A ascensão dos podcasts: vantagens e desafios na era da informação sob demanda

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A ascensão dos podcasts: como o formato transforma nosso consumo de conteúdo e traz novos desafios na era digital.

Os podcasts ganharam espaço na vida das pessoas e se consolidaram como uma mídia de grande impacto e acessibilidade, especialmente no contexto digital contemporâneo. Graças ao formato em áudio e à possibilidade de serem escutados em praticamente qualquer lugar, os podcasts atendem a uma demanda crescente por conteúdos que conciliam praticidade e diversidade (Souza & Lima, 2022). A oferta variada de temas atrai ouvintes de diferentes interesses e idades, e a praticidade do formato possibilita que o consumo de informação ocorra em meio às atividades diárias. Contudo, o crescimento acelerado desse meio traz não apenas benefícios, mas também desafios complexos que vão desde o excesso de informações até o risco de desinformação e impactos cognitivos.

As vantagens do podcast: flexibilidade e diversidade temática

A principal vantagem do formato de podcast é a flexibilidade. Segundo Pereira e Costa (2022), o público pode ouvir conteúdos enquanto realiza outras atividades, como exercícios físicos ou tarefas domésticas. Essa conveniência faz com que o consumo de podcasts se adeque bem ao cotidiano multitarefa e digitalizado, onde o tempo é escasso e a preferência é por conteúdos acessíveis e rápidos. Além disso, o formato oferece uma vasta diversidade temática, abrangendo tópicos que vão desde saúde e bem-estar até ciência e cultura, atraindo públicos específicos e permitindo uma experiência de aprendizado acessível a todos (Johnson, 2023). Esse caráter diversificado e personalizado torna o podcast uma importante ferramenta para democratizar o acesso ao conhecimento, promovendo a educação continuada e informando sobre temas atuais e relevantes.

Outro aspecto positivo do formato é a experiência de escuta mais próxima e pessoal. Para o ouvinte, a voz do apresentador cria uma conexão que facilita o engajamento. Albuquerque et al. (2022) destacam que essa sensação de intimidade, muitas vezes, leva os ouvintes a criarem laços com o apresentador ou com o programa, o que promove um senso de pertencimento e de comunidade entre os ouvintes. Esse efeito é particularmente significativo na construção de audiências fiéis, que muitas vezes participam ativamente nas redes sociais e interagem diretamente com os criadores de conteúdo. Essa proximidade também beneficia os criadores, que conseguem obter um retorno direto do público e adaptar o conteúdo com base no feedback recebido.

                                                                                                                                       Fonte: www.freepik.com

Os desafios da ascensão dos podcasts

Apesar das inúmeras vantagens, a popularidade dos podcasts também apresenta desafios que devem ser cuidadosamente avaliados. O fácil acesso às ferramentas de produção e os baixos custos de entrada permitiram um crescimento exponencial na quantidade de conteúdos disponíveis. Isso, porém, gera uma grande dificuldade para o ouvinte comum, que muitas vezes não sabe como identificar quais fontes são confiáveis (Gomes & Almeida, 2023). A saturação de conteúdos e o risco de desinformação tornam-se, então, problemas complexos. Segundo Morris (2023), a ausência de regulamentação específica sobre o conteúdo de podcasts facilita a disseminação de informações não verificadas, prejudicando a credibilidade do formato e expondo os ouvintes a conteúdos enganosos.

A sobrecarga de informações é outro desafio. A multiplicidade de opções pode provocar um sentimento de ansiedade, um fenômeno conhecido como information overload, em que o excesso de conteúdo torna a escolha mais difícil e causa angústia (Silva & Oliveira, 2022). Isso é especialmente relevante em uma época em que o tempo livre é reduzido e a atenção fragmentada é uma realidade. Em um estudo recente, Gomes e Almeida (2023) apontam que a superexposição a informações, mesmo que por meio de podcasts, pode impactar negativamente a saúde mental e aumentar a dificuldade de concentração em outras atividades, como a leitura ou o trabalho.

