Subjetivação e Trabalho na contemporaneidade a partir de um contexto histórico

Compartilhe este conteúdo:

Antes do golpe de 1964, os trabalhadores davam apoio aos movimentos de reformas urbanas e agrárias que lhes trariam melhores condições de desenvolvimento profissional, educacional e direitos diversos. Os trabalhadores se organizavam a partir do Comando Geral de Trabalhadores – CGT, fundado em 1962, e para atender às exigências dos trabalhadores o governo tenta equilibrar os interesses desses com os da elite. Mas ao se aproximar da data fatídica do golpe os militares reprimem qualquer ação dos trabalhadores prendendo, torturando seus líderes e representantes sindicais e depredando suas sedes para evitar aglomerações e motins.

Os latifundiários viam na ditadura uma forma de evitar a reforma agraria e assim controlar os trabalhadores para estes não o impedissem de acumular bens. Senhores de engenho e empresários apoiam o movimento militar na esperança de atingirem seus objetivos, assim se fez “o golpe de 1964, a despeito de mascarar seu propósito ditatorial, mediante uma intensa agitação e propaganda em torno da manutenção do regime democrático” (p. 63).

Nesse laço infiltra-se, entre os trabalhadores, os agentes de entidades governamentais (militares) para fins listar os representantes e marca-los, as empresas por sua vez financiavam as ações policiais e nessa colaboração mútua configurou um poder disciplinador, contribuindo para graves violações de direitos humanos tais como violências, ameaças, abuso de poder, crimes diversos, assédio moral, e a repressão, pois “os interventores de plantão, designados pelo governo, podiam identificar e denunciar o passado de militantes, o presente de trabalhadores inconformados e o futuro dos ativistas e das lideranças que planejavam a resistência e a luta” (p.65).

As articulações sindicais em prol dos seus filiados e trabalhadores em geral eram retaliadas e qualquer tentativa de movimentação era muito arriscada levando a consequências como demissões, invasões domiciliares para investigar militantes, tortura de seus parentes para arrancar informações. Os trabalhadores ativistas eram marcados e seus nomes passavam pelas fábricas na tentativa de lhes barrarem ainda na contratação. A vigília e monitoramento reforçam a exploração de trabalho, e põe em voga direitos outrora conquistados.

Fonte: encurtador.com.br/sBIUW

As greves passam a ter um rigor impossível de ser realizadas, salvo os trabalhadores que estavam a mais de três meses sem salários, os salários passaram a ter incidência inflacionária fazendo com que diminuíssem ao invés de aumentarem, isso levou ao aumento de horas extras, venda de férias, esposas e filhos (muito jovens) a ingressarem nas fábricas para compensar a perda dos salários que antes era de apenas um na família. O aumento das horas de trabalho leva ao esgotamento físico contribuindo para a elevação das taxas de acidentes de trabalho e até a mortes.

As violências e violações de direitos ocorriam não só com as lideranças, mas também com os trabalhadores em geral, muitos escondiam em regiões remotas e interioranas incentivados pelo medo da tortura, prisões e mortes, vivam precariamente e muitas vezes com a ajuda de outros colegas que ainda não perderam seus empregos.

As prisões ocorriam individual e em massa de forma sorrateira, o texto mostra alguns relatos particulares de como os trabalhadores eram surpreendidos dentro de seus ambientes de trabalho sem a menor chance de defesa. As prisões coletivas aconteciam durante movimentos como greves e reuniões, ocorriam em todo país sendo em maior número nas regiões onde havia mais trabalhadores. As torturas eram pesadas, intimidantemente punitivas e irracionais, se justificava seu uso como meio de evitar prejuízos maiores. Porém, era essa a estratégia militar para paralisar os trabalhadores e humilhá-los. As mortes eram causadas pelos mus tratos, torturas e falta de recursos, mas também por aniquilação. Muitos suicídios foram computados, bem como aniquilamento e desaparecimento.

A leitura do texto nos coloca a pensar o quão sofrido foi para as pessoas daquela época poder lutar por uma garantia de melhora para seus descendentes, sim, para os descentes pois eles mesmos já se viam imerso em dificuldades que os atormentariam toda a vida. Ainda hoje se vê trabalhadores humildes que reclamam seus direitos com medo de ficarem marcados como ficavam antes. Essa leitura nos instiga a continuar por busca de políticas públicas que nos apoiem como trabalhadores e como cidadãos.

