Dinheiro: problema ou solução?

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A vida financeira é sempre uma preocupação no universo dos adultos, em especial, quando os compromissos não são efetuados com as instituições financeiras, e precisa socorrer a empréstimos para efetuar a dívida. O tão conhecido efeito bola de neve, onde, o indivíduo não consegui honrar com suas obrigações financeiras, e vive no vermelho.  Esse desequilíbrio em pagar contas está relacionado com à falta de saúde emocional, a qual prejudica o seu relacionamento com o dinheiro, bem como muitas noites sem sono.

Nesse contexto, Botelho (2002) explica que nos grandes centros o comportamento de certos indivíduos diante da carência efetiva, tristeza, solidão, estresse e simples tédio, vão as compras. Segundo ele, a sociedade é influenciada pelas propagandas veiculadas pelos meios de comunicação, de forma massiva.  E, diante disso, “são influenciadas por estímulos culturais e ambientais”, com o objetivo de manter um status social determinado pelos veículos, atualmente pelas redes sociais, por meio dos digitais influencers em seus perfis.

Por outro lado, Almeida, Cavalcante, Santos e Castro (2010) explicam que a compulsão por compras, relacionada aos problemas financeiros de muitas pessoas, é uma forma de aliviar o estresse emocional provocado pelas obrigações do dia a dia. Ou seja, a compra traz uma fuga, mesmo que momentânea para as preocupações do cotidiano. De acordo com os autores supracitados “O consumismo é uma patologia que trará problemas futuros” fazendo com que a pessoa consuma sem necessidade de ter o objeto como uso diário, sendo que, “dentre os vários tipos de compulsões, podemos considerar o ato de comprar compulsivamente, o acumular, guardar ou colecionar coisas inúteis”.

Nesse aspecto, Skinner (1987) reforça que o consumismo sem consciência traz problemas drásticos a longo prazo, como o acúmulo de dívidas. Segundo ele, isso ocorre porque o indivíduo sente-se recompensado quando compra algo, mesmo sabendo que irá ter uma obrigação financeira a pagar pela frente.  Mesmo com dívidas, o “efeito agradável da compra” fala mais alto e reforça esse tipo de comportamento compulsivo, que tende a se reforçar a cada ida ao shopping para comprar algo que não precisa.

Fonte: Imagem por jcomp no Freepik

Outros aspectos relacionados aos problemas financeiros foram os ocasionados pela pandemia da Covid-19, que deixou muitas famílias desempregadas, e afetou ainda mais o emocional dos gastadores compulsivos. De acordo com, Silva et al. (2020), o isolamento social prejudicou 35% da renda das famílias brasileiras, em especial, àquelas com baixa renda e escolaridade. “Os impactos do isolamento se refletem nos diversos segmentos da sociedade, seja em função da renda, sexo, escolaridade, condições de habitação. também revelaram. As populações mais pobres já estão sofrendo um impacto maior do isolamento, especialmente em relação à renda”. Silva et al. (2020).

Conforme a Associação de Psicologia dos Estados Unidos (APA) (2020), o dinheiro está entre os principais motivos do aumento do estresse da sociedade, de uma forma em geral. A pesquisa aponta que 30% dos provedores de lares se preocupam em ter dinheiro suficiente para sustentar a família, em especial, com os filhos, no período escolar, além disso, os problemas de cunho financeiro podem afetar a saúde física e emocional do ser humano. Ademais, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a pandemia da Covid 19, deixou muitas pessoas desempregadas, em todos os quatros cantos do mundo.

Nesse sentido, a educação financeira precisa ser mais discutida e colocada em prática em momentos de crises, como foi o caso da pandemia que afetou o bolso de muitas pessoas, e em casos mais críticos deixou muitas famílias passando fome. Savaio, Sato e Santana (2007) destacam que “a educação financeira é fundamental na sociedade brasileira contemporânea, visto que influencia diretamente as decisões econômicas dos indivíduos e das famílias” sendo preciso aumentar a visão sobre o assunto e “discutir os paradigmas que surgem da inserção da educação financeira no contexto político”.

A educação financeira precisa ser ensinada desde criança no sentindo de controlar os gastos, e pagar as dívidas. No entanto, quando os problemas financeiros estão relacionados ao emocional, é preciso procurar ajuda profissional para tentar entender os motivos do comportamento compulsivo em gastar com coisas desnecessárias. Ademais, a educação financeira tem como consequência uma qualidade de vida melhor, por isso é necessária sua expansão na mentalidade de cada um.  Se os seus gastos têm sido uma dor de cabeça diariamente, entre em contato com um psicólogo, assim, sua saúde emocional e financeira estará em uma melhor sintonia.