Ainda no campo dos impactos cognitivos, Silva e Oliveira (2022) destacam que o consumo excessivo e contínuo de conteúdo em áudio pode prejudicar o tempo que as pessoas dedicam a outras formas de entretenimento ou aprendizado, como a leitura de livros ou a prática de atividades que requerem atenção plena. Essa exposição frequente pode levar a uma redução da capacidade de concentração e afetar o desenvolvimento de habilidades mais profundas de reflexão. Assim, embora os podcasts ofereçam uma experiência de aprendizado acessível, é importante estar atento para evitar que o consumo excessivo prejudique outras áreas da vida cognitiva.

A responsabilidade dos criadores e a consciência do público

Para que o formato de podcast continue sendo uma ferramenta confiável e educativa, é essencial que criadores e ouvintes adotem uma postura consciente. Por parte dos criadores, a verificação rigorosa de informações e o compromisso ético com a qualidade do conteúdo são fundamentais. Conforme Medeiros (2023) afirma, ao produzir conteúdo para um público amplo e heterogêneo, os criadores devem priorizar a ética, evitar sensacionalismos e valorizar a exatidão da informação. Essa responsabilidade é essencial para que o formato mantenha sua credibilidade e para que o público confie nos conteúdos que consome.

Já os ouvintes, por sua vez, precisam desenvolver uma postura crítica diante do que escutam. Escolher fontes confiáveis, buscar referências adicionais e verificar a origem das informações são práticas que podem ajudar a combater a desinformação. Além disso, a moderação no consumo de podcasts e a diversificação das fontes de aprendizado e entretenimento são essenciais para manter o equilíbrio (Pereira & Costa, 2022). Assim como em outras plataformas digitais, o consumo consciente de conteúdo em áudio é fundamental para que o ouvinte tire proveito das vantagens oferecidas pelo formato sem prejudicar seu bem-estar.

O futuro dos podcasts e o desafio da sustentabilidade

A ascensão dos podcasts reflete um desejo crescente por conteúdos flexíveis e acessíveis, mas a sustentabilidade desse formato depende de um equilíbrio entre a liberdade criativa e a responsabilidade informativa. O podcast tem o potencial de continuar sendo uma ferramenta poderosa na disseminação de conhecimento e cultura, mas esse potencial só poderá ser plenamente realizado se os produtores e o público contribuírem para criar um ecossistema de mídia mais ético e confiável (Souza & Lima, 2022).

Nesse contexto, Albuquerque et al. (2022) ressaltam que o futuro dos podcasts passa por uma valorização da qualidade sobre a quantidade, estimulando a criação de conteúdos mais aprofundados e informativos. A implementação de práticas de verificação de dados, a criação de parcerias com fontes confiáveis e o investimento em pesquisas para entender melhor o comportamento do público podem ajudar a garantir que os podcasts mantenham sua relevância sem comprometer a integridade das informações transmitidas.

Considerações finais

Embora a popularidade dos podcasts apresenta riscos, como a desinformação e a sobrecarga de conteúdos, com práticas adequadas de consumo e produção, é possível maximizar os benefícios desse formato. A responsabilidade ética dos criadores e a postura crítica dos ouvintes são essenciais para que os podcasts permaneçam como uma fonte confiável e rica de conhecimento e entretenimento. Aproveitar as vantagens do formato com moderação e comprometimento permite que o podcast continue sendo uma ferramenta relevante e positiva na sociedade digital.

 

Referências:

ALBUQUERQUE, M.; CARVALHO, A.; MOURA, L. A experiência do podcast no Brasil: conexões e potencialidades. Revista Brasileira de Estudos da Comunicação, v. 45, n. 2, p. 58-72, 2022.

GOMES, P.; ALMEIDA, R. A multiplicidade dos podcasts e a sobrecarga de informações: um estudo sobre hábitos de consumo. Estudos de Mídia e Tecnologia, v. 14, p. 110-124, 2023.

JOHNSON, L. The rise of podcast culture: exploring intimacy and engagement in digital audio. Journal of Digital Media Studies, v. 10, n. 1, p. 33-48, 2023.

