Dionísio – o deus do vinho, da loucura, do êxtase e da tragédia

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Dioniso (Baco para os romanos) possui três outros epítetos: Iaco, Brômio e Zagreu.

Iaco é o deus que conduzia a procissão dos Iniciados nos Mistérios de Elêusis. Brômio é “o ruidoso, o fremente, o palpitante”, significação que se harmoniza perfeitamente com a agitação e o tremor, acompanhados de estertores e surdos rugidos, que assinalavam o estado de transe com a presença do deus que se apossou de seus adoradores.

Zagreu é um dos nomes pelos quais é chamado o deus do êxtase e do entusiasmo no mundo mediterrâneo e particularmente, ao que parece, na ilha de Creta, onde possivelmente Zagreu teve o seu berço (Brandão, 1987).

Era filho de Zeus, mas dentre os deuses olímpicos foi o único a ter mãe mortal, Semele.

O mito de seu nascimento conta que primeiramente da união entre Perséfone e Zeus (sob a forma de serpente) surgiu o deus Zagreu. Hera, ciumenta, persuadiu os Titãs a atacarem o deus enquanto ele se olhava em um espelho. Não só os Titãs o despedaçaram como também comeram os pedaços do seu corpo com exceção do coração que Atena resgatou.

Atena trouxe a Zeus o coração e este o usou para preparar uma poção com a qual engravidou Semele, que então gerou Dioniso.

Semele ficou grávida, o que provocou o ódio de Hera. Para se vingar disse a Semele eu pedisse ao amante para se mostrar em todo o seu esplendor, da mesma forma que aparecia a Hera. Não podendo negar seu pedido, Zeus aparece a ela em sua carruagem de raios e trovões, o que levou Semele a morte. Zeus pega então o menino prematuro e o costura em sua coxa. Ao nascer, Zeus enviou Dioniso a irmã de Semele, Ino e o cunhado Atamante e ordenou que fosse criado como menina.

Mesmo assim Hera descobriu e enlouqueceu o casal que tentaram matá-lo, mas Zeus novamente o salva e o leva as ninfas do monte Nisa.

Seu tutor Sileno lhe ensinou os segredos da natureza e da produção de vinho. Sileno era descrito como o mais velho, o mais sábio e o mais beberrão dos seguidores de Dioniso, e era descrito como tutor do jovem deus nos hinos órficos. Era representado como estando quase sempre bêbado e tendo de ser amparado por sátiros ou carregado por um burro.

Adulto, a raiva de Hera tornou Dioniso louco o fazendo cometer assassinatos. Assim ele passa a vagar por várias partes da Terra. Ao chegar em Frígia, a deusa Cíbele o curou e o instruiu em seus ritos de iniciação. Curado, ele atravessa a Ásia ensinando a cultura da uva. Ele foi o primeiro a plantar e cultivar as parreiras, dessa forma ele passa então a ser cultivado como deus do vinho.

As árvores a ele consagradas são: a videira, a figueira a hera e os pinheiros. Seus animais consagrados são: o touro, o bode, a pantera, a corça, o leão, o leopardo, o tigre, o asno, o golfinho e a serpente (Bolen, 1990).

Dioniso é um deus que está sempre rodeado de mulheres. Portanto o mundo feminino lhe é familiar. Ele é também um deus da vegetação e está intimamente ligado a Demeter.

Como arquétipo Dioniso está ligado a operação alquímica da solutio, uma vez que ele representa a intensidade emocional capaz de dissolver os limites do ego. Por isso ele é um mobilizador de fortes emoções, desde as mais elevadas até as mais vis.

Conforme Edinger (2006).

“Na sua forma extrema, é selvagem, irracional, louca, desestruturada e estática. É inimiga de todas as convenções, leis e regras estabelecidas. Está a serviço não da segurança, mas da vida e do rejuvenescimento. O fraco e o imaturo podem ser destruídos pela sua força; o forte, como a terra inundada pelo Nilo, será fertilizado e revitalizado. Muitas síndromes clínicas traduzem uma identificação concreta com o princípio de Dionísio. O alcoolismo e a adição à droga são exemplos óbvios. Também o donjuanismo pode ser considerado uma forma de identificação com Dionísio, na qual o indivíduo se rodeia de mulheres em vários estágios de amor (Mênades) que o ameaçam de desmembramento psicológico por conflitos, obrigações e ligações. Dionísio assume um caráter compulsivo quando acontece numa personalidade dissociada. Em outras palavras, Dionísio destrói o ego quando este, à maneira de Penteu, não está relacionado com o todo. Em circunstâncias favoráveis, promove a harmonia e dissolve as diferenças.”

O fato de não morrer, por ser imortal o aproxima do egípcio Osíris e também de Hades, o deus da morte, sendo que conforme Heráclito, Dioniso era um e o mesmo com Hades.

Nos mistérios Eleusis, Dioniso descia ao submundo e se unia a Perséfone, sua mãe, sendo uma representação do filho-amante da deusa.

Pelo fato de ser retratado por vezes como criança, Dioniso se aproxima da figura do eterno adolescente, o puer aeternus, que é caracterizado pela pessoa intensa e emotiva, que não consegue encontrar objetividade em meio as suas paixões e é devorado pelas emoções. Vive em busca do êxtase e frenesi. É viciado em fortes emoções, por essa razão vive em busca de sexo, ou drogas. A pessoa tomada por esse arquétipo se torna alguém muito temperamental, passando do frenesi ao desespero sem razão aparente.

