A voz da Agronomia na contemporaneidade: conflitos de validação do conhecimento técnico e vivências entre gerações

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O acadêmico Gabriel Fernandes Mendes, estudante do curso de Agronomia, destaca-se como pioneiro na introdução da cultura do café no estado do Tocantins e atua como pesquisador e extensionista universitário. Ele identificou a necessidade de realizar uma graduação em sua área de atuação com o intuito de aliar a prática ao conhecimento técnico, o que considera essencial para sua relevância tanto no campo da pesquisa quanto no setor do agronegócio.

(En)Cena – O trabalho no campo envolve pessoas mais velhas que possuem experiência prática, mas não têm formação. Ao passo que existem profissionais que possuem conhecimento científico e técnico, mas são mais jovens. Como você percebe e lida com essas diferenças?

Gabriel Fernandes Mendes – O diálogo com os produtores varia conforme o perfil de cada um. No caso de grandes produtores, com fazendas bem estruturadas e tecnologia avançada, frequentemente encontramos pessoas que, embora tenham adquirido conhecimentos na prática, tiveram acesso a informações de profissionais especializados. Mesmo que esses conhecimentos práticos possam não ser tão precisos quanto os de um profissional formado, seguem uma linha de raciocínio técnica e fundamentada. Já com pequenos produtores, que adquiriram seus conhecimentos ao longo de gerações por meio do trabalho braçal e da convivência familiar, a situação é diferente. Muitos aprenderam práticas com pais e avós, resultando em um saber prático que, embora válido, nem sempre é totalmente preciso ou embasado teoricamente. E, essa realidade varia conforme a região do país, pois a agricultura familiar se desenvolve de formas distintas, influenciada por fatores locais como cultura, tipo de cultivo e clima. Com isso, o ideal é apresentar resultados práticos e, ao mesmo tempo, integrar o conhecimento científico ao saber prático que o produtor já possui, valorizando sua experiência. Um exemplo comum é a crença, no contexto da agricultura familiar, sobre a influência das fases da lua no plantio. Embora exista alguma correlação entre as fases da lua e fatores como precipitação e pressão atmosférica, muitos aspectos do cultivo dependem de condições como a chuva e o clima, que frequentemente têm uma influência maior na germinação. A agricultura familiar em algumas regiões do Brasil enfrenta dificuldades para se desenvolver devido à resistência de alguns produtores em adotar métodos diferentes dos tradicionais. Em algumas situações, eles precisam observar alguém próximo, como um vizinho ou alguém que respeitam, obtendo bons resultados com novas técnicas para considerar mudanças em suas próprias práticas. A forma com que eles lidam com as inovações depende muito de quem está transmitindo as informações, o que torna essa questão ainda mais delicada. Infelizmente, essa resistência acaba limitando o desenvolvimento pessoal e profissional desses agricultores. Para cada situação, é necessário ter ajustes na comunicação e um diálogo cuidadoso, que respeite e valorize as tradições, ao mesmo tempo em que se busca introduzir melhorias.

(En)Cena – Como você se sente ao dar sua opinião ou sugerir mudanças nas práticas tradicionais dessas pessoas mais velhas que têm experiência? Você sente que é ouvido e respeitado?

Gabriel Fernandes Mendes – Com certeza, não é uma situação simples. Como mencionei anteriormente, tudo depende do perfil do produtor. Quando você trabalha com um produtor que busca produtividade e lucro, qualquer sugestão bem fundamentada e que possa agregar valor é bem-vinda. Esse tipo de produtor tende a ouvir com interesse, faz perguntas, propõe alternativas e gera uma conversa saudável e colaborativa. Por outro lado, ao lidar com pequenos produtores que estão focados apenas no trabalho e não priorizam tanto a produtividade ou o lucro, a dinâmica é diferente. Para o grande produtor, a fazenda é uma empresa, um negócio. Para o pequeno produtor, sua propriedade representa uma vida, uma cultura e uma história familiar. Em alguns casos, o pequeno produtor não enxerga aquilo como uma empresa, e qualquer sugestão de mudança pode ser interpretada como uma intervenção em sua vida pessoal, e não apenas no seu modo de trabalho. No entanto, é frustrante para quem se dedica ao estudo, à leitura de artigos, e ao aprimoramento técnico, ter plena certeza de uma recomendação e, ainda assim, enfrentar resistência e falta de acolhimento, especialmente entre os pequenos produtores. Em mais de 90% dos casos, trabalhar com esses produtores significa lidar com essa barreira. Esse é um dos motivos pelos quais muitas iniciativas técnicas e práticas no setor agropecuário acabam sendo voltadas para grandes produtores, enquanto há poucos projetos sociais e governamentais direcionados aos pequenos produtores. Essa dificuldade em aceitar opiniões externas torna mais complexa a implementação de novas práticas.

(En)Cena – Você já passou por situações em que sua formação acadêmica foi questionada ou desvalorizada por essas pessoas? Como lidar com isso?

Gabriel Fernandes Mendes – De certa forma, sim, porque ainda estou em processo de formação, mas essa situação é muito comum quando desenvolvemos atividades de extensão em campo, cujo objetivo é levar melhorias para essas comunidades. Muitas vezes, acabamos buscando grandes produtores, que geralmente têm estrutura e conhecimentos suficientes e, na maioria dos casos, nem precisam tanto da nossa ajuda. Contudo, ao tentar aplicar esse trabalho junto aos pequenos produtores, encontramos desafios significativos, principalmente devido à falta de estrutura. Ainda assim, é notável como nossas orientações e sugestões são recebidas de maneiras diferentes. Ao desenvolver uma atividade, como uma palestra, observamos o olhar e o comportamento das pessoas ao nosso redor. Muitas vezes, o público está sentado, aparentemente ouvindo, mas sem qualquer participação ou interesse real. Apenas pelo olhar, percebemos uma postura de desconfiança, o que torna a situação complicada. Isso, no entanto, faz parte da cultura de quem está há 40 ou 50 anos na prática, com uma visão consolidada e crenças próprias, desenvolvidas ao longo de uma vida inteira. Tentar mudar isso rapidamente é quase impossível. Com isso, procuro direcionar certas atividades para públicos específicos, com base na experiência que acumulei. Se o público não acredita nos métodos que apresentamos e não é possível comprovar os resultados de forma prática, o esforço acaba sendo em vão. O principal é desenvolver uma atividade que gere resultados reais, sem essa possibilidade, o trabalho perde sentido e torna-se inviável. O ideal é que você já tenha consciência de que encontrará dificuldades e que a recepção pode não ser positiva. Embora isso não se aplique a todos os casos, cerca de 90% das situações apresentam essa resistência. Portanto, é fundamental adaptar a atividade para esse público. Por exemplo, é necessário simplificar a linguagem que você utilizará, evitando termos excessivamente técnicos. É importante fornecer o máximo de exemplos práticos para tornar a apresentação mais didática. Caso você consiga associar suas propostas às crenças do público, será possível desenvolver uma atividade que, mesmo que parcialmente, seja bem-sucedida

(En)Cena – Quais estratégias você acredita serem eficazes para que você consiga validar seu conhecimento diante de agricultores familiares que confiam mais em sua própria experiência do que em orientações técnicas?

Gabriel Fernandes Mendes – Isso depende bastante da localização do produtor. Por exemplo, ao trabalhar com produtores da agricultura familiar, seja do sul, do extremo norte, do nordeste ou do centro-oeste do país, cada região apresenta uma situação distinta. Focando nos produtores da agricultura familiar aqui da nossa região, uma estratégia que tem mostrado bons resultados, com base na minha experiência, é a necessidade de ter um campo experimental ou um local onde você possa levá-los inicialmente para apresentar os resultados e demonstrar como você realizou as práticas. Após isso, você pode então visitar as áreas deles e compartilhar o conhecimento adquirido. A primeira coisa a fazer é demonstrar como seu protocolo de cultivo pode ajudá-los a aumentar a produtividade e a reduzir o esforço no trabalho. É essencial tornar a proposta atraente, evitando promessas exageradas, mas mostrando resultados concretos e facilitando a implementação, considerando que o trabalho na agricultura familiar é geralmente muito árduo. Ao mostrar que suas práticas funcionam na prática, você começa a quebrar a barreira da resistência. As pessoas precisam receber novas informações, mas isso só é eficaz se você apresentar resultados tangíveis. Se você não demonstra esses resultados, como pode pedir que eles arrisquem a produtividade de um ano com base em métodos ainda incertos?. É crucial entender a estrutura que esses produtores têm à disposição e com a qual estão familiarizados. Portanto, todo protocolo deve ser formulado levando em conta esses fatores, caso contrário, isso poderá impedir a aceitação das suas ideias, pois parecerá que você está propondo algo que não se encaixa na realidade deles. Isso é semelhante ao que acontece na política: quando as propostas de um político não refletem a realidade da cidade, as pessoas tendem a desconfiar. Assim, mesmo que suas intenções sejam boas e que você tenha ótimas ideias, se não trabalhar dentro da realidade dos produtores, suas propostas não terão impacto. Resumindo, para mim, o que funciona é mostrar resultados concretos, simplificar o trabalho deles com soluções viáveis e alinhar as propostas com a realidade enfrentada por esses produtores.

(En)Cena – A pós-modernidade traz consigo uma valorização da diversidade de opiniões e perspectivas. Como isso afeta sua interação com aqueles que têm práticas tradicionais, mas que podem resistir a novas abordagens tecnológicas ou teóricas?

