Como lidar com a tristeza das crianças na pandemia

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Uma coisa que a pandemia nos mostrou é o quanto estamos não só preocupados com o risco de contaminação, mas também estressados, cansados e tantos outros deprimidos. Mas esse problema não atinge só adultos. As crianças estão sendo muito afetadas. Algumas se tornaram mais agressivas, outras ficaram mais tristes ou com variações de humor. 

Sabemos o quanto os pais estão transtornados com a demanda de trabalho em casa. O home office pode ter deixada as famílias no mesmo recinto, com a sensação de que estão mais próximos. No entanto, nem sempre isso significa que os pais estão dando a atenção na qual as crianças acham necessárias. Com isso, os filhos confundem a presença do adulto com a atenção em que gostariam de receber, afetando suas emoções na pandemia.

Família, amigos e colegas são fatores fundamentais que formam a sociedade, mas têm sido atravessadas pelo momento atual. Com as crianças, não são diferentes. Elas não sabem como lidar com algo que não se tem entendimento. Ainda é muito confuso para nós, adultos, imagina para eles?

Fonte: Freepik

Por exemplo, uma pesquisa conduzida, recentemente, pelo Children’s Hospital of Chicago, nos Estados Unidos, veiculada na revista médica JAMA Network Open, mostrou dados preocupantes sobre a saúde mental das crianças e adolescentes americanas e como foram afetadas pelo ensino à distância na pandemia. 

Das consultadas, uma parte, cerca de 25%, mostrou-se estressada, ansiosa e irritada. Outras, cerca de 33%, sentiram-se solitárias. Além disso, uma outra parte das crianças, cerca de 30%, que antes mostravam-se felizes, começaram a desenvolver sentimentos como raiva, ficaram deprimidas, sentindo-se solitárias ou estressadas no período em que suas escolas não recebiam os alunos fisicamente.

Isso confirma o quanto as crianças e adolescentes necessitam de uma troca afetiva entre amigos e professores. Vale lembrar que esse contato físico na primeira infância está ligado às funções emocionais cognitivas do cérebro. É nesse “ambiente família” que a escola constrói a identidade social do ser humano.

Fonte: Getty Images

O fato delas estarem isoladas dentro de casa colabora para que a criança passe a não interagir com outras crianças, nem mesmo com os adultos. Isso ainda gera comportamento agressivo, birras intensas, timidez exagerada, redução no desempenho escolar entre outros conflitos emocionais.

Portanto, pais e professores, mesmo que à distância, precisam prestar atenção na forma como os jovens se expressam e algumas atitudes que possam manifestar, pois podem ser sinalizações ou respostas de como estão se sentindo. Sempre que puderem, tirem um tempo de qualidade para conversar com eles, deem atenção e mostrem o quanto eles são importantes para vocês. Isso pode fazer toda a diferença!

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Sobrecarga e equilíbrio – (En)Cena entrevista a professora Vanessa Oster

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“Falar de saúde mental neste período é algo difícil, vivo no limite. Existe uma linha muito tênue entre a sanidade e o surto. Durante o dia tenho várias alterações de humor e isso reflete em todas as minhas atividades, principalmente no trabalho”.

O Portal (En)Cena entrevista a professora e pesquisadora do Instituto Federal de Tecnologia do Tocantins (IFTO), doutoranda  em educação pela UNICID, Vanessa Oster, para entender sua perspectiva acerca dos desafios que o Brasil da pandemia impõem à  mulher, profissional, cientista, esposa, mãe de duas crianças em idade de alfabetização no ensino remoto.

Em sua fala, a professora relata pontos como a intensificação da sobrecarga da mulher no período da pandemia, devido ao acúmulo de atribuições domésticas, das atividades escolares dos filhos às tarefas ordinárias da vida profissional. Nesta perspectiva, a entrevistada destaca a importância da saúde mental para oportunizar uma melhor interação entre as pessoas envolvidas na dinâmica do trabalho, tornando a rotina mais agradável e produtiva e conduzindo todos a decisões assertivas. Por fim, Vanessa Oster aponta preocupações com os retrocessos sociais no que tange ao atraso nas conquistas relativas à equidade de gêneros em decorrência do período de calamidade causado pela COVID-19.

Figura 1 – Foto pessoal

(En)Cena –  Considerando o seu lugar de fala, de mulher, professora do IFTO, pesquisadora, mãe e professora dos filhos em aula online e usuária ativa das redes sociais: o que é ser mulher no Brasil, durante a pandemia da COVID-19?

Vanessa Oster – Ser mulher durante a pandemia é um exercício diário de fé, paciência e persistência. São muitas demandas, é preciso ser uma boa mãe, uma excelente profissional, uma dona de casa exemplar e tudo isso acontecendo ao mesmo tempo no mesmo ambiente. As tarefas se confundem, trabalho e cuido das crianças simultaneamente. Isso para mim é o mais complicado. A sobrecarga da mulher é evidente no período da pandemia, ficou muito claro que as atribuições domésticas e as atividades dos filhos são das mulheres.

(En)Cena – Como a saúde mental (sentimentos e emoções) das mulheres interfere em tomadas decisões acertadas ou equivocadas no trabalho?

Vanessa Oster – Falar de saúde mental neste período é algo difícil, vivo no limite. Existe uma linha muito tênue entre a sanidade e o surto. Durante o dia tenho várias alterações de humor e isso reflete em todas as minhas atividades, principalmente no trabalho. O meu desempenho profissional está diretamente ligado ao meu estado de espírito. Se estou bem a aula ministrada por mim, a metodologia aplicada é exitosa caso contrário nada flui de forma prazerosa. A manutenção da saúde mental é de fundamental importância para que eu tenha condições de realizar as minhas atividades pessoais e profissionais com qualidade. Estando com uma boa saúde mental o convívio (mesmo que virtual) com os colegas propiciará uma interação/ socialização mais agradável e produtiva, o que automaticamente conduzira para decisões assertivas. Sendo assim, neste período, várias decisões tomadas foram erradas em função de uma instabilidade emocional.