A mãe biológica de Dioniso morreu, sendo então cercado por amas de leite e cuidadoras. A separação física entre mãe e filho aqui nos mostra que, acarreta uma idealização da figura materna e no caso dos homens, ocorrerá uma busca por mulheres que sejam mães e amantes ao mesmo tempo, sendo que essas nunca chegarão aos pés de sua mãe interna. Vide que Dioniso, desce ao submundo, ou seja, ao inconsciente para se relacionar com sua mãe divina, Perséfone.

Nesse caso, o mito nos mostra que Dioniso está ligado ao mundo materno e ao inconsciente. O eu é contraditório para um deus que é um dos filhos favoritos de seu pai Zeus.

Isso ocorre, pois Dioniso não teve uma relação direta com Zeus, assim como seus irmãos Apolo e Hermes. Ele não figurava entre os olímpicos e permanecia em meio à natureza. Mas apesar disso Zeus reconhecia sua importância, pois sendo um deus ligado ao poder e a consciência ele sabia que essa força precisava ser equilibrada pelo caos e pela simplicidade representados por Dioniso.

Ele é um deus feminino-masculino sendo um símbolo do mediador entre esses o mundo do inconsciente e da consciência. Ou seja, ele pode ser considerado o xamã, aquele que torna possível o contato com o mundo dos arquétipos por meio dos sonhos e das fantasias.

Não é a toa que tem uma ligação tão forte com as mulheres, pois essas têm muito mais facilidade em entrar em contato com o irracional. Entretanto, ele pode ser um grande aliado no desenvolvimento da psique masculina fazendo-o entrar em contato com seu lado obscuro e emocional.

Dioniso e Hera formam um par de opostos. Ela deusa do casamento, ele deus do desregramento. Isso mostra que as emoções suscitadas por Dioniso fazem o individuo esquecer seu papel habitual.

O êxtase e o arrebatamento do deus podem transformar o individuo de forma positiva e negativa, dependendo da força do Eu. Os felinos como a pantera e o lince, dedicados ao deus, mostram isso. Ambos são animais belíssimos e fascinantes, mas ao mesmo tempo sanguinários. Suas Mênades quando tomadas pelo deus se transformavam enfurecidas e assassinas.

Se o ego não tiver alguma força, existe o perigo de literalizar essas emoções. Muitos assassinos são movidos pelo aspecto místico de Dioniso. Mas se o ego estiver saudável existe a possibilidade de ampliação da personalidade e de vivenciar emoções antes desconhecidas.

O desmembramento representado por Dioniso é um tema conhecido nas mitologias. Osíris e Jesus Cristo (por meio da crucificação), também simbolizam a morte e a ressurreição do deus, que sofre e padece.

O desmembramento assim como a crucificação simboliza o estar repartido entre opostos. Quando se está dividido entre várias possibilidades e isso causa sofrimento, Dioniso está presente. E isso possibilita a tomada de consciência quando percebemos vários aspectos incongruentes em nós mesmos.

Mas para que esse desmembramento seja positivo ele deve ser intercalado com a consciência, assim como mostra o mito onde Apolo e Dioniso revezavam o oráculo de Delfos. Apolo, deus solar, patriarcal, representante da consciência cedia ao irmão o oráculo durante três meses do ano. Isso significa que, em uma sociedade como a nossa centrada no logos e na consciência, devemos ceder um espaço em nossa vida ao irracional, ao êxtase e ao contato com nosso inconsciente para que possamos nos refazer e renascer, assim como o deus, para uma nova forma mais completa e mais ampliada.

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Héstia e o fogo sagrado da purificação

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Héstia, para os gregos, Vesta para os romanos, é uma deusa que simboliza os laços familiares, o fogo da lareira e a cidade. De acordo com a mitologia, é filha de Cronos e Reia, sendo uma das doze divindades olímpicas, e irmã mais velha de Demeter, Hera, Zeus, Poseidon, Hades.

Héstia era uma deusa casta. Rejeitou todas as investidas amorosas para se manter virgem, especialmente do belo Apolo e de Poseidon.Jurou virgindade perante seu irmão Zeus, e dele recebeu a honra de ser venerada em todos os lares e de ser incluída em todos os sacrifícios e permanecer em paz, em seu palácio, cercada do respeito de deuses e mortais.

Era representada como uma mulher jovem, com uma larga túnica e um véu sobre a cabeça e sobre os ombros. Havia imagens nas suas principais cidades, mas sua figura severa e simples não ofereceu muito material para os artistas. Sendo a mais velha entre os irmãos, Héstia era a mais sábia e a mais honrada e, além disso, evitava completamente o poder.

Uma Deusa com um temperamento introvertido, cujo enfoque era a interioridade e a espiritualidade. Estava mais para um conceito abstrato, o conceito do fogo, da lareira, do que para uma personificação como os outros deuses. Bastava o fogo para representá-la. Isso explica o fato de ela não ser tomada como uma divindade pessoal.

Conforme Junito Brandão (1986), Héstia é a personificação da lareira colocada no centro do altar; depois, sucessivamente, da lareira localizada no meio da habitação, da lareira da cidade, da lareira da Grécia; da lareira como fogo central da terra; enfim, da lareira do universo. É, portanto, a lareira em sentido estritamente religioso.

Personificação da moradia estável, onde as pessoas se reuniam para orar e oferecer sacrifícios aos deuses. Sendo, adorada como protetora das cidades, das famílias e das colônias.

Héstia simbolizava o lar e o centro sagrado onde se encontra nossa interioridade. Esse significado de interior e centralização faz alusão ao Self. Sendo que o processo de individuação é uma constante busca de relacionamento com esse centro chamado Self, ousi-mesmo. Podendo ter como alegoria a volta para casa, para o lar, para a intimidade mais profunda.

