainda que de modo particular, professores e professoras da educação pública e privada de nosso país.
A entrevistada de hoje é uma professora do Ensino Fundamental na Rede Pública. Nesse contexto poderemos conferir o desejo pela docência desde muito cedo e como essa atuação ao longo dos anos vem sendo vivenciada na prática. Com inúmeros desafios apresentado pela docente, há também uma visão animadora no desenvolvimento escolar frente às transformações sociais experimentadas atualmente.
Segue a entrevista na íntegra abaixo:
En(Cena): Como foi a sua trajetória até se tornar professor (a)? Por que você escolheu a docência?
Resposta: Então, desde pequena sempre sonhei em ser professora, tive muitos professores que foram inspiração para essa decisão. Cursei pedagogia e iniciei a carreira como monitora em uma escola particular e logo assumi a função de professora e hoje sou professora efetiva da rede Municipal de Palmas.
En(Cena): Qual o seu principal objetivo como professor? Você diria que alcança tal objetivo a cada ano?
Resposta: São vários objetivos que tenho enquanto professora, e dentre esses posso destacar a valorização e respeito da sociedade e do governo, a aprendizagem dos alunos, e mais políticas públicas voltados para a educação. Nem sempre é possível alcançar todos os objetivos, muitas questões não dependem de mim, e quando finda o ano que faço um balanço sempre fica a certeza que não cumpri meus objetivos.
En(Cena): Levando em consideração que a escola é um ambiente repleto de pessoas com características singulares, de que forma você lida com a diversidade subjetiva de cada estudante? Você percebe a escola como um ambiente inclusivo?
Resposta: A escola é um espaço de diversidades sociais, econômicas e culturais e isso influencia na aprendizagem e o professor deve ter um olhar atento, singular, e acolher essas crianças conforme as necessidades. A escola deveria ser um lugar mais inclusivo, porém, ainda estamos distantes dessa realidade, faltam mais políticas públicas voltadas para a igualdade e equidade nas escolas. Infelizmente na escola muitos alunos acabam ficando para trás
En(Cena): Como é ser professor (do ensino maternal/ fundamental/ médio/ superior) na (rede pública/rede privada) atualmente?
Resposta: Sou professora do ensino fundamental da rede pública, e isso tem seu seus pontos positivos e negativos. Os desafios são grandes, desafios estes que transcendem os muros da escola. Existe a cobrança pessoal, as expectativas que temos em ver nossos alunos se desenvolvendo e como é travado essa luta dentro das salas de aulas superlotadas e com tão pouco apoio e recursos para que tenhamos êxito dentro do anseio daquilo que planejado pedagogicamente.
En(Cena): Como você avalia a escola nesse processo de formação de indivíduos e de que maneira, dentro da sua profissão, você consegue perceber que está contribuindo com esse movimento?
Resposta: A escola contribui de maneira significativa para a formação integral do aluno, porém, se depara com muitas barreiras que vão além do seu poder de ação. Enquanto professora faço o que está ao meu alcance e às vezes, até além, tento melhorar a cada dia, mas às vezes o sistema acaba nos desmotivando.
En(Cena): Como está a saúde mental dos professores na atualidade?
Resposta: Muitos professores estão adoecidos e adoecendo, a sala de aula é um ambiente que proporciona muitos fatores estressores e que em muitos casos leva até a depressão. Percebo a falta de assistência nesse sentido aos profissionais dessa área, afinal, estamos falando de um ambiente marcado por suas pluralidades, uma rotina pesada e praticamente sem pausas, onde os ambientes de atuação muitas vezes é desfavorável, de altas responsabilidades e muitas expectativas pessoais e externas.
En(Cena): A educação é capaz de mudar vidas? De que forma? Como os professores podem influenciar esse processo?
Resposta: Sim, a educação pode transformar vidas. A escola é uma instituição transformadora e os professores são inspirações nesse processo.
En(Cena): Na sua opinião, para onde a educação está caminhando? O que podemos esperar de nossas crianças no futuro enquanto sociedade e qual o papel da escola na formação dessas crianças?
Resposta: A educação no Brasil tem melhorado muito nos últimos anos, tanto no que se refere ao espaço físico das escolas, quanto ao acesso e qualidade desse ensino. Porém, ainda falta muito para que tenhamos uma educação de referência para os outros, mas pessoalmente tenho muita esperança e expectativa em ver no Brasil um modelo de educação que realmente dá acesso e condição para que nossos alunos se tornem potencialmente preparados como cidadãos, onde a criminalidade baixe a guarda frente a realidade de uma Educação dinâmica, personalizada, inclusiva e transformadora.
Autora: Eliene Alves Resende
Compartilhe este conteúdo:
Desafios da docência no Ensino Maternal: atuação de professores na rede pública
O ato de ensinar carrega singularidades e desafios que devem ser levantados, para assim ser possível entender o processo de aprendizagem e o contexto em que ocorre esse movimento. Levando em consideração o mundo volátil em que vivemos, faz-se necessário dar voz àqueles que fazem parte de ambientes escolares e acadêmicos, sendo essa uma forma de fomentar melhorias e constantes reflexões.
Em prol dessa escuta e da compreensão da realidade atual, o (En)Cena convidou diferentes professores da rede pública de diferentes níveis de ensino (maternal, fundamental, médio e superior) para falarem sobre os desafios de ensinar. Nestes espaços as professoras e os professores puderam relatar suas experiências pessoais e profissionais. As realidades narradas em cada entrevista são um convite para pensarmos sobre a educação, sua constituição, sua disseminação e em como ela pode ser aperfeiçoada para ser significativa a todos e todas: “O educador se eterniza em cada ser que ele educa” (Paulo Freire).
Visando preservar a identidade de nossos convidados e pensando na potência do ato de ensinar livre de pressões institucionais, optamos por manter em sigilo o nome de todos os entrevistados. Entendemos que suas falas alcançam, contemplam e priorizam, ainda que de modo particular, professores e professoras da educação pública e privada de nosso país.
A entrevistada de hoje é uma professora do Ensino Fundamental na Rede Pública de nosso país, mais especificamente na região norte. Uma trajetória a docência marcada por um gosto pessoal da prática de esportes a possibilidade de ensinar por meio deles, ao longo da entrevista a professora retrata sua visão pessoal a respeito do modelo de educação inclusiva que é apresentado atualmente e como isso se dá na prática, também somos instigados a refletir a respeito de como anda a saúde mental desses profissionais.
Segue a entrevista na íntegra abaixo:
En(Cena) – Como foi a sua trajetória até se tornar professor (a)? Por que você escolheu a docência?
Resposta: Desde adolescente sempre gostei e me identifiquei com os esportes, pratiquei algumas modalidades na escola, e em função disso me interessei pelo curso de Educação Física. O desejo sobre a docência surgiu na possibilidade de praticar e ensinar através do mesmo, buscando positivamente a contribuição para o desenvolvimento e sucesso.
En(Cena) – Qual o seu principal objetivo como professor? Você diria que alcança tal objetivo a cada ano?
Resposta:Ser mediadora, incentivadora e transmitir conhecimentos que irão provocar nos alunos a curiosidade, e vontade de buscar e se tornar um indivíduo autêntico e pensador, capaz de ser crítico e validador. Não alcancei tal objetivo satisfatoriamente em detrimento de vários fatores.
En(Cena) – Levando em consideração que a escola é um ambiente repleto de pessoas com características singulares, de que forma você lida com a diversidade subjetiva de cada estudante? Você percebe a escola como um ambiente inclusivo?
Resposta: Lido tentando reconhecer as diferenças para buscar meios de ajudar e valorizar as potencialidades de cada aluno, enfatizando a igualdade e oportunidades iguais de aprendizagem, porém, o contexto das salas de aulas dentro do sistema dificulta o trabalho. A escola teoricamente nos dias de hoje é inclusiva, mas, na prática o processo precisa avançar muito para existir essa inclusão
En(Cena) – Como é ser professor (do ensino maternal/ fundamental/ médio/ superior) na (rede pública/rede privada) atualmente?
