Do querer que há e do que não há em mim

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Enquanto eu pensava o que escrever sobre esse 8 de março de 2019, recebi uma mensagem de meu pai no grupo da família com um acróstico com a palavra Mulher. No M duas outras palavras: mãe e mestra.

Na mesma hora, entrei em um looping e as conexões foram construindo imagens mentais que percorreram da minha infância a idade adulta em frações de segundos.

Quando eu era criança queria ser uma super mulher. Talvez por isso Diana seja uma inspiração tão forte. Talvez também por isso eu já tenha sido Change Mermaid e She-Ra muitas vezes no carnaval.

As princesas não me encantavam. Eu nunca quis ser bailarina nem sonhei em me vestir de noiva. Por algum tempo, eu me perguntei o que tinha de esquisito com o meu feminino que me colocava ao lado dos bonecos do Comando em Ação no lugar de ninar um Meu Bebê da Estrela.

Não era fofa para ser considerada uma doce e feminina princesa, mas não rompia padrões femininos estéticos para ser considerada uma ogra. Não sei se você compreendeu a analogia mas nem era “menininha” nem “mulher-macho”. Em resumo, eu preferia azul, mas gostava de rosa e minha bicicleta era vermelha.

Fonte: https://goo.gl/mTYz9B

Quando eu me descobri grávida aos 16 anos, recebi uma ligação de meu pai após minha mãe ter contado a ele a bomba do final do século XX. Tivemos uma conversa muito franca e amorosa, ele me falou coisas muito importantes naquele dia e, especialmente, uma que martelou na minha cabeça e foi objeto de terapia por longos anos (talvez, ele nem lembre): “eu esperava que qualquer menina engravidasse, menos você. Você nunca quis ser mãe”.

Eu percorri minha infância enquanto ele falava isso e até hoje eu ouço mentalmente sua fala e revisito tudo novamente. Até aquele dia, não me lembro de ter tido esse tipo de conversa com meus pais: ter ou não ter filhos.

Desde o dia que meu pai me “lembrou” ao telefone que eu não queria ser mãe que eu tento resgatar em que momento da minha vida eu falei sobre isso tão claramente a ponto dele assimilar para si essa informação.

Bom, por muito tempo, eu repeti a máxima de que “nunca quis ser mãe, mas o universo me mandou dois filhos que eu amo”. Muito tempo mesmo. Inúmeras vezes eu refiz minha trajetória, desejos, planos compartilhados e nada de encontrar o momento em que verbalizei ou dei indícios de minha repulsa à maternidade. Posso estar completamente enganada, mas não o identifiquei.

Fonte: https://goo.gl/qZZA31

No entanto, acessei outras informações e desejos que sempre foram exaustivamente repetidos por mim. São justamente os terceiro, quarto e quinto parágrafos deste texto.

Na fase de dizer o que queria ser na vida adulta, estavam na minha lista: ser escritora, conhecer o mundo, estudar em grandes universidades e não ter um casamento. Era isso que eu repetia. Talvez por tudo isso se tenha internalizado: ela não quer ser mãe. Talvez por muito mais.

Uma garota que não falava sobre ter filhos associado ao fato de que preferia brincar com as Barbies profissionais (Barbies não eram mães naquela época), que dirigiam e moravam sozinhas, no lugar de fingir trocar fraldas do Meu Bebê enquanto empurrava-o num carrinho de boneca, “obviamente” não vai querer ser mãe.

E, ainda hoje, no século XXI, soa estranho para a tradicional família brasileira uma mulher que não deseje parir ou criar filhos. É como se mulher e maternidade fossem peças que, obrigatoriamente, se completam num jogo. Como se nossos corpos não nos pertencessem, mas estivessem determinados a parir. Como se no nosso destino estivesse definido a obrigatoriedade da maternidade. A tal lei natural.

Fonte: https://goo.gl/zPq1Yx

Por outro lado, se não tens o comportamento padrão de fragilidade, cuidado, pureza e abdicação associados romanticamente à maternidade, ela não pode lhe pertencer.

E parece ser assim em tantas frentes em que a personagem central do enredo é uma mulher. Os softwares padrões são instalados no nosso hardware ainda na infância e deletá-los é uma hercúlea tarefa.