Gabriel Fernandes Mendes – Na verdade, acredito que essa situação deve ser analisada sob outra perspectiva. Ninguém se opõe a algo que é bom ou que facilita a vida das pessoas. No entanto, a desigualdade social frequentemente impede que essas pessoas tenham acesso a novas tecnologias, fazendo com que nem mesmo consigam sonhar com isso. Essa realidade é especialmente evidente no campo. Por exemplo, um grande produtor pode possuir um maquinário que, por si só, representa o investimento de dez propriedades de pequenos produtores. Essa disparidade evidencia a grande desigualdade social presente nesse setor. Os pequenos produtores da agricultura familiar muitas vezes não têm nem a condição de imaginar a possibilidade de adquirir um daqueles maquinários. Portanto, quando você trabalha com essas pessoas, não é que elas se opõem a inovações, muitas vezes, simplesmente não têm a capacidade financeira para isso. É essencial reconhecer essa realidade e moldar seu protocolo para se adequar às condições deles, desenvolvendo atividades que sejam viáveis e relevantes para suas situações. O objetivo deve ser sempre promover soluções que se encaixem na realidade desses produtores. E, por fim, devemos torcer para que um dia essa realidade no país mude. Infelizmente, essa ainda é a situação atual. No entanto, quando se trata do grande produtor, a introdução de um novo insumo, semente ou maquinário geralmente é acompanhada de muitos testes. As empresas realizam eventos de lançamento, onde os produtores podem visitar e conhecer as inovações, recebendo incentivos para adquirir essas novas tecnologias. Por conta da reputação consolidada dessas empresas, seus produtos são geralmente bem aceitos no mercado. A confiança que os produtores depositam nessas marcas, devido à sua história e resultados anteriores, facilita a aceitação de praticamente qualquer produto que lancem, desde que tenha sido testado e validado. No caso dos grandes produtores, é raro enfrentar o desafio da aceitação de novos produtos. No entanto, com os pequenos produtores, a situação é diferente e se relaciona com as questões que foram mencionadas anteriormente.

(En)Cena – Quais práticas agroecológicas têm sido adotadas pelos novos profissionais de agronomia  para integrar sustentabilidade e produção agrícola?

Gabriel Fernandes Mendes – Em relação às novas agrotecnologias no Brasil voltadas para sustentabilidade e aumento de produtividade, vale ressaltar que sua adoção depende muito da região do país. No entanto, dois pontos que têm abrangência nacional são as áreas de defensivos e fertilizantes. Isso porque esses insumos estão entre os que mais deixam resíduos no meio ambiente, e, por isso, tanto no Brasil quanto globalmente, o setor de pesquisa e desenvolvimento do agronegócio investe fortemente na criação de alternativas mais sustentáveis. Na área de fertilizantes, por exemplo, há inovações importantes com foco em sustentabilidade. Uma delas é o uso de FBN (fixadores biológicos naturais) de nitrogênio e de fósforo, que são bactérias capazes de fixar esses nutrientes no solo. Isso é essencial porque tanto o nitrogênio quanto o fósforo são amplamente utilizados na agricultura e, quando lixiviados, podem atingir corpos d’água e causar eutrofização, que é um processo que aumenta a proliferação de micro-organismos aquáticos, prejudicando o ecossistema ao reduzir a quantidade de oxigênio e luminosidade e afetando a fauna e a flora locais. O uso de fixadores naturais reduz a necessidade de aplicação desses fertilizantes químicos, diminuindo assim os resíduos e os impactos ambientais. Um exemplo de sucesso é o fixador natural de fósforo desenvolvido pela Embrapa, que já trouxe excelentes retornos financeiros ao Brasil, visto que muitos produtores ao redor do mundo passaram a utilizar esse produto. Outro ponto positivo nas agrotecnologias é o MIP (Manejo Integrado de Pragas). Esse sistema utiliza estratégias ecológicas e naturais para o controle de pragas, minimizando o uso de defensivos químicos. O MIP inclui práticas como o uso de micro-organismos benéficos, a rotação de culturas e um processo dividido em etapas, visando reduzir ao máximo a necessidade de químicos no campo, o que favorece a sustentabilidade da fauna e flora locais. Por fim, o avanço da agricultura verde e orgânica, que evita o uso de defensivos e fertilizantes químicos. Essa prática tem crescido significativamente tanto no Brasil quanto no mundo, gerando impactos positivos para a sustentabilidade e para o meio ambiente. 

(En)Cena – Como os agrônomos e estudantes de agronomia abordam a necessidade de preservar o meio ambiente enquanto atendem às demandas agrícolas globais?

Gabriel Fernandes Mendes – Na verdade, essa é uma questão complexa. A situação depende muito da perspectiva de cada profissional e é significativamente influenciada por condições políticas no país, que agravam a problemática ambiental. Por exemplo, elaboramos protocolos para o uso de defensivos e fertilizantes, buscando sempre minimizar os danos ao meio ambiente e evitar a presença de resíduos. Nosso objetivo é desenvolver pesquisas que promovam melhorias e possibilitem uma produção mais eficiente em áreas menores, com menos resíduos e impactos ambientais. No entanto, a pesquisa no Brasil enfrenta sérias limitações em todos os setores, o que impede o desenvolvimento de novas tecnologias mais favoráveis ao meio ambiente. É importante ressaltar que o governo não oferece incentivos suficientes para que os produtores reabilitem ou reestruturem áreas degradadas, ou seja, áreas que já não são produtivas e estão sendo abandonadas. Atualmente, financeiramente, é mais vantajoso para os produtores abrir novas áreas para cultivo do que tentar revitalizar terrenos que já foram utilizados e que hoje não produzem mais. Isso resulta na continuidade da abertura de áreas no Brasil, deixando extensões de terra sem produção e sem vegetação nativa, agravando assim o problema ambiental. Essa situação decorre da falta de políticas públicas eficazes que incentivem os produtores a adotar práticas mais sustentáveis. Portanto,  durante nosso processo de formação, sempre procuramos abordar a produção de forma que respeite o meio ambiente, optando por protocolos e métodos que maximizem a produção enquanto minimizam os resíduos e impactos ambientais.

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Os efeitos da inteligência artificial (IA) para os artistas: concorrentes ou parceiros?

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Culturalmente, tendemos a ver a IA como uma ameaça potencial, enraizada em nosso imaginário por filmes de Hollywood desde os anos 80, que retratam guerras apocalípticas entre máquinas e humanos e a ideia de uma revolta robótica pela dominação mundial.

A inteligência artificial te permite criar imagens detalhistas em segundos.

O filósofo e ensaísta espanhol Daniel Innerarity, considerado “um dos 25 pensadores mais influentes do mundo” pela revista francesa “Le Nouvel Observateur”, tem explorado intensamente o tema da criação por inteligência artificial. Em seu artigo “O sonho da máquina de criar”, Innerarity aborda a fascinação que a ideia de uma sociedade de criação automatizada provoca em nós.

Os programas de inteligência artificial têm alcançado sucessos espetaculares, não apenas nos domínios do cálculo, previsão analítica ou diagnóstico, mas também na composição musical, na modelagem criativa de processos visuais, em séries de televisão, no design arquitetônico e na escrita de histórias. Esses avanços levaram muitos a especular que, em breve, o ser humano será substituído em muitos campos, incluindo a criatividade. A questão de saber se a inteligência artificial pode produzir arte é fascinante e incerta. A arte gerada por IA poderia tomar conta de nossa criatividade artística, automatizando ou mecanizando a criatividade, como já se prevê para o trabalho ou a democracia. Se a criatividade artística era um dos últimos domínios de distinção entre humanos e computadores, esse bastião parece agora estar sendo demolido, e estaríamos entrando numa era de criações sem autores humanos.

Contudo, há uma diferença fundamental entre produzir algo baseado na digestão de milhares de obras de arte e criar algo original. A criatividade humana não pode ser imitada ou repetida; implica sempre uma certa transgressão que não pode ser reduzida a regras ou algoritmos estatísticos. A criatividade envolve irregularidade. Na computação, o que aparenta ser associações livres é, na verdade, algoritmicamente determinado, sem romper com nada ou trazer novidades radicais. Assim, a criatividade gerada por IA é, no melhor dos casos, uma imitação fraca da criatividade verdadeira.

Fonte: Daniel Innerarity em maio, em Lisboa, durante a conferência internacional “Inteligência Artificial e Cultura — Do Medo à Descoberta”, promovida pela Sociedade Portuguesa de Autores (SPA)

As inovações tecnológicas da “arte gerada por inteligência artificial” não constituem necessariamente uma inovação artística. Computadores têm uma forma fraca de criatividade, que lhes permite reproduzir padrões de fala, sons ou formas, mas nada além disso. Não se pode esperar que um computador produza algo radicalmente imprevisível, como fizeram os criadores verdadeiramente disruptivos da história das artes.

A ideia de uma “imitação da criatividade” tem algum sentido? Essa interação entre arte e tecnologia já existia quando pintores utilizavam a fotografia como estudo preliminar. Artistas que trabalham com IA veem esses programas como ferramentas que os libertam de tarefas pouco criativas e abrem novas possibilidades. Esses programas democratizaram a criatividade, tornando-a mais acessível e permitindo que mais pessoas experimentem a arte em suas várias formas. Mesmo aqueles que não são particularmente dotados para a arte podem usar essas ferramentas para gerar resultados criativos.

Essa situação é semelhante ao embate que os pintores do realismo enfrentaram com a invenção da fotografia, temendo que esta extinguiria sua arte. Enquanto as máquinas imitam os criadores, estes últimos podem se dedicar ao que os caracteriza como tal, desafiando as fronteiras do inimitável. Ao contrário do pessimismo que diagnostica a mecanização do ser humano como o fim da criatividade, talvez se possa argumentar o contrário. “Quanto mais os seres humanos se mecanizam, mais reconfortante se torna a ideia de que as máquinas podem compreender alguma coisa de arte” (Rauterberg 2021, 195). A tentativa de gerar arte através das máquinas pode revelar precisamente o que elas não conseguem criar. Assim, a especificidade da criatividade humana é destacada quando as máquinas criam algo que se assemelha à criatividade, mas não o é.