Resposta: Ser professora nos dias atuais é um desafio constante por vários fatores, a falta de reconhecimento, do respeito e desvalorização aumenta a cada dia.
En(Cena) – Como você avalia a escola nesse processo de formação de indivíduos e de que maneira, dentro da sua profissão, você consegue perceber que está contribuindo com esse movimento?
Resposta: Avalio esse processo lento, pois, observo poucas mudanças reflexivas, comportamentais e um atraso na interação para a construção de um indivíduo crítico reflexivo ativo. Contudo, acredito que o meu trabalho contribui sim para a mudança e melhoria no processo de ensino aprendizagem, mesmo sendo em uma velocidade menor do que almejo.
En(Cena) – Como está a saúde mental dos professores na atualidade?
Resposta: A saúde mental dos professores em grande maioria está afetada gravemente, pois, o sistema e a sociedade estão responsabilizando os professores por demandas que vão além da função. Atualmente as famílias vêm transferindo para a instituição escolar a tarefa não só de formar, mas também a de educar, e o resultado de tudo isso é perceptível na saúde dos educadores, onde cada vez mais é visto professores sendo afastados de suas funções por desgastes que vão além do físico, e no distanciamento das famílias do seu papel.
En(Cena) – A educação é capaz de mudar vidas? De que forma? Como os professores podem influenciar esse processo?
Resposta: Sim. A Educação muda a vida das pessoas para melhor, porque através da educação, e do conhecimento adquirido, o indivíduo se torna mais crítico, mais consciente, ético e capaz, ampliando as possibilidades de oportunidades e melhoria da qualidade de vida.
En(Cena) – Na sua opinião, para onde a educação está caminhando? O que podemos esperar de nossas crianças no futuro enquanto sociedade e qual o papel da escola na formação dessas crianças?
Resposta: A educação está caminhando para as novas tecnologias atribuídas a nova realidade, era digital, facilidade, entretenimento, autonomia. Mas, ao mesmo tempo, estamos vivenciando o reflexo de cidadãos despreparados para a vida. A escola tem o papel de formar cidadãos com pensamentos críticos, instigantes e autônomos, capazes de conviver e contribuir para uma sociedade melhor.
Compartilhe este conteúdo:
Giselle Thron: “não existe uma única realidade, uma única verdade…”
O (En)Cena entrevista a acadêmica de Psicologia do Ceulp/Ulbra, Giselle Carolina Thron, natural do estado de São Paulo. Ela vive no Tocantins desde a adolescente, onde residiu em Porto Nacional e, há sete anos, se mudou para Palmas. A respeito de suas formações anteriores à Psicologia, Giselle nos contou que tem Licenciatura em História pela UFT e Especialização em História Social, e que após este período de sua primeira formação resolveu fazer o curso de Tecnologia em Estética e Cosmética na ULBRA, além disso também tem Especialização em Processos Educacionais Inovadores, pela UniCatólica.
Confira este e outros detalhes na entrevista abaixo:
EnCena – O que te motiva a fazer psicologia já em uma fase mais amadurecida da vida?
Bom, quando concluí o Ensino Médio, morava em Porto Nacional na época, despertei a vontade de cursar Psicologia, mas a minha realidade naquele período não me permitiu, pois já trabalhava e o curso mais próximo era em Palmas. Então, não tinha dinheiro para arcar com as despesas de transporte e a mensalidade, programas de bolsas e financiamentos eram difíceis e ainda tinha o agravante de ter que cursar também durante o dia. Por isso, dentre as opções que eu tinha na cidade: Letras, Geografia, Biologia e História, minha “escolha” foi a que mais se aproximava de mim: História. Quando decidi por uma segunda formação a vontade de cursar Psicologia aflorou novamente, mas as condições financeiras falaram mais alto e tive que adiar. Tempos depois, com mais estabilidade financeira eu pude voltar a pensar neste projeto que cultivei naquele momento. Também o fato de ser servidora da Ulbra me ajudou muito, pois posso ser bolsista e cursar com mais tranquilidade, embora, como milhares de estudantes trabalhadores é muito difícil conciliar várias tarefas e me dedicar tanto quanto eu gostaria.
Qual a área de atuação você pretende focar depois da formação?
Quando penso sobre isso eu vejo o meu nível de amadurecimento quanto à profissão. Antes de iniciar o curso eu tinha uma ideia totalmente diferente da Psicologia, não imaginava a imensa variedade de linhas teóricas e abordagens que temos para seguir. Sobre a área que mais me motiva é a Terapia Sistêmica, embora a abordagem freudiana também muito me encanta, mas neste momento estou me dedicando a Sistêmica.
Qual dica você deixa para quem pretende cursar psicologia?
Dica elementar… rs: Leitura. Leitura. Leitura! Outra dica que não poderia faltar para quem está pensando em cursar Psicologia é despir-se de julgamento e preconceitos e aprender que crenças pessoais devem estar ligadas apenas a sua vida particular. Ahh… e façam terapia!!
Que aspectos internos foram mobilizados em sua vida a partir do curso?
Tenho aprendido que não existe uma única realidade, uma única verdade, e que respeitar o ser humano é fundamental. Tenho aprendido a conviver melhor com as pessoas e aceitar minhas falhas e, sobretudo, a lidar com meus próprios traumas passados.
Como é a experiência de conviver no curso com pessoas de diferentes idades e perspectivas?
Esta é uma das delícias de cursar Psicologia. No início me incomodava um pouco, observava as turmas que frequentava e via uma espécie de “rachadura”: de um lado um grupo recém-saído do ensino médio que se considerava muito especial por ser jovem e de outro lado um grupo “mais velho”, que se achava muito especial por ter “experiência de vida”. Hoje já olho para estes dois grupos e consigo ver homogeneidade e uma intensa troca de experiências, vejo que todos nesses grupos estão ali para somar histórias e visões de mundo, estamos aprendendo a conviver com diferentes problemas e histórias de vida e isso é lindo, pois é isso que teremos em nossa profissão: Muitas histórias e dramas pessoais aos quais teremos que dar suporte para que estas pessoas possam superar seus desafios.
Quais os maiores desafios enfrentados na pandemia relacionada à formação acadêmica?
Sinto até certo incômodo a me referir a este período, pois sei que falo de uma posição de privilégio. Na verdade, eu não tive grandes dificuldades em dar sequências aos meus estudos, claro, o fato da distância incomodava um pouco no início, mas logo eu me habituei como aluna. Explicando minha posição de privilégio… Sou uma mulher solteira, sem filhos, tinha meu espaço tranquilo, conexão de qualidade e equipamentos para acompanhar a aula diferente de outros milhares de estudantes. Os problemas que observava que muitas colegas terem eu não tinha, tais como: assistir aula segurando o filho no colo que reclamava atenção e que a mãe fosse fazer um lanche, pois era a hora do lanche, ou colegas que compartilhavam o espaço com outras pessoas e havia apenas um computador na casa para todos. Neste sentido que digo que para mim foi totalmente tranquilo e sem maiores implicações.
Qual mensagem você deixa para os nossos leitores?
Sendo estes leitores estudantes de Psicologia ou pretensos estudantes, aconselho a olhar para o lado e ver seus colegas como sua rede de apoio. É incrível como no decorrer do curso muda-se nossa percepção sobre muitos colegas, convivemos durante anos com pessoas e vamos conhecendo suas incríveis histórias, histórias que podem ajudar a mudar sua percepção do mundo.
Sendo estes leitores de outras áreas a única coisa que posso falar é: façam terapia, mas antes, escolham bem os profissionais.