Talvez por isso tudo, a frase do meu pai me marcou tanto naquele papo em março de 1999. Aquela conversa, de alguns minutos por telefone, foi um gatilho importante para mim, mas que só o reconheci como tal muito tempo depois. A partir daquele verão eu comecei a me perguntar de forma consciente: que mulher eu quero ser? Onde residirão meus sonhos? O que eu posso ser e fazer sendo uma jovem mulher mãe? Quais são meus limites? Como abraçar todos os meus desejos de liberdade com a maternidade? Que mulher eu sou mesmo?

Muitas experiências, vivências, aprendizagens, sessões de análise e terapia depois, fico pensando na mulher que me forjei dentro do universo em que cresci, das expectativas não atingidas e das boas e más surpresas que promovi no meu entorno.

Encontrei o feminismo conceitualmente nos anos 2000. Quando o conheci, as peças do meu quebra-cabeça foram se encaixando e eu fui, além de me reconhecendo nesse lugar, entendendo os meus não-lugares. E o mais importante: fui acreditando que eu podia ser e fazer muitas coisas, ainda que elas parecessem não combinar na perspectiva dos padrões e amarras sociais.

Fui entendendo meu lugar de vulnerabilidade enquanto mulher negra numa sociedade machista, racista e patriarcal, mas também meu poder de revolução interior e mobilização coletiva.

Fonte: https://goo.gl/yhXLAQ

Comecei a olhar para mim mesma, distinguindo o que era puramente meu e o que foi socialmente construído ao longo da minha vida. Fui compreendendo o que eu queria e gostava de verdade e aquilo que me foi ensinado socialmente a gostar.

Nessa caminhada, talvez eu tenha, durante muito tempo, tentado provar que eu podia ser e fazer tudo que eu sempre disse que queria sem excluir todas as outras vivências ainda não verbalizadas, mas que podiam surgir como desejo ou necessidade.

Esse caleidoscópio de experiências e percepções me fez reconhecer o dia de hoje como um dia de luta, ativismo e militância pelo direito de existir e ser o que queremos e podemos ser. De gritar, se preciso for, que é possível mudar e ser dona “do querer que há e do que não há em mim” e que podemos ser metamorfoses ambulantes, ter outros sonhos, escolhas e caminhos.

Você pode ser mulher e não querer ser mãe.
Você pode ser mulher e amar outra mulher.
Você pode ser mulher, ter cabelos curtos e odiar depilação.
Você pode ser mulher e adorar beber cerveja.
Você pode ser mulher e terminar uma relação afetiva.
Você pode ser mulher e detestar vestidos, saltos e maquiagem.
Você pode ser mulher e preferir jogar capoeira no lugar de aprender ballet.
Você pode ser mulher, falar pouco e não gostar de fofoca.
Você pode ser mulher, adorar viajar sozinha e transar no primeiro encontro.
Você pode ser mulher e odiar cozinhar.
Você pode ser mulher e adorar futebol.
Você pode ser mulher e dirigir com um homem no banco do carona.
Você pode ser, inclusive, o oposto disso tudo.
Você pode até repetir os padrões que nos ensinam.
Você pode. Nós podemos.

E não devemos ser violentadas ou mortas por podermos, querermos ou desejarmos.

Fonte: https://goo.gl/aj9rYS

Você e eu não podemos esquecer que milhares de mulheres acreditam que não é possível percorrer caminho diferente do que lhe foi desenhado. Não podemos esquecer que, diariamente, muitas são mortas e violentadas porque lhes dizem simplesmente que elas não podem querer, escolher, desejar…Apenas por sua condição de mulher.

Esse 8 de março existe para não esquecermos que muitas mulheres morreram e foram silenciadas para que pudéssemos hoje falar e ter direitos conquistados. A data é importante ainda para que reconheçamos que ainda há muito por trilhar e conquistar e lembrar que nossa contribuição ao mundo é fazer o mesmo pelas meninas que estão e chegarão nesse mundo desigual, misógino e machista.

Precisamos nos conectar com nós mesmas, com nossos femininos e feminismos. Não precisamos ser super-mulher nem sexo frágil. Mas se a gente quiser, a gente também pode. Contudo, é preciso ter consciência que é muito difícil distinguir o que é desejo do que é imposição social. É uma caminhada longa dura, por vezes solitária, mas necessária.

Continuemos na luta. Resistindo. Insistindo. Persistindo. E comemorando cada vitória pessoal e coletiva.

A mim, a você, a todas as

Marias, Luísas, Simones, Marielles, Evas, Joanas e Sabrinas, VIVA. Sigamos juntas até um 8 de março de igualdade e respeito reais e universais.