Outro aspecto interessante, é que os antigos costumavam se reunir ao redor do fogo da lareira para contar histórias. Esse círculo remete a umamandala. E reunir-se ao redor de um centro contando “causos” nada mais é que um acesso ao inconsciente coletivo.

Enquanto arquétipo, então, pode-se afirmar que Héstia representa a atenção para o centro espiritual da personalidade.Um arquétipo de centralização interior.

Portanto, pode-se afirmar que a interiorização é extremamentenecessária para a busca do si mesmo. Uma vez que o processo de individuação é bastante solitário. Não dá para individuarmos em meio a uma multidão, ou em um barzinho.

Portanto, Héstia vem nos mostrar, por meio do seu mito, que momentos de solitude são essenciais para esse desenvolvimento. Apesar de não ser uma deusa aventureira como Artemis e Atena, Héstia compartilha com essas duas deusas o título de virgem. Ou seja, ela não era vitimada pelas divindades masculinas ou pelos mortais. Isso lhe confere um caráter de inteireza, unicidade e integridade. Outra referência à totalidade. Estar inteiro em si mesmo, é a meta da individuação.

Outra característica importante dessa deusa é a sua ligação com o fogo. Na antiga Roma, as Vestais (sacerdotisas da deusa Vesta, a Héstia romana), deveriam permanecer virgens durante todo o sacerdócio, que durava cerca de 30 anos. E durante o sacerdócio a principal atividade desenvolvida por elas, era a de manter o fogo sagradoaedesvestae, localizado ao lado da Casa das vestais e ao sudoeste do Fórum Romano, sempre aceso.

O fogo é o representante das paixões, das fortes emoções que queimam a pele, do desejo, da libido. O fogo queima, reduz às cinzas. Também é um elemento que opera no centro das coisas, pois écentrado em si mesmo. Além disso, ele está em constante evolução, pois não consegue ficar “parado”.

O elemento fogo é um dos mais frágeis dentre os quatro elementos. Basta observá-lo e perceber que tanto a água, quanto o ar e a terra podem eliminá-lo. É o único elemento que pode ser extinto. Portanto, vemos um paradoxo no fogo, além de ser extremamente destrutivo ele possui em si a fragilidade.

Na Alquimia, o fogo estava ligado àoperação conhecida como Calcinatio. Cujo processo químico consiste no intenso aquecimento de um sólido a fim de retirar dele toda a sua água.

Retirar toda a água significa evaporar as emoções que não servem mais. É uma renovação das emoções, pois a água parada cria limo, atrai insetos e perde, portanto a sua pureza, contaminando a psique com o veneno da emoção não trabalhada. Mas como um elemento que simboliza emoções fortes, destrutividade, libido e até sexualidade pode estar relacionado a uma deusa comedida, virgem e pura?

Parece incoerente, mas não é. Edinger(1995) diz que o processo da Calcinatio vem da frustração dos desejos famintos e instintivos. Somente a provação do desejo frustrado pode levar ao desenvolvimento da personalidade.

Portanto, suportar a frustração do desejo (representado em Héstia pelo desejo sexual) leva a interiorização e ao centro de si mesmo. A queima dos afetos pelo fogo leva a uma desidentificação com eles.

A pureza de Héstia nos lembra que o fogo destrói tudo o que é impuro, sendo então,o arquétipo de purificação. A purificação pela compreensão, levando a conscientização dos instintos até então inconscientes, os levando então a sua forma mais espiritual, pela luz da verdade e da consciência.

Héstia, portanto, simboliza o significado da personalidade, conferindo um ponto de referência interior que permite ao indivíduo permanecer firme em meio da confusão, desordem e afobação do dia-a-dia. Com Héstia entramos em contato com a luz e o calor interior nos sentindo aquecidos pelo fogo espiritual do si-mesmo.

 

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Hermes: o guia das almas

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O Deus Hermes é um deus extremamente popular na Mitologia Grega. É uma divindade muito antiga, já sendo cultuado na história pré-Grécia antiga.

Cheio de atributos, é um deus da fertilidade, dos rebanhos, da magia, da divinação, das estradas e viagens, entre outros atributos.

Filho do deus Zeus e da deusa Maia, nasceu em um dia quatro (número que lhe era consagrado), em uma caverna do monte Cilene, ao sul da Arcádia. O menino revelou-se de uma precocidade extraordinária, apesar de enfaixado e colocado no vão de um salgueiro, árvore sagrada, símbolo da fecundidade e da imortalidade, o que traduz, de inicio, um rito iniciático.

No mesmo dia em que veio à luz, desligou-se de suas faixas, dando uma demonstração clara de seu poder de ligar e desligar, e viajou até a Tessália. Lá furtou uma parte do rebanho de Admeto, guardado por Apolo.

Efetuou o furto amarrando ramos na cauda dos componentes do rebanho, para que, enquanto andassem, fossem apagando os próprios rastros. Chegando a uma gruta sacrificou duas novilhas aos deuses, dividindo-as em doze porções, embora os deuses olímpicos fossem apenas onze. Nesse instante Hermes acabava de promover-se a décimo segundo e a mensageiro dos deuses.

Após esse episódio, encontrou uma tartaruga no caminho, retirou-lhe a carapaça e, com as tripas das novilhas sacrificadas, fabricou a lira. Mostrando toda sua inteligência.

Hermes e Argos – Negri Petri 1635-40.