MEDEIROS, F. A responsabilidade ética na criação de conteúdo para podcasts. Comunicação e Sociedade, v. 36, n. 1, p. 93-105, 2023.

MORRIS, D. Podcast misinformation and the risks of unchecked digital platforms. Digital Ethics Quarterly, v. 8, n. 3, p. 22-36, 2023.

PEREIRA, L.; COSTA, S. A versatilidade do podcast e o impacto no aprendizado contemporâneo. Revista Educação e Tecnologia, v. 12, n. 4, p. 145-159, 2022.

SILVA, M.; OLIVEIRA, J. Podcasts e atenção fragmentada: desafios na era da informação. Jornal Brasileiro de Psicologia e Tecnologia, v. 17, n. 3, p. 185-199, 2022.

SOUZA, T.; LIMA, R. Democratização do conhecimento: o papel dos podcasts na era digital. Cultura e Sociedade, v. 30, p. 203-217, 2022.

 

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O Mito da Beleza na Sociedade da Transparência

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Refletindo a adesão e o desejo por cirurgias plásticas a partir das obras de  Byung-Chul Han e Naomi Wolf 

Naiane Ribeiro de Oliveira Silva – naianeribeiro@rede.ulbra.br

Byung-Chul Han fala sobre os vários aspectos da sociedade agarrada na transparência e em todas as formas que esse conceito pode afetar nossas vidas. Em uma parte específica de seu livro, “ A sociedade da transparência”, o autor reflete sobre a  sociedade da exposição, contexto em que tudo é concebido como uma mercadoria, sendo necessário se expor para ter valor social. (HAN, 2017). Nesse sentido, a superexposição das redes sociais poderia ser interpretada à luz da perspectiva de Han. 

Segundo Han (2017), a fotografia digital caminha de mãos dadas com uma forma de vida totalmente distinta, que se afasta cada vez mais da negatividade.  Essa negatividade seria a alteridade, o que é diferente aos olhos do outro. O filósofo assinala que é uma fotografia transparente sem nascimento e sem morte, sem destino e sem evento, sendo, portanto, desprovida de real sentido. Assim, nota-se que esse trecho se relaciona  diretamente com as “trends” vistas nas redes sociais e com a procura por perfeição constante. 

A procura por defeitos e aspectos humanos que podem ser “melhorados” e otimizados de forma contínua, leva a uma certa alienação dos sentidos, em conjunto com a exposição quase ininterrupta de corpos e vidas “perfeitas”. Essas vidas são maquiadas, cortadas e editadas para se encaixar em um padrão elevado do que seria o ideal mas nem mesmo o “ideal” é real, a vida perfeita é aquela totalmente idealizada e platônica. Nesta ótica,  Han assinala que a  “alma humana deve sua profundidade, grandeza e fortaleza precisamente ao demorar-se junto ao negativo” (HAN, 2017, p. 19). Nesta ótica, podemos refletir:  para onde vai essa grandeza e fortaleza quando se evita o negativo, quando se foge dele e o modifica?”

Sala de procedimentos cirúrgicos
Marcel Scholte por Unsplash

Segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS) foram feitas 1.306.962 intervenções cirúrgicas estéticas em 2020 no Brasil, esse dado cresce cada vez mais e apresenta somente cirurgias estéticas. De acordo com o jornal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul existem dois tipos de cirurgias plásticas, as reparadoras e as estéticas, em alguns casos as duas definições se encaixam (SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA PLÁSTICA, 2023).

Procedimentos e padrões estéticos são amplamente divulgados para o público feminino, cirurgias para “consertar” o corpo após a gestação, para aumentar ou diminuir os seios, para alterar o rosto e muito mais. Porém, recentemente o público masculino também tem aderido a modificações estéticas, um exemplo disso é o alongamento ósseo que é uma cirurgia originalmente voltada a aqueles que tenham tido alguma irregularidade no crescimento ocorridos na infância ou sequelas de acidentes. Muitos homens sofrem com a pressão estética da altura e procuram essa solução (Serviço de Ortopedia e Traumatologia).

