Medicalização da vida

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Jurema Barros Dantas, psicóloga, mestre e doutora em psicologia social pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, nos apresenta o artigo “Tecnificação da vida: uma discussão sobre o discurso da medicalização da sociedade”, onde traz à tona que o uso abusivo de terapias e medicamentos na atualidade tem se demonstrado como um traço de atitudes relevante da cultura ocidental, visto que as problemáticas sociais do homem vêm sendo cada vez mais interpretadas por um discurso biomédico. Onde tudo e todos necessitam de cura, onde nada é visto como natural ou passageiro, onde o bem-estar corre contra o relógio e precisa-se de tudo pra já, agora!

Considerando que hoje somos corrompidos pelas facilidades para alcançar a ‘felicidade instantânea’ a resolução dos conflitos foi deixada de lado. Sofrer? Só para os mal-informados ou não abonados financeiramente, pois o magnífico comercio da industria farmacêutica fornece tudo, mas com seu devido preço!

O alto valor que se dá ao conhecimento científico e ao discurso médico faz com que cada acontecimento natural do nosso cotidiano seja visto de forma técnica. Dantas (2009) traz uma discussão acerca dessa tecnificação da vida e desse discurso que faz com que a sociedade seja guiada pelo discurso da medicalização. Ela faz uma comparação onde a suposta eficácia das medicações é vista como algo que serve de engrenagem para dar um ‘up!’ na vida do individuo ou deixar aquele problema esquecido em meio a tantas formas tecnificadas de enfrentar o cotidiano.

Dantas (2009) também defende que a medicalização não deve ser vista só como um evento isolado a ser previamente definido, mas como uma série de práticas que acabam fazendo com que o medicamento se torne uma forma de resolução rápida para todo e qualquer problema de vida da atualidade. Como fruto disso, não somente a indústria farmacêutica vem enriquecendo cada vez mais, como também a sociedade parece estar cada vez mais anestesiada com as descobertas cada vez mais recentes que prometem desde a perda de peso até o controle dos filhos.

O discurso que tem guiado a sociedade é um discurso mágico e mítico, onde tudo acontece em um piscar de olhos, sociedade essa que podemos entender como ‘sociedade da preguiça’, onde o sofrimento e os dramas existenciais são guiados por um discurso médico e transformados de forma química, ingerida de rápida e eficaz para resolução dos problemas que atravessam naturalmente a vida na contemporaneidade.

Infelizmente, com o fácil acesso ao conhecimento cientifico, incorporamos cada vez mais ao nosso cotidiano um modo de experimentação, de expressão, motivação e desejos baseados nas substancias artificiais e paliativas para o bom viver na atualidade. Precisamos cada vez mais perceber que a vida e a forma de existir não é uma doença e que viver inclui todos os riscos de experimentação, escolha, decepção. A medicina vem sim avançando cada vez mais com intuito de melhorar as condições de vida de cada um e cabe a nós dosar até que ponto esses avanços nos aprisionam e acabam nos tornando em uma sociedade medicalizada.

No artigo em questão fica evidente que estamos inseridos em uma sociedade que evita o conflito e se ‘afunda’ num discurso técnico onde os medicamentos e os discursos médicos se mostram como ‘soluções’ para situações que deveriam ser vivenciadas normalmente na vida de cada sujeito, considerando que é na crise que evoluímos e não com os embotamentos trazidos pela maravilhas da medicina. Para complementar essa discussão indicamos o livro “Por que a Psicanálise?” de Elizabeth Roudinesco que trata, com detalhes, do como a sociedade contemporânea nos afasta de questões existenciais, necessárias para o desenvolvimento do espírito humano, em troca de soluções fast-food, rápidas e, supostamente, seguras.

REFERÊNCIAS:

Dantas, J. B., Tecnificação da vida: Uma discussão sobre o discurso da medicalização da sociedade. Revista de Psicologia, Set/Dez, 2009. Disponível emhttp://www.uff.br/periodicoshumanas/index.php/Fractal/article/view/202, acesso dia 26/11/2012.