 

Fonte: Freepik

Referências

Almeida, I; Cavalcante, P Santos, G e Castro, L (2010). TOC e o consumismo na contemporaneidade Disponível em <https://www.psicologia.pt/artigos/textos/TL0223.pdf> Acesso 16, de nov, de 2021.

Associação de Psicologia dos Estados Unidos (APA) (2020). Disponível em <https://www.apa.org/topics/money>  Acesso 16, de nov, de 2021.

Silva, Bezerra, Soares e Silva(2020). Fatores associados ao comportamento da população durante o isolamento social na pandemia de COVID-19. Disponível em <https://www.scielosp.org/pdf/csc/2020.v25suppl1/2411-2421/pt> Acesso 16, de nov, de 2021.

Botelho, Maurício Lima. Contribuições da crítica da economia política para a problematização do consumismo moderno. (2002).

Savio, Sato e Santana (2007) Paradigmas da educação financeira no Brasil. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rap/a/XhqxBt4Cr9FLctVvzh8gLPb/?format=pdf&lang=pt> Acesso 16, de nov, de 2021.

Skinner, Frederic. Ciência e Comportamento Humano (1987).

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As origens da família moderna e a Geração Canguru

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O capítulo “As Origens da Família Moderna”, do livro de Jonas Melman, “Família e Doença Mental – repensando a relação entre profissionais de saúde e familiares”, discorre sobre o processo histórico que resultou na constituição da família moderna da forma como se configura nos dias atuais. A obra aborda a temática das transformações sociais ocorridas desde o final da Idade Média até a atualidade e aponta como esses acontecimentos sociais influenciaram e condicionaram as mudanças ocorridas na estrutura da organização familiar ao longo dos séculos.

Busca compreender como as mudanças na estrutura da sociedade influenciam na estrutura e dinâmica do grupo familiar, detendo-se em aspectos como criação dos filhos, afetividade, ambiente familiar, separação entre vida profissional, vida privada e vida social, educação escolar, dentre outros.

De acordo com o autor, a estrutura familiar, centrada na afeição e na intensificação das relações entre pais e filhos é uma invenção recente na história do homem ocidental (MELMAN, 2001, p. 39). Ele toma como exemplo a sociedade medieval, que não dispunha de condições propícias para construir essa noção de privacidade e intimidade que temos hoje, por conta da forma como os indivíduos se relacionavam com o espaço familiar.

Além de conviverem pessoas alheias ao núcleo familiar, como servidores e criados, a família se agrupava em grandes casas onde se reuniam amigos, religiosos, clientes e visitantes. E essa condição não dependia de classe econômica. Enquanto nos grandes casarões conviviam dezenas de pessoas, nas casas das pessoas mais pobres, pequenas e menos habitadas, a situação era a mesma, não havia espaço para o isolamento em ambientes privados.

Outro aspecto importante diz respeito à educação da criança. A transmissão de saberes e valores não era responsabilidade da família. Geralmente ao completar sete anos de idade, esta ia residir com outra família que ficava responsável pela sua socialização, onde tinham obrigações, realizavam trabalhos domésticos e eram tratados como aprendizes.

Dessa forma, desde muito cedo a criança se tornava independente da própria família, embora muitas vezes a ela retornasse. Nessas condições, não se alimentava um sentimento profundo entre pais e filhos, ao contrário, a família representava mais uma responsabilidade moral e social, destinada à transmissão dos bens e do nome.

Fonte: encurtador.com.br/vOVW7

O estudo mostra como se deu essa passagem da família medieval para a família moderna, construindo-se um novo modelo de família em que a escola passa a ser o principal meio de iniciação social da criança, desde a infância até a fase adulta. Gradativamente, com o aumento do número de instituições de ensino, a partir do século 18, a escola vai se estendendo aos diversos setores da sociedade. Ao mesmo tempo, impõe sua autoridade moral e passa a adotar um sistema disciplinar cada vez mais rigoroso.

Esse movimento vem acompanhado de modificações também no ambiente familiar, que vai perdendo seu aspecto de espaço aberto à visitação pública e passa ter uma fisionomia de espaço privado, reservado à segurança, intimidade e privacidade dos seus membros. A partir do final do século 19, a configuração da família vai se modificando, sendo raras as famílias mais abastadas que viviam como as famílias medievais, afastando as crianças da casa dos pais como processo de formação.

Após estudarmos um pouco mais sobre a história das origens da família, nos questionamos a forma como vivem hoje as famílias modernas, em que há um excesso de proteção por parte dos pais e até que ponto essa forma de educação contribui para a ampliação de experiências, para o alcance da autonomia da criança/jovem e sua preparação para a vida.