“A coação expositiva leva à alienação do próprio corpo, coisificado e transformado em objeto expositivo, que deve ser otimizado. Já não é possível morar nele, sendo necessário, então, expô-lo e, assim, explorá-lo. Exposição é exploração, e seu imperativo aniquila o próprio morar.” (HAN, 2017) A fim de agradar a exposição e fazer parte dela, é imperativo haver a mudança e adaptação, a forma que encontramos é através das cirurgias plásticas, exercícios físicos, dietas restritivas e muito mais. Os exemplos que encontramos do corpo e personalidade perfeita estão nas redes sociais, onde os aspectos humanos são modificados por ferramentas tecnológicas, como photoshop e inteligência artificial.

E qual é o problema disso tudo? Segundo Han, o problemático não é o aumento das imagens em si, mas a coação icônica para tornar-se imagem. Tudo deve tornar-se visível; o imperativo da transparência coloca em suspeita tudo o que não se submete à visibilidade. E é nisso que está seu poder e sua violência.

Por uma outra perspectiva, segundo Naomi Wolf (2018), quanto maior o poder e o espaço que a mulher ocupa nas sociedade, maiores as exigências em relação ao seu corpo. A autora afirma que as mulheres abriram uma brecha na estrutura do poder, contexto em que, ao passo que ascenderam em suas carreiras, outros problemas impeditivos de uma vida plena, tal como o aumento na taxa de  distúrbios relacionados à alimentação e a busca por cirurgia plástica, aumentaram consideravelmente. Isto, na visão de Wolf, é mais uma estratégia de controle do feminino. 

O conceito de beleza e do que é perfeito é profundo e tem vários aspectos associados, Naomi diz que é ainda um sistema monetário, semelhante ao padrão ouro. “Como qualquer sistema, ele é determinado pela política e, na era moderna no mundo ocidental, consiste no último e melhor conjunto de crenças a manter intacto o domínio masculino” (WOLF, 2018). Apesar da maioria dos adeptos a cirurgias e modificações corporais se identificarem como mulheres, aqueles homens que sofrem de pressão estética também são vítimas do sistema e são atores dele.

A “beleza” não é universal, nem imutável, embora o mundo ocidental finja que todos os ideais de beleza feminina se originam de uma Mulher Ideal Platônica, muitas culturas tem seus ideais baseados na seleção natural e não no que é considerado belo. Segundo Naomi, o mito da beleza não tem absolutamente nada a ver com as mulheres. Ele diz respeito às instituições masculinas e ao poder institucional dos homens, da imagem do homem e do que ele representa em uma sociedade patriarcal (WOLF, 2018).

O mito da beleza e a sociedade da exposição são obras que dizem respeito ao que significa ser mulher e ser pessoa na sociedade globalizada e engolida pela tecnologia. Os aspectos de importância do que é perfeito e belo mudam conforme o mundo e as culturas mudam, o que será das pessoas que fizeram modificações irreversíveis no futuro? Qual será a concepção de beleza pós plástica? São questões que só serão respondidas com o transpassar do tempo (da vida), mas que nos cabe reflexão e ponderação desde já. 

REFERÊNCIAS

HAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência; tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis, RJ. Editora Vozes, 2017.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA PLÁSTICA. A mais recente pesquisa global da ISAPS demonstra aumento significativo em cirurgias estéticas em todo o mundo, 2023. Disponível em:<https://www.isaps.org/media/hdmi0del/2021-global-survey-press-release-portuguese-latam.pdf>. 

WOLF, Naomi. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Editora Record, 2018.

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A intimidade na era digital

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Há alguns anos venho pensando sobre a importância da intimidade nos relacionamentos interpessoais. Percebo um esfriamento quanto ao respeito, quanto aos vínculos de afeto e de confiança, quanto à bondade no falar, quanto à compaixão pelo outro. A procura exagerada por satisfação, segurança, realização, sucesso, prazer imediato e evitação do sofrimento tem colocado em risco a convivência e a intimidade emocional. Sendo assim, brechas para um estilo de vida narcisista podem ser abertas e, inadvertidamente, se estabelecerem.