Apolo, irmão de Hermes, descobriu o roubo e o acusou formalmente perante Maia, que negou que pudesse o menino, nascido há poucos dias, ter praticado semelhante delito. Apolo apelou para Zeus, que interrogou ao filho, persistindo este na negativa. Zeus, convencido da mentira do filho, obrigou-o a prometer que nunca mais mentiria. Zeus, contudo, acrescentou que Hermes não estaria obrigado a dizer a verdade por inteiro.

Como Apolo encantado com o som que Hermes arrancava da lira, trocou seu rebanho roubado pelo instrumento.

Em outra ocasião, Hermes criou a “flauta de Pã”. Tendo Apolo gostado da flauta, propôs-lhe uma troca: ofereceu em troca o “cajado de ouro” (Caduceu), que usava para guardar o gado. Hermes aceitou, pedindo, além do cajado de ouro, lições de adivinhação.

Apolo assentiu. Desse modo, o caduceu de ouro passou a figurar entre os atributos principais de Hermes, que, de resto, ainda aperfeiçoou a arte divinatória, auxiliando a leitura do futuro por meio de pequenos seixos.

A Mitologia descreve Hermes como uma divindade complexa, com muitos atributos e funções.

Suas principais qualidades são a flexibilidade, inconstância, imparcialidade, ausência de fixação, e também a sedução, a mentira, a adivinhação e astúcia. Mas principalmente a inteligência.

Hermes é o deus da inteligência no sentido mais amplo do termo.

Devido ao roubo do rebanho, Hermes se tornou um deus agrário, protetor dos pastores nômades e dos rebanhos.

Pela astúcia utilizada ao furtar o rebanho de Apolo, pode-se observar no deus qualidades de “Trickster”.

Conforme Carl Jung (2002) o Trickster possui uma tendência às travessuras astutas, em parte divertidas, em parte malignas, mutabilidade, dupla natureza animal-divina, vulnerabilidade a todo tipo de tortura e uma proximidade a figura de um salvador.

Hermes, então, enquanto Trickster representa o símbolo de tudo que remeta a astúcia, ardil e trapaça; sendo considerado amigo e protetor dos comerciantes e dos ladrões.

Além disso, é considerado o “menos olímpico dos imortais”, pois sempre gostou de se misturar com os homens. Zeus disse-lhe certa vez; -“Hermes, tua mais agradável tarefa é ser o companheiro do homem; ouves quem estimas”, ampliando-lhe, assim, as funções e tornando-o companheiro do homem e dispensador de bens.

É também regente das estradas, pois se locomove com incrível velocidade, devido às sandálias aladas que usa.

Hermes não se perdia na noite devido ao seu domínio sobre as trevas, o que o torna um deus lunar.

Conhecedor dos caminhos, sem ponto fixo e sem morada definida, Hermes é o mensageiro dos deuses entre eles, e mensageiro entre deuses e homens. É aquele que transmite toda ciência secreta.

Hermes possui parentescos como o romano Mercúrio, o africano Exu, o egípcio Thot e o hindu Ganesha. Ambos representantes do mensageiro e deuses de grande inteligência e astucia.

No âmbito da psicologia analítica, Hermes pode ser considerado o arquétipo do psicopompo.

Psicopompo é uma palavra que tem origem no grego psychopompós, junção de psyché (alma) e pompós (guia) e designa um ente cuja função é guiar ou conduzir a percepção de um ser humano entre dois ou mais eventos significantes. Este guia interior pode ser de natureza humana, (na mitologia grega como Ariadne), animal (coelho de Alice no País das Maravilhas) ou espiritual (como no caso de Hermes).

Hermes por diversas vezes conduziu as almas dos mortos a Hades, e também as trouxe à luz, quando solicitado. Um exemplo disto é quando Hermes conduz Perséfone do mundo de Hades novamente para a sua mãe Demeter.

Portanto, a capacidade desse Deus de lidar com os três níveis – o inferior, o terreno e o superior, o torna capaz de trazer mensagens do inconsciente para a consciência, possibilitando que os conteúdos reprimidos (sombra) e o nosso lado não digno sejam elaborados e resignificados. Sendo então, um aquele que possibilita a revelação de um símbolo ou sentido de orientação, necessário para a continuidade da trajetória individual de quem o encontra.

Quando o indivíduo se encontra em um estado de identificação unilateral com o ego e a vida consciente, podemos ser surpreendidos por eventos que desestruturam nosso equilíbrio emocional. Nessas ocasiões Hermes se fará presente, fazendo traquinagens a fim de restabelecer a integridade psíquica, e promovendo a enantiodromia, levando o indivíduo a lidar com o seu inconsciente por meio de neuroses, somatizações e outras dificuldades psíquicas.

Hermes é também a inspiração criativa. É aquele que guia a idéia certa, a palavra certa no momento certo.

Sua presença se constela muitas vezes no processo psicoterapêutico conduzindo o individuo em sua transmutação e em seu processo de individuação.

Portanto, a presença deste arquétipo é de grande importância para o processo de individuação, uma vez que o individuo deve aprender a negociar (assim como Hermes negociou com Apolo) com as demandas do inconsciente e do mundo externo.

Além disso, esse arquétipo vem nos lembrar que ato de se tornar consciente, deve passar pelo nosso lado menos bonito, menos digno, aquilo que não agrada o coletivo e que constantemente desprezamos, mas que é extremamente necessário para entrarmos em contato com outros lados de nossa personalidade. Pois somente aquilo que evitamos é que pode nos curar!