Neste contexto, muitos criativos estão preocupados que a IA possa roubar seus empregos. A questão principal para os profissionais da criatividade não é regular as tecnologias de IA para proteger as formas como costumavam trabalhar. Devemos nos perguntar: “Como podemos usar essas tecnologias de IA para criar novas possibilidades de trabalho que agreguem mais valor ao nosso trabalho?” Profissionais que usam IA para criar no lugar deles terão resultados medíocres e parecidos globalmente. Já aqueles que usarem a IA como ferramenta para aprimorar suas próprias criações se tornarão mais relevantes e valorizados ao alcançarem resultados superiores. Há uma diferença abismal entre as duas abordagens.

É neste momento que a psicologia deve atuar, auxiliando na transição entre eras do trabalho, assim como ocorreu na revolução da internet. Esta trouxe novos cargos, evoluções na educação e saúde, e uma mudança estrutural completa. Inicialmente, a internet trouxe inseguranças para os trabalhadores, com a automação e digitalização substituindo muitos empregos manuais e operacionais. Muitas pequenas empresas lutaram para competir com grandes corporações que adotaram rapidamente novas tecnologias. Portanto, o papel do psicólogo é crucial para ajudar os trabalhadores a lidar com essas transformações, minimizando o sofrimento ou adoecimento possível.

Um psicólogo pode desempenhar um papel crucial no auxílio a indivíduos enfrentando mudanças drásticas no mercado de trabalho geradas pelo surgimento da inteligência artificial (IA). Essas transformações podem causar ansiedade, insegurança e desmotivação, e o psicólogo está bem posicionado para ajudar as pessoas a lidar com essas emoções e a se adaptarem a novas realidades.

Primeiramente, o psicólogo trabalha para identificar e abordar os medos e ansiedades associados às mudanças tecnológicas. Utilizando técnicas como a dialética, ele ajuda a reestruturar pensamentos negativos e a promover uma mentalidade mais positiva e resiliente. Isso é fundamental para que a pessoa veja as mudanças como oportunidades de crescimento e não como ameaças. O psicólogo também pode auxiliar no desenvolvimento de habilidades de enfrentamento e adaptação. Isso inclui o fortalecimento da autoestima e da autoconfiança, essenciais para que o indivíduo se sinta capaz de aprender novas competências e se adaptar a novas funções no contexto da IA. O psicólogo também pode ajudar a identificar os pontos fortes e interesses do indivíduo.

Outra área de atuação importante é o suporte no planejamento de carreira, campo ascendente no mercado da psicologia. O psicólogo pode colaborar na elaboração de um plano de ação, estabelecendo metas realistas e passos concretos para alcançá-las. Isso pode incluir a recomendação de cursos de capacitação em habilidades relacionadas à IA, estratégias de networking e métodos eficazes para a busca de emprego em setores emergentes. O psicólogo também oferece suporte emocional durante o processo de transição. As mudanças impulsionadas pela IA podem ser desafiadoras e solitárias, e ter um profissional para fornecer apoio e encorajamento pode fazer uma grande diferença. Além disso, o psicólogo pode mediar grupos de apoio, onde indivíduos em situações semelhantes compartilham experiências e soluções, promovendo um senso de comunidade e solidariedade.

Por fim, o psicólogo pode ajudar a pessoa a desenvolver uma visão de longo prazo sobre o impacto da IA no mercado de trabalho. Isso envolve entender as tendências futuras e preparar-se para elas, o que pode incluir a aprendizagem contínua e a flexibilidade para mudar de carreira ou funções conforme necessário.

 

Referências

União Brasileira de Compositores (UBC). Artigo sobre a inteligencia artificial “O sonho da máquina criativa” Disponível em :< https://www.ubc.org.br/publicacoes/noticia/21771/artigo-sobre-inteligencia-artificial-o-sonho-da-maquina-criativa >. Acesso em: 14, jun, 2024.

Escola Panamericana de Arte e Design. “Inteligencia artificial e criatividade: adversários ou aliados?” Disponível em :< https://www.escola-panamericana.com.br/inteligencia-artificial-e-criatividade-adversarios-ou-aliados/ >. Acesso em: 14, jun, 2024.

Disponível em :< https://industriall.ai/blog/a-ia-no-mercado-criativo-quais-os-impactos-dessa-tecnologia >. Acesso em: 14, jun, 2024.

Rauterberg, Hanno (2021), Die Kunst der Zukunft. Über den Traum der kreativen Maschine, Berlin: Suhrkamp.

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O futuro é hoje: desafios e possibilidades na interação entre a Psicologia e a Inteligência Artificial

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De acordo com a Associação de Psicologia Americana (APA, 2023), a Inteligência Artificial está mudando todos os aspectos da Psicologia. Os profissionais desta área e suas competências são insubstituíveis, mas a implementação cuidadosa e  estratégia é crucial, aponta a corporação.

A IA pode afetar o mercado de trabalho a depender de duas características: as habilidades do trabalhador e a natureza das atividades que exerce.

Segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), cerca de 40% de todas as ocupações do mundo vão ficar expostas aos efeitos da inteligência artificial (IA). No cenário nacional, um levantamento da Page Interim, unidade de negócio do PageGroup especializada em recrutamento, seleção e administração de profissionais terceirizados e temporários, mostra que três a cada quatro profissionais brasileiros acreditam que a IA vai substituir os empregos. Outros dados, desta vez da edição de 2024 da Pesquisa Game Brasil (PGB), mostraram que mais da metade dos 3.340 respondentes – 58% – disseram acreditar que o uso da inteligência artificial vai substituir empregos e acentuar desigualdades. Por outro lado, um número ainda maior de pessoas (67,8%) acredita que a IA pode melhorar o trabalho e tornar as pessoas mais criativas e produtivas. Quais são as áreas mais afetadas pela IA? Há setores que não serão impactados? Como se adaptar a essa tecnologia?  Esse foi o conteúdo de um dos episódios mais recentes do podcast Dois Pontos do Estadão, que recebeu Adriano Mussa, reitor e diretor de Inteligência Artificial da Saint Paul, e Priscilla Tavares, professora da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP). O episódio teve a apresentação da colunista do Estadão, Roseann Kennedy e do editor de Link, Bruno Romani.

Ao assistir o videocast fica claro que para os especialistas da área, a IA pode afetar o mercado de trabalho a depender de duas características: as habilidades do trabalhador e a natureza das atividades que exerce. Para eles as atividades extremamente mecânicas e repetitivas que podem ser automatizadas, têm grande probabilidade de sofrer com a chegada da IA. No entanto, as atividades que exigem habilidades cognitivas de ordem superior têm pouca probabilidade quanto a serem extinguidas ou substituídas. 

Para eles, a IA é boa quanto a execução e otimização de tarefas e não substitui cargos ou funções. Para ilustrar, citam o professor Geoffrey Hinton, psicólogo cognitivo e cientista da computação anglo-canadense que é conhecido como o pai do deep learning (aprendizado de máquina com base em um conjunto de algoritmos) e que há 7 anos falou o seguinte: parem de estudar radiologia pois a IA é muito melhor que qualquer ser humano para diagnosticar doenças com base nas imagens. No entanto, o que aconteceu foi que a demanda por radiologistas no planeta subiu e chegamos a duas conclusões: primeira, o professor é um gênio da IA mas ele não sabe nada de radiologia; e a segunda é que a IA faz apenas 01 das 33 tarefas de um radiologista que é diagnosticar. Além do diagnóstico é necessário que o profissional dialogue com médicos e médicas para discutir os melhores caminhos de tratamento e os pacientes querem dialogar e discutir suas possibilidades de tratamento com pessoas e não com a IA. 

Com base no exemplo acima, temos o entendimento de que a grande pergunta é: quais dessas tarefas a IA pode fazer melhor do que nós em nossas profissões e como isso nos beneficia para que possamos otimizar processos e eliminar atividades mais mecânicas ou automatizáveis no dia a dia, liberando mais tempo para o que realmente importa?

No caso da área de psicologia podemos aproveitar do conhecimento da IA quanto ao refinamento de dados para o critério diagnóstico, mas será necessária toda a expertise do nosso contato com os pacientes, bem como o vínculo bem estabelecido para que com o nosso conhecimento possamos personalizar e direcionar o paciente para o melhor tratamento, por vezes refinando o próprio diagnóstico. Para os especialistas em IA, o fundamental é estar atento às mudanças e buscar capacitação e adaptação às novas tecnologias. Para eles, o que acontece ao longo dos anos, na maioria das vezes não é a extinção dos cargos e funções, mas o aprimoramento destes com a exigência de novas habilidades do trabalhador como por exemplo: o pensamento crítico, habilidade de comunicação, interações sociais relevantes, liderança, etc.

Existem ferramentas de triagem e diagnóstico, permitindo uma detecção precoce de problemas de saúde mental. Chatbots e assistentes virtuais baseados em IA também estão se tornando cada vez mais populares como ferramentas de educação emocional, instrução do uso de técnicas de meditação guiada, respiração diafragmática, dentre outras, para pessoas que não têm acesso imediato a um profissional de saúde mental.  Sobre esta questão, resolvi testar a IA e usei o ChatGPT. Fiz a seguinte pergunta:” Você pode me ajudar? Estou com uma crise de ansiedade”. A resposta do ChatGPT: “Claro, estou aqui para ajudar. Se você está enfrentando uma crise de ansiedade, é importante lembrar que você não está sozinho e que existem maneiras de lidar com isso. Aqui estão algumas estratégias que podem ajudar a acalmar sua ansiedade: Respiração profunda: Experimente técnicas de respiração profunda para acalmar seu corpo e mente. Respire lenta e profundamente, concentrando-se em cada respiração. Prática de mindfulness: envolve focar sua atenção no momento presente. Isso pode ajudar a reduzir a preocupação com o futuro e a ruminação sobre o passado. Exercícios de relaxamento muscular: Faça exercícios de relaxamento muscular progressivo, onde você tensiona e relaxa os diferentes grupos musculares do seu corpo. Isso pode ajudar a aliviar a tensão física causada pela ansiedade. Distração saudável: Envolver-se em atividades que você gosta e que o distraiam da ansiedade, como ouvir música, praticar um hobby ou sair para uma caminhada. Fale com alguém: Compartilhe seus sentimentos com alguém em quem confia, seja um amigo, um membro da família ou um profissional de saúde mental. Falar sobre o que você está passando pode ajudar a aliviar a carga emocional. Se você sentir que está perdendo o controle da situação ou se a ansiedade estiver interferindo significativamente em sua vida diária, é importante buscar ajuda profissional. Um psicólogo, terapeuta ou outro profissional de saúde mental qualificado pode oferecer apoio e orientação personalizados para ajudá-lo a lidar com sua ansiedade de maneira eficaz. Lembre-se de que é normal sentir ansiedade de vez em quando, mas é importante aprender a gerenciá-la de forma saudável. Estou aqui para fornecer apoio e orientação sempre que precisar.” 

