Amnésia: uma vida sem futuro

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Todo fã de filmes “cult” já assistiu ou ouviu falar do clássico Amnésia (Memento), lançado em 2001, uma obra cinematográfica dirigida por Christopher Nolan. O filme tem como história central a vida de Leonard Shelby (Guy Pearce), um Investigador de uma Companhia de Seguros que fora vítima de um assalto onde acabou perdendo sua esposa e sofrendo um traumatismo em seu cérebro que acabou lhe causando a chamada amnésia anterógrada, situação que lhe impede de criar novas memórias após o evento traumático.

Apesar da sua condição, Leonard desenvolve um método próprio para recordar dos eventos recentes. Ele faz anotações importantes em seu corpo, além de viver tirando fotografias com anotações para poder se recordar das coisas que sua memória não armazena.

A obra trata a história de forma bastante interessante, onde os momentos são divididos em preto e branco e outros coloridos. Os eventos em preto e branco são imediatamente após o acidente, ou seja, o passado do personagem, já os eventos coloridos começam com o desfecho da história e vão sendo retroagidos até se conectarem com o passado.

Leonard procura o algoz de sua esposa, por essa razão, dada a importância desta missão, ele tatuou em seu corpo todas as principais informações que possuía sobre o caso. Como ele próprio diz, as lembranças não são confiáveis, podem ser modificadas, os fatos são reais e imutáveis. E assim ele vai, dia após dia, buscando o máximo de informações possíveis para garantir a vingança de sua amada esposa.

Fonte: encurtador.com.br/qzH39

A ideia de memorizar as informações se dá por conta de um caso em que Leonard trabalhou como investigador, o caso o Sr. Sammy Jankis (Stephen Tobolowsky), que sofrera um acidente e acabou se tornando incapaz de armazenar qualquer informação por um período não superior a alguns minutos.

A condição mental do Leonard, como é visível no filme, não prejudicou seu discernimento, tampouco suas capacidades de deduções e interpretações das situações que experimenta. Além disso, Leonard desenvolveu uma incrível capacidade de criar novos hábitos, repetindo sempre determinados movimentos para que assim possa se guiar com a sua nova condição física.

A trama do filme, que apesar de antigo, não será tão facilmente entregue, se dá em uma confusão de histórias que o personagem tem com a do caso Sammy, como dito memórias não são confiáveis, os fatos são.

Casos de amnésia anterógrada, apesar de incomuns, ocorrem por todo o globo, pessoas que sequer lembram-se de ter tomado banho ou escovado os dentes, mesmo tendo acabado de fazê-lo. Sammy, a pessoa que Leonard tanto falava, acabou não conseguindo o seguro que deseja da empresa de Lenny. O caso de Sammy é extremamente importante para o desfecho da história.

Fonte: encurtador.com.br/przE6

Leonard toda vez narrava que Sammy sofrera um acidente de carro com sua esposa e por esta razão acabara perdendo a capacidade de armazenar novas memórias, com isto, Lenny sempre dizia que submeteu Sammy a diversos testes e, pois, acreditava que com as repetições de algumas situações, Sammy começaria a mudar suas escolhas e hábitos (este ponto é evidente quando ocorre a eletrificação de objetos que Sammy devia escolher).

No final, Leonard encerra essa história dizendo que negou o pedido de Sammy em razão dos problemas sofridos por estes eram da esfera psicológica e não estaria protegido pelo seguro. O fim da vida de Sammy é de que, uma vez, sua esposa querendo testar realmente sua memória, pediu para que ele aplicasse duas doses de insulina em um único dia, o que acabou levando-a a óbito.

O filme guarda grandes reviravoltas que até hoje são incríveis de se assistir e tentar compreender a complexidade da obra, dado que o fato da amnésia ser o epicentro de tudo, isso acaba ofuscando outras condições que o personagem possa vir a carregar consigo.

O filme apresenta que, apesar de tudo, Leonard só conseguirá se lembrar das coisas que anota, ou seja, mesmo que tivesse sua vendeta, somente saberia se tivesse um registro disso. Esse fato é comprovado em dois momentos cruciais.

Fonte: encurtador.com.br/lAKR5

Em determinado momento, Leonard tem uma discussão pesada com Natalie (Carrie-Anne Moss) que esconde todas as canetas disponíveis na casa e após ofende Leonard de todas as formas possíveis, inclusive sua falecida esposa. Leonard perde o controle e acaba agredindo Natalie e ela sai do recinto por alguns momentos – tempo suficiente para a memória de Leonard ser “resetada”.

Após isto, Natalie entra novamente na casa e cria uma nova história e, dada a condição de Leonard este acaba acreditando em sua palavra.

Um ponto interessante sobre a trama é que Leonard nunca diz há quanto tempo perdera sua esposa, ou apresenta maiores fatos sobre o episódio, somente se agarra um desejo insaciável de vingança que nunca será suprida.