Compartilhe este conteúdo:
A dinâmica da entrevista psicológica e o papel do terapeuta
O termo “entrevista” é bastante conhecido apesar de denotar uma atividade pouco dissertada na literatura científica (CRAIG, 1991). Convém, primeiro, analisar o significado desta palavra desde o seu sentido mais geral. O Online Etymology Dictionary registra que a palavra “entrevista” deriva do Francês entrevue, substantivo verbal de s’entrevoir, significado “ver um ao outro”, “visitar brevemente” ou “ter um vislumbre de”. A versão online do Dicionário Michaelis descreve este fenômeno como “visita ou encontro combinado” e “reunião entre duas ou mais pessoas, em local determinado, como objetivo de esclarecer assuntos pendentes, expor ideias ou obter opiniões dos presentes”.
Sendo a entrevista um instrumento muito difundido, tendo em seus variados usos uma grande variedade de objetivos, Blegger (2001) delimita o seu alcance ao focar na entrevista psicológica, conceituando-a como aquela na qual se buscam objetivos psicológicos como investigação, diagnóstico e terapia.
Para Kanfer e Seheft (1988) apud Craig (1991), uma entrevista é muito semelhante com uma interação social, tendo traços das interações duplas e grupais. Porém, numa entrevista clínica a maioria das regras sociais de etiqueta não são utilizadas, nela a conversa foca o paciente, portanto, sendo majoritariamente unidirecional. Quanto ao relacionamento, é profissional, não-íntimo, esperando-se das partes uma comunicação relevante para a tarefa em questão. Além disso, na entrevista clínica há limites de tempo, lugar e frequência da interação, impostos por ambas as partes. As declarações do terapeuta vão além do mero diálogo e há a determinação de objetivos específicos e resultados esperados dessa relação terapeuta-paciente.
Miller (2015) escreve que, durante a entrevista, o psicólogo coleta informações da história do cliente, vida social, emprego, situação financeira, experiência prévia em tratamento de saúde mental, bem como também apanha informações relevantes sobre a família do paciente. Todo e qualquer fator que possa impactar a saúde mental e bem-estar do cliente é considerada durante a entrevista psicológica, por isso, este instrumento fornece um compreensível retrato da vida da pessoa, assim ajudando na determinação do diagnóstico e curso do tratamento. Craig (1991) afirma que a maior parte dessas informações é baseada no relato do paciente e na observação do psicólogo, no entanto, não devem ser ignoradas outras fontes de informação, estas estariam nos relatos adicionais da família, em registros sobre o caso, testagens psicológicas ou entrevistas estruturadas suplementares.
Conforme García-Allen (2015), a entrevista tem diversos âmbitos de aplicação, portanto, há distintos tipos de entrevistas conforme o motivo de sua realização. De acordo com o número de participantes, a entrevista, delimitada ao campo da psicologia, pode ser distinta da seguinte forma:
Entrevista individual: é o tipo de entrevista mais utilizado; um exemplo bem comum é quando um psicólogo recebe seu paciente para conhecer o motivo de seu comportamento.
Entrevista em grupo: neste tipo de entrevista, há distintos entrevistados e, maioritariamente, um entrevistador. Na clínica, este tipo de entrevista recebe o nome de “entrevista familiar”.
Além do número de participantes, a entrevista também pode ser categorizada conforme seu formato, ou seja, conforme a maneira com a qual o entrevistador se comunica com o entrevistado e formula perguntas (GARCÍA-ALLEN, 2015).
Entrevista estruturada: De acordo com García-Allen (2015), tal entrevista segue uma série de perguntas fixas preparadas previamente. Craig (1991) acrescenta que essas perguntas são relacionadas à áreas definidas de conteúdo. Para Surbhi S. (2016), a entrevista estruturada faz uso de uma pesquisa descritiva onde os fatores avaliados são explícitos.
Entrevista não-estruturada: aqui são trabalhadas perguntas abertas, sem ordem preestabelecida, portanto, adquirindo as características de uma conversação que permite a espontaneidade. Nesta técnica são realizadas perguntas de acordo com as respostas que surgem durante a entrevista (GARCÍA-ALLEN, 2015). É o tipo mais comum nos settings clínicos; geralmente elas não têm um formato rígido, mas não deixam de ter certa estrutura porque segue uma sequência que inclui áreas-chaves de conteúdos (CRAIG, 1991). Para Surbhi S. (2016), a entrevista não-estruturada faz uso de uma pesquisa exploratória de fatores implícitos.
Há também a entrevista semiestruturada que, segundo Martin (2018), tem um formato um tanto flexível, com perguntas preparadas, mas sem seguir um programa estrito. Aqui a discussão pode desviar-se da lista de perguntas, fazendo com que novas perguntas sejam cogitadas durante a conversa. Geralmente o entrevistado desempenha um papel importante no controle do ritmo da entrevista, diferentemente do que ocorreria numa entrevista estruturada.
Blegger (2001), diferencia a entrevista da consulta e anamnese
A consulta consiste na solicitação da assistência técnica ou profissional, que pode ser prestada ou satisfeita de formas diversas, uma das quais pode ser a entrevista. Consulta não é sinônimo de entrevista; esta última é apenas um dos procedimentos de que o […] psicólogo dispõe para atender a uma consulta. […] Uma anamnese […] implica uma compilação de dados preestabelecidos, de tal amplitude e detalhe, que permita obter uma síntese tanto da situação presente como da história de um indivíduo, de sua doença e de sua saúde. […] Diferentemente da consulta e da anamnese, a entrevista psicológica objetiva o estudo e a utilização de comportamento total do indivíduo em todo o curso da relação estabelecida com o técnico.
Conforme Blegger (2001), a teoria da entrevista foi muito influenciada pela psicanálise, Gestalt, topologia e behaviorismo. A psicanálise teve seu papel com o conhecimento da dimensão inconsciente do comportamento, da transferência e contratransferência, da resistência e repressão, da projeção e introjeção, etc. A Gestalt reforçou a compreensão da entrevista como um todo no qual o entrevistador está entre os integrantes, sendo que o comportamento dele é elemento da totalidade. A topologia foi fator da delineação e reconhecimento do campo psicológico. Já o behaviorismo contribuiu com a importância da observação do comportamento.
A entrevista pode ser de dois tipos básicos: aberta e fechada, como registra Blegger (2001). Na segunda as perguntas já estão previstas, assim com a ordem e a maneira de formulá-las, e o entrevistador não pode alterar nenhuma destas disposições. Na entrevista aberta, pelo contrário, o entrevistador tem ampla liberdade para as perguntas ou para suas intervenções, permitindo-se toda a flexibilidade necessária em cada caso particular. A entrevista fechada é, na realidade, um questionário que passa a ter uma relação estreia com a entrevista, na medida em que uma manipulação de certos princípios e regras facilita e possibilita a aplicação do questionário. […] A entrevista aberta possibilita uma investigação mais ampla e profunda da personalidade do entrevistado, embora a entrevista fechada permita uma melhor comparação sistemática de dados, além de outras vantagens próprias de todo método padronizado.
Blegger (2011) ainda apresenta a diferenciação das entrevistas conforme o beneficiário do resultado, distinguindo: a) a entrevista que se realiza em benefício do entrevistado; b) a entrevista cujo objetivo é a pesquisa, na qual importam os resultados científicos; c) a entrevista que se realiza para um terceiro (uma instituição). Cada uma delas implicam variáveis diferentes a serem consideradas, pois influenciam sobre o entrevistador e entrevistado, afetando tudo que a entrevista venha a englobar.
Conforme Craig (1991), a entrevista, a partir do quesito objetividade, pode ser dividida nos seguintes tipos, aqui apresentados sucintamente.
Entrevista de Tomada de Dados: tem o propósito de obter informações preliminares sobre um paciente em perspectiva.
Entrevista da História de Caso: tem o propósito de rever a natureza dos conflitos do paciente em sequência histórica, com o foco nos períodos críticos, antecedentes e desencadeantes.
Exame do Estado Mental: visa determinar o nível de prejuízo mental associado à condição clínica investigada; avalia áreas como raciocínio, juízo, audição e percepção.