Temos observado com frequência, famílias em que os filhos entre 25 e 34 anos têm adiado a saída da casa dos pais, uma tendência em ascensão no Brasil. Atualmente, apenas um de cada cinco jovens nessa faixa etária já conquistou sua independência e autonomia. Há pouco mais de 10 anos, a proporção era maior, quando um de cada quatro jovens entre 25 e 34 anos eram independentes. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ainda destaca que a maioria dos jovens da Geração Canguru é composta por homens (60,2%).

Fonte: encurtador.com.br/vCEJO

Ou seja, o que era um processo natural há alguns anos – buscar a independência pessoal, seguir o próprio caminho – vem mudando gradualmente e dando origem a uma nova perspectiva. A lógica de caminhar com as próprias pernas tem ficado para trás, e vem dando espaço à chamada “Geração Canguru”.

Muitos fatores podem estar por trás do crescimento desse fenômeno no Brasil, que já foi registrado em outros países. O primeiro é financeiro. O aumento do custo de vida, principalmente nas grandes cidades, faz com que os jovens acabem morando por mais tempo na casa dos pais.

O segundo motivo que pode incentivar o crescimento da Geração Canguru é o receio de colocar em risco questões emocionais importantes, como a autoestima e a autoconfiança. Ou seja, possivelmente pela falta de oportunidades propiciadas ao longo da vida, o jovem/adulto não se sente preparado para enfrentar uma vida independente sem a proteção dos pais.

Daí a importância de questionar até onde é válida a educação nos moldes da família contemporânea, pois alimentar essa relação de dependência pode prejudicar não somente o amadurecimento dos jovens, mas ser prejudicial para toda família.

Referência

MELMAN,  J.  As origens da família moderna. In: Família e Doença Mental, repensando a relação entre profissionais de saúde e familiares. São Paulo: Escrituras Editora, 2001. p. 39-54.

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Em “La Casa de Papel” ladrões roubam o bem mais importante: o Tempo

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Diante de toda uma geração que vive sob o impacto do desemprego e da perda de direitos sociais desde o crash financeiro internacional de 2008,  a Espanha vem produzindo uma série de filmes que pensa essa condição. O mais recente é a série para TV “La Casa de Papel” (2017-), disponível no Netflix, que reflete a perplexidade de todos diante da natureza dessa crise: como conformar-se com bancos, agentes financeiros e especuladores capazes de fabricar, sem limites, o próprio dinheiro enquanto o restante da sociedade sofre as consequências? Um grupo de ladrões trajando macacões vermelhos e com máscaras do Salvador Dalí invade a Casa da Moeda da Espanha, liderado por alguém cujo codinome é “Professor”. Eles não vieram roubar, mas fabricar seu próprio dinheiro com a ajuda dos próprios reféns. Mas o “Professor” terá que roubar um bem menos tangível e muito mais importante: roubar o tempo do Governo, da Polícia e da grande mídia. Quais as conexões entre um sistema monetário-financeiro sem lastro e o controle do Tempo?

Se a sociabilidade é uma ficção necessária para que não retornemos à natureza, talvez o dinheiro seja a instituição social mais cercada de simbolismos, relações fetichistas, mágicas e religiosas, muitas vezes travestidas por conceitos da chamada “ciência econômica”. Paradoxalmente, porém, a crença que sustenta essa instituição é de cunho moral: o dinheiro conquistado é sempre fruto do nosso trabalho e merecimento, nas suas diversas formas como espécie, crédito, débito eletrônico etc. Mas, principalmente, a crença na sua intercambialidade, remuneração, valor, lastro, riqueza e assim por diante.

As sucessivas crises financeiras desde os anos 1990 (México, mercados asiáticos etc.) até chegar ao crash de 2008 e a subsequente crise do Euro que repercute até hoje, abriram fissuras na credibilidade do sistema financeiro: como conformar-se com bancos, agentes financeiros e especuladores capazes de fabricar, sem limites, o próprio dinheiro? Como entender que a moeda de referência mundial, o dólar, é arbitrariamente impressa pelos EUA e sem lastro desde 1971 quando Nixon rasgou o Acordo de Breton Woods?

Diante disso, a Espanha, um dos países europeus mais atingidos pelo crash financeiro com taxas de desemprego que chegaram a 30%, produziu nos últimos anos uma série de filmes que reflete todas essas questões: Hermosa Juventude (2014), 5 Metros Cuadrados (2011), La Chispa de la Vida (2011), El Mundo es Nuestro (2012) e Terrados (2011) são uma pequena amostra de como o cinema espanhol descreve o desemprego, a falta de perspectivas de toda uma geração e a perda dos direitos sociais.