O comportamento de deletar tudo e todos que desagradam retira da pessoa a possibilidade de treinar para coexistir, lembrando que sou o que sou a partir do outro.

O que levaria uma pessoa a querer desenvolver a intimidade emocional em seus relacionamentos nos dias de hoje? E será mesmo que o comportamento é diferente de gerações anteriores?

Na atual Sociedade da Transparência, chamada assim pelo filósofo Byung-Chul Han, as ações são operacionais e uniformizadas, todos fazem as mesmas coisas e a comunicação veloz é rasa, o igual responde ao igual. O momento é de superficialidade, de desapego ao outro, de compromissos mantidos até que desagradem a alguém, de distância mantida confortavelmente para que a alteridade não se faça presente.

Recentemente, um documentário apresentado por três repórteres abordou o tema fake news. Viajaram por vários lugares do mundo para entrevistar quem produz fake news. Conversaram com um jovem da Macedônia e chamou a minha atenção quando afirmou: as mentiras são ditas porque tem quem pague por elas; as pessoas querem acreditar no que falamos. Achei que suas afirmações faziam sentido. Os critérios para discernir a verdade encontram-se confusos na Sociedade da Transparência

Com a confiança abalada, pode parecer às pessoas ser retrógrado falar sobre intimidade emocional uma vez que o novo jeito de relacionar-se sugere conforto. Há liberdade para expressar as mais variadas formas de intimidade, inclusive a intimidade sexual que no século passado isso era tabu.

Fonte: encurtador.com.br/hmuz8

Se as pessoas vivem no mesmo ambiente, passam horas juntas, mas não desenvolvem um relacionamento de intimidade emocional, tudo fica puramente funcional. Tarefas e atividades são executadas para alcançar objetivos; já o relacionamento afetivo pode adoecer. O assunto é instigante, mas quero manter o foco na intimidade emocional de forma mais abrangente.

A matriz de identidade emocional se desenvolve a partir das relações interpessoais, diz o psiquiatra e psicodramatista Moreno, autor da teoria sóciopsicodramática. O primeiro relacionamento se dá, geralmente, com os pais, cuidadores e com a família. É bom lembrar que a convivência pode gerar intimidade, mas conviver não é sinônimo de ter intimidade. O relacionamento de intimidade emocional tem a comunicação como sua principal ferramenta: conversar, dialogar, compartilhar sentimentos e sonhos, fazem parte da relação, assim como a empatia, a confiança, o respeito. Atualmente, o que mais atrai as pessoas é a convivência virtual nas redes sociais. Muitas horas são passadas diante do celular, tablete, computador onde assuntos são alinhavados com opiniões, encontros e confrontos. A exposição é fato e uma vez na nuvem, o privado pode tornar-se público a qualquer momento por descuido ou por algum hacker à espreita.

As gerações Y e Z nasceram a partir dos anos 80, início da era digital. Talvez, essas gerações pensem que a intimidade emocional não faz parte de suas necessidades. Afinal, o número de amigos, seguidores ou de visualizações muitas vezes impressiona. A intimidade digital oferece companhia online 24 horas. Sendo assim, pode-se deduzir que a solidão e a falta de companhia são para quem não tem um smartphone ao alcance. Algo certamente inconcebível para os nascidos na era digital. É possível viver sem um celular, sem estar vinculado a uma rede social? As redes sociais podem contribuir para a melhora da autoestima e confiança em si mesmos? Podemos dizer, sim! Desde que a comunicação entre as pessoas ultrapasse a realidade virtual e passe para o plano de encontro olhos-nos-olhos. Senão, os relacionamentos digitais correrão o risco de desenvolver relações de dependência, de estar continuamente online, imerso em outra realidade onde o outro é construído apenas a partir da subjetividade e da possível ação da família ina, isto é, dopamina, endorfina, serotonina e ocitocina, produzidos no organismo, segundo alguns estudos, por causa da crescente quantidade de likes, por exemplo.