Figura 2 – Mari_C/Getty Images

(En)Cena – Quais os desafios de ser ensinar e produzir ciência sendo mãe e mulher, durante a pandemia?

Vanessa Oster – Produzir ciência não é fácil em nenhuma condição, agora então exige uma maior dedicação. Ser mãe e fazer ciência, ao mesmo tempo e no mesmo ambiente é uma equação com muitas variáveis e nem sempre é possível chegar a um resultado, algumas coisas se perdem pelo caminho. Em vários momentos a mãe precisa elencar prioridade as quais lhe tomarão mais tempo. Neste período de pandemia eu optei em priorizar meu tempo com as meninas, até por elas estarem nas serem iniciais e precisarem receber uma alfabetização e um letramento de qualidade. Historicamente e socialmente, a mãe é tida como responsável pelas crianças e responsável por tornar o ambiente doméstico um bom lugar para a família conviver.

Como neste período de pandemia tudo acontece dentro de casa, fazer ciência e ser mãe demandou que muitas horas de sono fossem dedicadas a leitura para que a minha produção acadêmica não parasse. Com muita dedicação, muitos momentos de surtos e sem muita compreensão das crianças eu tenho conseguido fazer ciência. Não sei se manter a produção acadêmica é uma decisão assertiva no momento, devido à sobrecarga, mas é muito satisfatório ter resultados de um trabalho seu publicado. Seja como capítulo de livro, artigo ou qualquer outra forma de documentar a minha contribuição para a ciência. E assim vamos seguindo entre uma tarefa e outra das crianças um artigo é lido, depois que elas dormem é que consigo escrever.

Figura 3 – freepik

(En)Cena – Na sua opinião, qual seria o caminho para as mulheres no pós-pandemia?

Vanessa Oster – Antes da pandemia estávamos em um “momento feminino”, estávamos nos aproximando de uma equidade de gêneros, porém com a crise da covid-19 talvez a vida de muitas mulheres mude e tenha um “retrocesso” no que se trata da equidade. Em função do convívio mais intenso entre os cônjuges, devido fatores econômicos e vários outros acontecimentos da pandemia, aumentou muito o número nos casos de violência doméstica. Algumas meninas que estavam em idade escolar, viraram adultas no período de pandemia começaram a trabalhar e terão dificuldades para voltar a escola, algumas mulheres saíram do trabalho para cuidar dos filhos pois não tinham com quem deixar as crianças, tornando-se assim dependentes financeiramente dos seus cônjuges. A meu ver são alguns fatores que podem levar uma submissão feminina. Por outro lado, algumas mulheres se destacam no período pandêmico devido ao potencial de liderança e facilidade de mediar conflitos nos Governos e nas Empresas. Sendo assim acredito que existirá dois grandes grupos, as mulheres independentes e estáveis profissionalmente (não sei se com saúde mental) que estarão à frente de grandes projetos sociais, grandes empresas e até mesmo líderes de governo e aquelas que retroagiram e tiveram que postergar o sonho da igualdade de gênero por mais uns anos. O que ambos os grupos terão em comum, é serem formados por mulheres sobrecarregadas e que estão em constante busca de equilíbrio.

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A Vida de Brian: a incomunicabilidade produzindo a religião e a política

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“A Vida de Brian” (1979) do grupo inglês de humor Monty Python é um filme que não só se tornou atemporal como, depois de 38 anos, ganhou novas leituras. Paradoxalmente, com a expansão das novas tecnologias de comunicação como Internet e redes sociais. Por que? Porque o filme explora a incomunicabilidade humana: Religião e a Política como subprodutos da mentira, ilusão e ideologias que sempre tentam justificar algum mal entendido resultante da radical incomunicabilidade da espécie: o fato de que cada um vê o que quer ver e ouve o que quer ouvir.

Brian é confundido com o Messias e passa a ser perseguido não só pelos romanos como também por uma multidão de seguidores que veem nele apenas aquilo querem ver. Pedem de Brian um “sinal” da sua suposta divindade. Não importa o quanto Brian se esforce para tentar desfazer o mal entendido. Involuntariamente criou uma nova religião. E o que é pior: a multidão está ávida por um mártir que morra por ela na cruz…

Certamente Jesus de Nazaré gostaria do filme Vida de Brian (1979) da trupe de humor inglês Monty Python. Afinal, Jesus tinha senso de humor, manifestado em trocadilhos ocasionais na Bíblia como, por exemplo, “É mais fácil um camelo passar pelo buraco da agulha do que um rico entrar no reino do Céu”. Ao contrário dos seus seguidores: na época do lançamento do filme, muitos representantes de religiões, sejam protestantes ou católicos, acusaram o filme de blasfemo e o grupo inglês de herege.

O filme chegou a ser banido em muitas cidades dos EUA. Apesar disso, A Vida de Brian não zomba da vida de Cristo, mas de um certo “Brian de Nazaré” que nasceu no mesmo dia e num estábulo vizinho ao recém-nascido famoso e aureolado. Aliás, no filme, Cristo aparece apenas duas vezes, sempre de passagem: na cena inicial como o vizinho famoso de Brian e na sequência do Sermão da Montanha. Diante de uma enorme multidão reunida, alguém se queixa: “Não consigo ouvi-lo! O quê ele disse?”. “Parece que ele disse que os gregos herdarão a Terra… e bem aventurados os produtores de queijo…”, alguém responde.

Depois de décadas, esse humilde blogueiro teve a oportunidade de voltar a assistir A Vida de Brian, o segundo longa do grupo depois do Em Busca do Cálice Sagrado (1975). O que me surpreendeu é que, 38 anos depois, o filme comprovou não só ser atemporal como também parece ter se renovado com o tempo ganhando novas leituras dentro do contexto cultural atual. Ao contrário de humoristas da mesma época que acabaram ficando datados como, por exemplo, as paródias de Mel Brooks (O Jovem Frankenstein, SOS Tem Um Louco no Espaço ou História do Mundo Parte 1).

Bem diferente, A Vida de Brian parece ter ganho ainda mais força paradoxalmente devido a posterior expansão das tecnologias de comunicação: TV digital, Internet, redes sociais etc. Apesar de toda banda larga tecnológica, o grande problema humano ainda é a incomunicabilidade. Algo parecido com o “ruído” do “telefone sem fio” da sequência do Sermão da Montanha no filme.