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As bruxas dos contos de fadas: aspectos sombrios da alma feminina

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Temos atualmente uma profusão de adaptações para o cinema de contos de fadas e todos eles voltados para um público mais adulto.

O que chama a atenção é que nessas produções a figura da bruxa ou madrasta ganha um grande destaque com atrizes consagradas. E no fim elas acabam sendo até mais interessantes que as mocinhas. No caso do filme Malévola, baseado no conto A Bela Adormecida, a fada desprezada se torna a protagonista do filme e assistimos toda a trama pelo olhar daquela que seria a “bruxa”.

Nos contos de fadas clássicos e famosos como Branca de Neve, Cinderela, Rapunzel e o citado Bela Adormecida temos sempre presente a figura da bruxa ou madrasta que persegue a bela jovem, se tornando um importante catalisador do processo de individuação da heroína.

Para compreendermos a bruxa é importante salientar que se trata de um arquétipo. A bruxa/madrasta representa uma faceta do arquétipo da Grande Mãe, e nele está inserida a bruxa ou madrasta (a mãe diabólica, terrível), a velha sábia e a deusa que representa a fertilidade, bondade e piedade (aspectos da mãe boa).

Infelizmente, esse é um aspecto negligenciado em nossa sociedade.

Em uma sociedade como a nossa, judaico-cristã, com uma forte base patriarcal não há uma imagem arquetípica da mulher. Marie Louise Von-Franz, em seu livro O Feminino nos Contos de Fadas, cita que Jung sempre dizia que a mulher não tem uma representante no “Parlamento de Cima”.

É evidente que o patriarcado trouxe muitos avanços em termos de cultura e tecnologia e foi extremamente necessário para o estabelecimento da ordem, das leis e para o desenvolvimento intelectual da humanidade. E com isso a deusa-mãe foi afastada durante certo tempo, acentuando e desenvolvendo o pólo masculino da psique masculina.

Entretanto a consciência quando persiste demais em um curso de ação, em uma situação que se torna ultrapassada os conteúdos reprimidos voltam a se “vingar” da atitude unilateral. A obstinação em um curso de ação acarreta a dissociação e a neurose.

Dessa forma, os aspectos femininos, tanto no homem – em relação à sua anima – quanto na mulher, ficaram negligenciados. Isso acarretou na mulher uma insegurança e uma incerteza em relação a sua essência. E no homem também uma insegurança em relação aos seus sentimentos. Hoje os homens também se sentem perdidos em relação a esse feminino não compreendido.

Ainda em O feminino nos contos de fadas, Von Franz aponta para o fato de que a Deusa-mãe ainda não fez a sua reaparição em uma filha humana, assim como temos um representante do Deus encarnado em um filho, Jesus.

Temos atualmente à devoção à Virgem Maria, mas essa figura surgiu acompanhada de varias restrições. A Deusa-mãe foi acolhida pela igreja católica, mas em uma forma purificada de sua sombra e de uma forma “adequada”.

Portanto o aspecto sombra da Deusa-mãe necessita fazer a sua reaparição e nossa sociedade. E a bruxa dos contos de fadas, simboliza justamente a Deusa-Mãe negligenciada, a Deusa da terra, ou seja, o feminino em seu aspecto destrutivo. Esses aspectos sombrios do feminino são: a inveja, a vingança, a sexualidade e o contato com a natureza.

Contudo, a bruxa é um aspecto extremamente necessário para o desenvolvimento psicológico e para o processo de individuação da mulher. Sem ela a heroína não sairia do lugar. Nos contos vemos que a sombra da boa mãe negligenciada é quem torna a heroína ou princesa tridimensional. A bruxa mostra o aspecto da mãe natureza. Se observarmos os animais, veremos que ela aparece com uma dose de maldade. Mas uma maldade positiva. As raposas, por exemplo, costumam morder os filhotes quando atingem certa idade, obrigando-o assim a assumir a sua liberdade.

A mãe que possui um instinto feminino saudável sabe que deve afastar o filho que se agarra demais a ela. Infelizmente hoje, esse instinto está doente e temos uma geração de mimados e filhinhos da mamãe que não assumem responsabilidade. Hoje esse tipo de comportamento é considerado imoral, a mãe “deve” ser boazinha e possuir uma piedade ilimitada – a imagem da Virgem Maria caridosa e que recebe todos os pecadores com seu manto.

