“A aprendizagem não é apenas um processo cognitivo, é também afetivo”
Vygotsky
Na área educacional a atenção que outrora era voltada para o que ensinar (disciplinas e conteúdos) hoje é direcionada para como ensinar (modus operandi). Muito importante quanto às metodologias ativas de ensino que hoje são muito incentivadas, é a forma de ensinar que deve contemplar um arcabouço de novas atividades. Essa didática inclui atenção na práxis pedagógica observando o lugar do afeto na construção do conhecimento.
Para iniciarmos esta discursão é interessante resgatar alguns princípios básicos de características do ser. Para Wallon (1979), a personalidade é constituída por duas funções básicas: Afetividade e inteligência. A afetividade está relacionada às aos processos sensíveis internos e é percebido de acordo com a interação social do sujeito, tendo seu reflexo direto na construção da pessoa; A inteligência por sua vez vincula-se às sensibilidades externas e está voltada para o mundo físico, para a construção do objeto. Nessa perspectiva adentramos em nosso estudo sobre as relações existentes na construção do ensino-aprendizagem escolar.
Este estudo direciona-se aos processos ligados aos resultados de aprendizagem em estudantes crianças e adolescentes. Sabe-se que nesta última faixa etária é percebida um número alto de reprovações ou déficits na aprendizagem acrescidos de relatos de estudantes sobre relacionamentos sem afetividade entre docente e discentes.
Nesta perspectiva observa-se que nas relações entre sujeito e objeto do conhecimento, quando há afeto, tem como produto o incentivo à empatia, a motivação no estudante, aguçando a curiosidade, alterando assim a sua capacidade de interação no processo de construção do conhecimento. Há aqui uma relação intensa entre emoção e razão, uma vez que enquanto professores, somos desafiados a lidar com o sucesso ou o insucesso da não aprendizagem. Ou seja, dependendo da quantidade de afeto dispensada na construção deste conhecimento os resultados de sucesso aparecerão.
É compreensível refletir sobre a complexidade que envolve a discursão sobre afeto e aprendizagem escolar, dada a riqueza do ser humano, que é um ser multidimensional e que tem seu desenvolvimento mediado por estas dimensões. Segundo a Resolução publicada na Emenda da Constituição de 7 de abril de 1999 da Organização Mundial da Saúde, incluiu o âmbito espiritual no conceito multidisciplinar de saúde, que agrega, ainda, aspectos físicos, psíquicos e social. A resolução vai de encontro com a complexa e intensa conexão entre mente com o corpo, cujo resultado é a integração do ser humano biopsicosocioespiritual. Nesta dimensão integrativa que iremos discorrer.
Grandes foram as contribuições nos estudos relacionados a psicogênese do desenvolvimento infantil com os autores Piaget, Vygotsky e Wallon, que trouxeram grandes significados neste enfoque da aprendizagem. Piaget discorreu sobre a consciência que o sujeito aprende interagindo com o objeto do conhecimento, na medida em que questiona sobre este. Vygotsky ampliou este conceito quando afirmou que os sujeitos interagem com os objetos do conhecimento mediados pelo outro, o sujeito também é o que o outro diz sobre ele, ao internalizar a imagem criada pelo outro. Já Wallon, se destacou quando relacionou o desenvolvimento afetivo do ser com o meio, a inteligência, a emoção e o movimento.
Segundo Mahoney e Almeida (2000, p. 17), a teoria Walloniana apresenta “conjuntos funcionais que atuam como uma unidade organizadora do processo de desenvolvimento.” Tais aspectos se relacionam entre si desencadeando a formação da pessoa única, singular.
Não é de hoje que a reflexão sobre o desenvolvimento da afetividade na sala de aula vem permeando os meios acadêmicos, pois relatos de fracassos escolares geralmente são ligados à falta de afeto, acolhimento ou de empatia no relacionamento professor x aluno. Situação que desencadeia um olhar de pesquisa mais apurada no sentido de estabelecer relações diretas:
[…] as relações de mediação feitas pelo professor, durante as atividades pedagógicas, devem ser sempre permeadas por sentimentos de acolhida, simpatia, respeito e apreciação, além de compreensão, aceitação e valorização do outro; tais sentimentos não só marcam a relação do aluno com o objeto de conhecimento, como também afetam a sua autoimagem, favorecendo a autonomia e fortalecendo a confiança em suas capacidades e decisões. (LEITE E TASSONI, P.20)
Para o autor, a relação ente afeto e aprendizagem marca o sucesso do ensino onde por um lado teremos um professor desenvolvendo sua didática com mais leveza e tranquilidade e por outro verificamos um estudante motivado e engrenado no foco da aprendizagem.
