O Capa-Branca: Livro narra trajetória de funcionário que se tornou paciente do Juquery

Compartilhe este conteúdo:

O Capa-Branca conta a história de Walter Farias, ex-atendente de enfermagem que trabalhou e foi internado em um dos maiores hospitais psiquiátricos do Brasil


No livro O Capa-Branca, o jornalista Daniel Navarro Sonim reuniu, a partir de manuscritos e entrevistas, as experiências de vida de Walter Farias, ex-funcionário que se transformou em paciente, na década de 1970, do Complexo Psiquiátrico do Juquery, em Franco da Rocha, na Região Metropolitana de São Paulo. Números oficiais dão conta que naquela época o local chegou a abrigar quase o dobro das 9 mil pessoas que tinha condição de comportar.

capabranca

Aprovado no concurso público para atendente de enfermagem, Walter é designado para cuidar de pacientes acamados ou que perambulam, alheios à realidade, pelos corredores das clínicas do Hospital Psiquiátrico. A vida do protagonista de O Capa-Branca começa a tomar outro rumo depois da repentina transferência para o Manicômio Judiciário, onde ele começa a conviver com pacientes que cometeram crimes, alguns deles violentos e com requintes de crueldade.

A rotina no manicômio abala sua sanidade e o obriga a abandonar sua capa branca, o jaleco que os funcionários vestiam para trabalhar. Dali em diante, ele é obrigado a se internar. Ao se tornar mais um paciente do Juquery, passa a sentir na pele os horrores daquele lugar.

Na visão de Walter Farias, que hoje está aposentado, as pessoas acreditam que ele tenha se tornado esquisito depois da convivência por sete anos com os doentes. “Eu aposto que muita gente nem imagina quais são os verdadeiros limites da loucura. Mas será que a mente humana possui limites?”, desafia Walter.

Trabalho em equipe

Para transformar esta narrativa a quatro mãos em realidade, os autores decidiram criar pelo site idea.me um projeto de financiamento coletivo que levantou parte dos recursos necessários. Além dos financiadores, O Capa-Branca atraiu fãs que colaboraram com o projeto sem cobrar nada. A designer Jussara Fino desenvolveu o projeto gráfico; Fabio Bonillo, que recentemente traduziu o romance Os Luminares, de Eleanor Catton, vencedora do Man Booker Prize em 2013,se encarregou da preparação do texto; e Delfin, do Studio DelRey, fez a ilustração da capa. “Só precisamos pagar a revisão final e a diretora da Editora Terceiro Nome, Mary Lou Paris, decidiu imprimir e publicar o livro”, comemora Daniel Navarro, que também é assessor de imprensa da Terceiro Nome.

Sobre os autores

Daniel Navarro é jornalista e viu pela primeira vez o protagonista de O Capa-Branca em um programa de TV com o tema “Sou esquisito, e daí?”. Após Walter Farias contar que sonhava colocar sua história em um livro, entrou em contato com ele e recebeu os manuscritos com suas memórias no Juquery. Assessor de imprensa com experiência em mercado editorial, turismo, gastronomia e limpeza urbana, entre outras áreas. Traduziu com a professora de russo, Karina Skvortsova, um clássico da literatura infantojuvenil russa, Gorodok v tabakerke (A vila da caixinha de música, título provisório), de Vladimir Odoievsky, ainda no prelo e inédito no Brasil.

Walter Farias, o ex-funcionário que se tornou paciente do Juquery, vive até hoje em Franco da Rocha com sua família. É aposentado, pai de três filhas e de um filho e avô de cinco netos. Compositor, já fez mais de 400 canções nos mais variados estilos, como samba, sertanejo e MPB.