Contudo é essa mãe terrível quem nos força a sair da zona de conforto. O ser humano sempre busca o prazer e o aconchego doa braços da boa mãe, e ele sempre tende a se tornar inerte nesse estado paradisíaco. Entretanto nesse estado, não há desenvolvimento. Sem a mãe terrível para nos expulsar do paraíso não progredimos.

Portanto, ao aceitar o desconforto, o sofrimento e as limitações impostas pela bruxa, podemos nos desenvolver em direção a uma totalidade, capaz de integrar o bom e o ruim, o agradável e o desagradável.

Referências:

VON FRANZ, M. L. O feminino nos contos de fada. Vozes. São Paulo: 2010.

VON FRANZ, M. L. A sombra e o mal nos contos de fada. 3 ed. Paulus. São Paulo: 2002.

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Ewá e o arquétipo da castidade

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Ewá ou Iyewa é uma divindade feminina reverenciada como a dona dos horizontes, da névoa e do cemitério. Filha de Nanã, seu nome significa mãezinha do caráter.

Ela também é um Orixá das águas, mais especificamente do rio Yewá, em lagos da Nigéria. Aparece em algumas lendas vivendo no cemitério com Iansã e Omulu, em outras na névoa e em outras com Oxumaré no arco-iris.

É representada por uma bela virgem. O próprio Xangô se apaixonou por ela, mas não conseguiu conquistá-la. Representa a castidade. Tudo o que é virgem e inexplorado contam com a proteção dela: a mata virgem, as moças virgens, rios e lagos onde não se pode nadar ou navegar. Entretanto, em algumas lendas é retratada como a esposa de Oxumaré, pertencendo a ela a faixa branca do arco-íris, em outras aparece como esposa de Obaluaiê.

Na verdade ela mantém fundamentos em comum com Oxumaré, inclusive dançam juntos, mas não fica claro em suas lendas se ela é a sua porção feminina, sua esposa ou filha. Mas juntos eles conduzem o arco íris e o ciclo da água.

Por se tratar de um Orixá pouco cultuado no país é muitas vezes identificada como uma Oxum guerreira, ou como Oxumaré fêmea, devido ao fato de também portar uma cobra.

Ewá também tem o poder da vidência, atributo que Orunmilá (com quem também já apareceu casada) lhe concedeu. É também a rainha do céu estrelado e dos cosmos, ou seja, do lugar onde o homem não alcança. Sua saudação é “Riró”!

 

Seus símbolos são o Ejô (cobra) a espada e o Ofá (lança ou arpão).Sua origem é um tanto controvertida. Alguns afirmam que tal como Oxumaré, Nanã, Omulúe Iroko, Ewá era cultuada inicialmente entre os Mahi, sendo assimilada pelos Iorubas e inserida em seu panteão.  Havia um Orixá feminino oriundo das correntes do Daomé chamado Dan. A força desse Orixá estava concentrada numa cobra que engolia a própria cauda, o que denota um sentido de perpétua continuidade da vida, pois o círculo nunca termina. Ewá teria o mesmo significado de Dan ou uma das suas metades – A outra seria Oxumaré.

Ewá enquanto deusa virgem e das florestas inexploradas pode ser comparada à grega Artemis e à romana Diana. Artemis, assim como Ewá também tinha uma intensa ligação com seu irmãoApolo. A ponto de ser a sua única relação significativa com um homem.

É importante, a partir desse ponto, analisar esse aspecto virgem da deusa.  Na Alquimia a prima-mater, a matéria prima é virgem, ou seja, é pura, mas que deve ser transformada pela Opus.

Em seu livro As deusas e a mulher, Jean Shinoda Bolen nos traz uma reflexão profunda sobre esse aspecto da virgindade. Ele é muito mais que não ser inviolada por um homem. É o aspecto de não pertencer ou ser “impenetrável” ao homem. É a mulher que não é afetada pela necessidade de um homem ou pela necessidade de ser aprovada por ele, que existe completamente separada dele, em seu próprio direito. Portanto, quando a mulher está vivendo um arquétipo de virgem, isso significa que um aspecto significativo seu é psicologicamente virginal, e não que ela seja fisicamente ou literalmente virgem.