Referência:

BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório. Brasília, 2014. Violações de Direitos Humanos dos Trabalhadores.  [RESENHA].

Compartilhe este conteúdo:
copia agência o globo

A seleção brasileira, Médici e os anos de chumbo

Compartilhe este conteúdo:

A história de aproveitamento ilícito da imagem da seleção brasileira de futebol – apesar de não ser conhecida por todos e todas – não tem início na copa de 1970. Segundo Gastaldo (2002), o aproveitamento da imagem da seleção brasileira enquanto instrumento de propaganda – busca de popularidade que até o momento não existia – tem início na copa de 1966 na Inglaterra quando “todos” queriam se aproveitar da imagem do time bicampeão – a seleção passou por cinco cidades antes de viajar para Europa, Lambari, Caxambu, Teresópolis, Três Rios e Niterói.

No “pacotão da repressão” de Médici – que não media esforços para atrelar sua imagem a imagem da seleção – o futebol tinha espaço de destaque antes mesmo da copa do mundo de 1970. Quando Pelé fez seu milésimo gol, Médici o condecorou em Brasília numa perceptível tentativa de relacionar a imagem vencedora do Pelé ao regime militar.

O resultado da copa do mundo de 1966 não foi o esperado pela ditadura. A seleção brasileira de futebol cometeu um fiasco saindo da competição ainda na primeira fase. Logo existia uma insatisfação pública com o desempenho da seleção. Passou a ser uma temeridade o futuro na copa do mundo de 1970.

No Brasil […] […] a relação entre Estado e organização esportiva assumiu durante a ditadura do Estado Novo um caráter corporativista que persistiu até o fim da ditadura militar do pós-64. A relação corporativista é caracterizada por uma imposição das regras por parte do Estado autoritário, fazendo retroceder ao mínimo o grau de autonomia da organização esportiva. Interessante é, no entanto, que as organizações esportivas, mesmo no capitalismo avançado, mantêm laços estreitos de ligação com o Estado. É que as organizações esportivas passaram a cumprir funções públicas nas quais o Estado tem interesse. (BRACHT, 1997, p. 75).

Mas é na copa de 1970 no México que o “mito verde e amarelo” (BRACHT, 1997) tem início com a utilização da imagem da seleção como um dos instrumentos centrais de divulgação do regime empresarial/militar ditatorial.

Até a copa de 1970 o futebol brasileiro nunca tinha tido tanta importância e visibilidade para o governo empresarial/militar como teve para o governo de 1970 do então presidente Emílio Garrastazu Médici (30/10/1969 a 15/3/1974)[1].

Nesta ação de tratar o sucesso da seleção brasileira de futebol de forma indissociável com o regime empresarial/militar[2] foram utilizadas frases como “Ninguém Mais Segura Este País” – Ninguém segura essa seleção – ou “Pra Frente Brasil” – Pra frente Brasil, salve a seleção. Essa atitude do governo militar foi uma tentativa expressa de neutralizar a luta de classes, mistificar a realidade, pois o “canto da sereia” do futebol/seleção brasileira possibilitava/possibilita reduzir a compreensão das condições materiais e sociais da existência do povo brasileiro.

Na preparação para copa do mundo de 1970 os resultados não eram satisfatórios, foi daí que João Saldanha – até antes de assumir a comissão técnica da seleção era comentarista esportivo e um dos principais críticos da seleção brasileira – foi contratado pela então Confederação Brasileira de Desportos – CBD que era dirigida a época por João Havelange[3]. Este incluisve chegou a declarar que o contratou para tentar diminuir as críticas ao selecionado brasileiro (GASTALDO, 2002).

João Saldanha conseguiu classificar a seleção para a copa de 1970 de forma esplendorosa, mas foi demitido por motivos expressamente políticos/ideológico, pois Saldanha era militante do Partido Comunista Brasileiro e após uma declaração do presidente Médici sobre uma lista de convocados, Saldanha declarou publicamente que “O presidente escala o ministério dele que euescalo o meu time”. Poucos dias após a declaração Saldanha foi demitido do cargo de técnico da seleção brasileira de futebol[4](MAGALHÃES, 2012).