Para Wallon, a emoção é o primeiro e mais forte vínculo entre os indivíduos. Suas expressões marcam sentimentos, estados ou ações presentes nas crianças. É fundamental observar o gesto, a mímica, o olhar, a expressão facial, pois são constitutivos da atividade emocional.
Nesta linha de pensamento o autor dedicou grandemente ao estudo da afetividade, adotando, além disso, uma abordagem fundamentalmente social do desenvolvimento humano. Buscou, em sua psicogênese, aproximar o biológico e o social. Atribui às emoções um papel de primeira grandeza na formação da vida psíquica, funcionando como uma amálgama entre o social e o orgânico. As relações da criança com o mundo exterior são, desde o início, relações de sociabilidade, visto que, ao nascer, não tem
“meios de ação sobre as coisas circundantes, razão porque a satisfação das suas necessidades e desejos tem de ser realizada por intermédio das pessoas adultas que a rodeiam. Por isso, os primeiros sistemas de reação que se organizam sob a influência do ambiente, as emoções, tendem a realizar, por meio de manifestações consoantes e contagiosas, uma fusão de sensibilidade entre o indivíduo e o seu entourage” (Wallon, 1971, p. 262).
Nesta linha de pensamento estão De La Traille, Oliveira, Dantas (2019) discorreram sobre as teorias psicogenéticas, suas relações com estímulos, afeto e aprendizagem, ressaltando a importância da afetividade na educação. O resultado desse estudo foi publicado em 2019 no livro chamado Teorias psicogenéticas em discursão, base teórica inicial para esse estudo. As análises dos três autores apontam para a relação saudável e verídica entre professor e aluno quando envolve a afetividade no ensino. Pode-se afirmar então que a comunicação afetiva é fundamental para uma educação efetiva.
Wallon estabelece uma distinção entre emoção e afetividade. Segundo o autor (1968), as emoções são manifestações de estados subjetivos, mas com componentes orgânicos. Dantas (2019) Traz este aspecto quando relata sobre a coordenação sensório-motor que começa pela atuação sobre o meio social antes de poder modificar o físico. O contato com este na espécie humana nunca é direto, é sempre intermediado pelo meio social, nas dimensões interpessoal e cultural. Ainda de acordo com a autora, a palavra carrega a ideia assim com o gesto carrega a intenção.
Como se pode verificar, Wallon (1968) defende que durante o processo de desenvolvimento do indivíduo, a afetividade tem um papel fundamental e decisivo na vida da criança. Na primeira infância tem a função de comunicação e interação com o mundo e à medida que esta criança cresce e entra na fase escolar, tal afetividade pode ser evidenciada pela sua aprendizagem positiva ou negativa. Concordo com o autor, uma vez que durante o processo pedagógico observa-se vários valores que devem serem respeitados para que haja sucesso no ensino-aprendizagem, um deles é a pedagogia assertiva e com afeto.
Não é difícil de lembrarmos das histórias contadas dos períodos anteriores onde a educação era pensada e elaborada de forma rígida, onde os padrões não eram nem de longe um ensino moldado de acordo com a subjetividade humana, mas de acordo com a dispensação do saber apenas. Ou seja, a ideia era “passar” o conhecimento e não construir este conhecimento. É nesta visão de construção do conhecimento que se destaca o ensino com afeto, onde o estudante é visto num aspecto de sua integralidade. Dessa relação sadia, a criança passa de um estado de total sincretismo para um progressivo processo de diferenciação, onde a afetividade está presente, permeando a relação entre a criança e o outro, constituindo elemento essencial na construção da identidade.
Da mesma forma, é ainda através da afetividade que o indivíduo acessa o mundo simbólico, originando a atividade cognitiva e possibilitando o seu avanço. São os desejos, as intenções e os motivos que vão mobilizar a criança na seleção de atividades e objetos. Para Wallon (1978), o conhecimento do mundo objetivo é feito de modo sensível e reflexivo, envolvendo o sentir, o pensar, o sonhar e o imaginar.