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Sou Insubstituível?!

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É tudo descartável. Não prestou? Troca. Não gostou? Troca. Envelheceu? Troca. Infelizmente, chegamos a isso. Como fazer nascer, nos nossos relacionamentos, vivência e cotidiano, uma nova cultura? A de que é possível ‘ficar’? E ficar aqui tem o sentido de permanência. Continuidade.

O consumismo desenfreado chegou também nos relacionamentos. Ficamos descartáveis. Lembro do filme Toy Story, que apresenta a saga dos brinquedos que temem o dia em que vão ser trocados, substituídos. Bem que poderia valer para a vida da gente, a célebre frase do filme: “Ao infinito e além”, dita pelo personagem Buzz Lightyear. Assim, nossa ligação com produtos, serviços, relacionamentos, mudaria. Íriamos querer para sempre, ainda que isso significasse ‘apenas’ uma vida.

Tudo bem que ter alternativas à disposição é sempre bom. A gente conquistou isso, depois de uma outra batalha. Aquela que permitiu ao consumidor, às pessoas, no aspecto geral, não ficarem reféns do monopólio, da única opção. Mas, se levamos bem de um lado, perdemos a noção de outro.

Por isso, talvez, não cuidemos bem dos idosos. Queremos descartá-los também. Envelheceram, né? É uma pena, porque esse, e com certeza serei redundante, é o destino de toda a humanidade: envelhecer.

O que fazemos, então? Refletirei rapidinho.

O que faz a gente ser especial, de forma tal que ninguém pense em nos substituir? Eu quero usar de novo, como exemplo, um dos três filmes Toy Story. Para descrever um dos inesquecíveis brinquedos-personagens, veja só o que outro brinquedo ‘falou’:

– O Woody tem sido meu amigo desde sempre, é corajoso como um cowboy deve ser, é gentil, inteligente, mas o que faz o Woody especial, é que ele nunca desiste de você. Nunca. Ele vai estar contigo pro que der e vier.

Estar junto, para o que der e vier, é uma das formas de dizer:

– Eu estou aqui, se precisar. Eu fico contigo, se quiser. Eu te ajudo, se precisar.

Daquele jeito que a gente pode até não usar, mas sabe que se precisar, vai ter onde recorrer. É como brinquedo velho. Não tem a mesma beleza, o colorido, a novidade do início. Mas está lá, na prateleira, na caixa de brinquedos, quando a criança procura.

Imagine a dor de quem é descartado? Você gosta de ser deixado(a) de lado, quando alguém compra ou encontra algo(alguém) novo?

Isto não quer dizer que somos obrigados a ficar com aquilo que não gostamos, não queremos, não aprovamos. Não é isso. Ninguém é obrigado a nada, ou pelo menos, não deve ser. Mas também não é obrigado a comprar, a escolher, a querer e depois descartar.

Antes de decisões radicais na vida, antes de tratar pessoas e relacionamentos como coisas, produtos, é bom se dar conta que a vida é um ciclo, um círculo, um vai e vem. Próprio da lei da física: da ação e da reação.

Se não prestou? Conserte. Se não gostou? Olhe por outro ângulo, veja se tem qualidades que parecem escondidas, reavalie. Envelheceu? Vamos de música sertaneja: “panela velha é que faz comida boa”.

Eu quero mesmo, e aí é minha vontade pessoal, ser para aqueles que me amam, insubstituível. E assim, quem sabe possa ouvir destes “alguéns” a quem eu amei muito, uma frase de filme:

– “Eu nunca mais verei um pôr do sol sem lembrar de você!” (PEARL HARBOR)

E você, o que quer?


Nota: Texto publicado originalmente no Blog da autora: www.jocyelmasantana.wordpress.com

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“Eu não tenho paciência”

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Minha experiência de mãe é de menos de uma década. Neste período já aprendi muita coisa, é claro. Ainda bem. Mas ainda pelejo muito com outras tantas, tenho que admitir. Ter mais paciência, é uma delas. Por isso, quero escrever sobre o drama que é para mim, e tenho certeza, para outras milhares de mães, reforçar esta ‘virtude’.