Segundo Magalhães (2012), Oliveira (2012), é a partir desse momento que a seleção brasileira de futebol passa a ser questão de segurança nacional.

[…] o então ministro da Educação e Desportos Jarbas Passarinho determinou que a situação e a crise na seleção afetavam diretamente o país […] […] Havelange foi convocado para conversar com o próprio Ministro e com o chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), o general Carlos Alberto de Fontoura; com o chefe do Gabinete Civil, João Leitão de Abreu; e o chefe do Gabinete Militar, João Baptista Figueiredo. O encontro mostrava o interesse do governo na questão ‘seleção nacional’, e o tema passou a ser cada vez mais controlado pelo regime. (MAGALHÃES, 2012, p. 237).

‘Notícias do México dão conta da perturbação que a notícia do sequestro provocou no ambiente do nosso selecionado. Pelé, Rivelino e outros jogadores manifestaram-se, condenando o ato terrorista’. ‘As ‘notícias’ a que a Folha se referiu eram, na verdade, uma nota oficial do Ministério do Exército […]’ (GUTERMAN, 2004, p. 273).

Como não é difícil acertarmos o resultado da copa do mundo de 1970, logo precisamos fazer uma análise mais acurada do que a conquista da copa do mundo de 1970 representou para o regime golpista. Para Magalhães (2012) esse foi o maior triunfo propagandista do regime militar. “A ditadura militar consolidou-se como forma de poder de Estado reproduzindo continuamente o ato de força com que se instaurara: na síntese histórica objetiva, a ditadura é o golpe continuado e o golpe o primeiro ato da ditadura” (MORAIS, S/D, p. 04).

Precisamos entender que a situação de repressão, torturas, exílios, assassinatos não se davam por acaso. No final dos anos 60 e início dos anos 70 a resistência contra a repressão militar foi muito grande por parte da esquerda brasileira tanto na cidade quanto no campo e é a partir daí que se iniciam os “anos de chumbo” (MAGALHÃES, 2012).

[…] os ideais “constitucionalistas” e “liberais” de 1964 foram traídos pela pressão da linha dura que, em confronto com o radicalismo da guerrilha de esquerda, teria exigido um “golpe dentro do golpe”, tal como ficou conhecidaa promulgação do Ato Institucional n°5, marco da legislação repressiva do regime, em 13 de dezembro de 1968. Com o AI-5, a ditadura “envergonhada” teria se transformado em “ditadura escancarada” isolando-se da sociedade. (NAPOLITANO, 2011, p. 217).

Segundo Morais (S/D), os anos finais dos anos 60 foram problemáticos para o regime militar. Vários setores da sociedade civil – principalmente estudantes e militantes de organizações da esquerda armada – tomaram as ruas de algumas capitais.

Ora, em 1968, quando os grupos que mais tarde iriam formar a ALN[5] e a VPR[6] já haviam constituído o núcleo de suas organizações clandestinas respectivas, irromperam as lutas estudantis, logo ampliadas a largos setores da opinião democrática e reforçadas pelas greves de Contagem e de Osasco. Pela primeira vez desde o golpe, o regime militar era colocado na defensiva política. (MORAIS, S/D, p. 06).

As manifestações populares de 1968 só foram superadas em 1984 durante as manifestações do que ficou conhecido como “diretas já”, mas mesmo assim a duração das manifestações de 1968 foi bem maior, aproximadamente 8 meses (MORAIS, S/D).

Devemos tomar cuidados para não tomarmos um “golpe antes do golpe”, e aprendermos com a história, pois quando o regime militar percebeu que perderia a hegemonia e por consequência opoder, não aprovaram as “diretas já” e montaram um congresso nacional constituinte nos moldes da ditadura – com pequenas exceções – e nossas manifestações pacíficas foram incapazes de mostrar a nossa verdadeira vontade/necessidade. Isso nos faz questionar como Bertolt Brecht (2009) no poema “De que serve a bondade”?

Fica assim evidenciado que a reação do regime militar na tentativa de “recompor a hegemonia” precisava de um algo a mais além da repressão, das torturas, exílios e assassinatos para convencer o povo brasileiro da sua suposta legitimidade, infelizmente a seleção brasileira de futebol foi – ou é? – parte importantíssima nesta engrenagem.