Hermes tem o poder de lutar contra as forças sombrias, porque as conhece. Ele conhece o lado bom e ruim. Sabe distinguir opostos e lidar com eles. Ele possui a flexibilidade de se deslocar entre os opostos e não se identificar fortemente com nenhum dos lados.

Não sendo apenas um deus olímpico, mas igualmente ou, sobretudo um “companheiro do homem”, pode fornecer o conhecimento a todo aquele que o buscar tornando-se invulnerável a toda e qualquer obscuridade. Aquele que é iniciado pelo luminoso Hermes é capaz de resistir a todas as atrações das trevas, porque se tornou igualmente um “perito”.

 

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Cronos e a passagem do tempo

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Cronos é a divindade suprema da segunda geração de deuses da mitologia grega, correspondente ao deus romano Saturno. Deus da agricultura e também símbolo do tempo cronológico. Filho de Urano, o Céu estrelado, e Gaia, a Terra, é o mais jovem dos Titãs.

Casou-se com sua irmã Réia e com ela teve seis filhos: Deméter, Héstia, Poseidon, Hades, Hera e Zeus.

Sua lenda conta que seu pai Urano, tão logo nasciam os filhos, devolvia-os ao ventre materno, pois tinha medo de ser destronado por um deles. Gaia, sua mãe, então resolveu libertá-los e pediu aos filhos que a vingassem e a libertassem do terrível marido. Todos se recusaram, exceto Cronos, que odiava o pai. Gaia, então lhe entregou uma foice e quando Urano se deitou, à noite, sobre a esposa, Cronos cortou-lhe os testículos e os jogou no mar.

Com isso, após expulsar o pai, Cronos toma seu lugar e se torna tão déspota quanto o pai.

Temendo uma profecia segundo a qual seria tirado do poder por um de seus filhos, ele passa a engoli–lós ao nascerem. Assim comeu todos seus filhos exceto Zeus, que Réia conseguiu salvar enganando Cronos. Grávida de Zeus, Réia fugiu para a ilha de Creta e lá, secretamente, no monte Dicta, deu à luz o caçula. Envolvendo em panos de linho uma pedra, deu-a ao marido, como se fosse a criança, e o deus, de imediato, a engoliu.

Quando Zeus cresceu, iniciou uma longa e terrível guerra contra seu pai Cronos, solicitando para esse feito o apoio de Métis – a Prudência – filha do Titã Oceano. Esta ofereceu a Cronos uma poção mágica, que o fez vomitar os filhos que tinha devorado.

Zeus, então o expulsou do Olimpo, banindo-o com seus titãs aliados para o Tártaro, lugar de tormento, depois de uma guerra de dez anos que ficaria conhecida como titanomaquia. E assim como o pai simbolizava o tempo, ao derrotá-lo, Zeus tornou os deuses imortais.

Como arquétipo, Cronos representa a passagem do tempo, a velhice, as tradições. Nele encontramos as limitações da vida mortal. É natural que um soberano com a idade seja substituído por um de seus filhos, entretanto Cronos não aceita bem a passagem do tempo e a perda da fertilidade e do poder, por isso engole seus filhos.

Escultura Romana do séc. II a.C.

Ele somente encontra a sabedoria na velhice, quando é inevitavelmente expulso por Zeus e se torna um deus agrário. Porém isso ocorre de uma forma amarga e com muito sofrimento. Cronos, portanto representa o corpo físico, que envelhece de forma inexorável e ao mesmo tempo se rebela contra seu destino fatal.

Esse arquétipo também representa os complexos paternos que herdamos. Uma maldição familiar. Uma vez que Cronos repete a mesma insanidade, que seu pai cometeu com ele.

Saturno devorando um filho, GOYA (1819).

Esse arquétipo nos diz que devemos aceitar nossa condição mortal e isso se dá por meio da separação dos pais e da infância. Aceitar a maturidade nos traz sabedoria. Somente assim podemos parar de fantasiar que alguém virá como num passe de mágica transformar a nossa vida em um aconchego eterno. E então, passamos a assumir a responsabilidade dos nossos atos e escolhas. A maturidade do espírito faz com que diminuamos as projeções.

Nosso lado adolescente, que não quer “crescer” irá se rebelar, porém, se aceitarmos isso poderemos evitar muitas amarguras e descontentamentos e poderemos encontrar a sabedoria.

 

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As lições de Prometeu

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As narrativas sobre as origens do mundo e da humanidade sempre foram objetos de minha atenção. As questões filosóficas sobre “quem somos nós, o que devemos e podemos fazer, de onde viemos e para onde vamos” trazem “embutidinhas” algumas outras, que me permito escrever de uma forma mais livre: “E aí, tem alguém que nos mandou para cá? Existe algo antes e depois?”.

Nessas “embutidinhas” deparo com narrativas que se aproximam em aspectos literários e de conteúdos. Uma das narrativas que me encanta é a de Prometeu, como também nas versões cujas estruturas iniciais se aproximam das histórias de tradição judaico-cristã, como o livro do Gênesis. A necessidade que temos de saber de nossas origens, enquanto humanidade, em muitos momentos confunde-se com o desejo de saber sobre nosso futuro… ou seja, a história narrada da criação passada do mundo não seria uma projeção (in)consciente para um possível futuro. É preferível a fantasia do paraíso perdido que um nada cabal.

Fonte: http://www.imagick.org.br/pagmag/pardal/mitologia/prometeu.html

No princípio havia o vazio que foi preenchido. Essa massa ganhou vidas. Uma delas se destacou sobre as outras, tanto que necessitava de explicações para sua existência. E criou narrativas para se justificar e representar frente aos seus e à espécie como um todo.