Lançamentos:

25 de novembro, terça-feira, às 19 horas

Platibanda Bar (Rua Mourato Coelho, 1365, Vila Madalena, São Paulo/SP)

27 de novembro, quinta-feira, às 19 horas

Ginásio de Esportes Paulo Rogério Seixas (Rua Nelson Rodrigues Berruga, 100, Centro –

Franco da Rocha/SP)

O Capa-Branca – de funcionário a paciente de um dos maiores hospitais psiquiátricos do Brasil

Editora Terceiro Nome (www.terceironome.com.br)

192 páginas. 14 cm x 21 cm. Brochura.  ISBN 978-85-7816-144-6 – R$ 35

Informações para a imprensa: Daniel Navarro Sonim

[daniel@terceironome.com.br] 11 3816.0333 / 9.9759.5388

Compartilhe este conteúdo:

O humano, a loucura, a cidade

Compartilhe este conteúdo:

Pagamos um preço alto por nossa condição de humanos. Angustiamo-nos com as coisas mais cotidianas: com a conta que está por vencer, mesmo sabendo que temos dinheiro para pagá-la; com a possibilidade de sol ou de chuva, mesmo impotentes em relação ao clima; com os filhos, quando os temos; e também com a falta deles, quando eles não vêm. Sofremos por tudo aquilo de incerto que nos cerca e, como não temos muitas certezas, sofremos por quase tudo. Temos medo também do que nos é certo. A morte, a certeza mais definitiva, apavora-nos.

Foto: Cristiano Mascaro

Por isso, enlouquecemos. A loucura é um fenômeno exclusivamente humano. Bichos não ficam loucos, pois enlouquecer é algo tão complexo que exige de quem o faz características só encontradas no pensamento do homem. Portanto, enlouquecer – de uma certa forma – é mais uma das certezas que temos. Se não é uma certeza para cada um de nós, o é para a humanidade como espécie. Não se conhece época ou cultura sem loucos.

Caminhando pela moderna cidade de Palmas, arrisco-me na escuridão das ruas (pela falta de iluminação pública) e no meio dos carros (pela falta de calçadas). Depois de notar que me esqueci, mais uma vez, de colar em minha camiseta uma faixa reflexiva para não ser atropelado, sentindo-me um alienígena e quase que pedindo desculpas ao mundo por minha atitude imprudente de voltar caminhando do trabalho para casa, decido andar pelas ruas internas das quadras. Lá, a cada vinte passos, preciso voltar a arriscar-me pela rua, já que vários moradores têm o curioso costume de estacionar seus carros sobre o passeio. Sem lugar, completamente sem lugar…

Mesmo assim, a caminhada me faz pensar. Entre um e outro susto, carros passando colados a mim, pergunto-me que espécie de espaço se está construindo aqui. Que cidade é esta em que não há lugar para gente?  Um motorista me olha com cara de poucos amigos. O pensamento mais que os pés, acostumados ao caminho de casa, divaga. Um automóvel entra em meu caminho, ou melhor, eu no dele. Ouço um xingamento. Penso em outras situações e, com pesar, noto que o trânsito é só mais uma – entre muitas – em que as pessoas, aqui, sentem-se como intrusas. Uma freada e outro xingamento. Penso agora nos que enlouquecem. Eu, que me considero quase normal, sinto-me sem canto. O que dizer dos que enlouquecem? Uma buzina quase me faz perder o foco. Onde estariam, a estas horas, os loucos daqui? Trancados em casa? Amarrados a uma cama de hospital? Medicados, trancados por dentro? Outra buzina. Sem lugar, completamente sem lugar…

A loucura foi acorrentada e afastada do convívio da cidade há cerca de 300 anos. Há duzentos, decretou-se que ela era uma doença. A partir daí, presa aos grilhões dos esquemas diagnósticos, a loucura pôde ser desacorrentada, mas permaneceu apartada da cidade, enclausurada no hospital. Foi lentamente deixando o manicômio após o advento das medicações que, se mal usadas, podem representar um novo aprisionamento, ainda que com lustrosas e modernas correntes. Hoje, com o desenvolvimento das diversas especialidades que se debruçam sobre a loucura, o louco parece dar mais um passo em seu longo e demorado caminho de volta à cidade. Contudo, cabe perguntar: em direção a que espécie de cidade o louco se encaminha?