Referências:

BRACHT, Valter. Sociologia critica do esporte: uma introdução. UFES, Centro de Educação Física e Desporto. (1997).

BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956. Editora 34 Ltda, São Paulo, 2009.

GASTALDO, Édison Luis.Notas Sobre um País em Transe: Mídia e Copa do Mundo no Brasil.Disponível em<https://periodicos.ufsc.br/index.php/motrivivencia/article/view/5925> Acesso em 25/10/2011.

GUTERMAN, Marcos. Médici e o futebol: a utilização do esporte mais popular do Brasil pelo governo mais brutal do regime militar. Disponível em <http://www.ludopedio.com.br/rc/index.php/biblioteca/recurso/279> Acesso em 16/06/2012.

MAGALHÃES, Lívia Gonçalves. Ditadura e futebol: O Brasil e a Copa do Mundo de 1970.Disponível em <http://historiapolitica.com/datos/boletin/Polhis9_MAGALHAES.pdf> Acesso 05/03/2010.

MORAIS, João Quartim de. Amobilização democrática e o desencadeamento da luta armada no Brasil em 1968: notas historiográficas e observações críticas. Disponível em<http://www.fflch.usp.br/sociologia/temposocial/site/images/stories/edicoes/v012/a_mobilizacao.pdf Acesso em 05/05/2012.

NAPOLITANO, Marcos. O golpe de 1964 e o regime militar brasileiro: apontamentos para uma revisão historiográfica. Disponível em <http://marxismo21.org/50-anos-do-golpe-de-1964/> Acesso 05/02/2014.

OLIVEIRA, Marcos Aurelio Taborda de. Esporte e política na ditadura militar brasileira: a criação de um pertencimento nacional esportivo. Revista Movimento, Porto Alegre, v. 18, n. 04, p. 155-174, out/dez de 2012.


[1]A Arena/PSD partido da autocracia militar burguesa infelizmente nos deixou dois herdeiros legítimos o Democratas – DEM que já teve o nome Partido da Frente Liberal-PFL &o Partido Progressista-PP, este infelizmente hoje dirige a cidade de Palmas-TO onde a especulação imobiliária, o monopólio do transporte público e os latifúndios urbanos ainda imperam.

[2]Vide “Compreensão histórica do regime empresarial-militarbrasileiro” de Fábio Konder Comparato em http://www.unisinos.br/blogs/ihu/caderno-ihu-ideias/compreensao-historica-regime-empresarial-militar-brasileiro-edicao/

[3]João Havelange ficou a frente da CBD de 1956 a 1974 e Ricardo Teixeira de 1989 a 2012 bem democráticos não?

[4]Para saber mais sobre, assista a entrevista de João Saldanha ao programa “Roda vida” da TV Cultura, https://www.youtube.com/watch?v=Kt4uJHHwAgE

[5]Ação Libertadora Nacional.

[6]Vanguarda Popular revolucionária.

Compartilhe este conteúdo:

Crônica de uma Ditadura Anunciada: 50 anos do Golpe Militar

Compartilhe este conteúdo:

Não. O ano não é 2014. Estamos falando de 50 anos atrás, quando uma sucessão de crises (econômicas, políticas, sociais) acompanhada de uma série de desmandos deu origem ao Golpe Militar do dia 31 de março de 1964 (ainda que alguns digam que a data correta do levante, pelo desdobramento dos acontecimentos, seria o dia 1º de abril, mas que foi registrada de forma adiantada pelos militares para evitar tão infeliz coincidência – que talvez se mostrasse um mau presságio para tão infeliz acontecimento).

Ao contrário do que muitos costumam pensar, os conflitos que direcionaram os militares para o Golpe de 1964 não tiveram início em 1961 com a até hoje inexplicada renúncia de Jânio Quadros à presidência da República.

Para podermos nos localizar no tempo e entender a dinâmica que deu origem ao golpe, devemos retornar a 1955, quando Juscelino Kubitschek foi eleito para suceder o mandato que não fora concluído por Getúlio Vargas. Juscelino teve dificuldade em lançar sua candidatura, pois os militares vetavam-na por acreditar que os comunistas o apoiavam.  Devemos nos lembrar de que estamos no período de Guerra Fria – (EUA vs URSS, capitalismo vs comunismo) e que o medo de uma revolução comunista habitava os países latino-americanos.