Como não poderia deixar de ser, tudo se passa sob o domínio e arbitrariedades do Império Romano que oprime o povo judeu. O filme acompanha a vida de um zé-ninguém chamado Brian Cohen (Graham Chapman) e a sua mãe Mandy Cohen (Terry Jones): ranzinza, autoritária e materialista, que o trata como fosse ainda uma criança. Toda a narrativa é como se fosse um acúmulo de mal entendidos, ruídos e enganos que vão se amontoando até chegar ao caos final. Já na primeira sequência o filme já dá o tom: os três reis magos entram no estábulo errado e acham que o recém-nascido Brian é o Messias. Sua mãe os trata como fossem bêbados pedófilos até que descobre que querem presenteá-lo com ouro, incenso e mirra. Ela fica com os presentes enquanto os magos rezam para o messias errado.

Claro que depois os reis magos descobrem o engano, empurram a mãe de Brian e retomam a força os presentes, enquanto o pobre bebê é esbofeteado pela mãe frustrada por não aguentar mais ouvir tantos choros, além de ter perdido os valiosos presentes. A Vida de Brian nos mostra como essa série de enganos (produzidos pela incomunicabilidade humana) se espalha não só pela infeliz vida de Brian, mas também se alastra na Política, na Religião e no Poder. É o ápice do senso de humor do grupo Monty Python: non sense, cinismo e humor negro – a capacidade de através do humor abordar temas muito sérios. De como o riso cínico pode desconstruir uma realidade aparentemente sólida e racional.

Após a impagável sequência inicial do engano dos três reis magos, acompanhamos Brian aos 33 anos, preocupado com sexo, em dúvidas se é realmente atraente para as mulheres e complexado pelo seu nariz grande. Chateado de ser ainda um filhinho da mamãe trintão, Brian vê a chance de ser alguém e se livrar da possessão materna: juntar-se à Frente Popular da Judéia, uma célula terrorista que pretende minar a dominação dos romanos sobre o povo judeu. O grupo planeja a ação mais ousada: sequestrar a esposa de Pôncio Pilatos. Mas na ação no subsolo do palácio de Pilatos, dão de frente com outro grupo terrorista que teve a mesma ideia.

Resultado: todos começam a brigar entre si enquanto, incrédulos, os soldados romanos observam esperando todos lutarem até cair para depois levar todo mundo preso. Brian é capturado e levado na presença de um impagável Pôncio Pilatos (Michael Palin) com língua presa (troca constantemente o “r” pelo “l”) e inseguro por perceber que os soldados o ridicularizam pelas costas. Enquanto Pilatos ameaça punir os soldados que o ridicularizam, Brian escapa e pula de uma janela, para cair em um beco onde estão diversos candidatos a “messias” fazendo discursos. Cada um com seus seguidores, todos tolerados pelos soldados romanos.

O Messias involuntário

Brian então finge ser mais um candidato a messias para passar desapercebido pelos romanos. Inventa um discurso qualquer e… pronto! Um pequeno grupo se forma para ouvi-lo. Brian fala de forma desconexa, preocupado com os soldados que o procuram e sai correndo, deixando incompleta uma frase. O pequeno grupo, que vira uma multidão, vai atrás de Brian, pedindo que complete a frase. Todos acreditam em algum desfecho de frase místico ou profético. Pronto!

A contragosto, Brian virou um novo messias, seguido por diferentes grupos que têm uma interpretação diferente para as palavras desconexas que ouviram. Não precisa de muito tempo para sabermos que ironicamente sua vida, que sempre correu paralela a de Jesus Cristo, poderá ter o mesmo desfecho trágico do filho de Deus. O cinismo em relação ao Poder, às burocracias e aos prestadores de serviço (seja dos pedintes aos comerciantes) são temas que perpassam o humor do Monty Python desde os tempos da série de TV Flying Circus (1969-1974) na BBC.

Em A Vida de Brian é ainda mais explícito: o ex-leproso revoltado porque Jesus o curou e ele perdeu seu ganha-pão de pedir esmolas; a Frente de Libertação propositalmente burocrática e inerte para evitar derrotar os romanos e chegar ao Poder porque não saberia o que fazer quando chegasse lá; comerciantes que precisam pechinchar não pela racionalidade econômica, mas por um obrigação moral; os seguidores de Brian que não aceitam os desmentidos do seu “messias”, não porque acreditam que ele seja um profeta mas porque sem ele não teriam outra coisa melhor para fazer; os romanos tão desorganizados que só conseguem dominar a Judéia porque os judeus parecem mais interessados em cuidar das suas vidas e fazer troça dos romanos, e assim por diante.

O cinismo do helenismo grego

Embora o humor do grupo a princípio trabalhe com estereótipos (o judeu materialista e covarde, um Pilatos gay enrustido etc.), vai muito mais além disso: explora uma forma especial de cinismo que remonta a tradição filosófica do período helenístico da Grécia antiga de Diógenes e Pirro – o cinismo (ou “kynismo” para os gregos da antiguidade) como forma crítica contra as três formas de falsidades que sustentam os poderes e a sociedade: a mentira (a má fé), a ilusão (a falsidade ontológica do mundo) e a ideologia (a ilusão mobilizada para finalidades políticas) – sobre isso clique aqui.

O cinismo do grupo inglês é cético: vê uma espécie de reversão irônica em cada ação humana – a fala de Jesus no Sermão da Montanha vira um “telefone sem fio”; a Frente política de oposição aos romanos vira um fim em si mesmo; tudo que Brian fala é filtrado por aquilo que seus seguidores querem ouvir. Por mais que Brian negue e insista que tudo foi um mal entendido, seus seguidores interpretam como algum tipo de mensagem mística cifrada. Por isso A Vida de Brian vê a Religião, a Política e o Poder de forma cínica – tudo é um conjunto de mal entendidos e incomunicabilidade na qual cada um entende o que quer entender, ouve o que quer ouvir.