Foto: Cristiano Mascaro

A cidade contemporânea, pretendendo-se eficiente e ordenada, não consegue, ao que parece, comportar a desorganização que a diferença em geral provoca. É como se houvesse, na cidade, um texto rígido a se seguir, sem possibilidade de rasuras. Toda nova escrita só pode ser admitida se não comprometer a ordem e a finalidade do texto como um todo. Mas, neste ponto, é importante uma observação: o ser humano, em geral, não segue textos e se os segue rigidamente, perde muito de sua humanidade.

Não é a toa que resolvemos um dia afastar a loucura de nosso convívio. Ao lado de razões de ordem econômica, decidimos manter a loucura longe de nossos olhos porque ela nos faz recordar uma daquelas certezas que nos angustiam. Conviver com o louco nos faz lembrar, de pronto, nossa condição de humanos e, tão só por isso, passíveis de enlouquecer. Portanto, negamos também nossa própria humanidade quando nos privamos do convívio com aquele que enlouquece.

E aqui, na jovem e modernosa cidade de Palmas, onde o espaço urbano possui um texto mas não conta histórias – porque quase não as tem para contar – o humano, coitado… Sem lugar, completamente sem lugar.

Compartilhe este conteúdo:

O Capa-Branca: histórias de vida no Juquery

Compartilhe este conteúdo:

“Por sete anos vivi cercado por todo tipo de louco, maluco, pirado,
ou seja lá como é possível chamar um doente com problemas mentais ou psiquiátricos.
Acredito que as pessoas pensam que sou meio esquisitão por causa disso.
Hoje estou aposentado e muita gente classifica meu comportamento como loucura.
Mas aposto que essas pessoas nem imaginam quais são os verdadeiros limites
da loucura – se é que a mente humana tem algum limite.”

(Walter Farias)

O jornalista Daniel Navarro compilou histórias de Walter Farias, ex-atendente de enfermagem que trabalhou e foi internado no Manicômio Judiciário do Juquery, em Franco da Rocha (SP). O Capa-Branca, que ainda será publicado, é um livro que relata, em primeira pessoa, a vida de um funcionário e paciente do que já foi a maior instituição psiquiátrica da América Latina.

“No início dos anos 1970, Walter, com pouco mais de 18 anos, via no serviço público a oportunidade de conseguir realizar seus sonhos. Ao ser aprovado no concurso para o Hospital Psiquiátrico, passou a vestir uma capa branca para cuidar de pacientes acamados ou que perambulavam os corredores das clínicas completamente alheios à realidade.

A vida do protagonista de O Capa-Branca começa a tomar outro rumo depois de sua transferência para o Manicômio Judiciário. Pacientes inofensivos deram lugar a detentos que haviam praticado crimes com requintes de crueldade. Essa realidade acabou com a sanidade dele e a única solução para o caso foi a internação no Hospital Psiquiátrico. Dali em diante, o atendente de enfermagem deixou de lado sua capa branca para se transformar em mais um paciente do Juquery e sentir na pele os horrores daquele lugar.”

O (En)Cena entrevistou Daniel Navarro para conhecer um pouco das histórias que O Capa-Branca retrata.

Daniel Navarro, jornalista e escritor de O Capa-Branca. Créditos: Paula Korosue

(En)Cena – Como foi o seu primeiro contato com o Walter? Como vocês se conheceram?

Daniel Navarro – Eu vi o Walter pela primeira vez na TV, em 2007. Ele participou do programa Casos de Família, do SBT, na época em que era apresentado pela jornalista Regina Volpato. Fiquei bastante interessado na história de vida dele, principalmente quando contou que tinha sido funcionário e paciente do Juquery. No final, ele comentou que precisava de ajuda para escrever um livro com suas memórias. Assim que o programa terminou, enviei um e-mail para a produção solicitando os contatos dele. No dia seguinte, conversamos por telefone e marcamos de nos encontrar na escola de idiomas onde eu dava aulas de francês e de italiano. Walter saiu de Franco da Rocha e foi me encontrar no centro de São Paulo.