Nesta situação, observei que a IA ofereceu um apoio primário e forneceu informações importantes para que o usuário da tecnologia desse um primeiro passo para o controle da ansiedade, indicando possíveis caminhos para um maior bem-estar. No entanto, mesmo diante destas sugestões, vemos a necessidade de uma explicação minuciosa e detalhada de um profissional para que a técnica seja compreendida e realizada de forma correta, bem como a análise de contexto para o entendimento da situação estressora e os componentes desencadeantes da ansiedade para a compreensão do quadro. 

Os especialistas ainda destacam que à medida que a tecnologia avança, surgem novas maneiras de aplicar a IA para entender e melhorar a saúde mental, o bem-estar e o comportamento humano. No entanto, também surgem preocupações sobre questões éticas, de privacidade e de confiabilidade dos resultados.

Sobre os desafios, um dos principais é garantir que os algoritmos de IA sejam justos e imparciais, evitando vieses que possam prejudicar certos grupos demográficos. Além disso, há preocupações sobre a privacidade dos dados dos pacientes e a segurança das informações confidenciais armazenadas em sistemas de IA. E aqui temos novamente o fator humano, o vínculo terapêutico e o sigilo entre paciente e profissional como algo valioso e insubstituível.

Desta forma, é possível observar que embora a IA possa ser uma ferramenta poderosa para auxiliar no processo terapêutico, é importante reconhecer que o aspecto humano no cuidado mental continua sendo fundamental. Captação de emoções, entendimento de contextos de vida e histórico do desenvolvimento, riscos e vulnerabilidades são questões bem humanas e distantes do entendimento da IA. Prova disto foi mais uma das perguntas que fiz para a IA, desta vez ao Copilot, IA da Microsoft. Perguntei: “Você acredita que pode substituir um psicólogo clínico e me atender virtualmente? A resposta da Copilot foi: “Embora eu possa fornecer informações e ajudar com muitas coisas, eu não sou um substituto para um psicólogo clínico. Eu sou uma inteligência artificial e não tenho a capacidade de entender completamente as emoções humanas ou fornecer aconselhamento terapêutico. É importante procurar a ajuda de profissionais de saúde mental qualificados para questões de saúde mental. Eles têm o treinamento e a experiência necessários para ajudar de maneira eficaz. Se você estiver passando por um momento difícil, recomendo que entre em contato com um profissional de saúde mental. Lembre-se, é importante cuidar de sua saúde mental”.

Fica claro que a IA oferece um vasto potencial para revolucionar o mercado de trabalho da psicologia e não para extingui-lo, proporcionando novas maneiras de entender e tratar os desafios de saúde mental. No entanto, para aproveitar ao máximo essas oportunidades, é essencial abordar os desafios éticos, técnicos e sociais que acompanham essa transformação, garantindo que a IA seja utilizada de maneira responsável e inclusiva para o benefício de todos.

Referências:

AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION. AI is changing every aspect of psychology. Here’s what to watch for. Monitor on Psychology2023. Disponível em:<https://www.apa.org/monitor/2023/07/psychology-embracing-ai>. Acesso em 21 maio de 2024

A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL VAI ROUBAR O SEU EMPREGO? Dois Pontos. Estadão, 01 de maio de 2024. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PFy0WzYTp88.  Acesso em 06 de maio de 2024.

COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL AFETA O MERCADO DE TRABALHO E SEUS TRABALHADORES. Andréa Greco. Linkedin, 23 de fevereiro de  2023. Disponível em: https://pt.linkedin.com/pulse/como-intelig%C3%AAncia-artificial-afeta-o-mercado-de-trabalho-andr%C3%A9a-greco. Acesso em 02 de maio de 2023.

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL AFETARÁ ATÉ 40% DOS EMPREGOS EM TODO O MUNDO, ESTIMA FMI. Infomoney, 16 de Janeiro de 2024. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/carreira/inteligencia-artificial-afetara-40-dos-empregos-em-todo-o-mundo-estima-fmi/ . Acesso em 02 de maio de 2024.

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PODE DAR SUPORTE PARA PSICÓLOGO. Gustavo Basso. DW.com, 21 de março de 2024. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/intelig%C3%AAncia-artificial-pode-dar-suporte-para-psic%C3%B3logo/a-68634325#:~:text=Rob%C3%B4s%20de%20conversa%2C%20jornadas%20instru%C3%ADdas,psic%C3%B3loga%20e%20pesquisadora%20Karen%20Sacavacini. Acesso em 02 de maio de 2024.

MUSSA, Adriano. (2020) Inteligência Artificial – Mitos e Verdades: as reais oportunidades de criação de valor nos negócios e os impactos no futuro do trabalho. São Paulo. Editora Saint Paul.  

 

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E essa tal de IA?

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Será que a inteligência artificial vai substituir os psicólogos? A relação entre humanos e máquinas é antagônica?

É certo que hoje a evolução tecnológica está avançando de forma desenfreada. Carros altamente tecnológicos, celulares ultramodernos e até robôs sendo usados por médicos para realizar cirurgias delicadas são exemplos dessa transformação. Na psicologia, não é diferente; muitos acadêmicos e profissionais utilizam a tecnologia a seu favor e estão bem estruturados nesse aspecto.

Recentemente, a inteligência artificial evoluiu significativamente, sendo capaz de criar filmes, fotos, interagir com pessoas e desempenhar diversas outras funções. Alguns pessimistas preveem que essa tecnologia irá substituir os humanos, o que não parece tão distante, considerando o uso generalizado de máquinas e inteligência artificial em fábricas, fazendas e várias outras áreas, onde já estão substituindo o trabalho humano.

Existe um conceito chamado transumanismo, também conhecido como pós-humanismo, que propõe que a tecnologia substituirá os humanos aqui na Terra. Esse conceito busca a evolução humana ao superar suas falhas, erros e fraquezas, considerando robôs e inteligência artificial como um próximo estágio da evolução humana.

Com o avanço tecnológico, a própria humanidade está sendo deixada de lado, e as pessoas estão se tornando mais solitárias e deprimidas pela falta crescente de interação social. Os psicólogos frequentemente assumem o papel de proporcionar um espaço para conversas pessoais, algo cada vez mais raro nos dias atuais. Como menciona Paul R. em “Mindfulness e Psicoterapia” (página 65), “A atenção genuína dos outros é tão surpreendentemente rara que vale a pena pagar por ela na psicoterapia”.

Com isso, fica claro que, mesmo com o enorme avanço tecnológico, as relações humanas continuarão sendo essenciais. A alma humana depende de outra alma humana para evoluir e cultivar aquilo que nos torna humanos, como os sentimentos de amor, paz, alegria, entre outros, que a inteligência artificial não pode sentir, apenas simular por meio de um banco de dados.

Inevitavelmente, os humanos evoluíram em grupo, mas agora parecem estar seguindo o caminho oposto. Cada vez mais, as pessoas se sentem distantes umas das outras, o que causa solidão, ansiedade e depressão. É por isso, entre muitos outros motivos, que a popularidade dos psicólogos está em alta. A necessidade de pertencer a um grupo não pode ser substituída por tecnologias, pois a interação social traz inúmeros benefícios essenciais para o bem-estar humano.

“Socializar é bom para a mente e o corpo. O contato social não apenas diminui os sentimentos de solidão e evita a depressão e ansiedade, mas também é capaz de prevenir doenças, como demências e doenças cardiovasculares, além de mantém os níveis de estresse sob controle e melhorar a saúde mental.” (Tamara;2022).

As pessoas precisam umas das outras, necessitam socializar, e a ausência disso pode causar problemas muitas vezes irreversíveis. Muitas pessoas se sentem ignoradas e acabam buscando algum tipo de alívio para sua solidão nas redes sociais. Você já parou para se perguntar o que está realmente buscando na tela do seu celular? Cada vez que você rola um vídeo incessantemente, o que você está realmente procurando?

A intervenção psicológica neste contexto visa ressignificar ou até mesmo modificar essa solidão ou essa busca incessante por algo. Visa também iluminar o caminho para que o cliente possa questionar o que realmente está procurando e se aquilo que tanto busca está de fato naquele aparelho eletrônico em suas mãos.

Um aspecto extremamente importante e potencialmente devastador nos algoritmos e na inteligência artificial são os conteúdos personalizados. Eles tentam entregar automaticamente às pessoas o tipo de conteúdo que mais as interessa, o que pode ser benéfico em muitos casos. No entanto, o lado obscuro disso é que conteúdos prejudiciais para uma pessoa podem ser repetidos com a intenção de atender ao interesse dela.

Por exemplo, uma pessoa que está enfrentando depressão pode buscar vídeos ou músicas que inadvertidamente aumentam os sintomas da doença. Os algoritmos, então, começam a entregar mais desse tipo de conteúdo, criando um ciclo vicioso. Tudo o que a pessoa consome contribui para um estado emocional cada vez mais crítico.