Quem é bom? Quem é mau?

A série do canal espanhol Antena 3, La Casa de Papel (2017-) não é apenas mais um produto audiovisual que reflete esses tempos. É a mais contundente narrativa sobre um momento histórico no qual a linha que separa o bom dos maus desapareceu: como pensar a ilegalidade dos pequenos golpistas e falsários quando o próprio sistema global se funda na fabricação arbitrária de papéis, títulos, moeda e crédito? E mais: com as bênçãos de governos e grandes agências classificadores de risco como Moody’s, Standard & Pool e Fitch. Então, de que adianta pensar em um pequeno golpe como no filme argentino Nove Rainhas (2000) se poderíamos dar um grande golpe explorando as fraquezas das três entidades que ajudam a manter a ordem das coisas: governo, polícia e grande mídia.

Todas essas questões surgem na mente maquiavélica de um personagem chamado “O Professor” que tem a brilhante ideia de invadir a Casa da Moeda da Espanha com a intenção de fechar-se lá dentro e imprimir mais de dois bilhões de euros – sem matar ninguém ou roubar dinheiro dos contribuintes. Apenas fabricar o próprio dinheiro. Para isso recruta oito ladrões, de acordo com sua especialidade, que aceitam participar do maior roubo da História. Junto com o grupo recrutado, durante cinco meses o Professor planejou milimetricamente cada etapa da operação para que nada fosse deixado ao acaso. O único problema é que necessitarão de 11 dias dentro do edifício, junto com os reféns, para imprimir o dinheiro, procurar uma saída e fugir com o produto do roubo impossível de ser rastreado.

La Casa de Papel propõe uma curiosa questão: se os ladrões querem apenas roubar papel (sem lastro efetivo, assim como todos os títulos e papéis especulados no sistema financeiro global) o quê na verdade estão roubando? Resposta: o Tempo. Roubando o tempo da polícia, do Governo e da grande mídia, para distraí-los, enquanto imprimem bilhões de euros.

A questão que a série suscita é essa: seria o Tempo aquilo que o sistema nos rouba para manter toda essa ficção necessária para manter a sociabilidade?

A Série

Tudo começa quando um grupo trajando macacões vermelhos e máscaras de Salvador Dalí, fortemente armados com escopetas russas, invadem a Casa da Moeda e toma todos os funcionários de refém. Incluindo um grupo de um colégio de elite que fazia uma visita escolar monitorada. E o detalhe. Entre os alunos, o trunfo mais importante para o assalto: a filha de um diplomata da embaixada da Inglaterra na Espanha.

O grupo está determinado e todos os passos parecem que foram detalhadamente planejados: pedem a senha do cofre e começam a encher sacolas com o dinheiro. O desfecho parece previsível – fugirão antes que o alarme dispare. Mas algo estranho ocorre diante dos perplexos funcionários: os próprios assaltantes disparam o alarme e ficam parados, ao lado dos sacos de dinheiro, diante da porta à espera da chegada dos policiais. Que são recebidos à bala, enquanto o grupo sela todas as entradas do edifício. Para a Polícia e a mídia, parece que os assaltantes foram pegos de surpresa e estão desesperados e escudados por reféns. Mas tudo faz parte de um ardiloso plano criado pelo Professor (Álvaro Morte), planejado e treinado intensamente por cinco meses.

Narrado em of por um dos assaltantes chamado Tóquio (Úrsula Corberó – todos eles têm codinomes de cidades: Helsinque, Nairóbi, Oslo, Berlim etc.), através de vários flash backs o espectador vai montando o quebra-cabeças do plano e as motivações da operação. Nos 13 episódios dessa primeira temporada acompanhamos um verdadeiro jogo de xadrez entre o Professor e a inspetora responsável pelas operações policiais, Raquel Murillo – Itiziar Ituño. Raquel atravessa naquele momento um inferno pessoal: num mundo policial eminentemente masculino tem que aparentar força. Enquanto passa por uma dolorosa separação litigiosa e luta na justiça pela guarda da sua filha com o ex-marido. E o Professor saberá explorar ao máximo esse ponto fraco da oponente.

Enquanto o grupo de assaltantes mantém os reféns na linha, o Professor monitora de fora todas as operações através de câmeras internas do edifício, além de hackear as comunicações policiais. Todos os celulares foram desligados e as comunicações são unicamente analógicas por meio de cabos instalados nos meses que antecederam o assalto – tudo para evitar rastreamentos da inteligência policial. Tal como um Big Brother, da sua sala de controle, o Professor cria jogos e iscas para a polícia e a mídia morderem, enquanto ganha tempo – os dias necessários para as máquinas funcionarem a todo vapor para imprimirem os bilhões de euros.