Religião e política como racionalizações

Toda a mentira, a ilusão e as ideologias produzidas por elas seriam nada mais que racionalizações para justificar esse mal entendido radical. Assim como na emblemática sequência em que Brian foge desesperado não só dos romanos mas também de uma multidão de seguidores que pedem dele um “sinal” de sua divindade. Na fuga, Brian deixa derrubar uma cabaça (vaso de barro com gargalo estreito e comprido) e uma sandália acaba saindo do seu pé, ficando para trás.

O grupo que pegou a cabaça, ergue o objeto dizendo que é “a cabaça sagrada de Jerusalém” e passam a se autodenominar “cabacenos”. Enquanto outro grupo rival levanta a sandália para o céu e grita que aquilo é o verdadeiro “sinal”. Pronto! Acabou de ser criado o primeiro cisma religioso da história do Cristianismo. E sabemos que mais tarde o Império Romano adotou o Cristianismo como a religião oficial. Será que foi mais uma estratégia maquiavélica de “dividir para reinar” entre tantos outros exemplos que a História nos conta?

FICHA TÉCNICA DO FILME:

A VIDA DE BRIAN

Diretor: Terry Jones

Elenco: Graham Chapman, John Cleese, Terry Jones, Eric Idle, Michael Palin, Terry Gillliam

País: Reino Unido

 Ano: 1979

Classificação: Livre

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Sobre a tragédia do Charlie Hebdo: Humor X Fundamentalismo

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Ao ingressar na linguagem o ser humano perdeu para sempre o paraíso. A linguagem como recurso simbólico – nosso instrumento para lidar com o mundo – não é capaz de alcançar o real ou a “coisa em si”, sendo assim, a verdade que alcançamos em qualquer aspecto, será sempre uma meia verdade. Isso quer dizer que no campo da linguagem, qualquer tipo de discurso que se utilize produz alguma espécie de mal-entendido. Em resumo: somos seres condenados ao mal-estar.

 

 

Mas o que cada um fará com este mal-estar é diverso e singular. Entretanto, para efeito deste ensaio vou agrupá-los em dois tipos. Há formas discursivas que assumem e acolhem o mal-estar e outras que negam ou rejeitam o mal-estar e que representam, basicamente, duas maneiras de lidar com a verdade. No primeiro grupo estão as formas discursivas que entendem que não existe uma verdade única ou A Verdade, o que existe são meias verdades, ou seja, diferentes maneiras de enxergar uma mesma coisa. No segundo grupo estão as formas discursivas que acreditam que exista um saber universal e imutável. Neste modo de lidar com a realidade acredita-se ser possível se livrar do mal-estar buscando A Verdade; uma única verdade totalizadora capaz de responder todas as questões e, consequentemente, anular todas as diferenças.

No evento ocorrido na França onde religiosos fundamentalistas atacaram o jornal Charlie Hebdo, ao que parece, em retaliação às charges de humor que estes publicavam sobre o Islamismo, temos representantes dessas duas maneiras de lidar com o mal-estar. O humor é uma forma discursiva que acolhe e assume o mal-estar. O humor não nega o mal-estar, pelo contrário, ele sobrevive do mal-estar. Sua intenção é exatamente provocar riso a partir do mal-entendido. Ao avacalhar e desmoralizar o mal-estar, o humor denuncia-o e ao mesmo tempo lhe da leveza, tornando-o acessível ou suportável.

Já o discurso religioso – especialmente no caso das religiões fundamentalistas – tem a pretensão de rejeitar o mal-estar. Acreditam que exista uma verdade totalitária e imutável – exatamente a que professam ou que acreditam – única capaz de dar conta de todo e qualquer mal-estar. A proposta neste caso é: “Aceitem a minha Verdade – a única – e se livrem do mal-estar”. E certos de que estão diante dA Verdade, esses “religiosos” por vezes se tornam capazes de quaisquer atos extremos em nome dela. Em nome desta Verdade Universal pretendem apagar as diferenças, mesmo que para isso precisem fazer uso de medidas violentas.

Jacques Lacan, psicanalista francês, chamou este modo discursivo que tenta encontrar o Todo Saber ou o Saber Universal, de Discurso Universitário. Sua intenção ao levantar tal tema em 1969, era fazer uma crítica ao que a ciência e a própria psicanálise vinham se tornando, especialmente nas Universidades: saberes dogmáticos, engessados e duros.

Sendo assim, o fundamentalismo ou dogmatismo não é privilégio das religiões, apesar de ficar mais obvio enxergar nelas este tipo de visão de mundo. Há fundamentalismos erigidos em nome da ciência e da psicanálise. Há fundamentalismos nos movimentos sociais e políticos. Há fundamentalismos no discurso ecológico e no feminista. E há fundamentalismos de esquerda e de direita.

Leonardo Pandura, no livro O Homem que Amava Cachorros, narra os últimos dias do revolucionário russo Leon Trotsky e parte do desenrolar da revolução comunista na Europa. O que mais me chamou a atenção no livro é de como os ideais da Revolução Comunista e da filosofia Marxista foram transformados num dogma burocrático, tão duro e engessado, como o de qualquer religião fundamentalista. A revolução comunista, que tem como princípio rejeitar o discurso religioso por considerá-lo reacionário, vai se tornando ela mesma, com o caminhar da revolução, um emaranhado de dogmas e burocracias que acabam por pretender o mesmo que qualquer fundamentalismo religioso pretende: perseguir uma verdade única e acabar com todas as diferenças. Trotsky, inclusive, é assassinado por este motivo.

O que quero dizer é que nenhum tipo de saber: científico, político, religioso ou filosófico, está imune ao fundamentalismo. Basta que se pretenda negar o mal-estar, perseguindo uma verdade única e acabando com as diferenças.