Entrevistas de pré e pós-testagem: a entrevista prévia ao teste visa explicar ao paciente as razões para o teste e seus benefícios, bem como discutir aspectos administrativos, tais como local e hora. Quando a entrevista é realizada após os testes, o psicólogo geralmente já desenvolveu hipóteses como resultado da testagem, visando explorá-las melhor com o paciente.
Entrevista Breve de Avaliação: aqui o terapeuta visa apenas uma área específica, não considerando outros elementos da entrevista, assim obtendo a informação desejada em curto período.
Entrevista de Desligamento: o objetivo é conhecer o ponto de vista do paciente sobre os benefícios decorrentes do tratamento, examinar os planos para pós-alta ou trabalhar qualquer problema não resolvido.
Entrevista de Pesquisa: este tipo de entrevista é específico para a natureza da pesquisa desenvolvida, sendo parte de um protocolo rígido, aprovado pelo comitê revisor da instituição. Realizada com a permissão do paciente que assina o um documento no qual declara seu consentimento.
O que Blegger (2011) chama de “entrevista de tomada de dados” talvez seja o mesmo que “triagem” visto que em ambos os casos há um paciente em perspectiva. Muñoz (2015?) escreve que a entrevista de triagem é um instrumento válido que facilita uma rápida classificação do paciente, contudo, baseado em observações incompletas, ou seja, a triagem permite uma visão geral do paciente mas sem ter em conta muitos dados pessoais, familiares, sociais, de patologia prévia.
Personagem crucial no desenvolvimento da entrevista, o entrevistador deve ter consigo uma ampla bagagem teórica e metodológica que o norteará no processo entre terapeuta e paciente. Este contingente de teorias e métodos não podem, contudo, tornar a entrevista um processo puramente mecânico no qual perguntas surgem e requerem repostas num automatismo frio e inibidor. Para isto é necessário que o entrevistador entenda que é mais do que um mero formulador de perguntas, sendo, na verdade, um motivador. Neste caso, o objeto da motivação é o entrevistado que, adequadamente esforçado, tem seus bloqueios psicológicos derrubados e se abre para o terapeuta.
A terapia centrada no cliente, desenvolvida por Carl Ransom Rogers e seus colaboradores, baseia-se na habilidade de escutar. Rogers introduziu uma “técnica” conhecida como “reflexo”, com a qual o terapeuta escuta o cliente e “reflete” seus pensamentos e sentimentos significativos dizendo ao cliente o que ele ouviu dizer. Alguns terapeutas fazem isto de uma forma mecânica, o que os faz parecer papagaios com uma graduação de psicologia, contudo, não era isto o desejado por Rogers. Para este, deve haver uma autêntica comunicação de compreensão e preocupação. Hoje em dia, o reflexo é apenas uma parte da chamada “escuta ativa” (BOEREE, 2018). O trabalho do terapeuta não é tanto fazer isto ou aquilo, mas sim “estar” de certa forma para o cliente.
Conforme escreve Boeree (2018), Rogers apresenta três qualidades que o terapeuta deve ter durante as sessões de terapia:
Ele ou ela deve ser congruente: Basicamente, isto implica ser honesto, não ser falso, pois os clientes podem perceber quando seu terapeuta está fingindo. A congruência é necessária para gerar confiança na relação terapêutica.
Ele ou ela deve ser empático: O terapeuta deve ser capaz de identificar-se com o cliente, entendendo-os não tanto como psicólogo, mas como uma pessoa que também tem visto parte de seus problemas. O terapeuta deve ser capaz de mirar os olhos do cliente e ver a si mesmo.
Ele ou ela deve mostrar ao cliente uma consideração positiva incondicional: Não significa que o terapeuta tem que amar o paciente, mas que ele deve respeitá-lo como ser humano e não o julgar.
Rogers, ao longo de sua obra, coloca que o objetivo do terapeuta é participar da experiência imediata do seu cliente. Para isto é necessário que o terapeuta saiba escutar e observar, estar atento aos movimentos da relação e à sua interação com seu cliente […] A ideia do terapeuta “centrado na pessoa” é de compreender o sujeito falante, a sua fala e o que se passa no aqui e agora da relação. A perspectiva da terapia rogeriana se encontra com as premissas fenomenológicas no sentido de que o real aí está, o fenômeno está aí presente, oferecido à observação, bastando se estar atento para apreendê-lo sob o prisma do sujeito que vive o fenômeno (HOLANDA, 2009).
A ótica rogeriana apresenta um conceito que rege praticamente todos os processos envolvidos tanto na clínica quanto no cotidiano de seus clientes, é o conceito de tendência atualizante, clássico e melhor descrito nas palavras do próprio idealizador.
Todo organismo é movido por uma tendência inerente a desenvolver todas as suas potencialidades e a desenvolvê-las de maneira a favorecer sua conservação e enriquecimento. Observemos que a tendência atualizante não visa somente […] a manutenção das condições elementares de subsistência como as necessidades de ar, de alimentação, etc. Ela preside, igualmente, atividades mais complexas e mais evoluídas tais como a diferenciação crescente dos órgãos e funções; a revalorização do ser por meio de aprendizagens de ordem intelectual, social, prática (ROGERS; KINGET, 1977, p.159-160 apud HOLANDA, 2009).
É a partir desse conceito que Rogers pensa a clínica psicoterapêutica, mostrando profunda confiança, quase uma “crença” na capacidade humana, tendo em vista um homem artífice de si próprio, como seu “próprio arquiteto”. Portanto, o cliente passa a ser considerado “sujeito” de sua própria vida, ativo e consciente. Em virtude dessa implícita concepção de homem, obrigatoriamente é pressuposta uma similar mudança na posição do terapeuta nesta relação, como explica Holanda (2009) ao escrever que
Se o sujeito da clínica é autônomo, consciente e dotado de potencialidades suficientes para se desenvolver, o papel ocupado pelo terapeuta deixa de ser o de “guia” ou de detentor de um suposto saber alheio ao cliente. Dá-se um natural emparelhamento de posições: ambos, terapeuta e cliente, são “pessoas” e sobre esta perspectiva se apoia toda a simplicidade do método rogeriano. Em um contexto como este, a figura do terapeuta é destituída de sua representação mágica e a responsabilidade do processo passa a ser do próprio sujeito do cliente – o que justifica, inclusive, a apropriação do termo “facilitador” ao invés de “terapeuta”, para Rogers –; ademais, isto se reflete igualmente na postura desse facilitador. Em outras palavras, a sua postura durante a entrevista passa por sua confiança nessa tendência atualizante. Desta feita, por considerar que o mais importante na terapia é desenvolver as potencialidades do cliente, o facilitador prescinde de usar “diretivas”, de ser o principal agente direcionador do processo de seu cliente, em uma posição de facilitar a emergência do fenômeno de seu cliente. O ponto central da ideia da “não-direção” é, em essência, uma abstenção de intervenções diretas baseadas em valores e pré-julgamentos, forçosamente orientados por um arcabouço teórico anterior ou por uma postura de suposto saber do terapeuta. É uma atitude diferenciada do terapeuta que […] passa por uma “recusa”: A não diretividade é, antes de tudo, uma atitude em face do cliente. É uma atitude pela qual o terapeuta se recusa a tender a imprimir ao cliente uma direção qualquer, em um plano qualquer, recusa-se a pensar que o cliente deve pensar, sentir ou agir de maneira determinada. […] É uma atitude pela qual o conselheiro testemunha que tem confiança na capacidade de autodireção do seu cliente. […] Assim sendo, as intervenções do terapeuta devem salvaguardar ao máximo a integridade do cliente. A atitude deve se basear na compreensão e na apreensão do mundo interno do sujeito, evitando a interpretação e a interposição de valores. Ao se interpretar, corre-se o risco de “compreender ‘sozinho’, de acreditar compreender quando de fato o que se está fazendo é projetar nossas significações sobre a situação do cliente”. Isto nos lembra a célebre epígrafe de Erwin Straus quando, ao questionar o princípio interpretativo apoiado em teorias destacadas da vivência, coloca que “na maioria das vezes, as ideias inconscientes do paciente, são as teorias conscientes de seu terapeuta”.