Mas os episódios aos poucos revelarão também os pontos fracos do grupo: o líder Berlin (Pedro Alonso) é um narcisista esquizofrênico, Tóquio vive um romance tórrido com o jovem Rio (Miguel Herrán, o especialista em informática do grupo), Moscou (Paco Tous) sente-se culpado por trazer seu filho Denver (Jaime Lorente) para o assalto e assim por diante. E do lado dos reféns a tensão entre o Diretor da Casa da Moeda Arturo (Enrique Arce – o típico burocrata e infiel no casamento das estórias de Nelson Rodrigues) e sua secretaria Mónica (Esther Acebo), grávida depois de um caso com Arturo. Tensão que determinará as reações dos reféns ao assalto.

Tempo é o bem mais valioso

Tempo. É apenas isso que o Professor pretende roubar da Polícia. Por isso, La Casa de Papel lembra dois novos clássicos sobre assaltos: Quarto Poder (1997, quando John Travolta invade um Museu e pega reféns na tentativa desesperada de recuperar seu emprego) e Velocidade Máxima (Dennis Hopper monitora toda a operação pela tela da TV, intervindo em tempo real nas operações policiais – “É a TV do futuro!”, dizia cinicamente) de 1994. Mas na série espanhola o produto do roubo não é algo tangível e concreto como o emprego ou o dinheiro que garantiria a aposentadoria do ex-policial vilão. Como indica o próprio título da série, o que está em jogo é apenas papel, cédulas com a marca d’água da Casa da Moeda. Em si, tão sem lastro como todos os dólares, títulos e papéis nas transações especulativas do sistema financeiro global.

Mas se o Professor ganhar o tempo necessário, toda aquela papelada se perderá na circulação (e impossível de ser rastreada) e terá tanto valor quanto qualquer papel especulativo. E como ganhar tempo? Jogando migalhas para a grande mídia, assim como no filme Mera Coincidência (1997) no qual um produtor de cinema inventa uma guerra fictícia para o presidente dos EUA ganhar tempo, escapar de um escândalo sexual e ser reeleito. Por exemplo, o Professor vaza o áudio da intenção da Inteligência do Governo libertar unicamente a filha do embaixador, escandalizando a opinião pública: uma inglesa vale mais do que dezenas de espanhóis? Criando pequenos escândalos e jogando a opinião pública contra Governo e Polícia, habilmente o Professor ganha a coisa mais valiosa do que o dinheiro: Tempo.

Crono-economia

Por tudo isso, La Casa de Papel suscita uma reflexão em torno daquilo que poderíamos chamar de “Crono-economia” – em um sistema financeiro sem qualquer lastro na economia real, o valor da riqueza passa a ser determinado pelo controle do Tempo. O Tempo estruturando a organização do trabalho e a própria riqueza econômica. Por exemplo, com a crise das formas estabilizadas das relações de trabalho regidas por direitos trabalhistas passa a tomar o lugar as modalidades flexíveis de trabalho desregulamentadas: atividades comissionadas, remunerações por resultados por projetos de curto prazo, ganhos por produtividade etc.

O trabalho não é mais remunerado pela qualidade do produto, mas agora determinado pelo tempo do alcance de resultados por períodos curtos de tempo. Da remuneração do motoqueiro pela maior quantidade de entregas no menor tempo ao corretor de títulos e ações cuja diferença de segundos numa decisão pode ser a diferença entre a lucratividade e o prejuízo, a velocidade é o fator de sobrevivência. Seu salário não é baixo. A questão é de tempo: você leva 30 dias para receber aquele valor. Por isso a sobrevivência depende do domínio da velocidade. Dinheiro não é valor nominal, é um valor probabilístico dado pela circulação veloz. A logística da velocidade é o verdadeiro poder nas sociedades dromológicas (de “dromo”, “corrida”) em que vivemos. Quanto mais lentos, mais abaixo estamos na hierarquia determinada pelo controle do tempo.

Ficha Técnica

Título: La Casa de Papel

Diretor: Alex Pina, Jesus Colmenar

Roteiro: Alex Pina, Esther Martinez, David Barrocal

Elenco: Ursula Corberó, Itziar Ituño, Álvaro Morte, Alba Flores, Paco Tous, Enrique Arce, Miguel Hérran, Pedro Alonso

Produção: Vancoucer Media

Distribuição: Antena 3 Televisión, Netflix

Ano: 2017

País: Espanha

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