Voltando ao caso Charlie Hebdo, podemos até questionar o bom gosto do humor que produziam. Podemos até concluir que suas charges incitaram sim o ódio e a revolta de fundamentalistas religiosos. Mas não podemos de maneira nenhuma acreditar que, por causa disso, não deveriam ter produzido humor que produziram durante todos esses anos. Porque o humor não pode ser covarde, não pode evitar o mal-estar. E por rejeitar uma verdade que seja toda ou um único modo de enxergar o que nos cerca, o humor é sempre revolucionário. Mesmo que seja de mau gosto, mesmo que pise em minorias, mesmo que reforce estigmas, o que o humor tem a seu favor é sempre o fato rejeitar uma verdade única. O humor é capaz de aceitar o mal-estar como parte integrante da vida e das nossas relações, o que é fundamental para arejar o conjunto de verdades que vamos construindo sobre as coisas.

Isso não quer dizer que o humor esteja acima da lei, ou acima do bem e do mal. Se o humor ultrapassa limites legais estabelecidos deve responder e ser responsabilizado por isso, este é o preço que arriscam pagar por evidenciarem o mal-estar, faz parte do jogo. Mas, quando falamos do limite do humor, não é possível pensarmos que tal limite possa ser estabelecido à priori. Se burocratizarmos ou dogmatizarmos o humor, ditando normas e regras para que ele aconteça, iremos mata-lo, pois será mais um discurso cheio de verdades estabelecidas.

Os cartunistas da Charlie Hebdo, possivelmente, preferiram assumir o risco do humor que produziram. Mesmo não achando nenhuma graça de algumas charges que vi circulando por aí (quem sabe influenciada pela tragédia ocorrida) acredito que eles estavam certos em não se acovardarem diante da missão do humor: denunciar verdades únicas e imutáveis, desconstruir visões de mundo estreitas e fundamentalistas, desmontar dogmas e debochar de certezas.

Já temos gente demais vomitando certezas neste mundo. Já temos teorias, instituições, seitas, religiões, regras e livros de autoajuda suficientes para nos dizer como encontrar A Verdade, Verdade essa capaz de acabar com todo o mal-estar que não cessa de se impor sobre nós. Temos gente demais empunhando suas certezas como se fossem armas, e eles não recuam se precisarem atirar. E o humor será sempre um bom antídoto contra isso.

Eu não vou escolher um lado no caso Charlie, porque não tenho conhecimento suficiente da situação para fazê-lo. Não sei se eles foram longe demais, se ultrapassaram algum limite ético ou legal. Eu não sei como vivem as minorias islâmicas na França. E também não acho que empunhar uma caneta seja um ato inocente, e nesse caso, não havia nenhuma pretensão que fosse. Mas se eu tiver que escolher entre o fanatismo religioso ou qualquer outro tipo de fundamentalismo e o humor, eu fico com o humor. Sempre.

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O Alzheimer, uma avó e um neto

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Uma história de amor e gratidão que envolve os mais fortes sentimentos, um livro diferente e que protagoniza a história entre um neto e sua avó, tudo isso não seria novidade, exceto, quando envolve como causa principal o Alzheimer, uma doença em que, as causas e curas, são de pouco conhecimento pela classe médica científica. Toda essa história de amor incondicional, acabou sendo contada em um livro: Quem, eu? Uma avó. Um neto. Uma lição de vida, Editora Belas Letras, 240 páginas.

O (En)Cena entrevistou o autor, um dos protagonistas, o neto Fernando Aguzolli Peres, 22 anos, nascido e criado em Porto Alegre. Há seis anos, sua avó, que lhe dedicou boa parte da vida, foi diagnosticada com uma doença muito peculiar, o Alzheimer. Foi então que ele decidiu abandonar todos os projetos e dedicar tempo possibilitando a uma melhor qualidade de vida para a avó, Nilva Aguzzoli, apelidada carinhosamente de, “Nonna Nilva”.

A história, começa com o autor revelando a vida difícil enfrentada por sua avó, filha de imigrantes Italianos e que nasceu em fevereiro de 1934 em Caxias do Sul-RS. Diante de dificuldades financeiras, e com a separação dos pais, dona Nilva, teve que abandonar a escola e começar a trabalhar logo aos 13 anos de idade.

Quem pensa que o conteúdo é somente tristeza, vai se surpreender com histórias humorísticas vividas e contadas por “Nonna Nilva”. Como o principal sintoma do Alzheimer é o esquecimento, vovó Nilva se envolvia em situações divertidas que certamente podem arrancar risos dos leitores, uma estratégia do autor que, durante a fase doentia da avó, acreditou e usou de risos e gargalhadas como filosofia e terapia de estratégia para retardar o avanço do Alzheimer. “Tem duas formas, rir dos outros ou rir com os outros, eu escolhi rir com minha avó”, lembra o neto.

O livro tem a intenção de alertar e informar sobre o diagnóstico e os cuidados para com esses idosos que sofrem de Alzheimer. “Estamos vivendo mais, mas ao passo que envelhecemos voltamos a ser como crianças e precisamos de cuidados”, alerta o autor, lembrando ainda que depois do diagnóstico, os estudos e as orientações apontavam para o abandono do idoso doente. “Não abandonei a minha vida, apenas inseri minha avó nela”, diz.

Dona Nilva, faleceu no ano de 2013, e deixou como legado toda essa história emocionante de dedicação e solidariedade e que pode ser conferida ainda, com a entrevista exclusiva concedida pelo autor para o En(Cena).

En(Cena) – Você é jovem e demonstra preocupação com uma doença que atinge cada vez mais a população brasileira. Diferente da maioria dos jovens, acabou se dedicando ao bem estar de sua avó, por que? 

Fernando Aguzolli – Por gratidão! Não sei quanto aos outros jovens, e acho que cada um tem a sua história, mas eu tive uma avó maravilhosa, coruja e muito dedicada. Ela também deixou um momento importante de sua vida para se tornar vó, eu viria a retribuir esse gesto alguns anos depois, cuidando dela em um momento delicado, quando vivíamos o Alzheimer. Na nossa família a geração do meio – meus pais – sempre incentivaram essa aproximação entre neto e avó, proporcionando momentos maravilhosos, lembranças positivas e uma amizade incrível. Isso certamente contribuiu para a decisão que tomei na sua velhice, me tornar pai!

En(Cena) – De onde partiu a ideia de transferir toda essa história para um livro?