Outro momento em que é perceptível que Leonard não possui a capacidade de armazenar memória é no último ato do filme (que também é o primeiro). Lenny discute calorosamente com Teddy, seu amigo policial que, desde o começo do filme, é apresentado para o público como o principal suspeito da morte de sua esposa.

No momento dessa briga, Leonard havia acabado de matar um traficante de drogas, achando que este era o seu alvo, Jimmy (Larry Holden), porém, quando Teddy lhe conta a dura verdade sobre seu caso e condição e a morte de sua esposa, Leonard não acredita nele e constrói uma nova narrativa pois estava ciente que no momento seguinte não recordaria de mais nada e “poderia” confiar nos fatos que havia registrado.

Por fim, mesmo sem ter conhecimento, Leonard acaba matando Teddy, cena apresentada no primeiro ato, achando ter conseguido alcançar sua vingança. É impressionante a forma que a amnésia anterógrada é abordada, a riqueza de detalhes comportamentais de uma pessoa vítima desta condição é fidedignamente representada.

Os aspectos jurídicos da conduta de Leonard são outro assunto, mas, fica a questão, ao manipular sua própria memória, Leonard apresentou um comportamento narcisista e homicida, sedento de vingança e que nunca estaria realmente satisfeito com a verdade pura e simples como alegava estar.

Ficha Técnica

Título: Memento (Original)

Ano produção: 2001

Dirigido por: Christopher Nolan

Duração: 116 minutos

Classificação: 16 anos

Gênero: Mistério – Filmes Noir – Suspense

País de Origem: Estados Unidos da América

REFERÊNCIAS

OLIVEIRA, Analucy Aury Vieira De. Perfil neuropisológico de uma amostra de voluntários sadios e de idosos e diagnosticados com a doença de alzheimer em Palmas-TO. 2012. Universidade de Brasilia. Disponível em <https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/11233/1/2012_AnalucyAuryVieiradeOliveira.pdf> acesso em 25 mar 2022.

OLIVEIRA, Maria Gabriela Menezes; BUENO, Orlando F. A.. Neuropsicologia da memória humana. Psicol. USP,  São Paulo ,  v. 4, n. 1-2, p. 117-138,   1993 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-51771993000100006&lng=pt&nrm=iso>. acesso em  25  mar.  2022.

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Steven Spielberg: o rei dos clássicos

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Você tem alguma lembrança na qual todo mundo se reuniu em casa para assistir filme? Já passou alguma tarde em frente à TV assistindo aquele filme que todo mundo conhece? Se você respondeu sim para alguma dessas perguntas, provavelmente um desses filmes foi dirigido por Steven Spielberg.

O aclamado diretor tem vitórias variadas em seu cartel, desde blockbusters com efeitos visuais avançados como Jurassic Park: o parque dos dinossauros (1993), Tubarão (1975), Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977), Guerra dos Mundos (2005) e a franquia Indiana Jones; a filmes que captam a essência das fantasias da infância como E.T. – o extraterrestre (1982), A. I. – inteligência artificial, Super 8 (2011), As Aventuras de Tintin (2011) e O Bom Gigante Amigo (2016); além dos tocantes dramas com tensões penetrantes como A Cor Púrpura (1985), A Lista de Schindler (1993), O Resgate do Soldado Ryan (1998), O Terminal (2004),  e Cavalo de Guerra (2011).

E agora, lembrou de algum?

Fonte: https://gph.is/2nRBm75

Um talento precoce

Steven Allan Spielberg nasceu no dia 18 de dezembro de 1946 em Cincinnati, no estado de Ohio nos Estados Unidos, filho dos pais judeus Leah Posner Spielberg Adler e Arnold Spielberg. Após a separação de seus pais, Steven ainda criança foi morar na Califórnia com um casal de amigos da família, enquanto suas irmãs Anne e Nancy ficaram no Arizona com sua mãe. Por ser de família judaica, Steven sofria preconceito, apesar de ser um aluno aplicado.

Ganhou sua primeira câmera com 12 anos de idade, e fez seu primeiro longa aos 16. Aos 19 iniciou o curso de Cinema na Universidade da Califórnia, sendo que aos 22 anos teve sua estréia profissional com o curta Amblin, que foi exibido no Festival de Filmes de Atlanta e premiado no renomado Festival de Veneza. O curta abriu as portas da Universal Studios para Spielberg, que passou a dirigir vários filmes para a TV, entre eles o thriller Encurralado (1971), onde um motorista em uma rodovia é perseguido por um caminhão fantasmagórico. O filme foi tão aclamado pela crítica que foi lançado também para cinema.

Fonte: https://bit.ly/2PqdGn2

Grandes monstros, grandes fortunas

Em 1975, Steven dirigiu o filme que pode ser considerado o pai dos blockbusters: Tubarão. Além de ter sido o pioneiro em uma temática que virou um subgênero do cinema, que são as franquias de monstros marinhos (Sharknado, Piranha, Orca – a baleia assassina, Círculo de Fogo), Tubarão faturou mais de 100 milhões de dólares e virou uma febre mundial, atraindo os grandes estúdios para as superproduções de verão, com grandes investimentos em marketing e efeitos especiais. Essa tendência do cinema americano só cresceu se tornando a tônica dos maiores lançamentos até os dias atuais. Um belo exemplo é o filme de 2015 “Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros”. Continuação de uma franquia iniciada pelo próprio Steven em 1993 e atualmente dirigida por Colin Trevorrow, a película arrecadou cerca de 1,7 bilhão de dólares, e ocupa atualmente a 4° posição entre as maiores arrecadações mundiais.