Pois bem….

Ontem fui ao supermercado com marido e três dos meus filhos (tenho dois enteados). Imagine. Lá, seguiu-se, por várias vezes, uma singela e natural disputa entre eles sobre quem ia ‘dirigir’ o carrinho de compras. Chegaram a um consenso. O caçula – que já tem quatro anos – ficou deitado na cadeirinha de bebê, tranquilamente se divertindo com o ‘meu’ celular. Os outros dois se revezaram no empurra-empurra do ‘automóvel’ de compras.

Cansada, lá pelas tantas, e doendo muito os pés por causa de um calçado que achei bonito e comprei, mas que se mostrou pouquíssimo confortável, parei ao lado da fila de caixas. Enquanto esperava que meu marido identificasse e separasse mais um item da compra, com a turminha peralta, num dos corredores do supermercado, acompanhei atenta – mas sem dar muito na cara – um diálogo áspero que se passava ao meu lado.

– Eu não tenho paciência com menino, dizia a mulher.

– Deixa eles, eu tenho paciência por você, respondeu o marido.

O contexto desta conversa envolvia, também, por coincidência, pais e três filhos. Aqueles, certamente, mais travessos que os meus, com o carrinho já cheio de compras, disputavam quem retiraria os produtos para passar pela esteira do caixa. A mãe, já com os cabelos ouriçados de impaciência, cansada certamente pelo dia cheio de trabalho(no relógio já passava de 21h), não queria deixar os meninos atrasarem, ainda mais, a ida para casa. Na visão deles, com toda razão, a compra era mais uma atividade super-divertida neste período de férias.

Para mim, especialmente identificada com a coitada da mãe, achei curiosa e simpática a posição do pai. Tudo que a mulher dizia, ele repetia: – calma, pode deixar, eu tenho paciência com eles!

Gostei de assistir a cena. Porque, o pai, gordinho(sem preconceito, entendam!!) e sorridente, fez jus ao próprio discurso. Posicionou-se na ponta do caixa, pacientemente, enquanto as crianças, na mesma faixa de idade dos meus, retiravam os produtos, continuavam brigando para dominar o carrinho, e a compra ia sendo concluída.

Na vida de quem decide ter família, paciência e bom humor são necessários, sempre. Mais ainda quando uma das partes já está com estes ‘itens’ esgotados. O mais complexo é que não dá para comprar estes ‘produtos’ na prateleira do supermercado. No meu caso, posso dizer, a vida – e Deus, com certeza – foram e são generosos comigo. Ao meu lado sempre tem alguém com mais paciência. Bom humor, eu tenho. E quando ele quer desaparecer, sempre busco um jeito de achar reforços.

Quando tudo parece complicado demais, lembro de Vinicius de Moraes, no poema Enjoadinho:

Filhos…Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-lo?
Se não os temos
Que de consulta
Quanto silêncio
Como o queremos!

É isso. Beijos, meus filhos, minha vida!! Meus tesouros!! Paciência, já!!!

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O Direito à Preguiça

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LAFARGUE, Paul. O Direito à Preguiça. São Paulo: Editora Claridade, 2003.

O Direito à Preguiça, de Paul Lafargue, é uma crítica social atual, apesar de abordar o regime capitalista no seu molde inicial. O livro narra uma sociedade alienada e emudecida pelo calor de sua própria ignorância e falta de critícidade, tal qual a da nossa contemporaneidade.

O livro divide-se em um prólogo e quatro capítulos, ordenados em uma sequencia lógica, inicialmente situando o leitor no contexto histórico à medida que segue com a descrição das problemáticas acarretadas pelo trabalho.