Fernando Aguzolli – Primeiro criei a fanpage facebook.com/vovonilva, onde compartilhava nosso dia a dia através de fotos, vídeos e postagens cômicas com nossos diálogos. Era uma forma que encontrei pra trazer um pouco de informação pra quem não conhecia o Alzheimer, e também mostrar uma perspectiva mais leve de convívio com a doença. Foram os próprios curtidores da página que sugeriram um livro, e dessa forma passei a escreve-lo ao lado da vovó, mas sem a pretensão de lançá-lo. Como ela veio a falecer durante esse processo, achei que seria uma linda homenagem finalizar o livro e publicá-lo. E foi o que fiz!

En(Cena) –  Você descreve histórias de humor vividas por sua avó. O que pretende transmitir para o leitor com tais relatos?

Fernando Aguzolli – Pretendo mostrar que a formalidade entre gerações as vezes atrapalha, e que quando desconstruímos essa formalidade podemos criar uma relação mais próxima, uma amizade onde com muito bom humor e amor, diversas situações complicadas podem ser atravessadas! Não é por utilizar o bom humor como fuga da doença que eu passo a encarar o Alzheimer com menos importância, muito pelo contrário, a família também encontra-se doente, e o bom humor é uma ótima alternativa pra que posssamos lutar contra a depressão e seguir oferecendo uma ótima qualidade de vida ao idoso doente.

En(Cena) – Sua avó abandonou tudo quando criança para estudar e trabalhar, depois de adulta teve que se dedicar para cuidar de você em sua infância. Que relação você faria desse ciclo completo com a sua decisão de abandonar e dedicar seu tempo a ela, um gesto de gratidão?

Fernando Aguzolli –  Não, o livro não diz nada disso. O livro diz que ela teve que sair do colégio aos 13 anos para trabalhar, ela sempre amou estudar mas não teve condições, e então entrou para uma fábrica onde ficaria por muito tempo. E não, ela não TEVE que dedicar a cuidar de mim, justamente o contrário, meus pais eram muito presentes, minha avó TOMOU essa decisão para de fato participar da minha criação, se tornar avó de corpo e alma. Foi uma decisão, que – aí sim – como disseste, vim a retribuir por gratidão quando deixei minhas obrigações atemporais de lado para lidar com um período que não voltaria mais tarde!

En(Cena) – Quando decidiu deixar a vida profissional para cuidar da sua avó, foi muito criticado por amigos ou parentes?

Fernando Aguzolli – Não, alguns me sugeriram reduzir cadeiras ou outras medidas que não cabiam ao momento, mas com o convívio comigo e minha avó foram percebendo que era inviável fazer de outra forma, e então meus amigos me deram apoio total, 100%, inclusive fazendo visitas a vovó, indo lá pra casa nos dias em que eu não podia sair e nos levando pra passear. Eles são fantásticos!

En(Cena) – A criação de uma página no facebook, hoje com quase 100 mil curtidas, você esperava tanta repercussão?

Fernando Aguzolli – Hoje a página está com quase 100 mil elos de uma ‘corrente do bem’, onde todos compartilham suas vidas e buscam ali a esperança de aprender a lidar com uma doença galopante, cada vez mais presente na vida do brasileiro. Nunca esperei a repercussão que a nossa história ganhou, conquistou, mas fico feliz em saber que o brasileiro está dando valor a uma boa história, assim talvez mudemos nossas prioridades e passamos a enxergar o idoso, a velhice e suas doenças com outros olhos.

En(Cena) – Quando sua avó não te reconhecia como neto, o que isso te causava?

Fernando Aguzolli – Ela sempre dizia: “eu não sei quem tu és, mas sei que te amo muito”, isso já me deixava feliz, o que importa é saber que ela me ama e tem noção desse sentimento, saber que esse sentimento pulsa mesmo que a lembrança lhe falhe. Então me sentia alegre em saber que ela estava lutando contra a doença automaticamente, enquanto o sentimento se mostrava ali! Mas claro, muitas vezes me entristeci, normal, mas é por não entendermos que na verdade não é culpa deles, nada é pessoal, eles estão passando por um processo do envelhecimento que traz obstáculos como esse, temos que aceitar uma hora, ou vamos enlouquecer!

En(Cena) –   Qual a historia ou momento de esquecimento causado por sua avó que você lembra e considera mais engraçado ou marcante?

Fernando Aguzolli – Ela vez que outra acordava procurando um cachorro que não tínhamos em lugares onde ele não caberia. Era muito engraçado pois ela levantava na madrugada meio cambaleante em busca do tal cachorro. Eu ficava louco pois sabia que aquilo devia ter vindo de um sonho bem provavelmente, mas não adiantava procurar, a solução era sair com ela em busca do totó até ela esquecer o que estava procurando e voltar pra cama! haha…

En(Cena) – Após a morte da sua avó, como foi a sua adaptação de voltar a um novo estilo de vida?

Fernando Aguzolli – Minha vida segue sendo nossa história, quer dizer, eu continuo vivendo nossa história. O livro esta aí fazendo um baita sucesso, mostrando que as pessoas tem carência por boas histórias e estão abertas a compartilhar boas experiências, estou dedicando meu tempo a isso e tem sido uma rotina muito gratificante.  Penso em voltar pra faculdade, mas agora pra psicologia, não mais filosofia, e também penso em arriscar outro livro, sobre outra temática! haha

En(Cena) – O que você pode reforçar para pessoas que estão ou que possam enfrentar a situação que você viveu?

Fernando Aguzolli – Mantenham a paciência, respeitem seus limites e sorriam muito, nunca sozinhos, sempre com aqueles que amamos. Compartilhar a dor, seja compartilhando nossas histórias ou nos aproximando do sofrimento alheio, não implica em sofrermos todos juntos, mas assim podemos livrar aquele que por uma dificuldade passa e sofre! Compartilhe sorrisos com avós, pai, mãe, netos, amigos, irmãos…essas lembranças serão muito importantes!

FICHA TÉCNICA

QUEM, EU? UMA AVÓ. UM NETO. UMA LIÇÃO DE VIDA

Editora Belas Letras

Autor: Fernando Aguzzoli
ISBN: 9788581741826
Formato: 15x22cm
Páginas: 240
Preço de Capa: R$ 34,90

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Ansiedade: por um ansioso

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Olá! Sou uma pessoa ansiosa. Não sei se o que estou fazendo é válido ao contexto em que ele será inserido, mas é que me deu uma vontade insuportável de falar sobre mim.