Nesse primeiro encontro, ele deixou comigo algumas folhas sulfite com manuscritos que continham a história de alguns personagens do tempo em que trabalhou no Juquery. Dali em diante, recebi o restante dos manuscritos e começamos a desenvolver o projeto do livro. Tenho até hoje todos os manuscritos.

Morei em Fortaleza por dois anos e meio e para prosseguirmos com o livro. Eu imprimia os textos e os enviava para ele pelo correio. Dias depois, eu recebia um envelope com as observações e comentários dele escritos a caneta.

(En)Cena – Daniel, o que te motivou a escrever o livro? Por que você, jornalista, escolheu a temática da saúde mental?

Daniel Navarro – Eu já estava pensando em escrever um livro, mas não sabia por onde começar e nem tinha um tema bem definido. Outra motivação foi meu interesse por filmes, livros e reportagens sobre hospitais psiquiátricos, manicômios e presídios. No segundo ano da faculdade de jornalismo, visitei o Carandiru e, um ano antes, tinha lido Estação Carandiru, que me marcou muito. Acabei lendo esse livro três vezes. Depois, vi O Bicho de Sete Cabeças e li Canto dos Malditos, o livro que inspirou o filme. Lembro que saí bastante impressionado do cinema e no dia seguinte comprei o livro. Acho que o li em dois ou três dias.

(En)Cena – Há alguma história específica do Walter que lhe chamou mais atenção, lhe emocionou?

Daniel Navarro – É difícil dizer qual história me chamou mais atenção ou me emocionou mais. Acabei me afeiçoando pelo livro como um todo. A convivência com os pacientes das clínicas do Hospital Psiquiátrico e com os internos do Manicômio Judiciário rendem histórias fortes e impactantes. Acredito que a transformação do protagonista de capa-branca (funcionário do Juquery) em paciente despertou em mim e vai despertar nos futuros leitores diversas reações.

Complexo Judiciário do Juquery, localizado em Franco da Rocha – SP

Há alguns personagens muito interessantes, como o paciente do Hospital Psiquiátrico que permanecia trancado em uma cela por ter a habilidade de arrancar os olhos das pessoas com as próprias mãos. Também posso citar o guarda-costas responsável pela proteção de Walter no Manicômio Judiciário. E há ainda um personagem bastante misterioso do manicômio que passava o dia lendo de tudo, desde livros sobre seitas secretas, alquimia e matemática até bulas de remédio. Ele convenceu Walter a participar de um ritual secreto no campo de aviação de Franco da Rocha. Também gostei de conhecer o outro lado do célebre Bandido da Luz Vermelha. Quando Walter o conheceu, ele já era uma pessoa bem diferente daquela que saia nas manchetes dos jornais. Quando o livro for publicado – espero que não demore muito –, os leitores vão ficar bastante impressionados com a galeria de personagens de O Capa-Branca.

(En)Cena – Após conhecer a trajetória de Walter, você percebe a loucura de uma forma diferente? Sua visão sobre isso mudou?

Daniel Navarro – O conceito de loucura é muito amplo e delicado. Muitos dos pacientes internados no Juquery estavam lá porque eram pessoas indesejáveis para a sociedade. Não havia um diagnóstico preciso dos problemas psicológicos, psiquiátricos ou mentais. Conviviam no mesmo ambiente, esquizofrênicos, alcoólatras, pessoas com síndrome de down, usuários de drogas ilícitas… a lista vai longe! Até presos políticos foram parar lá dentro e morreram sem que ninguém soubesse onde foram enterrados. No início do século 20, imigrantes japoneses chegavam ao porto de Santos e só porque tinham os olhos puxados eram considerados diferentes e acabavam internados no Juquery. A política da época era limpar as ruas e eliminar aquilo que parecesse diferente e não se enquadrasse nos padrões de normalidade da sociedade.