Há muito custo Juscelino consegue candidatar-se. Nesta época, votava-se em separado para presidente e vice-presidente e Juscelino (do Partido Social Democrático – PSD) tem como vice João Goulart (do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB), o Jango, que obteve mais votos do que o próprio presidente eleito. Para assegurar a posse dos dois, o então Ministro da Guerra, Gal. Henrique Teixeira Lott, depôs o presidente interino, Carlos Luz (da União Democrática Nacional – UDN) que, suspeitava-se, não daria posse ao novo presidente eleito. Com isso, o Brasil é presidido até 31 de janeiro de 1956, sob estado de sítio, por Nereu Ramos, presidente do Senado Federal, do mesmo partido de JK.

Foi sob esta pressão política que JK cumpriu todo o seu mandato, porém sem maiores sobressaltos, conseguindo implementar algumas realizações como a construção da nova capital federal Brasília, estabelecer um processo de rápida industrialização com foco na indústria automobilística, e propiciar um forte crescimento econômico. Deixou, porém, como herança um aumento na dívida pública interna e na dívida externa, com reflexos em um aumento da inflação.

Juscelino é sucedido, em 1961, por um candidato apoiado pela oposição, Jânio Quadros, que apresentava propostas de combate à corrupção, de modernização na forma da administração pública e no combate a inflação. Mais uma vez o vice-presidente é João Goulart, de chapa de oposição a Jânio. Anticomunista, mas adepto da provocação e da criação de fatos que o mantivessem na mídia, Jânio Quadros condecorou com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul o guerrilheiro Ernesto Che Guevara, um dos principais líderes da revolução que, em 1959, instituiu o regime comunista em Cuba, sob as mãos de Fidel Castro. Grupos militares sentiram-se provocados e a oposição, especialmente Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara, aproveitou-se deste fato para tensionar o momento político.

Propondo um plano de política externa independente, nem ligada aos EUA nem tampouco a URSS, Jânio Quadros acabou por desagradar aos interesses americanos e a mídia nacional, capitaneada por Roberto Marinho (das Organizações Globo) e Júlio de Mesquita Filho (do jornal O Estado de São Paulo), passa a acusar o seu governo de aproximar-se do comunismo.

Sem suporte no Congresso Nacional, e pressionado pelos ministros militares, Jânio renuncia em 25 de agosto de 1961, informando que toma tal atitude pois “Forças terríveis levantam-se contra mim”.

Seu vice, João Goulart, encontrava-se em missão diplomática na República Popular da China, justamente um país comunista. Por seus vínculos com políticos de esquerda, em especial do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e do Partido Comunista Brasileiro (PSB), alguns setores militares cogitam vetar sua posse como presidente da República a ponto dos três ministros militares divulgarem um manifesto contra a sua posse e que descrevia Jango como um agitador com simpatia pela União Soviética e pela China e que, se assumisse o poder, levaria o país a um período “de agitações sobre agitações, de tumultos e mesmo choques sangrentos nas cidades e nos campos, de subversão armada”.

Ao retornar ao Brasil, Jango teve que aguardar no Uruguai até que o Congresso Nacional e os militares chegassem a um consenso sobre a sua posse. Neste meio tempo, Leonel Brizola, seu cunhado e governador do Rio Grande do Sul, organizou a Campanha da Legalidade para defender a posse de João Goulart.

Em setembro de 1961, por fim,  o Congresso Nacional aprovou o sistema parlamentarista, o que permitiria manter João Goulart na presidência, porém com perda de parte de seu poder que passaria para as mãos de um primeiro-ministro. Assim, em 8 de setembro Jango toma posse como presidente enquanto Tancredo Neves chefia o governo na posição de primeiro-ministro.

Em 1962 o PTB de Jango conseguiu dobrar sua representação na Câmara dos Deputados passando a controlar a segunda maior bancada da casa. Jango também consegue antecipar o plebiscito para decidir entre a permanência do parlamentarismo e o retorno ao presidencialismo. Com uma forte campanha do governo, o presidencialismo é escolhido por 80% dos votantes e seu retorno se dá em janeiro de 1963.