Fonte: https://bit.ly/2BuD1Jm

Após o lançamento de Tubarão, vieram os bem sucedidos Contatos Imediatos de Terceiro Grau, Os Caçadores da Arca Perdida e os três primeiros Indiana Jones. Porém, sua consagração como um dos maiores diretores da história veio com o lançamento do filme que é considerado por muitos sua obra prima: E.T. – O Extraterrestre, que ano de 1982 arrecadou cerca de 793 milhões de dólares somente na bilheteria.

Mas nem só de monstros vive o diretor. Em 1993, apesar do primeiro Jurassic Park ter a maior bilheteria da década, o filme “A Lista de Schindler” foi aclamado pela crítica por sua sensibilidade ao retratar o sofrimento dos judeus na Segunda Guerra Mundial. Em partes, “A Lista de Schindler” foi um projeto pessoal do diretor, retratando o cruel passado do povo do qual descendeu, projeto esse que lhe rendeu sua primeira estatueta do Oscar como Melhor Diretor.

Criatividade sem limites

Como humanos, tendemos a simplificar ideias. Um exemplo: é fácil pensar que um filme com o tubarão gigante, um dinossauro gigante ou um alienígena gigante tem o potencial de causar medo ou desconforto, ainda que atualmente seja mais curiosidade pela megalomania. Mas na década de 70, quando as pessoas tinham contato com esses conteúdos pela primeira vez, ocorria uma overdose de sentimentos novos, uma verdadeira ressignificação no contato com o cinema. Isso é comprovado pelos valores cataclísmicos de bilheteria. Mas, pense. Esses temas levam pessoas ao cinema até hoje. Muitas pessoas.

Fonte: https://bit.ly/2nUjF6I

Para cada franquia inacabável que lança filmes cada vez piores (parem de lançar Star War’s e Jurassic Word’s, por favor), existiu um filme inovador que causou um sentimento inédito, e atrás desse filme existiu um diretor que transmitiu através da sua criatividade, algo novo. Para Ostrower (1977), criar é dar formar algo novo, sendo esse “novo” as coerências para a mente humana. O criador possui desse modo, a capacidade de compreender as relações, configurações e significados. Ele é capaz de conectar múltiplos eventos dentro e fora de si, configurando sua experiência de viver em um significado para suas perguntas e respostas (OSTROWER, 1977).

Apesar de a criatividade ser algo inerente à condição humana, em vários momentos de sua história, Spielberg compreendeu as coerências da mente humana e as usou em seus filmes, mas também criando algo totalmente novo, que naquele zeitgeist era inusitado. Portanto, a nomeação de clássico não deve ser confundido com velho, uma vez que os filmes de Spielberg lançaram modelos para os gêneros dos quais fazem parte. Os demais diretores e roteiristas o usaram muitas vezes como referência. O seguiram e o tornaram ainda mais influente, como os vassalos fariam a um rei.

Uma criação, contudo, não se origina de um Big Bang, não vem do nada. Como pontua Ostrower (1977), nós somos o ponto focal de referência da nossa própria criatividade, pois ao relacionar fenômenos nos os vinculamos a nós mesmos, nos orientando de acordo com expectativas, desejos, medo e atitudes de ordem interior. E é nessa busca de ordenação se encontra a motivação de criar.

Steven não teve uma infância tranquila, foi separado de sua família original, de suas irmãs, as quais eram as primeiras atrizes de seus filmes amadores. Sofreu preconceito dos próprios vizinhos por ser judeu. Para Fromm (2000), um dos meios para a superação parcial da ansiedade de separação é a atividade criativa, nela o trabalhador e o objeto tornam-se um, o criador une-se a sua criação que representa o mundo fora dele.

“Mamãe.”
Fonte: https://plbz.it/2vYiYxZ

“A percepção de si mesmo dentro do agir é um aspecto relevante que distingue a criatividade humana” (OSTROWER, 1977, p.2). O agir para Spielberg foi transformar seus filmes em partes, em uma representação de si. A missão de seus protagonistas é quase sempre vencer um desafio, um grande desafio.

Talvez, o expectador sente-se repetidamente na sala de cinema para ver mais um de seus filmes, porque ele próprio tem de se sentir capaz de enfrentar monstros, desvendar mistérios, ajudar alguém que precisa, ainda que você seja apenas uma criança.

Fonte: https://bit.ly/2NSZ3XD

REFERÊNCIAS:

FROMM, Erich; ROSENBLATT, Noemi. El arte de amar. São Paulo – SP: Martins Fontes, 2000.

OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. 1978.

 

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