Confesso que também já me chamaram de louco por eu ter escrito o livro com o Walter. Quando digo que vou à Franco da Rocha conversar com um ex-funcionário do Juquery que foi paciente, uma ou outra pessoa me chamam de louco.

Walter Farias, protagonista de O Capa-Branca

Ainda explorando esse conceito amplo e delicado de loucura, creio que devemos acreditar nos nossos sonhos e não nos preocuparmos com o que os outros pensam. Muitos cientistas foram considerados loucos quando anunciavam suas descobertas. Só que se eles mesmos não acreditassem nas suas ideias e as defendessem com unhas e dentes, até hoje acreditaríamos que a Terra é plana e o homem não teria ido ao espaço, só para citar alguns exemplos.

(En)Cena – Você ainda não fechou contrato com alguma editora para lançar o livro. Essa dificuldade se deve a quê? Você acha que, por ser uma obra sobre saúde mental, há empecilho para publicação?

Daniel Navarro – O processo de análise de originais é longo e muito minucioso. Comecei a enviar o original de O Capa-Branca em agosto deste ano, então ainda é muito cedo para afirmar que há algum empecilho para a publicação de uma obra que aborde a questão da saúde mental.

(En)Cena – Walter possui mais de 400 canções registradas dos mais variados estilos musicais. Ele também é inventor. Você, que relatou as memórias dele, acredita que ter passado pelo Juquery o sensibilizou para tais tipos de arte?

Daniel Navarro – Há essa possibilidade. Eu acredito que de alguma forma sua passagem pelo Juquery o sensibilizou para tais tipos de arte. Mas acho que os leitores também poderão tirar suas conclusões ao lerem O Capa-Branca.

(En)Cena – O quê, de mais valioso, você aprendeu com Walter?

Daniel Navarro – A experiência de escrever o livro com Walter foi muito enriquecedora. Além de sermos parceiros na escrita, nos tornamos amigos. Mas, depois de conhecer a história da vida dele, a lição que ficou para mim e deverá ficar para os leitores é que não podemos cometer os mesmos erros do passado nem no presente e muito menos no futuro. Ficou comprovado que modelo de confinamento de pacientes no Juquery e em outros hospitais psiquiátricos espalhados pelo país não funciona. Não adianta amontoar milhares de pacientes com os mais variados diagnósticos no mesmo lugar. Além disso, os tratamentos também devem ser revistos. Na época em que se passa O Capa-Branca – a década de 1970 –, os tratamentos não tinham quaisquer critérios. Havia absurdos como a terapia por choque insulínico e malarioterapia, que consistia na inoculação do germe da malária. Quem entrava não se curava. Os pacientes passavam dia e noite sedados. O único objetivo era controlá-los. Em um momento em que se discute a internação de usuários de crack para tratamento, acredito que essa questão deve ser discutida sem esquecermos o passado.


Sobre os autores:

Daniel Navarro é jornalista e conheceu o protagonista de O Capa-Branca enquanto assistia a um programa de TV com o tema “Sou esquisito e daí!”. Após entrar em contato com Walter Farias, recebeu os manuscritos que contavam um pouco de suas memórias no Juquery. Fluente em francês, inglês, espanhol e italiano, atualmente estuda russo e trabalhou como professor de idiomas, tradutor, intérprete. Atuou em diversos segmentos de assessoria de imprensa, como fitness, turismo, construção civil, limpeza urbana, marketing digital, gastronomia e mercado editorial.

Walter Farias é ex-funcionário do Juquery e vive até hoje em Franco da Rocha com sua família. Pai de três filhas e um filho e avô de cinco netos, atualmente está aposentado. Já compôs mais de 400 canções, todas registradas. Seu repertório inclui diversos estilos, como samba, sertanejo, MPB, entre outros. Algumas de suas músicas já foram gravadas por cantores de Franco da Rocha, Caieiras e Jundiaí. Também se dedica a inventos. Um deles consiste em um sistema que impede caminhoneiros de dormirem ao volante.