A afetividade no desenvolvimento humano, especialmente na Educação, envolve o olhar a criança estudante como m ser capaz de ter autonomia na construção do conhecimento e nas resoluções de conflitos em suas interações com o meio social. Nessa perspectiva o afeto entre professor e aluno colabora no desenvolvimento do estudante a amplia as possibilidades de aprendizagem significativa deste aluno. Nesta relação o professor é entendido como um agente necessário que age como um mediador facilitando o processo de convivência e aprendizagem entre o sujeito estudante e a escola.
Vygotsky (apud Oliveira, 1992) defende que o pensamento “tem sua origem na esfera da motivação, a qual inclui inclinações, necessidades, interesses, impulsos, afeto e emoção. Nesta dimensão estaria a razão, sendo assim uma compreensão do pensamento em sua totalidade só seria possível quando se entende a sua base afetivo volitiva do ser humano. Para o autor o conhecimento do mundo objetivo só acontece quando desejos, interesses, e motivações estão alinhados com a percepção, memória, pensamento, imaginação e vontade, em um encontro dinâmico entre parceiros (Machado, 1996).
A percepção de Vygotsky sobre os estímulos da aprendizagem está alicerçados nos parâmetros de atividades afetivas que observam o homem em sua totalidade social, psicológica e antropológica. Sua compreensão da Psicologia sócio-histórica nos permite enxergar com total clareza os estímulos gerados na educação afetiva. Tal fato se deve a sucessos de aprendizagens significativas onde os aprendentes relatam seus casos de amores com a escola, com os docentes que se colocavam como verdadeiros facilitadores de conhecimentos, conseguindo a proeza de empurrar alunos pra voos altos e cada vez mais altos, alunos esses que se tornaram amantes do conhecimento.
Goleman (1997), ao desenvolver o conceito de inteligência emocional salienta que aprendemos sempre melhor quando se trata de assuntos que nos interessam e nos quais temos prazer.
Concordo com o autor citado quando traz o estímulo à aprendizagem a motivação gerada pelo afeto. É inegável a bela relação da aprendizagem e afeto, quando se observa o prazer explícito para aceitar o conhecimento, a instrução e a construção deste em sala de aula. Deduz-se que o contrário possa ser verdadeiro quando aplicado à situação semelhante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observou-se então que na relação de ensino aprendizagem há fatores que influenciam diretamente positivamente os resultados.
É evidente que os apontamentos científicos colaboram para um ensino literalmente mais humanizado. Tal fato acontecerá quando a formação de professores contemplar saberes voltados aos temas da inclusão, da complexidade e da transdisciplinaridade. Sabe-se que a interação afetiva auxilia mais na compreensão e na modificação das pessoas do que um raciocínio brilhante, repassado mecanicamente. A afetividade, no processo educacional, ganha aplausos na sociedade onde busca-se ter resultados significativos a produções repetitivas e mecanizadas. Assim como o aluno precisa aprender sendo feliz, descobrir o prazer de aprender, os educadores têm o dever de ser feliz em sua práxis e contagiar os educandos com a maneira ímpar de facilitar e construir o conhecimento.
Vygotsky e Wallon descrevem o caráter social da afetividade, sendo a relação afetividade-inteligência fundamental para todo o processo de desenvolvimento do ser humano. É fato que cabe ao professor em sua arte de ensinar fazer a integração entre a razão e a emoção, transmitindo com exemplo a sua didática com afeto. Ao estudante por sua vez cabe receber a atitude e responder em sua devida proporção com uma aprendizagem assertiva. Nesta “dança educacional” o estudante se espelha no trabalho impecável do docente e o docente contempla com felicidade o resultado do seu trabalho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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DANTAS, H. (1992) Afetividade e a construção do sujeito na psicogenética de Wallon, em La Taille, Y., Dantas, H., Oliveira, M. K. Piaget, Vygotsky e Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus Editorial Ltda.