As narrativas antigas, diferentemente daquelas pós-newtonianas, trabalhavam com elementos transcendentais, isto é, que iam além do observado fisicamente. E vêm deuses, deusas e uma miríade de criaturas e forças que trazem como base comum esse desejo de explicar o surgimento e fortalecer uma ideia de futuro.

A história de Prometeu me encanta muito porque é uma lição de vida. A história sobre como tirar dos deuses (roubar para alguns) algo que pertence a nossa humanidade, isto é, a capacidade de lidar com as artes e as técnicas. Isso que Kant explicitou séculos e séculos depois sobre o estado de maioridade da razão humana, essas bases narrativas prometeica e adâmica (são muito próximas as ideias do roubo do fogo e a do fruto da árvore do conhecimento dos hebreus) metaforicamente tentavam explicar.

Os deuses puniram a ambos os “ladrões”, de formas diferentes nas narrativas, mas deixaram sua marca de divindades. Ai é que se encontra o fascinante. No desejo de se sustentar como ser humano, mesmo com o castigo, enfrenta-se a divindade. Prometeu me auxilia a criar minha biografia como ser humano quando enfrento meus deuses e diabos. Primeira lição.

“Querer o fogo” é o desejar aprender como aprender, é um passo muito sério na jornada de autoconhecimento. Se não se consegue, frustra-se, castra-se, sublima-se, recalca-se… não necessariamente nessa ordem, mas sempre com um sentimento de perda de algo que nunca foi preenchido. Prometeu me lança para o sentimento de perdas sem nada ter perdido ou ganhado. Como ser humano, possuo essa antevisão (Προμηθε?ς) de ser e estar. Segunda lição.

Os deuses são arrogantes, imagens superampliadas e, por vezes, distorcidas, do que gostaríamos de ser. Vaidosos, vingativos, sorrateiros, intrometidos, lobos escondidos debaixo de peles de ovelhas. A criação de Pandora explicita muito bem isso: para se vingar do fogo roubado, Zeus ordenou a Hefesto a criação de uma estátua que tivesse a beleza dada por Afrodite, a oratória de Hermes, a beleza e musicalidade de Apolo, a inteligência de Atenas – mas a tudo isso, também um dos defeitos de cada um. Os deuses são assim, primeiro se mostram charmants e depois vêm os delírios e as loucuras insanas da maldade. Divindades são reflexos de nossos eus mal refletidos em espelhos distorcidos, o fogo não lhes pertence. Terceira lição.

Como enganar a um deus com tais qualidades e defeitos? A riqueza da artimanha de Prometeu foi tamanha que a raiva e o desejo de vingança de Zeus foram incomensuráveis. Cuidado com os deuses, eles não são confiáveis. Quarta lição.

Uma das artimanhas dos deuses para real vingança contra Prometeu foi a vinda de Pandora, próxima à Eva judaico-cristã ou a coquete Lilith (?), para tentar seu irmão, Epitemeu ( “aquele que pensa após”).  Pandora e Eva são inocentes frente aos discursos machistas que ainda ousam defender as ligações entre o feminino e pecado. Isso é coisa retrógada e fede ao bolor das morais conservadoras! Respeitem as mulheres, sem demagogia, mesmo que Pandora tenha aberto sua caixa e soltado os males mundo afora, pelo menos a esperança ficou lá retida. Mulher e esperança caminham juntas. Quinta lição.

Fonte: http://gabrielverdiny.blogspot.com.br/2011_04_01_archive.html

Fonte:http://eventosmitologiagrega.blogspot.com.br/search/label/Mito%3A%20Prometeu%20e%20Epimeteu%20os%20criadores%20das%20criaturas

Acorrentado, preso, como um titã era imortal, mas uma ave de rapina vinha lhe comer o fígado todos os dias. Entranhas abertos. À noite, recompunha-se o titã. No dia seguinte,para sempre Prometeu viveria todas as dores do dia anterior. Que deus mais cretino para apreciar essa cena cotidiana, não importa se fosse sua criatura ou um semelhante a si. Trate bem de seu deus, saiba como dialogar com ele-ela-elo e jamais lhe abra espaço para tais permissividades. Deuses não são pets e nós não somos pets deles. Lição seis.

Mas quem é esse Prometeu? Pois bem… é a história de um senhor que não para contar à criançada na hora de dormir. Ou eles se ficarão impressionados com possíveis pesadelos durante o sono ou nos assustarão pedindo algum aplicativo que traga o joguinho do cara tendo o fígado comido… Surpresas das TIC e dos TOCs derivados…

Em resumo ultrarrápido: Prometeu era descendente de deuses derrotados por Zeus. Veio viver nesse mundo. E do vazio criou a toda a humanidade por meio da barro da terra, tinha por irmão Epitemeu e alguns parentes, como Atlas. Prometeu era um gigante bondoso, na criação dos seres humanos, teve ajuda de Atenas que soprou sobre as imagens de barro a vida.

“Pelados e com as mãos nos bolsos” essas criaturas eram mais indefesas que os outros animais, também criados. E Prometeu ensinou a elas  artes e técnicas para sobreviver. Ainda não satisfeito e com raiva dos deuses – por que somente eles podiam deter bens que a todos deveriam estar compartilhados? – roubou parte do fogo do rastro da carruagem do Sol.

Trouxe o fogo – calor, aquecimento, proteção- para a humanidade. Ultrajado com mais aquela afronta, Zeus além de enviar Pandora, que trouxe muita coisa ruim na caixinha famosa, arremeteu um castigo atroz a Prometeu: seria acorrentado num penhasco do Cáucaso, e diariamente uma águia (ou abutre dependendo da tradução e dos escritos primevos) viria a devorar-lhe o fígado. Ele se regeneraria e no dia seguinte, o ciclo do sofrimento retornaria.

Esse castigo continuaria eternamente se Hércules, um semideus, não o aliviasse daquela selvageria. Para enganar Zeus, Prometeu livre fez um anel com parte da rocha do Cáucaso. Zeus quando queria monitorar se ele continuava preso verificava pelas vibrações da rocha. Não sei se Prometeu viveu para sempre feliz como nos contos a la Era uma vez”.

Ele me marca por essa coragem de enfrentar as forças que se pressupunham poderosas, onipotentes e oniscientes de tudo. É um exemplo, como bom mito, que tanto serve para enaltecer a coragem quanto para fazer com que se exercite a prudência nos enfrentamentos com situações, pessoas e grupos diferentes daquilo que se pressupõe como racional e razoável.

Bibliotecas físicas e digitais, textos impressos e by web pululam de informações sobre Prometeu. Existem inúmeros ângulos de análise. Algumas delas incríveis, outras nem tanto. Entretanto, para quem quiser se iniciar em leituras mais sérias (e também gostosas), é importante se aventurar pelas fontes clássicas de Platão (Protágoras), Ésquilo (Prometeu), Hesíodo (Teogonia; Os trabalhos e os dias) e Ovídio (Metamorfoses).

Fonte: http://www.overmundo.com.br/overblog/um-prometeu-desvairado

Detalhes sobre a família (pais, irmãos, esposa ou esposas, filho ou filhos), conhecimento práticos, o que aconteceu com Epitemeu e Pandora, quem substituiu Prometeu no rochedo, porque o fígado e não o coração a ser bicado todos os dias, perfil astrológico, qual carta representa em algum tarô “plusmoderno”, panteão de deuses e dos companheiros titãs, “endereço para correspondência ou em alguma rede social” encontram-se disseminadas internet afora.

 

Fonte: http://mapasdocaminho.blogspot.com.br/2012/01/o-mito-de-prometeu.html

 

Existem muito mais aprendizagens que podem ser retiradas nas leituras das versões de Prometeu. Tenho essas lições que Prometeu me ensinou, poderia até ser pretensioso em escrever: das lições que Prometeu deixou para mim (parece até construção frasal próxima às palavras de Roberto Carlos na música: – “Hoje, lembro das canções que você fez pra mim…”, prefiro na versão com Maria Bethania. Que me desculpe os fãs, Roberto é ótimo para Zeus, prefiro a sincrética Bethania).

Além das lições, algo marcante para além das narrativas e reflexões sobre Prometeu e seus feitos, são importantes as ilustrações que foram elaboradas. Ao longo do texto, trouxe algumas delas, apenas mencionei os sites originários, não os autores. Lapso? Não. Opção.

Algumas delas, das ilustrações, transbordam de tragédia e outras de uma sensualidade, a sensibilidade e a técnica que ele nos trouxe ao roubar o fogo dos deuses, isto é, de nos permitir a pensar que se pode existir sem muletas. E frente aos deuses, ele conseguiu vencer e continuar a viver.

 

Fonte: http://www.sinprorp.org.br/Cursos/2012/043.htm

Fonte: http://deltagata1.blogspot.com.br/2006_10_01_archive.html

 

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Amor Platônico em O Banquete: uma análise da definição ampla do Amor

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Ao lado de Fedro, muito provavelmente O Banquete é uma das obras mais importantes da filosofia clássica grega e que exerce forte influência no Ocidente até os dias atuais. Escrito por Platão por volta de 380 a.C., a narrativa faz referência ao filósofo Sócrates, que participou de um “banquete” na casa de Agatão (poeta ateniense) cujo tema principal na roda de conversa girou em torno do conceito de “Amor”.

A história (ou estória) se dá pela narração de Apolorodo, e começa descrevendo o convite que Sócrates fez a Aristodemo, para que o mesmo lhe acompanhe até um “banquete” na casa de Agatão. Todos à mesa, o diálogo começa com a discussão sobre o uso ou não da bebida alcoólica, tendo em vista que os convidados haviam exagerado em evento anterior, ao que fica acordado que cada um deverá beber como lhe convier.

Além do anfitrião Agatão, e de Sócrates e Aristodemo, também estão presentes Fedro, Pausânias (que seria amante de Agatão), Eriximaco (médico bastante conhecido da época), Alcibíades e Aristófanes (comediante que não perdia a oportunidade de tentar ridicularizar Sócrates).

O elogio ao Amor (Eros) foi o tema escolhido para discutir no local, tendo em vista que Eriximaco observou que tanto os poetas quanto os filósofos, até então, pouco – ou nunca – louvavam o Amor.

A primeira intervenção de Sócrates é no sentido de que os convidados definam o Amor, ao que a empreitada começa por Fedro. O rebuscado retórico, por sua vez, diz que o Amor é o mais antigo e honroso entre os deuses, tendo em vista que “genitores do Amor não os há”. Portanto, de acordo com Fedro, sendo o mais antigo, o Amor é a causa dos maiores bens.