São diversos os atrativos para que as pessoas se mantenham conectadas. Atrás da aparente distração inofensiva e encantadora, ofertas de gratuidade, empresas, usuários e plataformas, vendem dados, apresentam anúncios, propagam ideias específicas e oferecem promoções de serviços que serão cobrados. (Revista SUPERINTERESSANTE- Black Mirror; 2018). Seria opressora essa interferência na vida de redes sociais?

É grande a contribuição da neurociência para a compreensão do que ocorre no organismo humano ao vivenciar determinadas situações. São identificados neurotransmissores e hormônios produzidos. As emoções podem ser alteradas por excesso ou falta de determinado elemento bioquímico. Por exemplo, na depressão ou nos quadros distímicos, a serotonina e a noradrenalina estão num nível abaixo do satisfatório. A pessoa pode apresentar um desinteresse pelo outro e optar por um distanciamento prolongado; pode evitar pessoas e situações prazerosas por não se sentir atraída; pode passar horas e horas ligada nas redes sociais e ter a impressão de estar conectada ao outro. Mas, será mesmo?

Fonte: encurtador.com.br/pBSTX

Às vezes, sim. Alguns aplicativos são usados como ferramentas virtuais para prestar socorro e apoio quando as pessoas apresentam ansiedade e depressão. O chatbot Woebot, criado pela psicóloga Alison Darcy da Universidade de Stanford, oferece terapia virtual por AI, inteligência artificial. Alison diz: Woebot não é um substituto para um terapeuta em pessoa nem ajudará a encontrar um. Em vez disso, a ferramenta faz parte de uma ampla gama de abordagens para a saúde mental. A experiência do Woebot não mapeia o que sabemos ser uma relação humano-a-computador, e também não mapeia o que sabemos ser uma relação humano-homem. Parece ser algo no meio. O aplicativo servirá de ponte para o retorno à convivência social.

O psicólogo e psiquiatra austríaco Vicktor Frankl, autor da Logoterapia, diz que a essência da vontade humana é a vontade do sentido; e quando ele não é encontrado, o indivíduo torna-se existencialmente frustrado. Em consequência, a depressão, adição e agressão passam a fazer parte da vida. É crescente o número de pessoas que tenta ou comete o suicídio devido à depressão. A vida necessita de sentido. Para a geração i, do smartphone, do iPhone, do iPod, do iPad, ou do eu conectado, o vazio e o isolamento em si mesmo podem significar a falta de sentido existencial. O outro, virtual, não coexiste em sua realidade concreta. Um exemplo recente, que provavelmente será objeto de estudo, foi a polarização de opiniões na última eleição para presidente no Brasil. A cegueira para ver e escutar o outro dominou grande parte dos relacionamentos de intimidade emocional e/ou virtual. Gerou brigas, dissenções e isolamento em bolhas de iguais. As redes sociais podem entorpecer a geração i quanto ao sentir e relacionar com o outro se a imersão for exagerada.

O seriado da Netflix, Black Mirror, retrata de forma impactante os efeitos da vida espelhada na tela escura de um celular. Após cada episódio é preciso um tempo para refletir a realidade de um futuro que faz parte da atualidade em muitos aspectos. O anseio natural do ser humano está presente nas tramas como a busca de relacionamentos significativos, companhia, aceitação e validação. Sem querer dar spoiler de sensações, posso dizer que o final de cada episódio faz o silêncio interior parecer gritante. O ambiente, geralmente sombrio, impressiona, traz sentimento de frustração e estranheza, suscitando perguntas como: eu vivo isso? Meus valores ficaram reduzidos ao que é útil ou não para mim? A aparência vale mais que tudo? Curtidas, interesse em saber quem ou quantos curtiram são relevantes? A fluidez e a banalidade das relações são exemplificadas na maioria dos episódios. Fato é que as redes sociais não fazem as pessoas felizes e mais, podem adoecer quando os relacionamentos de intimidade emocional não estão presentes.