GOLEMAN, D. Inteligência Emocional. Lisboa: Temas e Debates, 1999
LEITE, Sérgio Antônio da Silva; TASSONI, Elvira Cristina Martins. A afetividade em sala de aula: as condições de ensino e a mediação do professor. Disponível em A afetividade em sala de aula: (unicamp.br) Acesso em 25 de setembro de 2021.
LE TRAILLE, OLIVEIRA, DANTAS, (2019) Piaget, Vigotski, Wallon: Teoria Psicogenéticas em discursão. São Paulo: Ed. Summus.
MACHADO, M. L. A. (1996) Educação infantil e sócio interacionismo, em Oliveira, Z. M. R. (org.). Educação Infantil, muitos olhares. São Paulo: Cortez.
MAHONEY, Abigail A.; ALMEIDA, Laurinda R. de, Henri Wallon – Psicologia e Educação. Edições Loyola, são Paulo, Brasil, 2000.
MAHONEY, A. A. (1993) Emoção e ação pedagógica na infância: contribuições da psicologia humanista. Temas em Psicologia. Sociedade Brasileira de Psicologia, São Paulo, n º 3, p. 67-72.
OLIVEIRA, M. K. (1992) O problema da afetividade em Vygotsky, em La Taille, Y., Dantas, H., Oliveira, M. K. Piaget, Vygotsky e Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus Editorial Ltda
WALLON, Henry (1973/1975). A psicologia genética. Trad. Ana Ra. In. Psicologia e educação da infância. Lisboa: Estampa (coletânea)
World Health Organization. Amendments to the Constitution. April, 7th; 1999.
O filme “Além da sala de aula”, chocante e impactante, foi inspirado em uma história real, na vida de Stacey Bess, famosa palestrante americana sobre educação. Mais do que uma obra cinematográfica, o filme evidencia a realidade de muitos professores pelo Brasil.
Na história, em essência, uma professora recém-formada vai em busca do seu primeiro emprego e ao contrário do que imaginava é contratada para uma escola pouco convencional, ou seja, tratava-se de um projeto social para os sem-teto. O projeto ficava em uma região de vulnerabilidade social (local de passagem para pessoas sem teto, como um albergue a céu aberto), as pessoas moravam em contêineres adaptados para quartos e ao lado da sala de aula passava a linha férrea que fazia tremer tudo durante a passagem de trens. A “escola” era carente em tudo: não tinha livros, equipamentos para aprendizagem, limpeza; as cadeiras e mesas estavam em condições precárias; assim como a estrutura física do local que tremia quando passava um trem ao lado da escola; e os alunos conviviam com ratos.
A protagonista (professora) inicialmente pensa em desistir já que não era o cenário que esperava e que fora preparada para atuar, todavia, ela reúne forças para encarar o desafio e paulatinamente, com seu esforço, vai conquistando a simpatia dos estudantes, dos pais e até da supervisão da educação local (pois a escola não possui diretor) que, ignorava a dificuldade dos professores e parecia pouco se importar com a situação dos estudantes.
Na tentativa de deixar a escola mais agradável, a professora trabalha na reestruturação da escola e com os próprios recursos compra equipamentos, faz limpeza no local e pinta. Além disso promove momentos de integração com a comunidade envolvendo pessoas do próprio abrigo que se põe a ajudar. Para suprir, pelo menos de maneira paliativa, a fome de alguns alunos, ela chega a levar comida para a classe. Chega, inclusive, a levar para sua casa uma das alunas que tivera o pai expulso do abrigo por ter sido pego com bebida alcoólica.
Enfim, é possível dizer que a presença de Stacey Bess (professora) realmente promove a mudança do lugar, impactando da transformação de estruturas e comportamentos.
Ao assistir ao filme o que parece mais evidente é a questão da afetividade e sua importância/impacto no processo de aprendizagem; e nessa perspectiva a escolha foi pelo teórico (e suas discussões) Henri Wallon.
Os grandes estudiosos, Jean Piaget e Lev Vygotsky já atribuíam importância à afetividade no processo evolutivo, mas foi o educador francês Henri Wallon que se aprofundou na questão.
Diferente de como se trata no senso comum, a afetividade não é simplesmente o mesmo que amor, carinho, ou concordar com tudo, ou seja, sentimento apenas positivo. De acordo com Wallon (apud DANTAS, 1992), o termo afetividade se refere à capacidade do ser humano de ser afetado positiva ou negativamente tanto por sensações internas como externas. A afetividade é, assim, um dos conjuntos funcionais da pessoa e atua, juntamente com a cognição e o ato motor, no processo de desenvolvimento e construção do conhecimento.