Entre em contato com o autor:

Daniel Navarro
danielnavarro@ig.com.br

Curta a fanpage de O Capa-Branca

Compartilhe este conteúdo:

Minha experiência como “Anjo da Enfermagem”

Compartilhe este conteúdo:

Participar dos anjos da enfermagem foi uma escola da vida pra mim. Um ano muito emocionante, onde eu aprendi que o amor é capaz de curar. No início, ao nos explicar a nossa função como anjo, o coordenador tentava nos mostrar a grandeza do projeto, mas deixava claro que só saberíamos vivendo esse momento.

Nas primeiras visitas eu tive bastante dificuldade em me apresentar para as crianças. Muitas vezes a emoção falava mais alto e eu não conseguia permanecer por muito tempo no local. Com o passar dos dias fui me habituando às várias situações difíceis com que eu me deparava.

Cada dia uma surpresa, uma demonstração de carinho, o esforço ao se levantar da cama só para nos dar um abraço, a gratidão nos olhos daquelas mães e a satisfação de arrancar sorrisos e proporcionar um minuto que seja de diversão.

A publicação da imagem foi autorizada pelos familiares cfe. a resolução CNE num. 196/96.

Para nós, “adultos”, é muito difícil lidar com o câncer. É revoltante pensar que teremos que abrir mão de tudo o que nos faz sentir útil, mas é muito mais doloroso ver uma criança que teve sua infância boicotada por uma doença que ela não compreende. Toda criança tem direito de viver sua infância. Nós estávamos ali para mostrá-las que aquele tratamento apesar de “chato” era necessário, eque com força de vontade poderia se tornar um momento alegre também.

Um dia quando visitávamos a UTI, conhecemos um garoto de 13 anos que estava ali há alguns dias aguardando uma transferência.  Ele tinha um carinho excepcional conosco, falava com muita dificuldade pelo fato de estar intubado. Nesse dia ele fez um esforço e conversou conosco, disse que a fé dele o fazia ter certeza que tudo isso era passageiro e que ele venceria essa batalha, pois o problema dele era muito pequeno diante de sua fé.  Então com muito esforço cantou um hino de sua igreja que ele escutava sempre que tinha dúvidas de sua melhora. Tomadas por uma forte emoção terminamos nossa apresentação, fizemo-lo sorrir um pouco e fomos embora. Foi aí que entendemos a nossa função.

É incrível a sensação de vestir aquela fantasia, colocar a maquiagem. É como se outra pessoa surgisse. A timidez dá espaço para uma alegria contagiante, capaz de arrancar sorrisos de quem há muito tempo não sorria.

Foi um ano de alegrias, boas notícias, mas também de despedidas dolorosas. Conheci “pessoinhas” que já nascem lutando pela vida, e mesmo com tão pouca idade nos ensinavam que nada faz sentido se não existir vontade de vencer.

Compartilhe este conteúdo:

Minha primeira visita ao Museu da Loucura em Barbacena -MG

Compartilhe este conteúdo:

Em uma noite de Janeiro, enquanto atualizava página do Facebook da JEP – I Jornada de Estudos de Psicologia (Evento realizado na Faculdade Anhanguera de Jundiaí, no segundo semestre de 2012, o qual fiz parte da idealização e coordenação), vi um pequeno vídeo sobre o Museu da Loucura que fica localizado na cidade de Barbacena – MG postado pelo perfil dohttp://cafecompsicologos.blogspot.com/. A responsável pela postagem foi a psicóloga Denise Cazotto, pois bem, adorei o vídeo, eu estava procurando um lugar para viajar e Minas já era uma alternativa, e a possibilidade de conhecer um o museu ligado a Psicologia foi muito motivadora. Dois dias depois eu já estava com a passagem de ônibus comprada e a reserva em um hotel de Barbacena pronta.