Sou acadêmico de Medicina e venho aqui para falar de ansiedade e dos transtornos que ela nos causa no dia-dia.

Já são 01h07 da manhã. Já tentei dormir, mas não consegui, pois minhas ideias não param desde que pensei em escrever algo sob o ponto de vista do ansioso.

Forgiarini e Ricci et al (2010) definem a ansiedade como se segue:

A ansiedade é um estado de humor desconfortável, uma inquietação e uma apreensão interna em relação ao futuro. Manifestações estas que levam a respostas somáticas, fisiológicas e psíquicas.

Sparks, Taylor e Dyer (2000) associam a ansiedade ao temor, geralmente ligado à morte ou à incapacidade de realizar uma tarefa. Porto (2009), fala que a síndrome ansiosa é uma das principais síndromes psiquiátricas e que costuma ser acompanhada de sintomas físicos. Ainda segundo autor, a ansiedade pode apresentar-se através de sentimentos de desrealização e despersonalização, medo de morrer ou de ficar louco, entre outros sintomas. Kaplan, Sadock e Grebb (2003), falam que a ansiedade pode se dá de forma normal ou patológica, mas a intenção deste é falar sobre questões rotineiras da ansiedade.

O pensamento insistente é uma das características da ansiedade e se me perguntarem se sofro com transtorno de ansiedade, não saberia responder. Mas a verdade é que, quando fico ansioso, isso me causa muitos transtornos. Um exemplo: a preocupação com coisas que não preocupariam a maioria das pessoas me deixa – como se diz: “Um pé no saco!”. Não sei o nome do autor da máxima citada, mas ela reflete exatamente como me sinto: fico muito chato. Isso sem falar da expectativa irritante que me acompanha. Tenho ataques de coceira (É mole uma porra dessa?). E para que tanta caspa? A minha cara fica parecendo estar repleta de “pano branco” e, nesse período, ninguém chega muito perto de mim, com medo de ser infectado por algum fungo maldito.

Aliás, os sintomas orgânicos relacionados com a ansiedade são vastos e, por vezes, inusitados. Kaplan, Sadock e Grebb (2003) ainda listam no Compêndio de Psiquiatria algumas manifestações periféricas da ansiedade: diarréia, hiperidrose, palpitações, síncope, urgência urinária e outras.

Sinceramente, a impressão que me dá é que ninguém tá nem aí para a minha doença. Ninguém se importa em entender o ansioso –  e não estou falando de sentir pena – mas é que a ansiedade, para ser notada, tem de ser extrema. A pessoa tem que estar em quadros de pânico ou agorafóbicos (Casseta! Tenho que está quase morrendo para ser compreendido?).

Perceba só a diferença de quando se diz: “Estou muito ansioso!” ou “Estou deprimido”. O tratamento é totalmente diferente! A primeira situação, por vezes, é tratada como frescura; já na outra, o tratamento é mais acolhedor e carregado de atenção. Não estou dizendo que a depressão não deve ser vista com atenção. Ela é grave e deve ser tratada como tal quando, de fato, for DEPRESSÃO. Hoje, qualquer tristeza é confundida com ela, pois a depressão está muito banalizada. Mas o que eu tento dizer é que essa situação em particular nos remete ao jeito com que a saúde é tratada no Brasil: de forma meramente curativista.

A impressão que me cabe é que essa conversa de universalidade, integralidade e equidade, pregada pelo SUS (Sistema Único de Saúde), é conversa jogada fora. Principalmente a integralidade. As pessoas não querem se envolver no processo de adoecimento. Elas preferem te ver bem (saudável) ou ferrado (doente). Não percebo ninguém lutando pela manutenção da saúde mental, mas não raro vejo pessoas hospitalizadas em busca de uma “cura” milagrosa, quando não cabe mais a prevenção da doença. Em outras palavras, ninguém anda visitando um “quase doente”, mas se gasta tempo e dinheiro para ir ao velório de um ente querido.

Vale ressaltar que não estou criticando os movimentos psiquiátricos em si, esses foram e são importantíssimos para o SUS, pois acredito terem inspirado, por exemplo, a forma descentralizada com que a Estratégia de Saúde da Família trabalha hoje. Segundo Amarante (2007) esses movimentos, desde o final dos anos 60 e começo dos anos 70 quando de fato chegaram ao Brasil, lutam para que a atenção à saúde mental se dê mais no sentido da autonomia do que no da institucionalização. O que estou criticando é que, na prática, não se faz nada antes do indivíduo ter o diagnóstico de uma doença, como transtorno de ansiedade, no caso.

Para mim, o maior problema é lidar com as pessoas, com as quais eu geralmente me desgasto durante uma crise de ansiedade. Na verdade, não haveria necessidade de enfrentamento, pois tudo se resolveria por si só no dia seguinte ou horas depois. Mas a vontade de não deixar que nada de errado passe sem que seja citado é tão grande que -muitas vezes – ela me leva a demandas com pessoas que, geralmente, mais me ajudam do que eu a elas; ou com pessoas que julgo superiores a mim (meus pais e professores). Minha irritação já me causou algumas perdas (amigo, por exemplo). Sentimentos como inquietação psíquica, irritabilidade – por causa deste também já apanhei – falta de concentração e dificuldades com julgamento de terceiros são outros sintomas psíquicos que me deixam irritado. Kaplan, Sadock e Grebb (2003) também descrevem esses sintomas em sua obra.

O que espero desse trabalho é tornar possível a identificação de sintomas ansiosos e assim melhorar a convivência das pessoas. Espero que os amigos de pessoas que sofram com a ansiedade saibam reconhecer esses sintomas, de forma que os ansiosos tenham um tratamento mais justo, porque ficar ansioso não está na ordem da vontade: essa merda nos acompanha! Mas não se sintam obrigados a aguentarem o humor irritadiço do ansioso. De vez em quando vocês podem até mandar um “VAI SE FERRAR!”, desde que depois façam as pazes. O fato é que não se pode perder amigos sem que lhes seja dada a oportunidade de conhecerem essa tal ANSIEDADE.