Toda mulher carrega em si um aspecto de virgindade, mesmo que já seja casada e mãe. É o aspecto da prima mater que deseja ser fecundado para que possa gerar nova vida. É o aspecto onde a mulher é uma em si mesmo, onde não leva rótulos de esposa e mãe. O lado de sua personalidade que não foi afetado pelas expectativas coletivas sociais e culturais. É o seu trabalho criativo que deve ser fecundado por seu animus.

Mas esse aspecto, quando levado de uma forma muito radical, pode ser muito perigoso. A mulher pode se tornar alheia a relacionamentos, não se permitindo viver emoções e experiências transformadoras. Outro aspecto importante desse arquétipo, a ser explorado, e que também se liga ao tema da virgindade é o fato de Ewá ser o Orixá que transforma a água de seu estado liquido para o estado gasoso, gerando nuvens e chuvas.  Transformar a água do seu estado liquido para o gasoso remete a operação alquímica sublimatio.

A sublimação é um processo onde uma substância inferior se transforma em uma superior. Tudo o que se refere ao movimento para cima, como escadas, aviões, elevadores, etc, está diretamente ligado à sublimatio. Ou seja, o arco-íris inatingível, o céu, a névoa, campos de atuação de Ewá correspondem a essa operação alquímica.

 

Em Anatomia da Psique, Edinger, descreve essa operação alquímica como um se colocar a uma distância das emoções.

“A sublimatio é uma ascensão que nos eleva acima do emaranhado confinador da existência terrestre, imediata, e de suas particularidades concretas, pessoais. Quanto mais alto nos elevamos, tanto maior e mais ampla nossa perspectiva, mas, ao mesmo tempo, tanto mais distantes ficamos da vida real e tanto menor a nossa capacidade de agir sobre aquilo que percebemos.Tornam-nos expectadores magníficos, mas impotentes.”

Se colocar acima dos problemas, tomar distância nos ajuda a ter uma nova perspectiva sobre problema, mas também pode nos alienar dessas mesmas emoções. Esse arquétipo, representado por Ewá, não se altera por suas experiências com os outros. Nunca é dominada por suas emoções, nem por outros. É invulnerável ao sofrimento, intocáveis nos relacionamentos, sendo, portanto, inacessíveis a transformações.

Outro aspecto importante desse arquétipo é narrado em uma de suas lendas. Na qual Ewá era filha de Obatalá, e o amor de seu pai por ela era muito estranho, fazendo-a viver em seu castelo como se estivesse em uma clausura. A fama da beleza e da castidade da princesa chegou a todas as partes, inclusive ao reino de Xangô. Mulherengo, Xangô planejou seduzir Ewá, empregando-se como jardineiro no palácio de Obatalá. Um dia Ewá apareceu na janela e admirou a beleza de Xangô. Não se tem notícia de como Ewá se entregou a Xangô, no entanto, arrependida de seu ato, pediu ao pai que lhe enviasse a um lugar onde nenhum homem lhe enxergasse. Obatalá deu-lhe o reino dos mortos. Desde então é Ewá quem, no cemitério, entrega a Oyá os cadáveres que Obaluaiê conduz para que Orisá-Okô os coma.

Algumas versões desse mesmo mito, narram que Ewá se decepcionou com Xangô indo viver no cemitério. Indo morar no cemitério, Ewá se torna morta para qualquer atividade afetiva. Essa é uma das características da mulher dominada pelo animus. A possessão pelo animus, ao contrario da anima, leva a mulher à morte. A morte de sua criatividade, de sua capacidade de se relacionar e amar.

Diferentemente de Oyá, que mesmo sendo a senhora dos mortos mantinha relacionamentos e era sexualmente ativa. Para finalizar, esse arquétipo, quando constelado, pode nos ajudar a nos distanciar dos problemas e das emoções intensas, de forma a garantir que possamos ver a situação como um todo e tomarmos uma decisão mais acetada.

Ele também representa nosso aspecto virginal, puro, nossa prima-mater, que guardamos em nosso íntimo e que não deve se submeter às convenções sociais. Mas para nosso desenvolvimento pessoal, nosso processo de individuação deve se abrir para a Opus, deve se abrir à fecundação, para que possa gerar novos frutos e nos transformar.

REFERÊNCIAS

BARCELLOS, M. C. Os orixás e a personalidade humana. Rio de Janeiro: Pallas, 2010.

JUNG, C. Os Arquétipos e o inconsciente coletivo. 2 ed. Petrópolis, RJ, Vozes 2002.

VERGER, P. F. Orixás. Círculo do Livro.

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