Por fim, é importante salientar seis imperativos da atitude do entrevistador, prerrogativas de ser um terapeuta centrado no cliente, conforme apresentado por Mucchielli (1978) apud Holanda (2009).
(1) Acolhida e não iniciativa: trata-se de uma atitude de receptividade, convite a ficar à vontade, diferentemente da atitude de iniciativa que obriga o outro a dar respostas ou a reagir diante da situação (embora esta seja uma atitude assaz eficiente e, de fato, “centrada no cliente”, também pode gerar certas inseguranças e incertezas). É importante estarmos atentos à cultura na qual estamos inseridos – ou o cliente em questão. É muito comum recebermos um cliente repleto de expectativas definidas sobre a situação da entrevista terapêutica; não responder a estas expectativas ou ignorá-las é uma atitude de pré-julgamento da circunstância. O mais indicado é aguardar o advento do fenômeno do cliente, mas não ignorar as suas necessidades mais prementes;
(2) Estar centrado no que é vivido pelo sujeito e não nos fatos que ele conta: Primado da vivência que é sempre uma vivência particular, vivido do outro, nunca é de posse de uma interpretação alheia. O meu vivido é o meu vivido. Devo, pois, apreender o sentido deste vivido tal qual ele o é para esse outro sujeito. Significa dizer que os fatos objetivos são auxiliares e não determinantes na compreensão do meu outro. Todavia, convém assinalar que isto não significa dizer que devemos simplesmente “deixar de lado” os fatos ou as objetividades. Os fatos são constituintes da cultura e da realidade dos indivíduos, e devem ser entendidos como tais. São, pois, de extrema relevância. O que não podemos é nos atermos aos fatos em si, visto que, cada fato é vivido na particularidade do sujeito. Em outras palavras, trata-se de focar o “sentido” ou o “significado”;
(3) Interessar-se pela pessoa do sujeito, não pelo problema em si mesmo: corolário do anterior. O autor coloca “renúncia” ao ponto de vista objetivo, visto o problema ser existencial. Não se trata, na realidade, de renunciarmos à objetividade, mas apenas remanejar as relevâncias. Os problemas são fatos da própria realidade, ou seja, todo mundo tem problemas e muitas vezes problemas absolutamente idênticos. As vivências destes problemas é que diferem em si, ou seja, os problemas podem ser iguais, os sentidos nunca são iguais – são particulares e da esfera da existência individual de cada um. No caso da terapia, o facilitador “tentar ver não o problema em-si, mas o problemado-ponto-de-vista-do-sujeito em questão” […]. É isto que caracteriza uma entrevista “centrada na pessoa”;
(4) Respeitar o sujeito e manifestar-lhe uma consideração real, em lugar de tentar mostrar-lhe a perspicácia do entrevistador ou sua dominação: Isto é consequência da principal noção rogeriana, a de tendência atualizante. Significa acreditar que o cliente tem potencial para sair da situação na qual se encontra, de recobrar sua dinamicidade perdida, seu “estado de equilíbrio”. Significa respeitar esta potencialidade e respeitar a própria existência do indivíduo como algo único, real. É um respeito por sua integridade, sua maneira de ver a realidade, de sentir, de viver. É uma não interposição de conceitos: os meus conceitos ou as minhas ideias são os meus conceitos e as minhas ideias, os conceitos e as ideias do outro são os conceitos e as ideias do outro. Podemos trocar e interagir, mas não devemos impor nada, sob pena de perdermos o sentido da individualidade e nos mesclarmos num amálgama disforme. “Não é o caso de ‘fazer psicologia’, mas de escutar e de compreender”;
(5) Facilitar a comunicação e não fazer revelações: Não se trata de enquadrar esta ou aquela fala num determinado padrão de interpretação, ou de revelar uma “verdade” apreendida ao outro (a verdade atribuída é sempre verdade projetada). A rigor, o que difere o modo de reformulação de uma interpretação clássica é a apreensão do mundo privado do sujeito como ponto de partida. A “interpretação” parte da subjetividade de quem interpreta, enquanto que na reformulação se destaca o esforço por considerar a alteridade e o ponto de partida é sempre o do sujeito da vivência. Nesta perspectiva, “trata-se de esforçar-se para manter e melhorar a capacidade de comunicar e de formular o seu problema. Permite-se ao cliente esclarecer a sua própria experiência para si, logo, possibilitando a sua solução. Uma dialética que aponta para o fato de que nos próprios problemas estão suas soluções.
Sigmund Freud percebe na prática da psicoterapia uma série de particularidades humanas que aparentemente entram em conflitos, o que faz com que o entrevistador se veja em uma profissão paradoxal, afinal, em um único ser humano devem ser integradas várias características humanas aparentemente conflitantes. Assim sendo, é fortemente evocada a tensão de polaridades opostas em um ambiente onde as diferentes necessidades dos clientes impõem ao terapeuta exigências aparentemente intermináveis (HYCNER, 1995). O paradoxo primordial está representado pela óbvia tensão entre as dimensões “subjetiva” e “objetiva” na psicoterapia, onde é requerido, ou mesmo exigido, um envolvimento pessoal da parte do terapeuta, ao mesmo tempo é preciso que ele mantenha a objetividade apropriada. Torna-se crucial a resposta equilibrada do terapeuta. Assim sendo, o conhecimento objetivo precisa estar fundamentado na experiência subjetiva do cliente e na do terapeuta, o que caracteriza a tensão entre o conhecimento nomotético, ou generalizável, e o conhecimento ideográfico, ou único.
O terapeuta precisa ter uma quantidade substancial de conhecimentos sobre os seres humanos em geral; porém, precisa sempre se esforçar para apreciar profundamente a experiência única da pessoa sentada à sua frente. Ambos os aspectos são essenciais para a empatia e compreensão das experiências de outro ser humano. Ainda assim, há entre eles uma forte disputa pela dominância. Constantemente o terapeuta precisa decidir sobre que aspecto atender em um dado momento. Em cada caso existem barganhas e riscos envolvidos. Ainda assim, é o jogo inerente aos riscos que dá força e vida a esse esforço. Surge, então, para o terapeuta a necessidade de integrar as dimensões objetiva e subjetiva de forma harmoniosa. Graças a isso, o gênio pioneiro de Freud manifestou-se pela necessidade de uma “consciência plainando em equilíbrio”, isto é, uma consciência que não esteja sujeita aos extremos usualmente evocados no encontro humano. De uma forma similar, Buber sugere que o psicoterapeuta precisa desenvolver a habilidade, aparentemente contraditória, de manter uma “presença-distanciada”. O terapeuta deve estar totalmente presente e, simultaneamente, ser capaz de refletir sobre o que está sendo experienciado num dado momento.
O processo psicoterapêutico exige que ambas as dimensões da existência, a “subjetiva” e a “objetiva”, sejam habilmente mescladas (HYCNER, 1995). Nesse processo, o terapeuta deve encarar a psicoterapia como ciência ou como arte? O enfoque mais enfatizado afetará o treinamento do psicoterapeuta bem como os valores decorrentes deste treinamento, logo, é determinante na atitude com que o indivíduo aborda seu trabalho. É certo que há um corpo de conhecimentos na psicologia e teoria psicoterapêutica essencial no trabalho com pessoas. Mas, ser responsivo ao cliente implica usar “sob medida” o conhecimento científico e os fatos, para que sirvam a uma única pessoa. Este aspecto muito exigente da profissão requer que o terapeuta integre a arte à ciência da psicoterapia. A negligência de uma das duas resulta num “des-serviço” ao cliente (HYCNER, 1995).