A sociedade descrita por Lafargue corresponde a um período da história em que, a supervalorização da moeda e o intento de empresários em tornarem-se uma potência capital, moviam o mundo. O autor defende que os burgueses, com a benção da igreja, eram os que detinham o controle sobre o capital, assim como o domínio sobre trabalho e a força bruta dos operários, estes por sua vez, atuavam passivamente, barganhando a troco de pão por seu suor. Para Lafargue, a igreja é uma das principais responsáveis por essa sociedade vendida, e voltada unicamente para o trabalho, por ele, tão criticado.

Seria ela, a igreja, a criadora e mantenedora do “Dogma Desastroso”, mistificado e fantasiado pelas belas palavras dos sacerdotes, que estimulavam e cegavam os homens em busca de um prazer ilusório, creditado no trabalho.

Uma estranha loucura dominou as classes operárias, das nações onde reina a civilização capitalista […]. Essa loucura é o amor ao trabalho, a paixão moribunda que absorve as forças vitais do individuo e de sua prole até o esgotamento. (LAFARGUE, p.19, 2003).

O autor afirma que o trabalho excessivo nas indústrias, cega, embrutece e adoece o homem. É uma medida de controle social, pois se o homem não tem forças, ele não luta. Para Lafargue, o patriarcado burguês retira do homem seu direito à liberdade, e cria uma cultura toda voltada à satisfação monetária, onde fantasiosamente é pregado que: quanto mais suor gasto, mais dinheiro e melhores condições de vida. E a classe proletária, a fim de atingir um estado ilusório de felicidade, fundamentado no capital, adere aos modelos e parâmetros burgueses.

No capitulo seguinte, a “Benção do Trabalho”, o autor expõe que os regimes de 14 horas de trabalho diários nas fabricas, levou os operários a adoecerem, e a morrerem, cada vez mais cedo. Para calar o proletariado, a burguesia falsamente prega o infortúnio do ofício como uma benção. E, sem perceber, o homem se vê imerso num regime neoescravocrata e sem escapatória, em um ciclo vicioso, onde ele é, em toda a sua ignorância, senhor e servo, ao ser obrigado a consumir o seu próprio produto, e sem poder questionar. Era uma atividade ironicamente injusta e igualitária, que não dispensava e não distinguia homens, nem mulheres, e nem crianças. Todos eram bem vindos e podiam contribuir com a produção.

No capitulo “Depois da Superprodução”, Lafargue demonstra como o homem desperta para sua condição miserável e alienada. Pois quanto mais suor e mais tempo gasto, mais pobre e miserável o homem se torna. Consumido pelo seu sonho nunca alcançado, o homem cada vez menos é dono de seu próprio destino, e frustrado, perde a vontade de lutar, de ser, de buscar.

[…] Sublimes cérebros que abarcavam todo o pensamento humano, que fim levaram? Estamos muito diminuídos e muito degenerados. As privações, a batata, o vinho com fucsina e a aguardente prussiana, sabiamente combinados com o trabalho forçado, debilitaram nosso corpo e diminuíram nosso espírito. (LAFARGUE, p.42, 2003).

No capitulo final, segundo Lafargue, nasce a sociedade moderna, “Dançando conforme a música”, criticada e bestificada pelo autor. Lafargue defende uma sociedade onde homens e mulheres trabalhem não mais que 3 horas por dia, onde crianças tenham o direito de serem crianças, e de se apropriem de sua ingenuidade. Uma sociedade onde pessoas vivam mais, sem serem abusadas e/ou exploradas em função do capital. Um regime onde as pessoas não são um mero acaso da evolução, como uma macrossistema em expansão, mas, seres abençoados e dotados de direitos e de uma vida. Pois uma sociedade doente, nada mais é que o reflexo da doença de nossos homens.

Paul Lafargue, nasceu em 1842. Era um marxista e totalmente contrário ao sistema do trabalho que escravizava, sem pudor algum, o corpo e a alma dos homens. Fez, em seu livro, uma crítica ao sistema do capital, que previa os rumos e mazelas nas quais à sociedade atual se perderia. Suicidou-se em 1911 juntamente com sua esposa.

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