Este fenômeno ilustra como os algoritmos podem inadvertidamente reforçar comportamentos prejudiciais, ao invés de ajudar a pessoa a encontrar recursos ou suporte que promovam sua saúde mental.

Com isso, a percepção de mundo dessa pessoa passa a ser dominada por conteúdos prejudiciais à sua vida, e quanto mais isso ocorre, mais ela se sente sem esperança. Isso ocorre devido à distorção de pensamento, onde o que a pessoa vê se transforma em crenças disfuncionais sobre si mesma e sobre o mundo.

Cabe ao psicólogo, então, ressignificar esses pensamentos distorcidos para que a pessoa possa ter uma visão mais realista do mundo. Para isso, podem ser utilizadas técnicas como o metacognição ou perguntas socráticas sobre esses pensamentos, investigando se são realmente verdadeiros ou apenas ficcionais, se têm base na realidade ou são distorções.

Isso evidencia que, mesmo com o avanço da inteligência artificial, enquanto houver seres humanos, a humanidade em si continuará sendo necessária. Este aspecto nunca poderá ser substituído por dados de um programa pré-definido. Apenas se as máquinas efetivamente substituírem os humanos é que a IA poderá substituir totalmente profissões como a dos psicólogos e outras.

Referências

VILAÇA, M. M.; DIAS, M. C. M.. Transumanismo e o futuro (pós-)humano. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 24, n. 2, p. 341–362, 2014.

GERMER, Christopher K.; SIEGEL, Ronald D.; FULTON, Paul R. Mindfulness e Psicoterapia. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.

SOUZA; Tamara, Socialização: entenda a importância do contato social para a saúde mental, dasa, Disponível em:https://dasa.com.br/blog/saude/socializacao-para-a-saude/#:~:text=Socializar%20%C3%A9%20bom%20para%20a,e%20melhorar%20a%20sa%C3%BAde%20mental. Acesso em: 26/04/2024

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A Inteligência Artificial (IA) na Psicologia: transformando a prática clínica

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Desmistificando a IA como uma ameaça e explorando suas potencialidades para promover avanços na prática clínica do Psicólogo (a). 

O início da relação da Psicologia com a Inteligência Artificial

A IA é denominada como um campo da ciência da computação dedicado ao desenvolvimento de sistemas que imitam a capacidade cognitiva humana, visando a análise e hipóteses de respostas para determinados problemas e tomada de decisões. A IA também é conceituada como a concepção de sistemas computacionais inteligentes capazes de executar tarefas sem orientações diretas de agentes humanos, exemplificado pelo funcionamento de autômatos (Lobo, 2017).

Com a aplicação de diversos algoritmos e também com estratégias de tomada de decisão, combinados com o processamento de vastos conjuntos de dados, a IA é apta a sugerir cursos de ação quando é solicitado. É englobada múltiplas competências e fases, como a detecção de padrões em dados e imagens, compreensão de linguagem natural em seus aspectos escritos e orais, identificação de relações e correlações, além da execução de algoritmos de decisão elaborados por especialistas (Lobo, 2017).

A história da Inteligência Artificial se dá início em 1950, quando Alan Turing publicou seu influente artigo “Computing Machinery and Intelligence”, no qual ele propôs um teste para comparar a capacidade de um computador com a de um ser humano na resolução de problemas, hoje conhecido como Teste de Turing em sua homenagem (Lobo, 2017).

Em 2018, a terminologia “Saúde Digital” foi conceituada como o domínio de estudo e aplicação relacionado ao desenvolvimento e implementação de tecnologias digitais, com o objetivo de aprimorar o setor de saúde. Este conceito engloba uma ampla gama de áreas, incluindo o envolvimento de consumidores digitais, a utilização da Internet das Coisas, a aplicação de inteligência artificial, o processamento de grandes volumes de dados (big data) e a integração de sistemas robóticos (Theophilo e Martins,).

Há um consenso em avanço na comunidade global da saúde acerca da ideia de que a utilização estratégica e inovadora das tecnologias digitais da informação e comunicação, desempenhará um papel crucial na expansão universal de saúde para um bilhão adicional de pessoas, bem como na ampliação da proteção contra emergências de saúde, resultando em melhorias significativas na saúde e no bem-estar da sociedade (Theophilo e Martins,).

No contexto brasileiro, o eSaúde foi formalmente estabelecida em 2017 pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT), reconhecendo a Saúde Digital como mecanismos contributivos para a integração ao Sistema Único de Saúde (SUS), alinhados diretamente com os princípios e diretrizes do sistema de saúde pública do país. Possibilitando que multiprofissionais tenham acesso aos dados fornecidos pelo SUS daquele paciente. 

Entre as diversas ferramentas presentes no âmbito da Saúde Digital, destacam-se os aplicativos móveis, caracterizados como práticas médicas e de saúde pública realizadas através de dispositivos móveis, como telefones celulares, dispositivos de monitoramento, assistentes digitais pessoais e outros dispositivos sem fio (Theophilo e Martins,). Essa estratégia é denominada como Saúde Móvel, sendo sua denominação em inglês mHealth.

A Psicologia utiliza meios tecnológicos como ferramenta para a prática clínica, como por exemplo, o uso de aplicativos para o monitoramento de humor diário do paciente, como é bastante utilizado por psicoterapeutas cognitivos comportamentais. Na pesquisa “Saúde Mental na palma da mão: um olhar sobre os aplicativos de monitoramento de humor e emoções” (Lessa, 2019), apontou que na loja virtual “Google Play”, após buscar pelo termo “saúde mental”, foram identificados 250 aplicativos com uma variedade de funcionalidades. 

Entre estes, destacam-se aplicativos que fornecem material de referência abordando explicações detalhadas sobre diferentes transtornos psicológicos; jogos para estimular o cérebro; aplicativos destinados a fornecer informações sobre serviços de atendimento psicológico e psiquiátrico disponíveis tanto no setor público quanto no privado; ferramentas que auxiliam na prática da meditação; e aplicativos que oferecem diariamente frases motivacionais. Mas, de acordo com a pesquisa realizada, os que de fato servem como aplicativo de monitoramento são: Cíngulo, Daylio, Diáriode Humor, Minha Ansiedade e Diário do Psique (Lessa, 2019).

               Fonte: Imagem criada por Sarah Coelho utilizando elementos do Canva

Será que a IA poderá ocupar o lugar de um profissional da saúde mental?

Algo que vem sendo pauta em algumas profissões como a do Psicólogo, é se a IA será capaz de assumir o seu papel. A prática de assumir o papel desse profissional em ambientes virtuais, particularmente em plataformas de inteligência artificial como o Chat GPT, desencadeia uma série de debates. Em primeiro lugar, é importante compreender a complexidade da formação e da atuação de um psicólogo. A Psicologia é uma ciência que demanda um entendimento extenso dos processos cognitivos, emocionais e comportamentais dos indivíduos (Strapasson e Dittrich, 2011). 

O primeiro debate a ser feito é em relação a capacidade de uma inteligência artificial de tentar compreender o sujeito. A interação humana é permeada por particularidades emocionais e contextuais que frequentemente escapam às capacidades de um sistema baseado em algoritmos. A empatia e a capacidade de criar um vínculo terapêutico genuíno são aspectos fundamentais do trabalho de um Psicólogo, inclusive do Psicoterapeuta Cognitivo, que uma máquina pode não conseguir replicar (Alves, 2017).

Devemos também dar ênfase na questão da ética. A prática do Psicólogo está regida por um Código de Ética e Resoluções do Conselho Federal de Psicologia que visam proteger a confidencialidade, a dignidade e o bem-estar dos clientes/pacientes. A introdução de inteligências artificiais neste contexto levanta preocupações significativas sobre a privacidade e a segurança dos dados dos pacientes. 

Outro ponto a ser levado em consideração é a relação terapêutica, onde o profissional proporciona um espaço seguro para que o paciente se sinta ouvido, acolhido e livre de julgamentos, sendo isso elemento essencial para o tratamento psicológico (Alves, 2017). A presença e a interação humana são componentes críticos dessa relação, aspectos que são ausentes em interações com inteligências artificiais.

Apesar de que as tecnologias de inteligência artificial possam oferecer ferramentas úteis para complementar o trabalho dos Psicólogos, assumirem inteiramente o papel desse profissional, apresenta sérias limitações e preocupações. A complexidade do ser humano, a ética profissional e a eficácia do tratamento psicológico são áreas onde a intervenção humana permanece insubstituível. Portanto, a crítica central é que, embora a tecnologia possa apoiar, até o presente momento, ela pode não conseguir substituir a profundidade e a autenticidade da interação humana que estão envolvidas na prática psicológica.

 

Referências

 

ALVES, Diana Lopes. O vínculo terapêutico nas terapias cognitivas. Rev. Bras. Psicoter.(Online), p. 55-71, 2017.

Código de Ética Profissional do Psicólogo. Conselho Federal de Psicologia, Brasília, 2005.

LESSA, Daniela Mendes et al. Saúde mental na palma da mão: um olhar sobre aplicativos de monitoramento de humor e emoções. 2019.

LOBO, Luiz Carlos. Inteligência artificial e medicina. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 41, p. 185-193, 2017.

STRAPASSON, Bruno Angelo; DITTRICH, Alexandre. Notas sobre o determinismo: Implicações para a psicologia como ciência e profissão. Avances en Psicología Latinoamericana, v. 29, n. 2, p. 295-301, 2011.

THEOPHILO, Rebecca Lucena; MARTINS, Ana Carolina Silva. Aplicativos móveis como aliados no acompanhamento e comunicação da dor.

 

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O impacto da automação na Psicologia: a busca do equilíbrio entre a IA e o trabalho humano

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A rápida evolução da Inteligência Artificial (IA) e da automação vem transformando ao longo do tempo diversos setores em diferentes áreas de atuação, e a Psicologia não está imune a essas mudanças.