Durante o ano de 1963, além do retorno do presidencialismo, tem-se um grande número de acontecimentos que acabam por abalar a estabilidade política do governo. O Plano Trienal, conjunto de reformas institucionais para atacar os problemas estruturais do país, não mostrou resultados, em grande parte por não ter contado com o apoio dos sindicatos nem dos empresários, e a economia encontrava-se em crise. Acrescente-se ainda o poder da direita que continuou com maioria no Congresso, maioria esta advinda do apoio clandestino fornecido pelos EUA que forneceu milhões de dólares para as campanhas de candidatos que faziam oposição a Jango.

Para piorar, tem-se ainda a revolta dos sargentos da Aeronáutica e da Marinha contra a decisão do Supremo Tribunal Federal de não permitir a eleição de sargentos para o legislativo. A posição de neutralidade do presidente acabou desagradando a grande parte das Forças Armadas que viu nessa atitude um desrespeito à hierarquia militar. Jango hesitava por necessitar do apoio da esquerda para enfrentar os adversários da direita, como Carlos Lacerda, que clamava aos militares que tomasse uma atitude para tirar Jango do poder.

Com todas estas situações a lhe minar as forças, Jango via-se constantemente pressionado pela direita e pela esquerda, ambas demonstrando um profundo desprezo pela democracia que então se mostrava cambaleante. Assim, aceitando uma sugestão dos ministros militares e alegando que a radicalização política ameaçava a segurança do país, Jango propôs então ao Congresso a decretação de estado de sítio. O plano de Jango era utilizar o estado de sítio para intervir em estados como a Guanabara de Carlos Lacerda. O pedido não encontra apoio da maioria dos parlamentares, pois até seus aliados viram nesse decreto a possibilidade de serem atingidos, sendo então retirado pelo presidente três dias depois. O vai e vem da proposta do estado de sítio serviu para fragilizar seu governo ainda mais.

Com a crise econômica batendo a sua porta e com a oposição de militares, o presidente procurou, enfim, mostrar estava no comando da situação e buscou se fortalecer, participando de manifestações e comícios que defendiam suas propostas.

Fundamental para entender os rumos dos acontecimentos foi o comício de 13 de março de 1964, na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, que reuniu cerca de 150 mil pessoas, incluindo sindicatos, associações de servidores públicos e estudantes.  Conhecido como Comício da Central do Brasil, ou Comício das Reformas, pois ali João Goulart deu uma guinada forte em direção à realização das reformas de base, dentre as quais se encontrava, por exemplo, a proposta de reforma agrária com a desapropriação de terras de particulares. Foi um comício em que, junto com as bandeiras vermelhas do PCB viam-se também faixas pedindo a ampliação do tempo de governo de Jango, o que deu a entender que pairava uma ameaça golpista no ar de parte dos partidários do presidente.

Entre os quinze discursos que precederam Jango, dentre os quais se destacavam a do então presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), José Serra, e do governador de Pernambuco, Miguel Arraes, ouviam-se pregações contra a política conciliadora do presidente com setores conservadores, em especial vindas de seu cunhado, Leonel Brizola, que colocou o presidente contra a parede: “O nosso presidente que se decida a caminhar conosco e terá o povo ao seu lado; quem tem o povo ao seu lado nada tem a temer”.

O presidente, então, em seu discurso de 54 minutos, anunciou uma série de medidas: defendeu a reforma da Constituição para ampliar o direito de voto a analfabetos e militares de baixa patente, anunciou que tinha assinado um decreto transferindo para o governo o controle de cinco refinarias de petróleo privadas e outro que desapropriava as terras às margens de ferrovias e rodovias federais com indenização paga com títulos da dívida pública, o que ia contra a Constituição, que previa desapropriações mediante indenização prévia em dinheiro.

Jango, em sua mensagem anual ao Congresso, informou que apresentaria uma proposta para apressar as desapropriações de terras, além de projetos de reforma bancária, administrativa, universitária e eleitoral, esta última objetivando dar a analfabetos, sargentos e praças o direito de votar e disputar eleições. Jango buscava ainda obter poderes legislativos para o Executivo para facilitar a aprovação das reformas e a convocação de um plebiscito sobre as reformas de base. Tais ações só fortaleceram em seus opositores a certeza de que Jango caminha em direção a um golpe e em seus apoiadores a ânsia em provocar situações que os levariam a tomar de vez o poder de tal forma que não contassem com a oposição das forças conservadoras do país.