A dimensão afetiva ocupa lugar central, tanto do ponto de vista da construção da pessoa quanto do conhecimento, destaca Wallon (apud DANTAS, 1992). A emoção, uma das dimensões da afetividade, é instrumento de sobrevivência inerente ao homem, é “fundamentalmente social” e “constitui também uma conduta com profundas raízes na vida orgânica” (DANTAS, 1992, p. 85).
Segundo Wallon, o desenvolvimento humano acontece em cinco estágios, nos quais são expressas as características de cada espécie e revelam todos os elementos que constituem a pessoa. O estágio 1 é o impulsivo-emocional (de 0 a 1 ano), onde o sujeito revela sua afetividade por meio de movimentos, do toque, numa comunicação não-verbal; e estágio 2 é o sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos), em que a criança já fala e anda, tendo o seu interesse voltado para os objetos, para o exterior, para a exploração do meio; o estágio 3 é o personalismo (3 a 6 anos), fase da diferenciação, da formação do “eu”, da descoberta de ser diferente do “outro”; estágio 4, categorial (6 a 10 anos), em que a organização do mundo em categorias leva a um melhor entendimento das diferenças entre o “eu” e o “outro”; e estágio 5, a – puberdade, adolescência (11 anos em diante), em que acontece uma nova crise de oposição, ou seja, o conflito eu-outro retorna, desta vez como busca de uma identidade autônoma, o que possibilita maior clareza de limites, de autonomia e de dependência (MAHONEY & ALMEIDA, 2005, p. 22). Segundo ainda as autoras (2005), em todos os estágios do desenvolvimento humano, segundo a teoria de Wallon, a afetividade está presente em maior ou menor grau, haja vista a interação indispensável a esse processo, para a formação desse indivíduo como ser social, cultural e inserido, de fato, no meio em que vive.
De acordo com Henri Wallon, o primeiro ano de vida expressa a afetividade com maior intensidade. Por ela, o bebê se expressa e interage com as pessoas que, por sua vez, respondem a tais manifestações. Porém, a afetividade está presente em todas as fases da vida e podem ser exteriorizadas de três formas: (a) emoção, sendo a primeira expressão da afetividade e, normalmente, não controlada pela razão; (b) sentimento, que é a forma de expressão que já tem ligação com o cognitivo, ou seja, o indivíduo consegue sofre aquilo que o afeta; e (c) paixão, que a principal característica é o autocontrole (MAHONEY & ALMEIDA, 2005). Ainda de acordo com elas 92005), a emoção é a mais visível das expressões e pode ser manifestada, inclusive, por meio da fala. Com ela, o indivíduo consegue externalizar o que sente, desde seu nascimento. Trata-se da primeira manifestação de necessidade afetiva da criança, demonstrada quando chora ou quando ri.
Sendo a afetividade a dimensão que ganha mais destaque nas obras de Wallon é, também, aquela que mais se relaciona com a educação. Através dela, o educador consegue visualizar quando seu aluno está entusiasmado com determinada dinâmica e, ao mesmo tempo, se outro está apático ou cansado, podendo usar isso a seu favor.
Assim, é possível dizer que ao chegar à Escola, a criança já traz um arsenal de vivências e experiências (positivas e negativas), que não podem ser negligenciadas. E não se pode simplesmente dizer que “não sou responsável pelo que aconteceu antes de mim”, porque o “antes” tem influência no “depois” e o professor terá tudo a ver com isso (DANTAS, 1992).
Nesse contexto também, o professor não é apenas o responsável por “ensinar” conteúdos, mas o responsável por ajudar o aluno a aprender e isso muda todo o processo, pois se não há aprendizagem, o fracasso é do aluno e do professor. E esse fracasso nem sempre estará relacionado à incompetência do professor, ausência ou deficiência de metodologias e recursos, ou à falta de atenção, indisciplina, “problemas” do aluno. Há um aspecto pouco percebido ou levado em conta por todos, e que pode ser o elemento que está faltando nesse processo e que é determinante para que ocorra a aprendizagem que se quer, e se consiga o sucesso que se busca: a afetividade (DANTAS, 1992).