Na real, a minha verdadeira intenção aqui é que um amigo, que há tempos perdi, possa encontrar este trabalho e, dessa forma, me perdoar.

Nota: o texto é resultado de uma atividade da disciplina de Psiquiatria, do curso de Medicina do ITPAC – Porto.

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A Hegemonia do Pensamento

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Somos mesmo uma caixinha de segredo. Como pode uma jovem, bonita e estudiosa, no término do curso de medicina, do nada, parar no tempo?

Em um dia qualquer rotineiro de sua vida, essa jovem teve uma emoção muito forte, que mudou completamente  sua visão de mundo, de seus sentimentos e pensamentos em relação à vida, apresentando mudanças do humor. De imediato ficou calada, inquieta, tentava explicar alguma coisa, mas, suas justificativas eram sem nexo. Apresentava alteração do juízo da realidade, assustava-se com barulho e presença de outros que não fossem os mais próximos. Fechava-se em ambiente escuro e muitas vezes se escondia debaixo do leito. Completa inapetência.

Foram meses de agonia e tristeza para todos da casa. Seu físico se definhou, não sorria e seu olhar era profundo e fixo em quem com ela falava. Sentia que tentava passar algum sentimento escondido. Tentando sair dessa agonia e se mutilou com lâmina de bisturi, na altura do seio. Perguntei-lhe o motivo desse ato e ela me disse que tinha um desejo em saber como era a vida após a morte, mas a dor a impediu de continuar. Relembro como se fosse hoje ao relatar esse caso, ainda sinto o cheiro forte de sangue em minhas narinas.

Certo dia ela passou do humor calmo para o agitado. Magicamente, a força retornava e muitas idéias surgiram, meio que atrapalhadas, mas – no contexto em que se encontrava – todas eram bem vindas. A vontade de tudo renascia como se fosse uma criança, cheia de quereres e de poderes. Dever, ou não, já não era mais a questão. O querer e o poder já eram o bastante. Manipular tudo era o máximo!

Foi levada para uma clínica de doenças mentais sob efeito de medicamento. Ao despertar, sua euforia foi tamanha que tiveram que imobilizá-la no leito e medicá-la para contê-la. Em resposta ao trauma sofrido, a jovem relata:

“Entro em um lugar hostil e aos poucos caminho, acorrentada numa energia que não é a minha. Ouço um barulho avermelhado que se distancia e à medida que adentro neste castelo branco as cores somem e vejo sombras. Além de angústia e solidão que pairam no ar. A música já não tem melodias e o ruído e gritos distantes me apavoram. Corredores sem fim e portas trancadas me deixam com muito medo. Sinto-me embaraçada nos meus próprios braços e ando sem querer. Estou tonta e o meu corpo dói. Sentia-me presa, mas estava presa mesma! E a família pouco me visitava, pois o sistema era fechado e tinha hora pra tudo. Mal podiam saber o que eu sentia por dentro, pois só viam o “por fora”. Os doutores queriam me curar, e eu queria era falar e ninguém me escutava. Sentia que os olhares eram todos pra mim, e que mudanças podiam acontecer a qualquer instante. Imagino um dia acordar e me ver num lugar diferente, onde eu possa ir para casa e voltar quando eu achar melhor. Ser tratada com dignidade e enxergar as cores das coisas. Poder aprender com outros que sofrem como eu, e quem sabe, ensinar quem precisa. Ver um mundo colorido, de música e formas como nunca vi antes e novamente ver minha casinha, com todo o mundo que eu preciso lá dentro.”

Dias se passaram e ela voltou ao convívio dos demais e às atividades diárias, com o apoio de profissionais da saúde, com terapias, medicamentos e diagnóstico de transtorno afetivo bipolar. Hoje, questiona sua internação, indaga o porquê de ter passado por uma situação tão traumática em vez de utilizar outros métodos de apoio.

Mediante isso, pode-se ressaltar por quanto tempo a medicina se ocupou da doença e se esqueceu dos sujeitos, que ficaram apenas como hospedeiros das mesmas. Por outro lado, enaltece-se agora a rede psicossocial e a equipe multidisciplinar que se configura. Cada vez mais, o papel do psiquiatra soberano sai de cena e a dinâmica dos serviços se mostram numa razão igualitária.

A realidade ainda, porém, é que nem todos pensam assim: mesmo nos dias de hoje, há pessoas que lidam com casos envolvendo transtornos psiquiátricos como pré-históricos. Por qualquer motivo que seja diferente dos padrões da sociedade, levam os pacientes diretamente à internação, taxando-os de loucos, sem sequer pensar em procurar ajuda primeiramente em um CAPS ou buscar um psicólogo, dentre outros. Direcionam-se por uma maneira mais rápida e prática, talvez até por falta de conhecimento ou não, mas a primeira opção é a internação.

Será que depois de tantas manifestações e do desmantelamento progressivo dos manicômios, a população ainda pensa dessa maneira? Será que não serviram de nada as lutas e conquistas na área psicossocial? Uma pessoa que pode conviver com seu “problema” no meio da sociedade, não precisa ficar trancada entre quatro paredes, se sentindo solitária e excluída de tudo e de todos. Vislumbra-se outra possibilidade, mais humanitária, respeitosa para com o ser humano e seu sofrimento: a ajuda psicossocial, multi e interprofissional, com o CAPS, psicólogos, psicanalistas, terapeutas ocupacionais, psiquiatras e, principalmente, o apoio familiar, o suporte social.

Tem-se que mudar pensamentos arcaicos, de que qualquer alteração que fuja ao padrão do que é ser normal, instituído pela sociedade, seja loucura e de que tudo seja motivo para internação. É salutar o tratamento medicamentoso, combinado com o auxílio na educação do paciente e de sua família, tendo como propósito a recuperação e a adaptação à doença.


Nota: o texto é resultado de uma atividade da disciplina de Psiquiatria do curso de Medicina do ITPAC – Porto.

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