Todos os dias, caminhamos a passos largos rumo à evolução e modificação de histórias, cenários, contextos, práticas e afins, tudo por meio da tecnologia. Assim sendo e enquanto as tecnologias avançam, faz-se muito relevante examinar como a automação de tarefas psicológicas pode afetar os profissionais promotores de saúde mental, bem como encontrar um equilíbrio entre o uso da IA e a preservação dos empregos e da dignidade do trabalho humano.

A automação na Psicologia

A automação envolve a utilização de sistemas de controle e tecnologias da informação para minimizar a necessidade de intervenção humana na produção de equipamentos e serviços. No campo das tarefas psicológicas, a automação está se tornando cada vez mais prevalente, com algoritmos e sistemas de inteligência artificial (IA) sendo desenvolvidos para desempenhar uma variedade de funções de maneira rápida e eficiente. Por exemplo, a triagem inicial de pacientes em clínicas de saúde mental já pode ser automatizada através de questionários online e algoritmos de análise de dados. Um estudo realizado pela Universidade de Stanford demonstrou que algoritmos de IA podem ser tão precisos quanto psicólogos na identificação de transtornos mentais comuns, como depressão e ansiedade.

Não somente nisso, a Inteligência Artificial oferece maneiras diversas de apoiar e aprimorar o trabalho dos psicólogos. Algoritmos de IA podem acelerar a triagem e diagnóstico de transtornos mentais, processando grandes conjuntos de dados. Também podem analisar padrões linguísticos em interações terapêuticas, ajudando o profissional de saúde mental a identificar problemas subjacentes ou progresso terapêutico. A IA ainda personaliza planos de tratamento com base em características individuais dos pacientes e fornece suporte teórico e bases da literatura à tomada de decisão clínica. Assustador? Não, inovador.

                                                                                                                                    Fonte: Freepik

Dispositivos vestíveis e aplicativos de monitoramento de saúde mental utilizam IA para detectar mudanças no estado emocional dos pacientes, permitindo intervenções preventivas e/ou precoces. Na formação universitária de psicólogos, simulações de casos clínicos e programas de treinamento virtual desenvolvidos com IA, ajudam estudantes a adquirir habilidades teóricas e práticas referentes à desenvoltura clínica. Em suma, a IA pode melhorar a eficiência, precisão e acessibilidade dos serviços psicológicos, mantendo a empatia como foco central do cuidado.

Implicações no âmbito do trabalho

Todavia, “nem tudo são flores”. O impacto das IAs nos empregos é uma questão complexa e multiforme, com diversas previsões e muitas incertezas. Alguns especialistas preveem que elas terão um grande impacto na automação de tarefas repetitivas e rotineiras. No entanto, outros acreditam que as IAs também criarão novas oportunidades de trabalho, especialmente em áreas relacionadas à tecnologia, como desenvolvimento de IAs, análise de dados e programação. Além disso, as Inteligências Artificiais podem aumentar a produtividade e a eficiência em muitos setores, o que poderia levar a um crescimento econômico e à criação líquida de empregos em outras áreas. É importante notar que tal impacto nos empregos não será uniforme e dependerá de vários fatores, incluindo o tipo de trabalho, o nível de qualificação necessário e a capacidade de adaptação dos trabalhadores às mudanças tecnológicas.

Seria parcial não admitir que a automação levanta preocupações legítimas sobre o futuro das atividades laborais no âmbito da Psicologia. À medida que mais tarefas são automatizadas, há o risco de que certos trabalhos se tornem obsoletos ou sejam substituídos por tecnologia. Já existem relatos de psicólogos que expressam preocupações sobre o impacto da automação em sua profissão, especialmente quando consideradas questões éticas, sociais e legais.

Apesar das preocupações com a automação, é possível encontrar um equilíbrio entre o uso da IA e a preservação do trabalho humano na psicologia. Em vez de substituir completamente os profissionais, a IA pode ser utilizada como uma ferramenta complementar que potencializa as capacidades dos psicólogos. Como já dito por exemplo, sistemas de IA podem auxiliar na triagem inicial de pacientes, permitindo que os terapeutas se concentrem em casos mais complexos e personalizados. Podem ainda analisar grandes volumes de dados e identificar padrões que podem passar despercebidos, sendo assim uma ferramenta valiosa que ajuda a refinar os diagnósticos e os planos de tratamento.

A automação de tarefas administrativas, como o agendamento de consultas e o gerenciamento de registros, pode liberar mais tempo para os psicólogos dedicarem à interação direta com os pacientes. A IA pode ainda fornecer suporte contínuo aos pacientes fora das sessões de terapia, através de aplicativos que monitoram o estado emocional e oferecem intervenções personalizadas (e claro, supervisionadas pelo psicólogo) quando necessário.

À medida que a automação transforma o campo da Psicologia, é fundamental considerar suas implicações nas atividades laborais dos psicólogos e encontrar maneiras de equilibrar o uso da IA com a preservação do trabalho humano, reconhecendo que as inteligências artificiais vieram para ficar. Adotando uma abordagem cautelosa e colaborativa, é possível garantir que a tecnologia beneficie não apenas a eficiência, mas também a qualidade e a integridade do cuidado psicológico.

REFERÊNCIAS

OLIVEIRA, L. M. de; FERNANDES JUNIOR, L. C. C. Aplicabilidade da inteligência artificial na psiquiatria: uma revisão de ensaios clínicos. Debates em Psiquiatria, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 14–25, 2020. DOI: 10.25118/2236-918X-10-1-2. Disponível em: https://revistardp.org.br/revista/article/view/41. Acesso em: 16 mai. 2024.

KAMINSKY, Leah. Como a Inteligência Artificial detecta sinais de doenças que humanos não podem enxergar. BBC Future, 15 mar. 2019. Disponível em: https://www.bbc.com/future/article/20190315-how-ai-can-detect-signs-of-disease-that-humans-miss. Acesso em: 16 mai. 2024.

CARVALHO, A. C. P. DE L. F. DE .. Inteligência Artificial: riscos, benefícios e uso responsável. Estudos Avançados, v. 35, n. 101, p. 21–36, jan. 2021.

 

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Metaverso: vilão, mocinho ou bode expiatório?

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Em meados de 2021 a empresa de tecnologia até então chamada Facebook passava por um dos maiores processos judiciário por ela enfrentados[1], porém coincidentemente – ou não – no dia de um importante testemunho da Ex-funcionária Sophie Zhang, o CEO da Facebook, Mark Zuckerberg, anuncia os planos para o futuro da empresa e da internet. Esse anúncio teve relação com o termo ‘metaverso’, que para muitos antes era desconhecido e para outros não passava de ficção científica, mas apresentado por um dos perfis mais conhecidos atualmente quando o assunto é tecnologia e internet, tornou-se plausível e tangível.

Desde então muito tem se falado e, sobretudo, se especulado a respeito do assunto. Os otimistas – uma pequena ilha no mar de pessimistas – acreditam que será uma forma magnífica de interação virtual. Assim, espera-se que a aplicação do conceito do metaverso derrubará as ruínas ainda existentes das muralhas geográficas que persistiram após o avanço das formas de comunicação e trará mais possibilidades para tudo que já é virtual ter uma experiência de uso ainda mais próxima da vida off-line.

Alguns mais pessimistas temem que o metaverso seja o primeiro passo para iniciar-se a Matrix dos Wachowskis[1] e que a vida fora da rede está ameaçada de extinção, atribuindo o surgimento desse mundo virtual a uma série de possíveis problemas que afetarão a sociedade e seu comportamento. Já outros – uma pequena praia na ilha dos otimistas banhada pelas águas do mar dos pessimistas – apontam as atuais limitações da aplicação do conceito, os prós, os contras e o quanto o anúncio da empresa, agora chamada Meta, trouxe mais perguntas que respostas.

Não se atendo a nenhum dos três grupos citados acima, esse artigo navega para águas mais distantes, porém antes é necessário um panorama do que é o metaverso. O termo ‘Metaverso’ foi criado por Neal Stevenson e teve sua primeira aparição na sua obra de ficção científica, Snow Crash publicada em 1992 e a ideia de um mundo criado por computação gráfica onde o ser humano poderia ter uma imersão próxima à realidade foi tratado em muitas outras obras de ficção [2], como o famoso filme Matrix.

O Metaverso fora da ficção científica seria – ou será – uma nova forma da internet como se tem hoje, onde tecnologias como da Realidade Virtual – quando o indivíduo usa de dispositivos como óculos e fones de ouvidos capazes de apresentar um cenário menos ou mais interativo em 3D, bloqueando a visão do que está além dos dispositivos – e a Realidade Aumentada – quando o indivíduo usa dispositivos que inserem elementos virtuais no mundo real, acrescentando de forma menos ou mais interativa informações à cena real que o indivíduo está sem bloquear sua visão – para navegar pela rede, onde cada usuário é representado por um avatar em 3D.

A proposta para o desenvolvimento do Metaverso traz um manifesto com algumas regras que essa implementação deve seguir. A primeira regra é que deve existir apenas um metaverso, ou seja, nada de cada companhia criar seu próprio metaverso desconectado de outros ‘universos digitais particulares’. Esse manifesto inclui ainda outros princípios como de que o metaverso deve ser aberto a todos e coletivamente controlado[2]. Em uma visão mais ilustrativa, o metaverso poderia ser como uma versão aprimorada do jogo Second Life[3] onde empresas, universidades, lojas e tudo mais teriam suas versões virtuais acessíveis a todos os usuários acessarem dos mais variados tipos de dispositivos usando da Realidade Virtual ou Aumentada.

Com todas as especulações e dúvidas que vêm surgindo desde que o Metaverso virou um assunto em alta na mídia, muitos chamam a atenção para o quanto uma imersão numa realidade tão próxima do mundo real poderia causar para a humanidade a médio e longo prazo. Preocupações fundamentadas, uma vez que as tecnologias de Realidade Virtual e de Realidade Aumentada já apresentam certa nocividade para os usuários a curto prazo e as possibilidades de riscos à saúde física, mental e emocional só aumentam com o tempo de exposição [4].