Em resposta ao que foi considerada uma provocação do governo à ordem democrática e uma guinada fortíssima em direção à esquerda, em 19 de março, em São Paulo, foi organizada a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, cujo objetivo era mobilizar a opinião pública contra o governo de Jango e a “ameaça comunista”. Aproximadamente 300 mil pessoas fizeram uma passeata no centro de São Paulo.

A Marcha contou com o apoio de líderes religiosos (alguns do quais, futuramente, viriam a se posicionar de forma brava e corajosa contra a ditadura militar), bem como com o apoio de lideranças políticas como o governador de São Paulo, Adhemar de Barros representado pela esposa, e o governador do estado de Guanabara, Carlos Lacerda (sim, o mesmo que foi estopim da crise que levou ao suicídio de Getúlio Vargas, que encampou o tensionamento político contra o governo de Jânio Quadros, e que fora chamado de energúmeno por Leonel Brizola em seu discurso na Central do Brasil seis dias antes) além de Auro de Moura Andrade, presidente do Senado e do Congresso e que, mais a frente, teria um papel importante na efetivação do golpe.

Em 20 de março de 1964, o general Humberto Castelo Branco, chefe do Estado-Maior do Exército, envia uma circular reservada aos oficiais do Exército, advertindo contra os perigos do comunismo e classificando como ilegal a atuação do Central Geral dos Trabalhadores – CGT e revolucionária, para não dizer golpista, a ideia de uma Constituinte.

Uma semana após, precisamente no dia 28 de março, os marinheiros e fuzileiros navais comemoravam, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, os dois anos da sua associação (que era considerada ilegal) quando o ministro da Marinha, Silvio Mota, mandou prender seus organizadores. Os fuzileiros enviados aderiram aos insubordinados e Jango acabou por demitir Silvio Mota logo depois, assumindo mais uma vez uma postura que provocou a indignação dos oficiais da Marinha.

No dia 30 de março, Jango compareceu a uma festa promovida pela Associação dos Sargentos e Suboficiais da Polícia Militar, na sede do Automóvel Clube do Brasil, onde se sentou ao lado do líder da rebelião dos marinheiros e fez um discurso incendiário em que atribuiu a responsabilidade por um possível derramamento de sangue aos seus inimigos políticos que estavam em uma poderosa campanha contra o governo: “A crise que se manifesta no país foi provocada pela minoria de privilegiados que vive de olhos voltados para o passado e teme enfrentar o luminoso futuro que se abrirá à democracia pela integração de milhões de patrícios nossos na vida econômica, social e política da Nação, libertando-os da penúria e da ignorância”.

No dia 31 de março o general Olympio Mourão Filho dá início ao golpe durante a madrugada ao encaminhar suas tropas (antes do esperado pelos próprios conspiradores) de Juiz de Fora (MG) até o Palácio das Laranjeiras, no Rio, onde estava o presidente. O comandante do 2º Exército, Amaury Kruel, amigo pessoal de Jango, pede, por telefone, ao presidente que dissolva a CGT e demita ministros de esquerda. Como o presidente recusa ele alia-se aos golpistas.

No dia 1º de abril de 1964, o Forte de Copacabana é tomado pelos militares golpistas que defendem o Palácio da Guanabara, residência do governador Carlos Lacerda. No Recife, o governador Miguel Arraes é preso e, no Rio, a sede da UNE é incendiada. Jango retorna a Brasília de onde é aconselhado a ir para Porto Alegre, onde é recebido por Brizola. Brizola sugeriu um novo movimento de resistência, mas João Goulart não aceitou, para evitar o derramamento de sangue que ele sabia que adviria de uma guerra civil.O Gal. Arthur da Costa e Silva se autonomeou comandante-em-chefe do Exército e assumiu a frente do Comando Supremo da Revolução, que também incluía um representante da Marinha e um da Aeronáutica.

No dia 2 de abril, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, presidente do Congresso Nacional, convocou durante a madrugada uma sessão extraordinária no Congresso e declarou a vacância de João Goulart no cargo de presidente, ignorando a informação passada por Darcy Ribeiro, seu Chefe de Gabinete, de que Jango estava no Brasil. Foi entregue o cargo de chefe da nação novamente ao presidente da Câmara dos Deputados Ranieri Mazzilli (ele havia assumido anteriormente a presidência após a renúncia de Jânio Quadros, enquanto Congresso e militares discutiam a posso de Jango). O general Costa e Silva enviou um comunicado aos militares se autonomeando comandante-em-Chefe do Exército.