O terapeuta, além disso, confronta-se com problemas aparentemente contraditórios em relação aos aspectos pessoal e profissional. O self do terapeuta é intrinsecamente uma parte do processo. Em que grau o terapeuta enfatiza seu self pessoal em terapia e em que grau sua persona profissional é predominante? Onde começa o profissional e cessa pessoal? A tentação maior, e à qual pode-se sucumbir mais facilmente, é enfatizar a conduta profissional de forma a encobrir as inseguranças em estado de ebulição, que podem armar uma cilada para a pessoa do terapeuta. Sem dúvida, a persona profissional é parte necessária do processo psicoterapêutico de cura – ainda assim é somente a “forma” através da qual a pessoa terapeuta emerge (HYCNER, 1995).
O terapeuta ainda é confrontado frequentemente com o não desejado. Questões às quais ele, consigo mesmo, não deseja analisar podem ser trazidas pelo próximo cliente, e isso é irreversível, pois não há evitação em terapia. O profissional, incessantemente forçado a lutar com suas fragilidades e com seus pontos cegos, pode encontrar nesse dilema a raiz de sua empatia. Como “curador ferido”, tem uma natureza profundamente sensível à vulnerabilidade alheia. Mas deve-se considerar se certa vulnerabilidade torna o terapeuta mais aberto, porque um excesso de “feridas” pode trazer à tona suas defesas e fechar as portas para a possibilidade de um encontro genuíno. De fato, o “curador ferido” cura; mas, se o ferido torna-se o principal na terapia, o foco pode vir a ser a cura do terapeuta e não a do cliente, o que não deve ocorrer. Cabe ao terapeuta promover o aparecimento de suas feridas no processo psicoterapêutico, evitando que a cura do seu próprio self seja o objetivo na relação com o cliente. Como consequência natural, o terapeuta pode sim alcançar sua cura como resultado dessa interação “entre” (HYCNER, 1995).
Cabe ressaltar outro contraste na profissão paradoxal que se dá entre a experiência subjetiva do terapeuta e suas habilidades relacionais. O terapeuta deve estar em contato com sua própria experiência individual e ao mesmo tempo manter plena a interação com seu cliente, entendendo a experiência deste. Ser introvertido o suficiente para ter uma awareness altamente desenvolvida de si mesmo, e ser capaz de se relacionar facilmente com outras pessoas. O termo inglês “awareness” não tem correspondência exata em português, mas significa “uma forma de experienciar”. Implicando um processo de estar em contato vigilante com o evento de maior importância no campo indivíduo/meio, com total suporte sensório-motor, emocional, cognitivo e energético. O terapeuta precisa estar cuidadosamente aware do que está acontecendo entre ele e o cliente. (HYCNER, 1995). Vila (2016) escreve que o terapeuta precisa de uma grande dose de awareness para seu trabalho, e que nisso reside parte da qualidade artística da terapia, ter a maior consciência possível do momento e de tudo que há no campo, a fim de responder criativa e espontaneamente na interação com o paciente.
E, nesse ambiente de paradoxos, o self do terapeuta é o “instrumento” que será utilizado na terapia. Isso implica que a orientação teórica não é tão decisiva quanto a inteira disponibilidade que promove o encontro de self com self. Nesse encontro genuíno nasce a inteireza do cliente que estava ausente antes da interação (HYCNER, 1995).
BLEGGER, José. Temas de Psicologia: Entrevistas e Grupos. Bela Vista: WMF Martins Fontes, 2001.
BOEREE, George. La terapia centrada en el cliente de Carl Rogers. Disponível em: <https://www.psicologia-online.com/la-terapia-centrada-en-el-cliente-de-carl-rogers-1275.html>. Acesso em 25 julho 2018.
CRAIG, Robert J. Entrevista Clínica e Diagnóstica. São Paulo: Artmed, 1991.
Dicionário Michaelis. Disponível em: <http://www.michaelis.uol.com.br/>. Acesso em 02 novembro 2017.
GARCÍA-ALLEN, Jonathan. Los distintos tipos de entrevista y sus características. Disponível em: <http://www.psicologiaymente.net>. Acesso em 07 novembro 2017.
HYCNER, Richard. De pessoa a pessoa: psicoterapia dialógica.
HOLANDA, Adriano Furtado. A perspectiva de Carls Rogers acerca da resposta reflexa. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S217525912009000100004>. Acesso em 04 novembro 2018.
MARTIN, Melanie J. Diferencia entre las entrevistas estructuradas y semiestructuradas. Disponível em <https://www.cuidatudinero.com/13104149/diferencia-entre-lasentrevistas-estructuradas-y-semi-estructuradas>. Acesso em 16 maio 2018.
MILLER, Ashley. The Purpose of a Clinical Interview in a Psychological Assessment. Disponível em: <http://www.chron.com/>. Acesso em 06 novembro 2017.
MUÑOZ, Eva María Ruiz. El triage psicológico: ¿Una herramienta para el psicólogo de emergencias? Disponível em: <https://psicologosemergenciasbaleares.files.wordpress.com/2014/01/numero14vol1_2015_triag e_psicologico.pdf>. Acesso em: 05 junho 2018.
VILA, David Picó. El awareness. Disponível em: <https://gestaltnet.net/documentos/elawareness>. Acesso em 29 abril 2019.
Compartilhe este conteúdo:
Psicologia e Odontologia podem e devem caminhar juntas: (En)Cena entrevista Eva Spangenberg
Para além das questões estéticas, a Odontologia, como prática de saúde, promove a prevenção de doenças que possam ocorrer por não cuidar da saúde do sorriso. É importante ressaltar que um profissional de odontologia bem preparado, deve demonstrar confiança aos pacientes. Pois muitas vezes, alguns nunca passaram por procedimentos odontológicos o que faz com que sintam-se receosos e inseguros, portanto ter o profissional ali, que possa acalmar, conformar e trazer informações necessárias ao paciente se faz essencial.
Além disso, sabemos que a saúde mental é muito importante e que promove qualidade de vida tanto aos pacientes, quanto aos profissionais. Que por sua vez, enfrentam jornadas de trabalho intensas, onde se exige uma atenção maior durante os procedimentos realizados e os cuidados da saúde mental devem ser realmente levados em consideração.
Na presente entrevista, conversamos com Eva Spangenberg, formada em Odontologia e que está concluindo sua segunda graduação em Psicologia pelo CEULP ULBRA. Eva oferece uma visão muito interessante, que envolve sua trajetória profissional e sua relação com ambas as áreas de conhecimento.
Fonte: Acervo da entrevistada
En(Cena) – Você poderia nos contar um pouco acerca da sua trajetória profissional? E, se possível, da sua motivação para aliar Odontologia e Psicologia.
Eva Spangenberg – Quando prestei meu primeiro vestibular aos 19 anos, prestei para odontologia e psicologia. Na época havia passado somente em psicologia, naquele momento não era o que eu realmente queria fazer. Estava decidida que queria cursar odontologia, e fiz um ano de cursinho para um novo vestibular, desta vez prestei somente para odontologia. Fiz essa graduação em princípio na USC de Bauru, sendo que 2/3 do curso concluí nessa instituição, depois me mudei para Londrina e finalizei minha graduação na Unopar de lá, foi uma experiência muito enriquecedora de aprender com visões institucionais diferentes, mas que se complementavam.
En(Cena) – Ao longo da sua formação, como se deu essa relação entre a Odontologia e a Psicologia?
Eva Spangenberg – A Odontologia trabalha todo tempo com o emocional do paciente e do cirurgião, o contato é bastante próximo, tanto no atendimento, quanto na anamnese e na evolução dos casos. Cada vez mais pude perceber a necessidade vinda do paciente de uma escuta atenta e diferenciada, procuro sempre me manter atualizada em diversos segmentos, para que possa oferecer uma consulta e um tratamento de qualidade para meus pacientes. Sendo assim, e com o gosto por aprender e adquirir novos conhecimentos, que senti a necessidade e a vontade de ingressar no curso de Psicologia. Para aperfeiçoar antigos conhecimentos, para aprender tantos outros e me socializar mais num ambiente acadêmico que aprecio muito, pois na odontologia, passamos muitas horas sozinhos em ambientes fechados, voltar a estudar foi como refrigerar a alma.