Fonte: encurtador.com.br/fqtCE

Pautas como a perda de capacidade de se relacionar com pessoas no mundo real, falta de empatia após longa exposição a conteúdos de violência e a probabilidade de passem a preferir a vida virtual em vez da vida off-line vêm sendo frequentemente associadas ao Metaverso desde então e o futuro da humanidade é questionado à luz do  avanço da tecnologia para os próximos anos.

Mas atribuir todos esses riscos e questionamentos à uma tecnologia futura não seria uma negligência à atual situação que a sociedade já se encontra? O número de usuários ativos em redes sociais em 2022 chegou perto da marca de 5 bilhões [5], mais da metade do planeta tem e acessa regularmente ao menos uma rede social e uma nova forma de interagir e se comunicar não é mais um futuro, porém já está presente em nossos bolsos há algum tempo.

Antes do surgimento e popularização dos smartphones, as pessoas utilizavam em grande maioria computadores domésticos chamados de desktops para acessar a internet e entrar no “metaverso 2D”. As horas que se passavam conectados às redes sociais como o Orkut e chats como o MSN Messenger eram limitadas por alguns fatores, como a necessidade de se estar em casa, à espera da sua vez de utilizar o computador que muitas vezes era compartilhado pela família. Mas com o avanço tecnológico e o advento dos smartphones esses fatores foram derrubados.

Não será necessário esperar que o Metaverso vire uma realidade para que se tenha pessoas que sustentem uma segunda vida no mundo virtual, as redes sociais já são byte após byte alimentadas de uma realidade alternativa por seus usuários. Pessoas que publicam uma imagem, um comportamento ou até mesmo um estilo de vida que só existem no virtual estão presentes em famosas redes sociais como o Instagram.

O filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman já trazia alertas sobre o uso das redes sociais e da efemeridade das relações ali construídas[6]. Um indivíduo acostumado com o imediatismo e com o excesso de conteúdo de entretenimento proporcionado pelas redes e mídias digitais enfraquecem o impulso do empenhar esforço na construção de relações no mundo online [5].  Uma vez se pode escolher quem se “é” no mundo virtual, o internauta pode construir uma imagem com filtros para mostrar aos seus espectadores, fazendo assim sua vida um palco para todos e para ninguém de uma encenação que pode ser mais atrativa para si mesmo que a vida nos bastidores offline. Nas palavras de Bauman [8]: “A internet e o Facebook nos tranquilizam e nos dão a sensação de proteção e abrigo, afastando o medo inconsciente de sermos abandonados. Na verdade, muitas vezes você está cercado de pessoas tão solitárias quanto você”. Sobre essa perspectiva fica o questionamento do porquê a preocupação com o impacto no comportamento humano causado pela tecnologia está, nos últimos anos, sendo atribuído – em grande parte – a um cenário futuro e a uma tecnologia ainda não implementada quando esses questionamentos eram feitos antes voltados às atuais formas de acesso que temos ao mundo virtual. Deveria ser considerado o fato da empresa que criou todo esse alvoroço ao redor do termo Metaverso ser a mesma empresa que estava sendo acusada de negligenciar a saúde emocional de usuários adolescentes e de ter conhecimento de algoritmos tendenciosos maléficos aos usuários das redes sociais por ela controladas, Facebook e Instagram?

Fonte: encurtador.com.br/hnwB4

São indagações aqui levantadas – e não respondidas – não com a intenção de guiar o leitor para um caminho conspiratório, mas trazer uma nova face para esse prisma ainda opaco. Discutir o futuro da sociedade é inerente a discutir o avanço tecnológico, uma vez que são indissociáveis, enquanto o avanço tecnológico é indissociável ao grande valor monetário que o setor movimenta.

Nesse emaranhado de interesses, os prós e contras do Metaverso parecem se diluir e fundem-se aos prós e contra da sociedade atual, onde se vive em universos criados para serem palcos da vaidade e da carência de algo que supra o desejo imediatista[5]. Até que ponto a tecnologia pode ser culpada pelo comportamento humano? Até que ponto a tecnologia nos corrompe ou somos nós que a corrompemos? Talvez a resposta esteja na pergunta feita por Marguerite Duras[7], “Por que algumas pessoas têm necessidade de viver duas vezes? Uma vez quando vivem, e outra quando escrevem? E por que esta segunda vez é mais importante que a primeira?”.

Sendo a tecnologia ou a natureza humana o responsável, a sociedade está cada dia mais líquida e tem se liquidado cada vez mais nas redes sociais. Como parar o avanço da tecnologia não é plausível e tão pouco cogitado por esse artigo, a forma de prevenir que a vida online seja nociva aos usuários é através da educação. Um cuidado em preparar a mente dos internautas para filtrar o bombardeio de informações deve ser tomado, sobretudo quando se pensa nas próximas gerações.

O uso da internet já passou de algo esporádico e recreativo, o humano demasiadamente tecnológico tem de crescer sendo educado para os dois mundos, o real e o virtual – seja ele um possível metaverso ou um smartphone com acesso à internet e esse processo de preparação está ao menos 20 anos atrasado.

Observação: As imagens presentes neste artigo foram retiradas de séries de animação Futurama e Os Simpsons.

Referências

[1] HAO, Karen. O denunciante do Facebook diz que seus algoritmos são perigosos. Eis o motivo. In: HAO, Karen. O denunciante do Facebook diz que seus algoritmos são perigosos. Eis o motivo. Https://www.technologyreview.com/2021/10/05/1036519/facebook-whistleblower-frances-haugen-algorithms/: Karen Hao, 5 out. 2021.

[2] MYSTAKIDIS, S. Metaverse. Encyclopedia, v. 2, n. 1, p. 486–497, 10 fev. 2022. Disponível em: https://doi.org/10.3390/encyclopedia2010031. Acesso em: 04 dez. 2022.

[3] GARCIA, M. CENAS DA VIDA VIRTUAL: Amor, Corpo E Subjetividade Numa Sociedade Do Consumo E Do Entretenimento. ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – ESPM/SP: [s.n.].  Disponível em: https://tede2.espm.br/bitstream/tede/213/2/Margarete%20S%20Mendes%20Garcia.pdf . Acesso em: 04 dez. 2022.

[4] SLATER, M. et al. The Ethics of Realism in Virtual and Augmented Reality. Frontiers in Virtual Reality, v. 1, 3 mar. 2020.

Disponível em: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/frvir.2020.00001 . Acesso em: 04 dez. 2022.

[5] Mundo se aproxima da marca de 5 bilhões de usuários de internet. Disponível em: <https://www.insper.edu.br/noticias/mundo-se-aproxima-da-marca-de-5-bilhoes-de-usuarios-de-internet-63-da-populacao/>.

[6] RABELO, E. M. S. Por uma crítica da fluidez moderna, segundo Bauman e Kierkegaard, através das redes sociais. Revista Húmus, [S. l.], v. 3, n. 7, 2013. Disponível em: http://periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/revistahumus/article/view/1481. Acesso em: 4 dez. 2022.

[7] Entrevista concedida a Revista Veja em 17 de julho de 1985

[8] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2001.

Observação: artigo desenvolvido na disciplina “Tecnologias Criativas” do Programa Extensionista Interdisciplinar “Tecnologias para a Vida” dos cursos de Ciência da Computação, Sistemas de Informação e Engenharia de Software da Ulbra Palmas.

[1] Wachowskis é o nome coletivo para se referir às irmãs Lilly Wachowski e Lana Wachowski, diretoras e produtoras do sucesso de bilheteria Matrix, lançado em 1999.

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Como a inteligência artificial tem sido usada para contribuir na criação de uma rede de ódio?

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O discurso de ódio é algo que vem se tornando cada vez mais comum de ser presenciado, tanto fisicamente, quanto virtualmente. O termo “discurso de ódio” é originário do termo em inglês hate speech, e pode ser definido como um conjunto de palavras que intimidam, assediam ou insultam um individuo com base na sua cor, raça, sexo ou religião, e que tem a capacidade de instigar violência e ódio contra tais indivíduos (MOURA, 2016). Esse discurso dá a ideia de que o indivíduo, por causa de suas particularidades e diferenças, deve ser inferiorizado ou menosprezado. Essa externalização do ódio pode ser, e na maioria das vezes é, facilmente identificada, pois são feitas explicitamente, porém em alguns casos pode ser feita subliminarmente, que pode ser difícil de identificar.

O grande avanço tecnológico nos últimos anos fez com que boa parte da população ficasse conectada à internet. Segundo um estudo realizado pela Statista (2022), banco internacional de estatísticas, o Brasil possui cerca 159 milhões de pessoas utilizando as mídias sociais diariamente. Esse número, segundo pesquisa realizada pela Cuponation (2021), faz com que o Brasil fique no top 5 das nações que mais utilizam as mídias sociais.  Com a grande quantidade de pessoas conectadas às redes sociais, a interação entre elas fica cada vez mais fácil e rápida. Essas interações, com a falsa sensação de que tudo é permitido e anônimo, faz com que pessoas com más intenções expressem o seu ódio, que por muitas vezes repletos de preconceitos, a outras pessoas que não fazem parte do seu grupo social.

Fonte: encurtador.com.br/jsX01

Nesse contexto, a Inteligência Artificial (IA) tem sido usada nas redes para a criação de bolhas que propiciam o engajamento, mas, em contrapartida, favorece a disseminação de discursos de ódio. Em uma entrevista realizada para a revista MIT Technology Review, Frances Haugen, ex-gerente de produto do Facebook, afirma que o algoritmo da rede social e a forma de negócios da empresa fazem com que a prioridade seja o lucro ao invés da segurança das pessoas. Os algoritmos do Facebook são treinados para identificarem qual postagem causaria mais engajamento para determinado usuário. Segundo Haugen, essa classificação baseada em engajamento é perigosa e sem integridade, pois esse algoritmo também favorece a desinformação e o extremismo.