Fedro é seguido por Pausânias, que propõe uma explicação dualista para o Amor, em que Eros na verdade é dividido entre o bem e o mal, o divino e o real. Na sequência, vem o discurso de Eriximaco, que explica que o Amor não exerce influência somente na essência, mas também no corpo, impingindo-lhe harmonia. Para Eriximaco, o Amor também não estaria apenas nos homens, mas nos animais, nas plantas, e na natureza como um todo. E para o médico, a exemplo de Pausânias, haveria dois tipos de Amor, um mórbido e outro sadio. “Até a constituição das estações do ano está repleta desses dois amores, e quando se tomam de um moderado amor um pelo outro os contrários de que há pouco eu falava, o quente e o frio, o seco e o úmido, e adquirem uma harmonia e uma mistura razoável, chegam trazendo bonança e saúde aos homens, aos outros animais e às plantas, e nenhuma ofensa fazem”, disse Eriximaco.

Aristófanes é o próximo a discursar. Ele fala dos três gêneros que inicialmente povoaram a Terra: o masculino, o feminino e o andrógino (lembremos que tanto na Grécia Clássica quanto na Helenística, o que hoje se define como Homoafetividade era tido como algo corriqueiro, nada extraordinário). Para ele, esses seres eram dotados de inúmeras qualidades (ausentes nos seres humanos atuais) e devido a arrogância desses “superseres”, os deuses tiveram que dividi-los (afinal, se os destruíssem, quem iria louvar/lembrar dos deuses?, lembrou Aristófanes); assim, o Amor estaria atrelado à busca constante de cada um desses novos seres (humanos divididos) por sua “metade perdida”. Ou seja, quem foi resultante do gênero masculino iria procurar outro, também masculino; o mesmo ocorria com os de origem feminina. Quem era do gênero dos andróginos, no entanto, iria procurar o seu gênero oposto (heterormatividade).

Depois de Aristófanes discursa Agatão. O anfitrião procura louvar o próprio deus, em todas as suas virtudes, num longo discurso típico do poeta.

Por último, a palavra chega à Sócrates, considerado o mais importante dos convidados. De acordo com o filósofo, “sendo o Amor, amor de algo, esse algo é por ele certamente desejado”. Sócrates alerta para o fato de que este amor só pode ser desejado quando lhe é ausente, e não quando já se tem, “pois ninguém deseja aquilo de que não precisa mais”. Ou seja, o conceito de Amor está atrelado somente àquilo que não se tem. Uma vez conquistado, já não representa mais o objeto de desejo.

Sócrates lembra que Eros é concebido da “falta”, tendo em vista que surge da relação entre Recurso e Pobreza. Assim, ele (o Amor) não estaria nem em um extremo, nem em outro, sendo visto então apenas como a intermediação de quem ama e de quem é amado, tirando do Amor a qualidade de um deus. O Amor é apresentado como ato relacional, portanto relativo. E os deuses não poderiam ser relativizados.

 

Considerações

Há várias abordagens interessantes em “O Banquete”, que certamente permearam – e ainda permeiam – de forma muito intensa a nossa sociedade. Este artigo irá abordar apenas três delas, pela complexidade e amplitude que a análise de todos poderia incorrer.

Primeiramente, há de se ater ao discurso de Eriximaco, de que o Amor se manifesta em tudo. Provavelmente o médico propôs esta assertiva sob a forte influência dos filósofos pré-socráticos, que defendiam a multiplicidade da realidade última através de conceitos como o atomismo, sendo que a ideia de deus estaria mais atrelada ao atual modelo de panteísmo. Assim, o Amor expresso em tudo (como o próprio conceito de deus em tudo), não seria exclusividade dos seres humanos e, logo, poderia ser identificado e acessado em qualquer coisa. Bastaria estar sensível a ele [o amor].

Mais à frente, com Aristófanes, há uma explicação extremamente bem elaborada sobre a origem dos seres. No decorrer da história, estes aspectos da metafísica (com gênese derivada dos “três sexos”), foram não só abandonados pela tradição judaico-cristã, mas de certa forma até combatidos através do conceito de Pecado Original e do sexo apenas como fim de procriação.

Em suma, para Aristófanes, o modelo que permeia o Amor é o da “cara metade”, ainda hoje louvado por certo “extremismo” de amor romântico, como destaca o filósofo Simon May, e que deixa a impressão de que “somos seres divididos”, por isso sofremos tanto. Este sofrimento, presume-se, só seria sanado quando encontrássemos nossa metade.

Por último, vem a abordagem de Sócrates. Primoroso, ele deixou uma grande contribuição ao atrelar o Amor a uma experiência, a um ato relacional, tirando-lhe o status de deus. Sendo assim, não haveria uma absolutização do Amor e, antes disso, toda a sua plenitude só poderia ser experimentada nas relações cotidianas de quem ama e de quem é amado.

Importante observar também que Platão não classifica o Amor em “Bem ou Mal”. Ele (o Amor) teria que transcender a esse dualismo emergente. Assim, apresenta-se como um dos maiores bens (no sentido de conquista) de um homem.

Provavelmente essa valoração do Amor por Platão, numa perspectiva que num primeiro momento parece inatingível, é o que deu origem ao termo “amor platônico”.

 

REFERÊNCIAS:

Conteúdo disponível nos fóruns da disciplina de Produção de Texto. Universidade Católica de Brasília Virtual – UCB Virtual. Curso de graduação, LINCENCIATURA em Filosofia .Disponível em: http://www.catolicavirtual.br . Acesso ao conteúdo com login e senha.

PLATÃO. O Banquete. Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraDownload.do?select_action=&co_obra=2279&co_midia=2 . Acesso em 20/05/2013.

Folha de São Paulo – Filósofos questionam supervalorização do amor romântico – Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1211142-filosofos-questionam-a-supervalorizacao-do-amor-romantico.shtml . Acesso em 23/05/2013.

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