En(Cena) – Existe um discurso que ouvimos muito acerca do “Medo de ir ao Dentista”, algumas pessoas inclusive demonstram pavor. Quanto a isso tem alguma técnica ou forma de acalmar esse paciente, para realização dos procedimentos e perder esse medo?
Eva Spangenberg – Acredito que muito do medo é pela insegurança e falta de informação, por parte do profissional, dos passos seguintes que serão dados. O paciente também, na maioria das vezes, já vem sensibilizado por tratamentos anteriores mal sucedidos, por vezes também, confunde pressão com dor. Procuro estabelecer uma relação de compromisso e confiança desde o primeiro encontro, com o compromisso firmado de ambas as partes, a minha como profissional e a do paciente, durante o atendimento. Antes do procedimento ser realizado, faço uma explicação de como será cada passo, diferencio para o paciente a diferença de pressão e dor, com toques nas mãos, o paciente informado se sente seguro e se mostra bastante colaborativo durante os atendimentos, isso já o acalma também.
En(Cena) – Na sua opinião é mais fácil lidar com pacientes adultos ou com as crianças? Por quê? Isso vale também para os que sofrem dessa fobia mencionado na pergunta anterior?
Eva Spangenberg – Fiz 11anos de Odontopediatria, é uma área bastante cansativa, mas de muitas satisfações pessoais. Normalmente, alguns dos pais se mostram negligentes nos cuidados com as crianças ou excessivamente zelosos e dão mais trabalho do que as próprias crianças, sendo assim é necessária uma postura de pulso e doçura ao mesmo tempo. Os movimentos precisam ser firmes e rápidos, porque um erro, pode ferir a criança. O tempo de atendimento infantil é reduzido também, pois elas se cansam mais rapidamente e passam a não colaborar, por vezes, medidas de contenção conforme técnicas específicas, podem ser utilizadas em casos complexos para o manejo da dor e execução segura do trabalho. Tudo deve ser muito bem conversado com a criança e não devemos subestimar sua capacidade de entendimento e participação durante os atendimentos, ao final dos atendimentos é sempre interessante usar um reforço positivo, que reforça o vínculo com o profissional e a autoconfiança da criança.
En(Cena) – Já houve alguma situação no consultório na qual o paciente tenha tido alguma crise ou entrado em pânico? Se houve, como foi o desfecho?
Eva Spangenberg – Por duas vezes tive pacientes em situação de pânico, uma delas foi durante a cirurgia de um adolescente e um colega médico de um consultório ao lado me ajudou no manejo da situação com sucesso. Em uma outra, o paciente tinha verdadeiro pânico de consultórios odontológicos, gritava e escorregava pela cadeira de atendimento sem sequer ser tocado. Nesse caso, para o conforto do paciente e segurança do profissional, ele foi encaminhado para atendimento hospitalar com sedação completa para execução dos procedimentos.
En(Cena) – Estudos recentes sugerem que pacientes que sofrem de Bruxismo costumam sofrer de ansiedade, depressão e raiva. Em sua experiência, já lidou com pacientes que apresentavam bruxismo? Se sim, você teve essa percepção?
Eva Spangenberg – O bruxismo tem se mostrado a cada dia mais presente. Inclusive, em crianças de tenra idade. Os estímulos sensoriais exacerbados e por tempo excessivo, o excesso de tarefas e afazeres diários e a falta de um tempo de qualidade e com tranquilidade para si mesmo, tem aumentado a frequência e a intensidade dos casos. Além do acompanhamento odontológico, por vezes se faz necessário o acompanhamento psicológico. O profissional deve estar atento aos primeiros sinais a fim de evitar maiores danos e proporcionar informações e qualidade de vida para esse paciente.
En(Cena) – Dra., sabemos que o contexto atual, por conta da pandemia, tem atingido as diversas áreas de nossas vidas. Como tem sido para você e para a Odontologia lidar com essas adversidades?
Eva Spangenberg – A pandemia expôs a nossa fragilidade como profissionais que lidam com sangue e saliva, com aerossóis altamente contaminantes. Particularmente, não necessitei fazer nenhuma mudança na execução dos atendimentos, pois sempre procurei ser bastante rigorosa no quesito biossegurança, no entanto, dobramos o cuidado com a desinfecção e espaçamos as consultas para melhor atender. Os pacientes se mostraram bastante assustados com a mídia, e os profissionais bastante fragilizados emocionalmente e financeiramente. Isso nos fez refletir muito sobre a necessidade de termos fontes de renda alternativas, que não demandem necessariamente de nossa presença física para que tenhamos retornos financeiros.
En(Cena) – Atualmente você é formada em Odontologia e acadêmica de Psicologia. O que você acredita que mudou?
Eva Spangenberg – Mudou minha forma de olhar, que antes era mais embrutecida, hoje tenho mais paciência, mais diretividade, um olhar mais atento e uma capacidade resolutiva em processo de melhoramento. Procuro refinar mais as conversas com os pacientes e permitir que se sintam acolhidos, validados e comprometidos com o tratamento, minha maior satisfação é quando retornam para outras manutenções.
En(Cena) –Dra. Eva, qual a sua opinião acerca da parceria, ou até mesmo da prática integrada entre Psicologia e Odontologia? Na sua visão, quais os benefícios futuros que essa parceria poderia proporcionar aos pacientes?
Eva Spangenberg – O cirurgião dentista não é formado até os dias atuais, para o estabelecimento de parcerias, perde enormemente com isso e nesse caso, tem muito a aprender com os colegas médicos. São parcerias em materiais, em equipamentos, que apesar do grande investimento, em pouco tempo se tornam obsoletos e quando esses conhecimentos, esses materiais e equipamentos são partilhados, eles se pagam e abrem caminho para o novo. Tem um conto, bem divulgado na odontologia, em que você entra no curso e se acha o máximo, porque agora tem uma bancada para aprender a trabalhar, de 1.50m, e um manequim de borracha. Passado um ano, você tem um paciente e chama o professor para atender não o paciente “fulano de tal “, mas o dente 46 com fratura, então, se não estivermos atentos a nós mesmos e ao nosso redor, nosso mundo se encolhe e perde significância. Vejo que a psicologia apura o olhar e a forma de atendimento do cirurgião dentista, inclusive para questões pessoais do paciente, presente durante os tratamentos. Um cirurgião dentista atento pode indicar um tratamento psicológico de qualidade aos seus pacientes, mostrando que não se trata de fraqueza, mas de coragem por parte do paciente de lidar com aspectos tão necessários na vida cotidiana. O mesmo vale para o profissional psicólogo, que deve também estar atento aos cuidados pessoais, à estética satisfatória por parte das demandas do cliente, à questões como halitose, por vezes despercebidas pelos portadores da mesma e ao autocuidado da saúde bucal, negligenciado principalmente em casos de viuvez, separações ou pacientes que vivem sozinhos. A boca faz parte na melhoria e consagração da autoestima com qualidade de vida, caso o profissional tenha a oportunidade e o interesse em aliar aos atendimentos a odontologia e a psicologia, o resultado será ainda melhor.
En(Cena) – Vale destacar aqui também o cuidado com a saúde mental dos profissionais da Odontologia, que muitas vezes se mostram com uma jornada de trabalho extensa, podendo chegar a ultrapassar o limite das 60 horas semanais permitidas por lei, quando estes trabalham como autônomos. Em sua opinião, quais riscos isso poderia trazer à saúde e quais mudanças podem ser possíveis nesse contexto entre a Psicologia e a Odontologia?