O algoritmo do Facebook na verdade é composto por vários algoritmos juntos, como algoritmos que classificam as preferências de cada usuário, e algoritmos que detectam conteúdos ruins como nudez ou spam, esses algoritmos são chamados de algoritmos de aprendizado de máquina. Esses algoritmos são treinados e baseados de acordo com as interações do usuário, que conseguem identificar por exemplo se você gosta de cachorros fofos passando pelo seu feed de acordo com os seus clicks e comentários em publicações. Essas informações podem ser ainda mais refinadas de acordo com o sexo e idade do usuário. Isso faz com que o engajamento da plataforma seja muito mais poderoso, pois faz com que os usuários passem muito mais tempo na rede social. E essa recomendação não se limita apenas a coisas boas, segundo uma publicação de Horwitz e Seetharaman (2020) no Wall Street Journal, 64% dos grupos extremistas tiveram suas assinaturas baseadas em recomendações dos modelos de “Grupos nos quais você deve participar” e “Descubra”, e isso mostra o quanto podem ser prejudiciais esses algoritmos.

Fonte: encurtador.com.br/gkKSU

Segundo Nandi (2018), a inteligência artificial (IA) pode também ser um grande aliado no combate ao discurso de ódio presentes nas redes sociais, porém ainda existem problemas que fazem com que isso não seja totalmente possível. A necessidade de ter uma supervisão humana faz com que a avaliação do discurso de ódio seja mais demorada ou até mesmo ineficaz. Outro problema que pode ser encontrado é que a IA consegue identificar as frases, porém tem dificuldade de entendê-las.

Uma abordagem diferente da inteligência artificial pode ser usada para ajudar no combate ao discurso de ódio presente nas redes sociais. Segundo o artigo Can Artificial Intelligence Predict The Spread Of Online Hate Speech? (2019), publicado pela Forbes, anteriormente os algoritmos de inteligência artificial analisavam o conceito em torno das publicações para decidir se as publicações eram ou não consideradas hostis. Já nessa nova abordagem que foi coordenada pela IBM, a ideia não era decidir se a postagem é ou não de ódio, e sim onde e como se inicia esse discurso e como isso se desdobra para o mundo real.

A análise consistiu em definir uma lista de palavras que fazem parte de discursos de ódio, baseados em terrorismo islâmico e violência anti-islâmica, com dados de tweets e publicações no Reddit feitas por cerca de 15 milhões de usuários. Depois que os dados foram analisados e classificados pela inteligência artificial, foi feito uma linha do tempo, e constatou que após incidentes de violência anti-islâmica, os discursos de ódios nas redes sociais aumentaram consideravelmente, e que esses discursos não se concentram apenas aos muçulmanos mas a todos os grupos que são minorias.

Considerando todo esse contexto, podemos concluir que a tecnologia não é neutra, mas tão pouco é boa ou má. Na verdade seu impacto se deve à forma como as pessoas a utilizam. Assim, como há algoritmos de IA sendo usados para criar bolhas de ódio, há, também, cientistas buscando na IA a detecção de onde e como se originam esses discursos. Talvez, em um dado momento consigamos combater e punir essa disseminação de ódio, muita coisa já começou nesse aspecto, muitos crimes já estão sendo trazidos à tona.

Referências:

CAN ARTIFICIAL INTELLIGENCE PREDICT THE SPREAD OF ONLINE HATE SPEECH? [S. L.]: Forbes, 30 ago. 2019. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/bernardmarr/2019/08/30/can-artificial-intelligence-predict-the-spread-of-online-hate-speech/?sh=351757277167. Acesso em: 11 nov. 2022.

CASEIRO, Sofia. O impacto da inteligência artificial na democracia. In: IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS DE COIMBRA: UMA VISÃO TRANSDISCIPLINAR. p. 135.

CUPONATION. USUÁRIOS REDES SOCIAIS: pesquisa aponta crescimento de usuários das redes por país. 2021. Disponível em: https://www.cuponation.com.br/insights/redessociais-2021a2026. Acesso em: 11 nov. 2022.

HORWITZ, Jeff; SEETHARAMAN, Deepa. Facebook Executives Shut Down Efforts to Make the Site Less Divisive: the social-media giant internally studied how it polarizes users, then largely shelved the research. Wall Street Journal. New York, p. 1-1. 20 maio 2020. Disponível em: https://www.wsj.com/articles/facebook-knows-it-encourages-division-top-executives-nixed-solutions-11590507499. Acesso em: 11 nov. 2022.

MIT TECHNOLOGY REVIEW. [S. L.]: Mit, 05 out. 2018. Disponível em: https://www.technologyreview.com/2021/10/05/1036519/facebook-whistleblower-frances-haugen-algorithms/. Acesso em: 08 dez. 2022.

MOURA, Marco Aurelio. O discurso do ódio em redes sociais. Lura Editorial (Lura Editoração Eletrônica LTDA-ME), 2016.

NANDI, José Adelmo Becker. O COMBATE AO DISCURSO DE ÓDIO NAS REDES SOCIAIS. 2018. 58 f. TCC (Graduação) – Curso de Tecnologias da Informação e Comunicação, Universidade Federal de Santa Catarina, Araranguá, 2018.

STATISTA. Internet usage in Brazil – Statistics & Facts. 2022. Disponível em: https://www.statista.com/topics/2045/internet-usage-in-brazil/#topicOverview. Acesso em: 11 nov. 2022.

STEIN, Marluci; NODARI, Cristine Hermann; SALVAGNI, Julice. Disseminação do ódio nas mídias sociais: análise da atuação do social media. Interações (Campo Grande), v. 19, p. 43-59, 2018.

Observação: artigo desenvolvido na disciplina “Tecnologias Criativas” do Programa Extensionista Interdisciplinar “Tecnologias para a Vida” dos cursos de Ciência da Computação, Sistemas de Informação e Engenharia de Software da Ulbra Palmas.

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AlphaGo e a capacidade de uma IA de replicar a individualidade humana

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“AlphaGo é o primeiro programa de computador a derrotar um jogador Go humano profissional, o primeiro a derrotar um campeão mundial Go e é sem dúvida o jogador Go mais forte da história”[3]. Especula-se sobre quando as máquinas terão a capacidade de pensar por conta própria? Este questionamento vem mesmo que de forma muito discreta, carregado de um sentimento de assombro, pois não podemos imaginar como será o mundo quando isso acontecer, porém, o AlphaGo pode nos dar um vislumbre de como isto pode ser possível.

O jogo Go tem sua origem na china e pode ter sido criado há mais de 3.000 anos [3], em uma síntese, pode ser descrito assim:

Dois jogadores, usando pedras brancas ou pretas, se revezam colocando suas pedras em um tabuleiro. O objetivo é cercar e capturar as pedras do adversário ou criar estrategicamente espaços de território. Uma vez que todos os movimentos possíveis tenham sido executados, tanto as pedras no tabuleiro quanto os pontos vazios são computados. O maior número ganha [2].

Fonte: encurtador.com.br/fhJ16

O que torna este jogo um desafio para a IA é que as possibilidades são praticamente ilimitadas e cada jogada pode ir além de uma técnica ou estratégia, ela pode refletir o humor ou o sentimento do competidor, sua individualidade. Assim, poderia um computador ser capaz de construir sua própria individualidade? O AlphaGo utiliza redes neurais profundas [2] e formou seu estilo próprio (sua individualidade?) baseando-se em jogos de competidores amadores e profissionais, jogando milhares e milhares de vezes contra outros competidores assim como contra a si próprio.

Em nossa vida são nossas vivências na infância, em um dado  local ou em uma determinada comunidade, por exemplo, que definem quem nós somos,  por isso, mesmo que com formação e níveis de inteligência semelhantes, os jogadores humanos são diferenciados, fazem suas escolhas não apenas baseado na lógica, mas nas suas experiências.  A ideia de usar algoritmos de IA cada vez mais potentes no AlphaGo é torná-lo capaz de também tomar decisões nas experiências que formam suas redes e seus dados. Assim, por mais que seu código tenha sido programado por uma equipe de desenvolvedores extremamente competente, não foram eles que lhes disseram quais decisões deveriam tomar mediante cada partida, foram sua incontáveis experiências, acertos e erros que o fizeram ser capaz de derrotar o campeão mundial dez anos antes do que se esperava ser possível por um computador [2].

Fonte: encurtador.com.br/jBHM1

O fato de o software necessitar que alguém mova as peças fisicamente para ele talvez nos dê uma leve sensação de conforto ao saber que ele ainda precisa de um representante humano para concretizar suas ações, mas a implementação de um recurso como este é apenas questão de tempo. Contudo, os esforços em fazer o AlphaGo se tornar cada vez mais capacitado tem como fim auxiliar a humanidade [2] em questões onde a tomada de decisão correta pode significar a vida ou a morte de um paciente, por exemplo.

Por mais assustador que possa parecer ter um computador que pensa por conta própria e que é melhor que um humano nisso, somos nós quem os mantemos e  nos beneficiamos de seus feitos, de modo que as possibilidades de utilização de um software deste nível são inimagináveis, seja na área jurídica ou médica onde uma decisão baseada em experiência tende a ser mais assertiva. O AlphaGo pode ser muito mais que um jogador de tabuleiro e se tornar o avanço necessário para uma sociedade ainda mais desenvolvida.

REFERÊNCIAS:

[1] https://ai.plainenglish.io/how-deepminds-alphago-became-the-world-s-top-go-player-5b275e553d6a

[2] https://youtu.be/EfSWcJ_8Jqg

[2] https://www.deepmind.com/research/highlighted-research/alphago

Observação: artigo desenvolvido na disciplina “Tecnologias Criativas” do Programa Extensionista Interdisciplinar “Tecnologias para a Vida” dos cursos de Ciência da Computação, Sistemas de Informação e Engenharia de Software da Ulbra Palmas.

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