Ao contar o fato para a psicóloga Denise, ela me incentivou a contar a viagem por meio de fotos e comentários, fiz isso no meu blog “Psicoferas” http://psicoferas.blogspot.com.br, onde este texto e fotos podem ser parcialmente encontrados, mas penso que valeria a pena relatar esta aventura de minha primeira visita no Museu da Loucura para outras pessoas, então segue então algumas fotos e minhas impressões sobre o Museu.

Infelizmente a chuva castigava Minas Gerais.  Nas quase 10hs de viagem a chuva se mostrou presente na maioria do percurso e na minha estadia em Barbacena.

Aproveitando um dos raros momentos de “estiagem” (como os mineiros chamam os momentos que para de chover um pouco) logo na manhã do primeiro dia, decidi ir até o Museu. Peguei um ônibus do Centro da cidade até lá, acho que o trajeto é feito em 15 minutos, uma coisa positiva em Barbacena é a acolhimento das pessoas, sempre solicitas em dar informações, realmente é um povo muito prestativo.
O Museu fica localizado na área do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena – CHPB, que é administrado pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais – FHEMIG, logo na entrada o vigia orienta que só é permitido tirar fotos da fachada do Museu e de seu interior, que em hipótese alguma deveriam ser tiradas fotos da área hospitalar e dos internos.

O acervo do museu é composto por textos, fotografias, documentos, equipamentos, objetos e instrumentação cirúrgica que relatam a história do tratamento ao portador de sofrimento mental, além disso, ainda passam vídeos emocionantes contando a história do Hospital.

Devo dizer que infelizmente o Museu não muito grande, poderia ser ampliado e usado como uma grande atração turística da cidade, mas o conteúdo é muito significativo.

Curioso foi o fato que logo que entrei um interno veio até mim, balbuciou algo apontando para a minha pasta, eu sorri e disse que não havia entendido, então ele novamente apontou para minha pasta e  falou algo que novamente não entendi, mas eu sorri e falei “não” gesticulando com o dedo, ele olhou, imitou o gesto de “não” e saiu “reclamando”.

Fui muito bem recebido pela funcionária do museu, mulher muito simpática, pena que a coordenadora do museu estava em férias e não teria uma pessoa para solucionar as eventuais dúvidas, o Museu deveria ter um guia permanente.

Em resumo, foi uma visita muito proveitosa, aprendi muito sobre o modo cruel e desumano que os doentes eram tratados e porque a Luta Antimanicomial  tem sido um dos temas mais freqüentes na área de saúde mental.

É realmente triste ver que seres humanos foram e infelizmente em alguns lugares no mundo ainda são tratados de uma maneira extremamente cruel.

Visitar o Museu da Loucura é voltar no tempo, é conhecer um pouco das atrocidades que os seres humanos podem realizar com os seus semelhantes, cada foto, cada verso, cada objeto revela uma ponta de dor, tristeza e insanidade, mas o que realmente é insanidade?

Lembrei-me de um trecho do livro Hospício é Deus (Ed. Círculo do Livro 1965) da autora Maria Lopes Cançado, que esteve internada no Rio de Janeiro, que diz o seguinte:

Estou no Hospício. O desconhecimento me cerca por todos os lados. Percebo uma barreira em minha frente que não me deixa ir além de mim mesma. Há nisto tudo um grande erro. Um erro? De quem? Não sei. Mas de quem quer que seja, ainda que meu, não poderei perdoar. E terrível, deus. Terrível. (Cançado, 1992, p.32). 

Mas nem tudo é tristeza e desespero, foi proveitoso conhecer um pouco das iniciativas que o pessoal de lá desenvolveu, tais como o “Festival da Loucura” (uma pena que ano passado não foi realizado por falta verbas e de apoio governamental), a grife “Pirô Crio”, composta por trabalhos manuais e de artesanato feito pelos usuários do hospital e o  “Bloco Tirando a Máscara” , um bloco carnavalesco que é formado por pacientes, profissionais e familiares e amigos.