Pensando nesses apontamentos teóricos e na obra cinematográfica, fazendo um paralelo teórico, é possível destacar a produção de sentimentos e emoções que as diversas situações vivenciadas em sala de aula podem gerar, em todos os atores/sujeitos do processo educacional. E é indiscutível e incontestável, subsidiados por Wallon, o reconhecimento do quanto essas emoções e sentimentos repercutem nos processos de ensino e de aprendizagem. O filme retrata claramente esse cenário.
Ter clareza disso permite ao docente a possibilidade de reflexão sobre o seu fazer, sobre a sua prática pedagógica, bem como identificar e criar estratégias de ação diante de emoções negativas que também possam modificar o ambiente escolar.
Título orginal: Beyond the Blackboard Gênero: Drama País: EUA Ano: 2011
Referências:
DANTAS, Heloysa. A afetividade e a construção do sujeito na psicogenética de Wallon. São Paulo: Summus, 1992. Disponível em: < https://repositorio.usp.br/item/000842049>. Acesso em: 11 de maio de 2020.
MAHONEY, Abigail Alvarenga & ALMEIDA, Laurinda Ramalho de. Afetividade e processo ensino-aprendizagem: contribuições de Henri Wallon. Revista da Psicologia da Educação, nº 20 – 2005. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-69752005000100002>. Acesso em: 11 de maio de 2020.
TASSONI, Elvira Cristina Martins; LEITE, Sérgio Antônio da Silva. Afetividade no processo de ensino-aprendizagem: as contribuições da teoria walloniana. Educação, vol. 36, núm. 2, mayo-agosto, 2013, pp. 262-271. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Brasil.
Com a finalidade de direcionar esforços e investimentos para a melhoria da qualidade da educação no Brasil, o Congresso Federal sancionou em 25 de junho 2014 a lei nº 13005, o Plano Nacional de Educação (PNE). Com validade de 10 anos o PNE estabelece diretrizes, estratégias e 10 metas que devem reger as iniciativas na área da educação.
De acordo com a LDB (1996) o Ensino Médio, como parte integrante da Educação Básica, é dever do Estado e direito da população, e tem como finalidade a preparação para a continuidade dos estudos, a preparação básica para o trabalho e o exercício da cidadania, a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico do educando e ainda, espaço para a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. Assim, A Educação Básica é direito universal e alicerce indispensável para a capacidade de exercer em plenitude o direto à cidadania. É o tempo, o espaço e o contexto em que o sujeito aprende a constituir e reconstituir a sua identidade, em meio a transformações corporais, afetivo-emocionais, socioemocionais, cognitivas e socioculturais, respeitando e valorizando as diferenças. Liberdade e pluralidade tornam-se, portanto, exigências do projeto educacional.
Partindo de princípios definidos na LDB, o Ministério da Educação elaborou um novo perfil para o currículo, apoiado em competências básicas para a inserção dos jovens na vida adulta. O principal argumento para esta propositura encontra-se na figura e organização anterior que era entendida como um ensino descontextualizado, compartimentalizado e baseado no acúmulo de informações. Ao contrário disso, com a mudança busca-se dar significado ao conhecimento escolar, mediante a contextualização; evitar a compartimentalização, mediante a interdisciplinaridade; e incentivar o raciocínio e a capacidade de aprender (BRASIL, 2010).
O currículo, enquanto instrumentação da cidadania democrática, deve contemplar conteúdos e estratégias de aprendizagem que capacitem o ser humano para a realização de atividades nos três domínios da ação humana: a vida em sociedade, a atividade produtiva e a experiência subjetiva, visando à integração de homens e mulheres no tríplice universo das relações políticas, do trabalho e da simbolização subjetiva (BRASIL, 2010).
De acordo com Berger (s/d, p. 3) as competências são modalidades estruturais da inteligência, ou melhor, ações e operações que utilizamos para estabelecer relações com e entre objetos, situações, fenômenos e pessoas que desejamos conhecer, operações mentais estruturadas em rede que, mobilizadas, permitem a incorporação de novos conhecimentos e sua integração significada a esta rede, possibilitando a reativação de esquemas mentais e saberes em novas situações, de forma sempre diferenciada. As habilidades decorrem das competências adquiridas e referem-se ao plano imediato do saber fazer. Através das ações e operações, as habilidades aperfeiçoam-se e articulam-se, possibilitando nova reorganização das competências. Portanto, construir um currículo por competências não pressupõe abandonar a transmissão dos conhecimentos nem a construção de novos conhecimentos; ao contrário, esses processos são indissociáveis na construção destas competências. A diferença que se estabelece nesta proposição curricular é que o centro do currículo e, portanto, da prática pedagógica será não a transmissão dos saberes, mas o processo mesmo de construção, apropriação e mobilização destes saberes.
Assim, para trabalhar com um currículo organizado por competências deve-se, necessariamente, reduzir os conteúdos, abrindo espaço para o desenvolvimento de outros recursos e para a sua mobilização, causando mudanças no trabalho pedagógico, que não se limitará as ações do professor, mas na escola como um todo.
Para exemplificar o trabalho pautado em competências destacamos as informações a seguir:
Pensando em uma competência: implantação de uma horta na escola
Para a implantação de uma horta na escola, com o protagonismo dos estudantes seria necessário conhecimento dos estudantes em várias áreas. São exemplos: a) conhecimentos matemáticos (operações com conjuntos, potências, probabilidade, raciocínio matemático, estatística, formas geométricas etc); b) conhecimentos geografia (movimentos da Terra e fusos horários, Geografia Física, Meio Ambiente, tipos de rochas e minerais, agricultura no Brasil, fontes de energia etc); c) Biologia (Reino vegetal, Ecologia etc); d) Português (interpretação de textos, gramática etc); e outras disciplinas/conhecimentos.
Para a implantação de uma horta na escola (competência), mesmo sustentados pelos conhecimentos os estudantes deveriam ter/desenvolver algumas habilidades. Poderiam ser: habilidade para a identificação, separação e organização de sementes e materiais orgânicos, preparação da terra, estruturação de canteiros e manuseio de ferramentas etc.
Mas, a competência apresentada só seria desenvolvida com a complementação da atitude, que poderia ser: escolha da área, formação de equipes de trabalho, tamanho e formato dos canteiros, tipo de vegetais, escala para acompanhamento e cuidado com as plantas.
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio. Disponível em: http://portal.mec.gov.br. Acessado em 10 de outubro de 2017. Brasília, 2010.
______. Presidência da República. Casa Civil. LEI nº 13.005, de 25 DE JUNHO DE 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13005.htm. Acessado em: Acessado em 10 de outubro de 2017. Brasília, 2014.
COSTA, Thais Almeida. A noção de competência enquanto princípio de organização curricular. In: Revista Brasileira de Educação [online]. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=27502905. Acessado em 10 de outubro de 2017. 2005, (mai. – ago.).
VARGAS, Juliana Ribeiro; SARAIVA, Karla, Susana Salete Raymundo. Organização Curricular – Ensino Médio. In: Escola e Currículo. Canoas-RS: ULBRA EAD, 2017. (Material didático para o curso de Ciências Sociais a distância).
O estilo de desenho dos olhos e da boca muda para algo mais detalhado/realista e dá uma identidade visual muito interessante.
Kakegurui é uma série de anime produzida pela MAPPA e exibida no Brasil e em outros países pela Netflix. O significado do nome Kakegurui remete a apostador (a) compulsivo (a); a série retrata justamente essa temática, onde jovens estudantes vivem em um ambiente hostil, onde a maior regra é vencer.
O anime é ambientado no colégio Hyakkaou, uma instituição exclusiva para alunos privilegiados filhos de famílias ricas e influentes. Nesse colégio o desempenho dos estudantes não é medido apenas pelas notas, e sim na capacidade de apostar e ter habilidades de vencer a qualquer custo. O que importa é ganhar e não como ganhar. Os alunos disputam jogos de azar, após as atividades curriculares, usam de estratégias como blefes, mentiras e até trapaças. Eles aguardam de forma ansiosa o momento de se provarem vencedores, quanto mais se vence, mais se consegue subir na cadeia hierárquica da escola. Contudo, os que perdem tem um destino terrível, eles perdem o direito de serem chamados de humanos, são considerados bichos de estimação. A loucura é sustentada e controlada pelos próprios alunos, e os líderes que integram o grêmio estudantil determinam quem está indo bem no sistema ou não. Eles são considerados os melhores jogadores da série, os mais ricos e perversos apostadores compulsivos.