Eva Spangenberg – A abertura indiscriminada de faculdades de odontologia, que não necessariamente primam por excelência na sua formação, aliadas a políticas públicas de negligência e abandono nas áreas de saúde, a procedimentos mal remunerados e às dificuldades de progressão de carreira, têm em muito contribuído para o adoecimento, afastamento, mudança de carreira ou péssimas condições de vida e de trabalho de muitos profissionais, inclusive com imensas dificuldades para se aposentarem. Um profissional atento deve se informar sobre as diversas formas de contornar e ressignificar essas dificuldades, caso queira continuar atuando ou mesmo se aposentando com manutenção da qualidade de vida posterior, é preciso estar atento à necessidade de cuidados com sua psique, com seu corpo físico, com a qualidade de suas relações de trabalho e pessoais, pois além de trabalhar com a técnica, trabalha também com a arte e com a inspiração!
Fonte: Acervo da entrevistada
Compartilhe este conteúdo:
Entrevista Motivacional: Psicólogo Sergio Baggio discorre sobre os desafios no CAPS AD III
Sergio Baggio é psicólogo e atua desde 2014 no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas III em Palmas-TO, atualmente como Técnico de Saúde mental da unidade
A Entrevista Motivacional consiste em uma modalidade de conversa baseada na cooperação que busca a fortificação da motivação do cliente/paciente em processos de saúde, bem como o comprometimento com a mudança. Essa técnica é amplamente utilizada desde a década de 80 no tratamento de dependência química, por visar a redução de comportamentos de risco. Nesta entrevista, o psicólogo Sergio Baggio discorre sobre os principais desafios que estão implicados no uso desse recurso terapêutico, e apresenta sua visão referente ao conceito de motivação.
Sergio Baggio é psicólogo e atua desde 2014 no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas III em Palmas-TO, atualmente como Técnico de Saúde mental da unidade, desenvolvendo atividades referentes à área da Psicologia, bem como atividades transversais em diversos contextos e com diferentes públicos. Tem experiência com atuação clínica, organizacional e docência. Atualmente realiza especialização na área Comportamental.
(En)Cena – Desde que se desenvolveu até o presente momento, houve alguma mudança na metodologia e aplicação da Entrevista Motivacional?
Sérgio: O que eu entendo por motivação é ideia de desejo, motivação, engajamento, acho que é isso. Não vejo que as pessoas se motivam apenas com ideias ou com propostas circunstanciais. A motivação é um processo intrínseco, é o movimento que acontece a partir de um projeto que tem a solidez, consistência, tem o projeto de ser. É dali que nasce a consistência da motivação, não é uma ideia, não é uma moda, não é um encantamento, isso não é motivação. Acho que a ideia de motivação que se trabalha por “ai”, é uma ideia fugaz, não é uma ideia consistente.
(En)Cena – Em sua opinião, como a Entrevista Motivacional tem ajudado os pacientes em relação a ambivalência relacionada às mudanças?
Sérgio: Primeiro todo e qualquer ser humano precisa conhecer quem ele é, para onde ele vai, precisa ter um projeto de vida, conhecer a sua história e ter uma relação legal com ele. Se ele não consegue fazer este movimento, ele não consegue se engajar em lugar nenhum, ele está solto, não tem rumo, não sabe o quer e não se conhece, não sabe lidar com o futuro, frustações, não sabe lidar com as oportunidades que a vida dá pra ele. Enfim, tudo nasce da Anima, aquela que dá a vida. Eu me sinto numa posição de poder, quando falo isso. A psicologia tem esta leitura de como acessar a consciência e isso nos dá poder.
(En)Cena – Por quê?
Sérgio: Porque é uma ciência que realmente dá conta da consciência. A ciência consegue se apropriar do fenômeno e a gente consegue operar de forma eficaz, conseguimos ter resultados.
(En)Cena – É necessário ter formação específica para o engajamento profissional do profissional na Entrevista Motivacional?
Sérgio: O profissional deve estudar muito, precisa conhecer, ser um estudioso constante, precisa gostar do que faz, precisa se encantar pelo fenômeno, ser um profundo conhecedor, profundo curioso. Ele nunca está pronto, ele não pode se desencantar.
(En)Cena – Você acha que esta prática é restrita somente aos Psicólogos?
Sérgio: Não, a gente está precisando dialogar interdisciplinarmente, até porque a medicina precisa se apropriar destes cursos pois em primeiro plano o paciente procura a medicina. As pessoas associam a medicina também a saúde mental. Saúde mental não tem que dialogar somente com uma profissão, tem que dialogar com todas as áreas, porque o fenômeno pode ser identificado em toda a rede. O enfermeiro pode identificar os aspectos psicológicos, a escuta de enfermagem, o terapeuta organizacional, o assistente social que trabalha na rede, pode e deve identificar fenômenos psicológicos e sociais no contexto da realidade, o médico teria que ter muito preparo de como identificar os fenômenos psicológicos. Na escuta clínica que ela é tão eficiente, tão técnica em relação patológica, então a medicina também precisa dialogar sobre isso, porque muitas vezes tem uma demanda física, mas que provavelmente a raiz não é física, ela é emocional, estrutural. Então ter uma escuta qualificada da equipe multidisciplinar que atua na rede é fundamental, os médicos da família, as equipes que atuam nos NASF, CRAS, na saúde da família, precisam identificar esses fenômenos. O fenômeno não é só da psicologia e nem só da psiquiatria, talvez nós tenhamos preparo técnico pela nossa especificidade, mas precisamos dialogar com outros pontos das redes e que também são saúde.
(En)Cena – Como você ajudaria esta escuta, ajudar o paciente a uma adesão de tratamento de álcool e drogas, por exemplo?
Sérgio: Interessante! Isso acontece muito, às vezes o paciente chega sem saber o que quer, conduzido pela família, não tem consciência. Então ele pode se convencer através de um acolhimento, de uma escuta qualificada, ele pode se perceber nas consequências, nas aplicações da vida dele. Muitas vezes ele chega carregado de preconceito em relação ao tratamento, a saúde mental, a lógica de que o tratamento não funciona, acessar o serviço sem antes conhecer o serviço, muitos preconceitos em relação ao tratamento, a si próprio ele não se percebe como dependente, ele não quer se perceber, ele não se considera doente, então este processo de empoeiramento é uma construção que a gente vai fazer com o paciente. Ela não se dá muitas vezes no primeiro encontro, as vezes vai precisar de tempo para se vincular, fazer construção desta vinculação. Construir este conhecimento de que precisa de ajuda, estabelecida. Muitas vezes eles chegam e a gente considera um conceito, ele fica muito na flutuação. A flutuação é muito a característica de quem está chegando na fase da unidade, ele não tem um empoderamento que ele quer, que ele precisa e a medida que ele vai conhecendo a metodologia, ele vai se afetando pelo trabalho, pelo serviço e consegue se organizar melhor.
(En)Cena – Dentro da esfera do CAPS AD III acha a Entrevista motivacional útil para adesão ao tratamento com os pacientes?
Sergio: É fundamental. Utilizando o conceito motivacional dentro da minha percepção não em outro conceito. A gente construir esse empoderamento é fundamental. Esse é nosso papel aqui, de mostrar pra ele que ele pode ter qualidade de vida, que isso é uma dificuldade transitória, que ele pode se organizar melhor, construir com qualidade o roteiro da vida dele. Esse é o serviço que a gente faz constantemente. Muitas vezes tem pacientes que estão muitos anos no processo de flutuação e não se empoderam, pois não tem adesão, porque não permite a seguir o seu “CPTS”. Vir e se afetar e mergulhar profundamente em suas questões. Então são esses limites que temos, mas quando eles conseguem fazer essa vinculação, eles mergulham mais profundamente e conseguem ter reflexões, insight, bem interessantes sobre esses processos e aí que se desenvolve a motivação. A motivação, o querer estar, se implicar é um trabalho difícil. Requer escuta, empenho, vinculação com a família. É um trabalho difícil, mas a gente consegue.
*Entrevista realizada como requisito da disciplina de Psicologia da Saúde.