Jango escondeu-se em São Borja, no Rio Grande do Sul, partindo no dia 4 para o exílio no Uruguai mudando-se mais tarde para a Argentina, onde faleceu em 6 de dezembro de 1976, de ataque cardíaco. A ditadura negou seu enterro com honras de chefe de estado, como já havia feito com JK, que morrera alguns meses antes, em 22 de agosto.

Em 9 de abril Costa e Silva edita o Ato Institucional nº 1 (AI-1). Ele permite a cassação de mandatos e a suspensão de direitos políticos. Na ocasião foram cassados os mandatos de 40 membros do Congresso Nacional, que tiveram seus direitos políticos cassados por dez anos, junto com outras 87 pessoas, dentre as quais o próprio Jango. Também foram transferidos 146 militares para a reserva. Também foram marcadas eleições indiretas em dois dias para Presidência e vice-presidência da República.

Em um Congresso Nacional já esvaziado devido a cassações e prisões, Costa e Silva anuncia, em 15 de abril, o Mal. Humberto de Alencar Castelo Branco como o novo presidente, com mandato definido até dezembro de 1966. Castello Branco havia se juntado ao golpe algumas semanas antes, e por seu grande prestígio despontou como favorito para liderar a formação de um novo governo, especialmente pela garantiria que oferecia de uma rápida devolução do poder aos civis. Políticos golpistas, como o Carlos Lacerda e o governador mineiro e banqueiro Magalhães Pinto, e oposicionistas ao golpe, como Juscelino Kubitschek, votaram em Castello Branco, pois viam nele a possibilidade de retorno às eleições democráticas para presidente em 1965, da qual todos eles tinham grande interesse em participar.

Entretanto, havia uma grande parte da caserna que pedia que fosse adotada uma linha mais dura no poder.   Com a derrota dos candidatos do governo nas eleições estaduais de 1965 Castello Branco viu-se obrigado a editar o Ato Institucional nº 2 (AI-2) que extinguiu os partidos políticos e cancelou as eleições diretas para presidente. A Revolução, como os militares até hoje tentam vender a imagem do Golpe de 64, ficava cada dia mais parecida com a feia ditadura que veio a se tornar.

Mas vamos dar mais uma olhada nos rumos dos acontecimentos:

Não. O ano não é mais 1964.

Agora estamos em 2014 e vemos, 50 anos depois, a história se repetindo em muitos aspectos. Entretanto, não é porque as peças estão dispostas da mesma forma que se deve utilizar a mesma estratégia de jogo. Até porque, como já sabido, da forma como foi anteriormente jogado não dá para dizer que houve vencedores. Se não dá para mudar as peças, que se mudem as estratégias. E para isso a democracia tão duramente reconquistada nos dá o direito de mudarmos os jogadores.

Buscando saber mais?

Livros:

GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada.  2ª Ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. Mais informações disponíveis em  http://arquivosdaditadura.com.br/

GASPARI, Elio. A Ditadura Escancarada. 2ª Ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. Mais informações disponíveis em  http://arquivosdaditadura.com.br/

GASPARI, Elio. A Ditadura Derrotada. 2ª Ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. Mais informações disponíveis em  http://arquivosdaditadura.com.br/

GASPARI, Elio. A Ditadura Encurralada. 2ª Ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. Mais informações disponíveis em  http://arquivosdaditadura.com.br/

CONY, Carlos Heitor. O Ato e o Fato: o som e a fúria das crônicas contra o Golpe de  1964. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.

ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil nunca mais. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 1985. Mais informações disponíveis em http://bnmdigital.mpf.mp.br/

Filmes:

Jango. Direção de Silvio Tendler, 1984.

O que é isso, companheiro? Direção de Bruno Barreto, 1997.

Pra frente, Brasil. Direção de Roberto Farias, 1982.

Lamarca. Direção de Sérgio Rezende, 1994.

Marighella. Direção de Isa Grinspum Ferraz, 2011.

Compartilhe este conteúdo: