Relato de uma mãe solo – quando decidi que meu limite é o céu
10 de setembro de 2022 Ana Paula de Lima Silva
Relato
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Desde tenra idade tinha o desejo de ser mãe, pois venho de uma família de classe baixa e por ser a primeira filha, foi me dada a responsabilidade de ajudar a cuidar dos demais irmãos. Isso aguçou em mim o instinto maternal. Ainda muito nova me apaixonei e me deixei levar por essa paixão que levou a um relacionamento sério, depois de alguns anos tive o privilégio de gerar e dar à luz a um filho. Desde a gestação foi muito amado por mim.
Nos primeiros anos de vida dele tive que ter muito manejo e destreza com as contas, pois meu orçamento era muito apertado. Esse foi um dos motivos pelo qual eu me submeti a viver em um relacionamento abusivo por quase sete anos, já tinha uma profissão, pedagoga, e decidi que durante as séries iniciais iria trabalhar em escolas particulares para dar ao meu filho uma educação melhor que a que tive. Porém, salário de professor, principalmente de ensino fundamental, não era tão bom, e isso era um dos motivos. Eu tinha medo de não dar conta de cuidar do meu filho e no fundo eu amava mais o “traste do ex-marido” que a minha própria vida.
Depois de ser traída por muito tempo, e por não ter mais harmonia em casa, eu chorava frequentemente porque eu via o meu “sonho de criança” de ter uma família carinhosa e presente, estava de fato só no sonho. Até que num belo dia cheguei no trabalho às sete da manhã destruída por dentro, mas estava lá para trabalhar e com o rosto inchado de chorar, uma colega conversou comigo de uma maneira que me fez perceber que eu tinha valor e que eu precisava tomar uma atitude.
Fonte: Imagem de Dércio Comuana por Pixabay
Foi quando decidi que mudaria de cidade para tentar viver uma nova história. Quando falei para o meu filho, que desde muito cedo aprendeu a cuidar de mim (pois criança só é criança, mas percebe tudo à sua volta), ouvi desse menino de apenas 6 anos: “Mamãe não chora, vai ser melhor nós dois”. Essa era de fato a folha que eu precisava para escrever uma nova fase da minha vida.
Foi então em julho de 2012 que vim para Palmas, onde não conhecia nada, mas Deus providenciou tudo para mim neste lugar. No mesmo mês que cheguei já encontrei trabalho. Minha rotina era puxada, andava de coletivo com uma criança, a mochila e uma bolsinha com a comida e lanche do dia, pois só voltávamos à noite para casa. Depois de um ano só com meu filho, consegui fazer coisas que antes eram quase impossíveis, pois sempre que eu compartilhava com o ex algo que queria conquistar, recebia um balde de água frio e o sonho era deixado de lado.
A partir do momento que tomei as rédeas da minha vida me vi como um “cavalo selvagem” com um enorme campo para desbravar. Decidi que meu limite é o Céu: tirei minha habilitação, meses depois consegui comprar um carro, voltei a estudar e desde então nunca mais parei. Posso dizer sem medo de errar meu filho estava certo, até aqui foi muito melhor nós dois. Ficamos ainda mais unidos, pois, sempre procurei dar a ele mais presença que presente, mais amor e carinho e recebo isso de forma recíproca.
Hoje tenho um adolescente de quase 17 anos, obediente, educado, inteligente. Está no 2º ano do ensino médio em mecatrônica, e sabe qual o sentimento que ele apresenta pelo pai? Medo, receio, e evita visitá-lo. E eu que enquanto estive casada não tinha nem habilitação, hoje sou totalmente independente e serei uma eterna estudante, pois não sou inteligente, mas sou esforçada e determinada e por meio do conhecimento procuro ser uma pessoa melhor a cada dia e consigo proporcionar a mim e ao meu filho uma qualidade de vida e saúde mental.
Na Psicologia Analítica, Carl Gustav Jung define como uma função psíquica existente e necessária o pensamento irracional no ser humano. A partir do seu teorizado Inconsciente Coletivo, ele define algumas tendências instintivas que se organizam na sociedade, marcando impulsos comuns no comportamento humano social. “O arquétipo é, na realidade, uma tendência instintiva, tão marcada como o impulso das aves para fazer seu ninho e o das formigas para se organizarem em colônias”. (JUNG C. G. 1964, p. 83)
Esses impulsos, vestem-se em roupagens que, ao longo da história, vão sendo substituídos por novas representações, todavia, sempre mantém os mesmos traços. O inconsciente coletivo, sendo “uma figuração do mundo, representando a um só tempo a sedimentação multimilenar da experiência” (JUNG C. G. 1971, p. 104), ao longo do tempo foi sendo segmentado em diferentes traços, estes são os denominados Arquétipos.
Este texto irá se debruçar sobre o específico arquétipo da Mãe Devoradora, teorizando os diferentes locais dos mitos e folclores onde aparecem, e explicando onde a influência dele aparece no cotidiano das relações sociais.
Fonte: encurtador.com.br/xzEN4
O Grande Peixe que engole Jonas
Na passagem bíblica sobre Jonas, quando ele recebe uma tarefa profética do Deus hebraico, foge a navio para o caminho contrário. A divindade então castiga seu navio com uma terrível tempestade. Jonas, envolto de culpa, confessa aos ocupantes do barco ser responsável por aquela tormenta e é atirado ao mar. Aqui, segundo Jung em seu livro “Símbolos da Transformação” (JUNG, 1952), se dá a representação do momento em que o indivíduo, fugindo de seus anseios internos (inconscientes), se afasta e se alheia cada vez mais da vida, e lentamente, submerge no abismo das recordações passadas.
Ao fazer isso, a energia psíquica atinge certa intensidade, que nesse ponto o aparelho psíquico pode encarar como perigosa. Na analogia de Jonas, a proximidade do divino representa isso com clareza. O mergulho na profundeza do mar e o homem ser engolido, pode vir a ser uma metáfora para encontrar “o vaso materno do renascimento, o lugar de germinação, onde a vida pode renovar-se” (JUNG, 1952, p.397). Nessa fuga do mundo atual, Jonas então é engolido pelo Peixe Monstro, representante do arquétipo da mãe devoradora. Ali, como diz Paracelso citado por Jung, viu “enormes mistérios”, conseguimos através do animal ser novamente levados até a costa.
Neste conto, a mãe devoradora internalizada no inconsciente, através da regressão da energia psíquica (voltar-se a si mesmo), mergulha o indivíduo que sofre dentro de uma reintegração com o mundo dos instintos naturais. “Se esta pode ser captada pelo consciente, ela determinará uma reanimação e reordenação” psíquica, representada pela saída de Jonas do corpo da baleia. Mas se o consciente for incapaz de assimilar os conteúdos vindo do inconsciente, cria-se uma situação perigosa na qual os novos conteúdos conservam sua forma original, caótica e arcaica, e com isto rompem a unidade do consciente. O distúrbio mental daí resultante chama-se por isto, caracteristicamente, esquizofrenia, “loucura por cisão”.”
Jonas então volta para terra (mundo da consciência), e assim se reconecta com o Senhor (conexão com a essência interior), cumprindo sua missão requisitada, representando isso como o retorno para a vida atual e seus compromissos.
Fonte: encurtador.com.br/fnozR
O Arquétipo da Mãe Devoradora na função maternal
O arquétipo da mãe devoradora representa aquelas características maternas que anulam a liberdade do filho. Quando as suas necessidades são impostas acima das necessidades dele. Assim, o desenvolvimento da personalidade do filho é desafiada pelo arquétipo, correndo perigo de ainda ser engolido pelas suas vontades.
Pode ser considerada uma identificação com esse arquétipo, as mães superprotetoras, que inevitavelmente, suplantam a liberdade que o filho aos poucos deveria adquirir. O nome “devoradora”, se dá justamente pelo fato alegórico da mãe que considera o filho como uma propriedade sua, portanto parte dela própria, engolindo sua personalidade, instaurando desde muito cedo nele o medo, pelo fato de ser muito dominadora, brava ou mesmo agressiva. Tal comportamento materno demonstra um comportamento egoísta, onde a mãe pensa apenas nela mesma, e faz do filho uma espécie de extensão narcísica dela própria, como se fosse apenas um pertence anexo à ela.
Junto dessas características, vem também a sua característica dramática, que é mais uma forma de manipulação, criando um clima de angústia e culpa na casa, a fim de se tornar o centro das atenções. Ela tende a ter características negativistas, dando sempre críticas negativas ao filho, suplantando a personalidade dele em nome da sua. As conquistas do filho, vem assim a ser colocadas como advindas da mãe, duvidando sempre das capacidades dele. Tal característica vem a mostrar uma competitividade da mãe para com os filhos, não querendo jamais perder o controle sobre eles.
Ela também tem características dissimuladoras, mais um mecanismo manipulativo; e chantagens emocionais, a fim de gerar culpa no filho, prendendo-o a uma maior dependência. Tal comportamento cria nele a internalização dessa mãe mítica em sua personalidade, podendo mesmo quando distante dela, se sentir rondado pela mãe devoradora, instaurando a culpa em seu dia a dia. Quando se comporta estritamente e radicalmente má, essa mãe acaba também, se identificando com o arquétipo da bruxa, já bem conhecida na história de João e Maria.
Fonte: encurtador.com.br/pwJS2
A representação da Mãe Devoradora é identificável em diversas culturas ao longo da história. Voltando às lendas romanas antigas, é possível atestar o caso do herói mitológico Hércules; este que de acordo com o mito, sofreu alguns males devido a natureza de sua relação com a esposa de seu pai divino, a deusa Juno.
(…) como Juno não era sempre hostil aos filhos do marido com mulheres mortais, declarou guerra a Hércules desde o nascimento do menino. A deusa enviou duas serpentes para matá-lo quando estava no berço, mas apareceu as crianças estrangulou as cobras com as próprias mãos (Bulfinch, 2013, p.227).
Esta relação conflituosa resultou em Juno conspirando contra o herói, fazendo com que Hércules fosse submetido a figura de Euristeu, rei de Tirinto e de Micenas. A intenção da deusa era de que o herói encontrasse o seu fim na medida em que realizasse os 12 trabalhos propostos pelo rei. Este fato na verdade resulta no fortalecimento de Hércules; este passa de maneira eficaz por cada uma das 12 provações, que envolviam desde roubar itens místicos até enfrentar criaturas de com sobrenatural e de poderes colossais.
Por fim, Hércules retorna de sua jornada com sabedoria adquirida; dessa maneira Juno, a mãe devoradora neste caso, se frustra em sua tentativa de destruição do herói e acaba por fortalecê-lo em sua jornada devido às suas atitudes. Esse é um exemplo cultural greco-romano da ação do arquétipo, e esse paralelo pode ser feito em mitos de outras culturas de maneira semelhante.
Fonte: encurtador.com.br/acvwJ
Na cultura brasileira, nos relatos de seu folclore, encontramos a figura mítica da Cuca. Milanez (2011) descreve esta que seria uma mulher velha, com características reptilianas e sempre associada a prática de bruxaria, seria responsável por raptar crianças que não cumprissem as regras estabelecidas no lar pelos pais, principalmente quanto ao horário de dormir.
Quando a mãe devoradora se torna estritamente má, esta passa a se identificar com o arquétipo da bruxa, baseado nessa associação é que se afirma que a Cuca é um representante desse arquétipo no folclore brasileiro. O caráter punitivo de sua relação com a criança, sua aparência reptiliana e a mística envolvendo sua lenda.
Ao se buscar sobre a origem do mito da Cuca, chegamos ao cerne deste em Portugal. Cordeiro (1886) aponta que nas terras lusitanas, conta-se que um Santo, certa vez lutou contra um dragão que afligia um povo. Este santo era conhecido por São Jorge, o dragão era conhecido como Coca. Os portugueses, junto a colonização, trouxeram relatos e histórias, Coca, se transformou em Cuca; o dragão muda sua representação para um Jacaré, pois para os moradores das terras sul americanas, existem poucas representações de animais reptilianos de grande porte.
REFERÊNCIAS
BULFINCH, Thomas. O livro da mitologia: a idade da fábula. São Paulo: Martins Claret, 2013.
CORDEIRO, A. X. R. & LEAL, J. S. M. Almanach de lembranc̜as Luso-Brazileiro para o anno de 1867. 38. º anno da collecção. Lisboa: Livraria de Antonio Maria Pereira, 1887.
JUNG, Carl Gustav. Psicologia e religião. Obras completas de CG Jung, v. 11, 1971.
JUNG, Carl G. et al. O homem e seus símbolos. 1964.
JUNG, Carl Gustav. Símbolos da transformação vol. 5. 1952.
MILANEZ, Nilton. A Cuca vai pegar! Medidas do corpo no caldeirão discursivo do medo. Acta Scientiarum. Language and Culture, v. 33, n. 2, p. 251-258, 2011.
Melhor Filme, Melhor Diretor (Barry Jenkins), Melhor Ator Coadjuvante (Mahershala Ali), Melhor Atriz Coadjuvante (Naomie Harris), Melhor Roteiro Adaptado (Barry Jenkins), Melhor Fotografia (James Laxton), Melhor Edição ( Joi McMillon e Nat Sanders), Melhor Trilha Sonora (Nicholas Britell).
O paradoxo espaço temporal [1] não existe no inconsciente, lá tudo é sempre presente. E é aí que os conflitos de Chiron se acumulam e seu mundo se torna ainda mais difícil de sustentar, tanto pelo que lhe pesa como pelo que lhe falta. Afinal, a estrutura egóica de Chiron não possui bases que suportem a realidade. Por isso, ele continua em fuga.
Mergulhado em um profundo estado de desamparo, Chiron começa a sentir sua indiferença sendo transformada em uma angústia crescente, um sentimento que já não consegue ser represado no inconsciente, mas que se desloca lentamente rompendo as barreiras através dos sonhos e dos tímidos enfrentamentos seja quando ofendem suas “mães” Joana e Tereza, ou quando o chamam pelo apelido da infância, Little, nomeação que o coloca de frente com sua fragilidade narcísica. Entretanto, tão logo percebe a resistência do oponente Chiron volta a acomodar-se passivamente ao seu sentimento de inferioridade e impotência.
Em relação à mãe a situação é ainda pior já que, diante dela, ele não consegue fazer enfrentamento algum. Em casa é Chiron quem cuida de Joana. Esta, por sua vez, utiliza-se do filho como apoio para se manter em uma posição infantilizada, evitando encarar seus próprios problemas [2]. Ela coloca Chiron para fora a fim de receber outros homens, ela toma seu dinheiro para comprar drogas, e o chantageia dizendo que ele é tudo o que ela tem na vida, e ele a ela.
Ao mesmo tempo em que ama, Joana rejeita, ao mesmo tempo em que o busca com um sorriso sedutor, afasta-o pela impossibilidade de oferecer-lhe o cuidado e a provisão necessária, tanto física como emocional. A inconsistência entre discursos e ações são as bases para a insegurança do filho.
Chiron, por sua vez, não reage, obedece resignadamente, dorme fora para ceder espaço a ela, permite que a mãe o assalte para manter seu vício e ainda demonstra amor e cuidado cobrindo-a enquanto dorme, amando-a ternamente como uma criança que ainda busca por um olhar que a corresponda, e lhe traga a necessária ilusão [3] da completude para que, finalmente, se sinta segura. Mas, na adolescência Chiron intensifica os problemas já experimentados na infância, com uma mãe cada dia mais afundada no vício e que lhe explora, exigindo dele o cuidado, o amor, a atenção e o sustento.
Abuso Emocional
Moura (2013) fala sobre os dois polos de manifestação da nocividade materna – a possessividade e o abandono – e, este ultimo, não se refere propriamente ao abandono no nível da realidade corporal, mas a ausência de ocupação que deixa a criança sem recursos diante de seu poder de silêncio, não de fala, mas um silêncio de investimento subjetivo. Como vemos em Moonlight, Joana fala, mas sua falta de investimento afetivo fala ainda mais alto e tão poderosamente que silencia até a voz de Chiron.
Utilizando-se de manipulações, Joana mantém o filho preso a um sentimento inconsciente de culpa por não conseguir completar a mãe, ou satisfazê-la de alguma forma que o torne merecedor de seu amor, por isso ele adota uma posição submissa, vivendo em função dessa que seria seu primeiro objeto possibilitador da transição do investimento de si mesmo para os objetos externos, conforme propõe Freud. Mas a mãe também não lhe pode investir, visto que busca nele a compensação para o seu próprio vazio existencial. E assim estabelece-se um ciclo geracional de transmissão de identidade.
Freud (1905/1996) aponta a ambiguidade dos cuidados maternos ao afirmar que quando a mãe afaga, acaricia o seu filho, ela o seduz colocando-o numa posição de substituto do objeto sexual completo [4]. Essa sedução fica explícita na relação manipuladora de Joana junto ao filho, revelando o abuso emocional incestuoso.
A confusão de papeis dentro da família faz com que o filho assuma a função de cuidador de um adulto frágil a quem ele não pode contrariar sob a pena de não ser amado. Paradoxalmente à sua força e independência, esse filho guarda dentro de si a criança desnutrida de afeto, que não amadureceu para enfrentar a vida. Como a mãe frágil dentro de casa, ele se vê frágil diante do mundo, se não foi capaz de receber o amor dos próprios pais, por que o esperaria de outros? Nessa dinâmica, a pessoa volta todo o investimento libidinal para si mesma, a fim de se proteger da rejeição do outro. Ao abrir mão de si mesmo pelo outro (mãe), a criança “passa a desacreditar das próprias necessidades, julgando as ilegítimas, e o próprio desejo passa a ser considerado como vergonhoso.“ (Cukier, 1998) [5].
Sobre a gravidade do abuso emocional sobre os filhos podemos reportar o relatório da Associação Americana de Psicologia (APA) publicado em 2014:
As crianças que tinham sido psicologicamente abusadas sofriam de ansiedade, depressão, baixa autoestima, sintomas de estresse pós-traumático e suicídio no mesmo grau e, em alguns casos, a uma taxa maior do que as crianças que foram abusadas fisicamente ou sexualmente. Entre os três tipos de abuso, os maus tratos psicológicos foi mais fortemente associado com depressão, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de ansiedade social, problemas de ligação e abuso de substâncias químicas [6].
A história de Chiron revela, portanto, a formação de uma personalidade narcísica por meio de um abuso emocional e nos confronta com uma realidade social que vai além de um único indivíduo, se manifestando, às vezes, como característica de toda uma sociedade ou um grupo de pessoas, no qual os mesmos traços de inferioridade podem ser observados como elevados a um nível sócio cultural e político que rege toda a dinâmica social de um povo.
REFERÊNCIAS:
[1] GREENE, Brian. O universo elegante. Supercordas, dimensões ocultas e a busca da teoria definitiva. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
A (a)temporalidade do Inconsciente. Disponível em < https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/19587/19587_5.PDF>.
FREUD, S. (1915). O Inconsciente. In: FREUD, S. Escritos sobre a psicologia do inconsciente. v. 2. Rio de Janeiro: Imago, 2006, p. 13-74.
[2] KNAPP, Daniela. Inversão de papéis: 5 maneiras de evitar que seu filho assuma o lugar do seu marido. <https://www.realmentemulher.com.br/single-post/2016/06/09/Invers%C3%A3o-de-pap%C3%A9is-5-maneiras-de-evitar-que-seu-filho-assuma-o-lugar-do-seu-marido>.
Parentificação. Disponível em <https://abusoemocionalblog.wordpress.com/2016/05/10/parentificacao/>.
[3] ROCHA, Zeferino. O papel da ilusão na psicanálise Freudiana.Ágora (Rio J.), Rio de Janeiro , v. 15, n. 2, p. 259-271, Dec. 2012 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982012000200004&lng=en&nrm=iso>.
[4] MOURA, Danielle Ferreira Gomes. Maternidade e poder.Rev.Mal-Estar Subj, Fortaleza , v. 13, n. 1-2, p. 387-404, jun. 2013. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482013000100015&lng=pt&nrm=iso>.
[5] CUKIER, R. Sobrevivência emocional: as dores da infância revividas no drama adulto. São Paulo: Ágora. 1998.
[6] Abuso emocional pode ser tão prejudicial quanto o abuso sexual. Disponível em < http://www.psiconlinews.com/2014/10/abuso-emocional-pode-ser-tao.html>.
FICHA TÉCNICA DO FILME:
MOONLIGHT: SOB A LUZ DO LUAR
Diretor: Barry Jenkins Elenco: Alex Hibbert, Ashton Sanders, Trevante Rhodes, Naomie Harris, Mahershala Ali País: EUA Ano: 2016 Classificação: 14
Melhor Filme, Melhor Diretor (Barry Jenkins), Melhor Ator Coadjuvante (Mahershala Ali), Melhor Atriz Coadjuvante (Naomie Harris), Melhor Roteiro Adaptado (Barry Jenkins), Melhor Fotografia (James Laxton), Melhor Edição ( Joi McMillon e Nat Sanders), Melhor Trilha Sonora (Nicholas Britell).
Um garotinho calado e acuado, Chiron é o protagonista que ocupa a tela do início ao fim fazendo o silêncio falar mais que a voz. O olhar tímido denuncia sua fragilidade nos três atos do filme: 1. Little, 2. Chiron e 3. Black, onde são mostradas as fases infantil, jovem e adulta do personagem, numa evolução que o leva de um menino franzino, que sofre bullying por sua personalidade quieta e introspectiva, à um homem forte fisicamente e temido. Mesmo com a transformação de sua imagem e de seu comportamento frente ao mundo, internamente, Chiron é o mesmo do início ao fim.
Little – “Ele sabe se virar”
O pai desconhecido (ausente) e a mãe usuária de crack, que se prostitui para manter o vício, ajudam a entender o pano de fundo que atua na constituição do personagem, que em sua timidez revela uma profunda falha narcísica. A solidão de Chiron fica clara desde a primeira cena, quando é perseguido por um grupo de garotos. Nessa ocasião, ele dorme fora de casa e só retorna no dia seguinte. A reação da mãe é de uma preocupação superficial, ela demonstra um certo carinho pelo filho, repreende-o por não cumprir o horário, mas ao mesmo tempo diz que, “geralmente, ele sabe se virar”.
No decorrer da história percebe-se como essa condição de “se virar” foi estabelecida na vida do pequeno. Do início ao fim, fica clara a quase invisibilidade da criança dentro de casa. A mãe se preocupa mais consigo mesma e com a manutenção de seu vício que com o filho, sua personalidade narcisista afeta Little. O senso comum nos acostumou a pensar no narcisista como alguém com autoestima elevada, até mesmo exibicionista, mas, não é assim. O próprio vício[I] denota traços narcisista à medida em que o usuário busca nesse objeto externo a sensação de onipotência (pode tudo), onipresença (é notado por todos), onisciência (sabe de tudo e por isso pode). O vício em si não está tão relacionado à substância quanto à condição psíquica do indivíduo, e nesse ponto até mesmo abordagens psicológicas divergentes encontram um ponto em comum.
Paula: uma mãe narcisista
Mães narcisistas podem assumir duas posições extremas, ser super protetoras porque veem os filhos como uma extensão de si mesma, alguém cuja existência é em função da realização de seus desejos; ou podem ser totalmente negligentes e, na dificuldade em assumir sua responsabilidade materna, exigem que os filhos desde cedo resolvam seus próprios conflitos, sejam independentes e saibam se virar sem elas. Tal situação fica evidente na família de Chiron, uma criança em uma relação invertida, que não encontra na mãe a segurança necessária para estabelecer um apego seguro[II]. Em consequência da ausência/rejeição dos pais, esse tipo de criança desenvolve a auto sabotagem, uma fácil desistência e a evitação de relações com crianças da mesma idade.
Na escola, Chiron tem apenas um amigo, mas não é ele quem procura o relacionamento e sim a outra criança, Kev. O que se percebe em relação a Chiron é uma indiferença aos seus iguais, a quem ele evita constantemente, afinal só servem para persegui-lo. O desinteresse de Chiron pela a vida denota a forte prevalência da pulsão de morte. Quando seus colegas competem sobre o tamanho do pênis no banheiro, ele só participa por ter chegado ocasionalmente, mas não demonstra qualquer entusiasmo com a situação, como é comum aos garotos de sua idade. O silêncio de Chiron grita, sua cabeça baixa e seu olhar evitante, a ausência de sua voz e sua inexpressividade entre o momento mais entusiasmante e o mais amedrontador denuncia sua dificuldade em lidar com as emoções. Nesse momento percebemos o reflexo do narcisismo da mãe no filho.
O narcisismo, como no próprio mito, diz respeito ao reconhecer-se, enxergar-se no espelho e perceber-se como um todo, e o primeiro reflexo de si mesmo não vem de outro lugar senão do olhar da mãe. Mendonça[III] descreve bem esse primeiro momento quando diz que é “pelo olhar do outro, especialmente este outro materno que encarna todas as nossas possibilidades de satisfação, prazer e segurança, que aprendemos a saber quem somos. Se o olhar deste Outro brilha por nós e se em algum momento pudermos nos sentir capazes de preencher este Outro de alegria, estaremos constituindo nosso amor próprio, aprendendo a ler no espelho do olhar do Outro, que nossa existência vale a pena e tem um sentido, nem que este sentido seja, num primeiro momento, preencher os anseios deste outro que significa tudo para nós, condição mesma de nossa existência.”
Moonlight: Paula
Se esse olhar foi indiferente, evitante, rejeitante, essa criança terá problemas em expressar outras emoções que não tenham sido apreendidas nas expressões da própria mãe. Alguém que não tenha sido suficientemente estimado também não encontrará condições para orgulhar-se de si mesmo e, consequentemente, não terá o ânimo requerido para enfrentar os desafios da vida. E por isso Little corre, foge, esconde-se, esquiva-se, de tudo e de todos.
Uma terceira pessoa, fundamental neste processo e ausente na vida desse pequeno, é aquela que exerceria a função paterna, cuja responsabilidade é a de ajudar a criança, ainda na tenra infância, a separar-se da mãe e estabelecer outros laços sociais. O pequeno, “Little”, é portante alguém que não recebeu afeto suficiente da mãe e também não conseguiu diferenciar seus desejos dela, ficando fixado em uma posição onde aguarda pelo desejo do outro, pelo amor do outro, pela iniciativa do outro para que possa sentir-se alguém. É por isso que, mesmo tendo em Kev um amigo, ele não o busca, apenas é buscado por ele vez ou outra.
Little e Kev
Little não se viu capaz de satisfazer a mãe e por isso não se acha capaz de ser desejado por mais ninguém, não acredita ser capaz de completar outra pessoa, nem mesmo identifica sua própria necessidade de um outro que lhe complemente. Afinal, desde o início, ele foi alguém obrigado a “se virar” sozinho, que não encontrou em seu primeiro amor uma resposta afetiva que lhe mostrasse que ele a complementasse, que ela precisasse dele e ele dela. Little também não teve uma figura paterna para estabelecer limites entre ele e a mãe e lhe mostrar que existem outros amores e formas de amar possíveis, e que ele mesmo é capaz de conquistá-los.
Little encontra outras pessoas que se importam com ele, mesmo assim, se mantém indiferente. Encontra um pouco mais de afeto, diálogo e escuta de suas aflições. Por ser uma criança tímida ele sofre bullying dos colegas que o chamam de “boiola”, expressão que ele não sabe o que significa. Sua indiferença para com a vida é tamanha que não o permite desenvolver interesse para com a própria sexualidade, mesmo tendo a casa cheia de homens com quem sua mãe se prostitui para manter o vício. Little demonstra o tempo inteiro uma indiferença para com a própria libido, investindo-a em si mesmo em vez de buscar objetos externos.
Juan e Teresa são personagens que se aproximam do garoto e lhe fornecem afeto e uma possibilidade de segurança, mesmo assim, não conseguem curar a ferida aberta pela mãe. Juan, um traficante, e sua namorada são quem fornecem abrigo nas fugas, alimento e dinheiro. É Juan quem o leva para passear, lhe proporciona momentos de lazer e o ensina sobre os desafios da vida. A mãe não se agrada da relação entre eles, sente ciúmes do filho, mas por outro lado não demonstra o amor do qual ele necessita, que se manifestaria com o cuidado e não apenas com palavras ou sentimento de posse.
Little e Juan
Em certo momento ela confronta Juan e pergunta se ele assumiria o cuidado por Chiron, insinuando que o filho tem tendências homossexuais pelo jeito como se comporta. Mas não é ela quem orienta o filho, e sim Juan. Apesar da afirmação materna, o que fica mais evidente em Little é um total desinvestimento da sexualidade e da própria vida. Ele apenas se preocupa sobre o que é ser “boiola”, e apresenta um primeiro questionamento a cerca de si mesmo e do que ele seria, por causa do confronto dos colegas da escola.
É possível que, pelo estilo de vida da mãe, ele tenha vivenciado precocemente situações que podem ter sido traumáticas em relação ao ato sexual. Tal possibilidade aparece na cena da mãe gritando à porta do quarto: “não olhe para mim”, cena esta que se repete ao longo do filme e com a qual Chiron tem pesadelos. A eloquente frase também remete à rejeição da mãe ainda na primeira infância, quando o filho procura em seu olhar o significado de si mesmo.
Voltando ao ato sexual, a visualização, ou mesmo a fantasia de uma criança sobre este pode implicar em diversas consequências na maneira com que uma pessoa irá significar a própria sexualidade, sobre isto vale a pena ler História de uma neurose infantil “O homem dos lobos”, caso tratado por Freud[IV] e que, apesar de ser bem diferente da situação vivenciada por Chiron, pode ser tomado como referência no que diz respeito às consequências advindas de uma possível visualização da mãe no ato sexual e o desenvolvimento de um Édipo invertido. Mas isto é apenas uma sugestão complementar, já que aqui nos propusemos a tratar mais da questão narcisista envolvendo a mãe e o filho, apesar desta não estar desconectada do Complexo de Édipo.
[I] ZIDAN, Paloma Mendes; ROCHA, Raquel Vasques da. Trauma e fragilidade narcísica nas adicções.Analytica, São João del Rei , v. 3, n. 5, p. 72-100, dez. 2014 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2316-51972014000200005&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 18 fev. 2017.
[II] BOWLBY, John. Formação e rompimento dos laços afetivos. São Paulo-SP: Martins Fontes, 2001.
[III] MENDONÇA, Terezinha. Narcisismo de vida ou de morte: Amor próprio ou impróprio? Disponível em: <http://www.iecomplex.com.br/textos/Correio%20do%20Norte.htm>.
[IV] Freud, S. (1918 [1914]/2010). História de uma neurose infantil (“O homem dos lobos”). Obras completas, v. XIV. São Paulo: Companhia das Letras.
FICHA TÉCNICA DO FILME:
MOONLIGHT: SOB A LUZ DO LUAR
Diretor: Barry Jenkins Elenco: Alex Hibbert, Ashton Sanders, Trevante Rhodes, Naomie Harris, Mahershala Ali País: EUA Ano: 2016 Classificação: 14