Fonte: encurtador.com.br/hzCV1

Alguns estudos sobre o comportamento na era digital apontam a interferência das redes sociais sobre a conduta e o sentido de ser. Alguns afirmam que há grande probabilidade de alguém sentir-se isolado após passar duas horas ou mais em redes sociais. A solidão na era digital é uma forma de solidão acompanhada (Filipa Jardim da Silva).

Sem o sol, não há corações aquecidos. Sem intimidade emocional não há laços nem vínculos. O livro O Pequeno Príncipe, lido por muitos na infância, adolescência ou juventude, narra um diálogo entre o Príncipe e a raposa, retratando bem o convite à intimidade. Após as apresentações, a raposa responde ao convite do Príncipe, que se encontra triste, para brincar.

– Eu não posso brincar contigo, não me cativaram ainda.

– Ah! Desculpa – disse o principezinho. Mas, após refletir, acrescentou:

– Que quer dizer cativar?

– Tu não és daqui – disse a raposa. – Que procuras?

– Procuro os homens – disse o pequeno príncipe. – Que quer dizer cativar?

– Os homens – disse a raposa – têm fuzis e caçam. É assustador! Criam galinhas também. É a única coisa que fazem de interessante. Tu procuras galinha?

– Não – disse o príncipe. – Eu procuro amigos. Que quer dizer cativar?

– É algo quase sempre esquecido – disse a raposa. Significa criar laços…

– Criar laços?

– Exatamente – disse a raposa. – Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu também não tens necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativares, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo…

Fonte: encurtador.com.br/foFHL

A intimidade emocional e a intimidade virtual podem exercer um papel importante, quando a relação conectar a necessidade humana de criar laços. Da necessidade nasce o outro, significativo, único porque foi cativado pelo sentir. Lembra a primeira relação do ser humano – a díade mãe e filho; A interação entre os dois tende a desenvolver o primeiro vínculo afetivo.

Em 1995, Sherry Turkle, professora na área de estudos sociais sobre ciência e tecnologia no MIT (Massachusetts Institute of Technology), publicava um livro que a colocaria na capa da revista Wired: Life on Screen era um retrato positivo do impacto do digital nas nossas vidas. Mais de 15 anos depois, Turkle mudou de opinião e a Wired virou-lhe as costas, quando em 2011 o livro Alone Together: Why We Expect More from Technology and Less from Each Other chegou ao mercado. Na obra, a autora escreve que, hoje em dia, o fato de sermos inseguros e ansiosos nas nossas relações e perante o conceito de intimidade, faz com que procuremos na tecnologia formas de viver relações e, ao mesmo tempo, formas de nos proteger delas. O problema da intimidade digital, diz Sherry, é que ela é incompleta: Os laços que formamos através da internet não são, no final, os laços que nos unem.

O interesse nos encontros, nas conversas e no convívio interpessoal fora do ambiente virtual será um desafio constante, hoje na era digital e nas eras seguintes. Não é possível saber o que nos aguarda. Cada vez mais os aparelhos, aplicativos, plataformas como o Facebook e Twitter e outros meios de comunicação virtual atrairão e farão de tudo para ter cativo o usuário. Espero que a vulnerabilidade, o frio na barriga, o desconforto de sair do lugar por causa de um novo encontro pessoal perdurem. Que a opção por desenvolver afeto por uma AI ou um desconhecido das redes não seja vista como a única saída para a sensação de intimidade. Que a aventura da intimidade emocional seja sempre do interesse das pessoas, seguindo na contramão da Sociedade da Transparência. Que o adaptar-se ao pouco tempo disponível para relacionar-se com as pessoas continue a ser precioso no desafio de manter e aprofundar a intimidade emocional. Como tudo em exagero faz mal, estabelecer os limites claros e firmes para o uso da internet é expressão de amor para consigo mesmo e para com o outro. Bem-vindos à era da intimidade emocional de todos os tempos!

“Quando pensamos em alma e ligações de alma, pensamos em intimidade.”(Dora Eli)

Fonte: encurtador.com.br/aghsF
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