Tudo muda nessa escola quando uma nova aluna chega, Yumeko Jabami, apostadora compulsiva que chama atenção por querer apostar não por status, glória ou dinheiro. Ela gosta de desafiar os colegas e quanto mais ganha, mais se sente motivada a procurar um novo adversário ainda mais habilidoso. A protagonista então vai desafiando um a um dos mais experientes e vencedores na escola. Yumeko não é apenas uma viciada em apostas, ela é obsessiva ao extremo, compulsiva do tipo sádico, corre muitos riscos, que até levam-na ao prazer sexual. Embora ela seja a principal personagem, muitos outros demonstram chegar à loucura ao procurar a satisfação nos jogos.
Fonte: encurtador.com.br/uKX05
A adrenalina, a diversão e a possibilidade de ganhar dinheiro são sempre aspectos a considerar quando o assunto diz respeito aos jogos de azar, no anime os personagens são motivados a vencerem nos jogos da mesma forma que esperam vencer na vida. Um jogador compulsivo não mede esforços para obter a vitória, mesmo que isso lhe custe tudo, inclusive a vida. Apesar de a história relatada parecer um absurdo, isso não fica muito fora da realidade que vivemos hoje. Muitas pessoas jogam para aliviar um estresse, uma tensão e até para melhorar uma situação financeira. O problema disso tudo está no fato da pessoa se sacrificar para alcançar sucesso nos jogos.
Talvez o ponto mais representativo da loucura dos personagens, são expressões faciais. O estilo de desenho dos olhos e da boca muda para algo mais detalhado/realista e dá uma identidade visual muito interessante. Você sente a insanidade transbordando, e é tão absurdo, tão exagerado que dá vontade de rir, e isso é intenso. Você não espera algo próximo do real. Você se torna um espectador daquele coliseu de apostas onde pessoas literalmente podem acabar com suas vidas em uma única rodada. É óbvio que existirá muita trapaça e estratégia, deduções mirabolantes, embora críveis, e situações extremas que somente um anime ou mangá consegue nos proporcionar.
As palavras ‘compulsivo’, ‘patológico’ e ‘dependente’ têm sido utilizadas para descrever jogadores que apresentam problemas pessoais, familiares ou sociais devido ao jogo (OLIVEIRA, 1997). Segundo Dickerson (1977) não há nível fixo de jogo que possa ser considerado problema; algumas pessoas procuram ajuda quando perdem alguns trocados por semana, e outros o fazem somente quando enfrentam divórcio ou falência.
Assim, assistir esse anime é algo diferente do que estamos habituados em animações japonesas comuns. Os personagens são explorados de tal forma, que passamos acreditar que toda essa loucura pode não parecer tão sem sentido assim. Pois somos uma plateia que gosta do pão e circo, queremos muitas vezes ver o circo pegar fogo, testemunhar até onde as pessoas irão para alcançar seus objetivos. Do contrário grandes franquias como Jogos Vorazes, Corrida Mortal e até os famosos jogos de Battle Royale não fariam tanto sucesso. Contudo estamos mesmo preparados para lidar com isso na realidade que vivemos? Uma coisa eu penso, que as pessoas estão cada dia mais fazendo de tudo para obter a vitória e nós como futuros profissionais de Psicologia, temos que estar preparados para lidar com as consequências desta “vitória” humana.
Fonte: encurtador.com.br/ainu2
Ficha Técnica
Título – Kakegurui
Ano produção – 2017
Dirigido por Yuichiro Hayashi (II)
Estreia – 1 de Julho de 2017 ( Mundial )
Duração – 288 minutos
Gênero – Drama, Mistério, Suspense
País de Origem – Japão
REFERÊNCIAS
OLIVEIRA, M. P. M. T. Jogo Patológico: um estudo sobre jogadores de bingo, videopôquer e jockey club. 1997. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo.
DICKERSON, M. Compulsive gamblig as an addiction: dilemas. Scot Med. J. 22: 251- 252, 1997.