Enfim, se você se interessa por assuntos de Psicologia, Psiquiatria e Saúde Mental, estando em Minas Gerais, dê uma passada em Barbacena, garanto que se você estiver de olhos, mente e coração abertos, você irá aprender bastante.

Compartilhe este conteúdo:
branca de neve

Para se viver um grande amor

Compartilhe este conteúdo:

Histórias sobre loucos e hospícios normalmente acabam em piadas, tragédias, assuntos de paranormalidade ou filmes sobre serial killers. Gostaria, entretanto, de contar uma que nada têm a ver com esse tom depreciativo e hollywoodiano. Aliás, seria interessante dizer que essa depreciação já faz parte de um funcionamento cultural antigo, assim, as pessoas podem se eximir da loucura que habita as próprias emoções e pensamentos mais íntimos. À medida que louco é sempre o outro, ficamos seguros de que pertencemos ao time dos chamados normais − como se houvesse um.

Conto então essa pequena história, partindo do pressuposto de que todos somos normais: eu que escrevo e aqueles que lêem. Dessa forma, nenhuma ameaça deve pairar aqui do lado de fora dos manicômios que, diga-se de passagem, sempre tiveram um importante papel na História ao isolar a loucura da sociedade em espaços fechados, sem troca, sem vida, para que nós, os ‘normais’, nos tranqüilizássemos e toda hipocrisia fosse resguardada. Mas, isso é assunto pra outro caso. Queria mesmo contar um fato que vivi num grande hospital psiquiátrico, ao tomar conhecimento de uma história triste, singela e belíssima!

Seu Lino era morador de um setor para pacientes crônicos e estava internado há mais de trinta anos. Idoso, sem ninguém no mundo, vivia ali seu universo, isolado, arredio, sem palavras, desejos, reivindicações ou qualquer noção sobre o lado de fora. Já muito adoecido dos pulmões, se encontrava no estado terminal da doença.

Num dado dia, acamado e muito debilitado, falou pela primeira vez, depois de anos em silêncio. Todos se assustaram e foram saber o que desejava. Lino pedia que sua doutora fosse até ele. Logo a chamaram e esta se sentou ao seu lado, não menos espantada que os outros! Olhou para a médica com uma ternura jamais vista e disse que queria confessar-lhe algo, mas pediu que guardasse segredo. Contou que tinha um grande amor! Um único e verdadeiro amor que ninguém jamais soube. Ela, surpresa, sem ter muito o que dizer, perguntou quem era e por que não tinha vivido esse grande amor? Lino velho, louco, disse acanhado, com voz trêmula, quase apagada, que o único e verdadeiro amor de toda a sua vida, que por ele valeria a pena viver tudo de novo, era ninguém menos que Branca de Neve! Tirou do bolso naquele momento um papel amarelado, rasgado, trazendo a figura da pequena dama de Walt Disney. Pediu à médica que guardasse o segredo e colocasse a foto de sua grande amada junto dele quando fosse enterrado − sabia que estava morrendo. Os olhos da médica marejaram e, atônita, sem ter o que dizer, apenas concordou com a cabeça que seu desejo seria realizado. Lino faleceu, de fato, alguns dias depois…

Ouvi toda a história da médica, que me contava com os olhos cheios d’água e não pude evitar que os meus também ficassem. Sem mais palavras saí atordoado, em silêncio e parei diante da janela do pátio central daquele hospício. Pela fresta pude ver os loucos andando, sorrindo, gritando e senti muita vida pulsando ali naqueles seres humanos tão singulares esquecidos pela sociedade. Pensei na infinidade de histórias ricas e anônimas que se perdem no abandono que sempre reinou por trás dos muros dos manicômios…

Querido Lino, meu amigo fraterno de jornada! Todo grande amor é um ato de extrema loucura e coragem. Felizes daqueles que podem vivê-lo e se arremeter em suas teias, perdendo-se por inteiro. Fique em paz com sua princesinha encantada, onde quer que você esteja.

Compartilhe este conteúdo: