Impactos da pandemia na educação e nos sujeitos inseridos nessa realidade

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O sistema educacional ao passo que se instaurou o período de pandemia devido ao COVID-19, passou por diversos conflitos, desafios e necessidade de adaptações que por vezes não eram suficientes para o enfrentamento da situação. Ao passo que o vírus se espelhava pelo país/mundo, foi necessário aderir estratégias como, fechamento de escola, universidade e templo religiosos; proibição de realização de eventos das mais variadas espécies, proibição de viagens interestaduais e até intermunicipais na tentativa de evitar aglomerações e assim a doença fosse disseminada de forma mais rápida e sem controle (Carvalho et al. 2020, p. 3).

Diante dessas medidas tomadas pelos governantes, cada sujeito experienciou de uma maneira diferente, enquanto para alguns não gerou muito impacto no modo de viver, para outros os impactos foram mais críticos, mas de acordo com os estudos de Ornell; Schuch; Sordi; Kessler (2020) levantados por Carvalho et al. (2020), situações como essas podem gerar ou ampliar aos sujeitos envolvidos sintomas ansiosos, estressantes e acentuação em casos de depressão e que situações como essas e suas consequências, perpassam pelos indivíduos independentemente de sua classe social, idade ou sexo.

Com a necessidade de adaptações, no período da pandemia, novas relações afetivas e profissionais foram criadas e ressignificadas, muitas pessoas passaram a trabalhar remotamente; famílias passaram a conviver cotidianamente com vários conflitos; pessoas ficaram afastadas de entes queridos para se proteger e proteger o outro; muitos continuaram nas suas atividades por serem essenciais, por não terem outra opção para se manter ou mesmo por não acreditarem que o vírus é real (Souza, 2020, p. 111).

Para além dessas mudanças, a pandemia também trouxe problemáticas e necessidade de adaptações no campo educacional, pois com a precisão dos estudantes permanecerem em suas casas, causou uma ruptura abrupta no modelo tradicional de ensino, aulas presenciais em sala de aula passando para um ensino digital, por meio de aulas online ou gravadas. Souza (2020) traz em seu estudo, dados importantes acerca dos indivíduos com acesso à internet e celular, esses dados foram retirados do IBGE de 2018 em que constava que por volta de 15 milhões de residências não possuíam acesso à internet, enquanto cerca de 79,1% tinham acesso à internet, sendo o aparelho celular o meio mais utilizado pelos indivíduos, mas que apesar disso, em algumas residências, era um único celular para todos os moradores.

Além dos dados levantados pelo IBGE, Souza (2020) evidencia o estudo do CETIC de 2019 em que constava que cerca de “11% das crianças e adolescentes de 9 a 17 anos não têm acesso a internet, correspondendo a 3 milhões de pessoas, sendo que 1,4 milhão nunca acessou a rede” (p. 111-112). Indo além do acesso à internet e posse de aparelhos celulares, a autora traz um ponto de grande importância, o local em que esses sujeitos residem são de grande importância, pois quanto mais confortável e possuir espaços adequados, melhor poderá ser o rendimento do estudante, enquanto sujeitos de baixa renda podem encontrar dificuldades de obter um bom desempenho nos estudos devido a falta de um ambiente amplo e adequado para estudar.

Referente às dificuldades durante a pandemia no contexto de ensino, Souza (2020) levantou pontos como por exemplo, dificuldades em manter o vínculo com os alunos mesmo distante, como ensinar por meio das tecnologias enquanto há alunos que não possuem acesso a mesma e principalmente, como superar o modelo tradicional da educação. Além dessas, a autora ainda complementa com preocupações em relação ao modelo em que a graduação preparou esses professores para darem aula diante do cenário sala de aula, quadro e alunos presentes e com a ocorrência da pandemia teve necessidade do ensino online, levando a sala de aula para a estrutura da residência dos professores e adiante disso, apresentavam impacto no momento de gravar ou dar as aulas.

Souza (2020) traz um adentro importante de se levar em consideração, onde ao passo que o ensino se tornou remoto, ele retira o aluno do lugar de sujeito ativo, deixando de lado as metodologias ativas que eram utilizadas no presencial, tornando assim, o que a autora traz como “educação instrucionista, conteudista” (p. 113), levando ao cansaço e dispersão dos alunos. Além disso, trouxe efeitos aos professores também, pois ao lidarem com o novo jeito de ensinar, pôde se observar o aumento de sintomas ansiosos e a sobrecarga profissional, pois além de professores se adaptando, também eram sujeitos com medo e dúvidas acerca do novo cenário que se instalava.

Senhoras (2020) traz que com a ocorrência da pandemia, foi perceptível também o crescimento no número de desistência de alunos e os problemas no processo de aprendizagem, podendo ser levado em conta que ao utilizar-se do ensino online, a figura de auxílio no ensino, se tornou os pais, em que dependendo da escolaridade e classe social deles, poderiam não saber o conteúdo e consequentemente, não conseguir acompanhar os filhos.

(…) surge a problematização da ausência do preparo de pais e responsáveis para assumirem o papel de tutores/mediadores. Ferreiro e Teberosky (1999, p.17), ao apoiarem-se na referência piagetiana quanto o processo de aquisição do conhecimento, propuseram interpretar a criança como “sujeito que produz seu próprio conhecimento”. Desta forma, faz-se necessário que lhes sejam apresentados meios de desenvolvimento.  No entanto, para a grande maioria dos pais falta-lhes conhecimento pedagógico para propiciar e acompanhar este processo de aprendizagem (Queiroz et al. 2021, p. 6).

Senhoras (2020) complementa que, quanto melhor a condição financeira e maior for o grau de escolaridade, mais fácil é para que haja continuidade nos estudos independentemente se seja online ou presencial.

                                                                                        Fonte: https://encurtador.com.br/crxFU

Em seus estudos, os autores Queiroz et al. (2021) realizaram pesquisas direcionadas aos responsáveis de alunos que estudavam a primeira série do ensino fundamental, onde estavam em processo de aprender a ler. Diante das pesquisas, foi relatado pelos pais que as maiores dificuldades no processo de aprendizagem na pandemia se deram ao fato de não possuírem ou terem dificuldade em acessar à internet, a ausência de interações sociais que as crianças possuíam antes, levando-os a um baixo acompanhamento de maneira regular nos conteúdos que eram disponibilizados e como relatado tanto por Senhoras (2020) quanto por Queiroz et al. (2021), o despreparo dos responsáveis em prestar auxílio nas atividades.

No trabalho de Santos et al. (2021, p. 4) evidencia outros problemas ora enfrentados no processo do ensino online, como por exemplo, “a conexão instável e lenta à internet, excesso de trabalho e questionamentos acerca das melhores estratégias metodológicas para o ensino de Ciências e Biologia de maneira remota”, indo além desses, os autores trazem também dificuldades em decidir que recurso utilizar nas aulas, as maneiras de estabelecer a comunicação com os alunos, a idade dos alunos também se mostrou um fator importante e ao levar a sala de aula para dentro de casa, os professores tiveram um maior gasto financeiro para que pudessem dispor dos recursos necessários para prestar um bom ensinamento.

Dessa maneira, observa-se a “uberização” do trabalho realizado pelo professor na modalidade remota, pois como afirma Silva (2019) o trabalho na empresa Uber exige que o trabalhador seja responsável pela mercadoria que vai vender e pelo serviço que será prestado. Esse cenário reflete o aumento da carga horária de trabalho e a transferência de gastos e riscos para os docentes do país (Barbosa, Ferreira & Kato, 2020).  A realidade torna-se ainda mais difícil para as mulheres docentes, pois sobre elas recaem maior carga de stress com os filhos e outros familiares na residência (Santos, 2020). Devido ao machismo ainda vigente, as tarefas domésticas não são divididas, e assim, as mulheres se desdobram para lidar com os afazeres de casa e as múltiplas atribuições do trabalho (Santos et al. 2021, p. 4).

Ao passo que a pandemia foi amenizando e com o surgimento das vacinas, as pessoas foram retornando às suas rotinas de trabalho, estudo e relações sociais. Com a volta para as escolas, foi possível perceber as dificuldades de socialização, estabelecer vínculos sociais/afetivos devido ao tempo em que passou em isolamento, dificuldade no processo de adaptação das atividades, por vezes até mesmo uma queda no ritmo de aprendizado e consequentemente, notas de trabalhos e provas, baixa concentração nas atividades, comportamentos hiperativos. Apesar disso, pode-se observar que a volta “ao normal”, os professores buscam mais ainda tornar os alunos sujeitos ativos e com autonomia para que consigam buscar o aprendizado, mas sempre promovendo meios e disponibilizando materiais e apoio quando buscado.

REFERÊNCIAS

CARVALHO, L. de S.; SILVA, M. V. de S. da; COSTA, T. dos S.; OLIVEIRA, T. E. L. de; OLIVEIRA, G. A. L. de. The impact of social isolation on people’s lives during the COVID-19 pandemic period. Research, Society and Development, [S. l.], v. 9, n. 7, p. e998975273, 2020. DOI: 10.33448/rsd-v9i7.5273. Disponível em: <https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/5273> Acesso em: 4 dez. 2023.

SANTOS, D. R. dos .; OLIVEIRA, K. F. .; SOARES, Z. C. B. . Challenges faced by teachers in the pandemic and post-pandemic scenario: teachers and the challenges encountered in time of a pandemic. Research, Society and Development, [S. l.], v. 10, n. 15, p. e02101523083, 2021. DOI: 10.33448/rsd-v10i15.23083. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/23083. Acesso em: 5 dec. 2023.

SENHORAS, E. M. . CORONAVÍRUS E EDUCAÇÃO: ANÁLISE DOS IMPACTOS ASSIMÉTRICOS. Boletim de Conjuntura (BOCA), Boa Vista, v. 2, n. 5, p. 128–136, 2020. DOI: 10.5281/zenodo.3828085. Disponível em: https://revista.ioles.com.br/boca/index.php/revista/article/view/135. Acesso em: 4 dez. 2023.

SOUZA, E. P. de. Educação em tempos de pandemia: desafios e possibilidades. Cadernos de Ciências Sociais Aplicadas, [S. l.], v. 17, n. 30, p. p. 110-118, 2020. DOI: 10.22481/ccsa.v17i30.7127. Disponível em: <https://periodicos2.uesb.br/index.php/ccsa/article/view/7127> Acesso em: 4 dez. 2023.

QUEIROZ, M. de; SOUSA, F. G. A. de .; PAULA, G. Q. de. Educação e Pandemia: impactos na aprendizagem de alunos em alfabetização. Ensino em Perspectivas, [S. l.], v. 2, n. 4, p. 1–9, 2021. Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/ensinoemperspectivas/article/view/6057. Acesso em: 4 dez. 2023.

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Os possíveis impactos da “tiktokização” da vida

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O termo foi criado depois da fama do aplicativo TikTok, em que transformou a experiência em redes sociais, mudou comportamentos e traz prejuízos para a qualidade de vida. 

Naiane Ribeiro de Oliveira Silva – naianeribeiro@rede.ulbra.br

A presença das redes sociais no dia a dia não é novidade, visto que tudo anda tão rápido, as “trends” mudam em questão de dias e a utilização das redes cresce praticamente de forma exponencial. Os estudos que envolvem esse tema são muitos e criaram um novo conceito, o de “tiktokização”. Esse termo vem do aplicativo de vídeos TikTok que cultivou sua fama durante a pandemia de covid-19. Por conta das restrições e quarentenas, a população se viu isolada fisicamente e emocionalmente, resultando em formas de escape através das redes sociais (ALCOFORADO, 2021). 

O formato em vídeos de 30 ou 60 segundos se popularizou nas plataformas, transformando conteúdo audiovisual em algo ágil, de baixo custo e com alta taxa de engajamento por parte da audiência, tornando-o mais atraente. A forma como a população consome e compra também mudou quase completamente, se os consumidores estão em redes sociais vendo vídeos, onde estão os vendedores? A resposta é clara: nas redes sociais fazendo e divulgando vídeos.

A forma como o capitalismo e o consumismo se adaptaram a essas mudanças é interessante, segundo Issaaf Karhawi, jornalista e doutora em ciências da computação, o ponto mais importante ao pensar nos vídeos curtos seja a atenção. Um recurso constantemente dividido e disputado. Nas palavras de Karhawi, “diante disso, os conteúdos gerados por marcas e influenciadores digitais disputam a nossa atenção, e o uso de vídeos curtos é uma saída para conseguir alcançar os consumidores, os públicos e a audiência”. (ALUTAYBI, 2020). 

Neste sentido, a TikTokização tem sido observada em várias áreas, como música, dança, humor, moda, desafios virais e até mesmo em memes. O sucesso do TikTok gerou uma nova forma de produção e consumo de conteúdo, influenciando outras plataformas e levando à criação de conteúdos mais curtos, visualmente atraentes e adaptados à atenção rápida dos usuários.

Essas novas formas de vender e consumir se expandem para o dia a dia, em  que consumimos muitos conteúdos e muitas informações durante horas, sem parar. De acordo com uma publicação de 2012 da Revista IstoÉ, a Universidade de Chicago chegou a fazer um estudo relacionando vícios comuns ao vício nas redes sociais. “Os pesquisadores concluíram, para espanto geral, que resistir às tentações do Facebook e do Twitter é mais difícil do que dizer não ao álcool e ao cigarro (LÓES, 2012). 

As redes sociais são projetadas para manter nossa atenção por meio de um fluxo constante de informações e estímulos visuais. Os vídeos curtos, em particular, têm a capacidade de nos prender rapidamente com seu conteúdo envolvente e fácil de consumir. No entanto, esse apelo instantâneo pode levar ao uso excessivo citado anteriormente, resultando em consequências negativas para a qualidade de vida e do sono. 

A sensação de “FOMO” (Fear of Missing Out – medo de perder algo) é comum quando estamos constantemente conectados às redes sociais, temendo perder atualizações importantes ou eventos sociais (ALUTAYBI, 2020). Isso pode levar a uma compulsão por verificar constantemente as notificações e os feeds, mesmo antes de dormir, interferindo na capacidade de relaxar e adormecer adequadamente.

Neste sentido, os fatos associados à FOMO se associação com a) Comparação social: Ao ver os destaques da vida de outras pessoas nas mídias sociais, é fácil comparar-se a elas e sentir que está ficando para trás em termos de realizações, diversão ou sucesso. 2) Curadoria da vida: As pessoas tendem a mostrar os melhores momentos e conquistas em suas postagens nas redes sociais, criando uma versão idealizada de suas vidas. Isso pode levar os outros a acreditar que todos estão constantemente se divertindo e vivendo experiências incríveis, o que pode aumentar o sentimento de FOMO. 3) Conectividade constante: As mídias sociais proporcionam uma conexão quase constante com o mundo ao nosso redor, expondo-nos a eventos e atividades em tempo real. Isso pode gerar ansiedade por não querer perder nada ou por sentir que não está aproveitando ao máximo cada momento (ALUTAYBI, 2020)

A luz do celular interfere no sono
Foto de Andrew Guan na Unsplash

A natureza viciante das redes sociais e dos vídeos curtos também pode levar ao prolongamento do tempo de uso antes de dormir. É fácil cair em um ciclo vicioso de rolagem infinita, assistindo a vídeos um atrás do outro, em detrimento de uma rotina de sono adequada. O resultado é uma privação de sono, que tem efeitos prejudiciais na saúde mental, cognição, humor e funcionamento geral do corpo.

Para manter uma boa qualidade de vida e preservar o sono saudável, é essencial estabelecer limites saudáveis no uso das redes sociais e na visualização de vídeos curtos. É importante definir horários específicos para o uso dessas plataformas, especialmente antes de dormir. Desenvolver uma rotina relaxante antes de dormir, desconectando-se das telas e reservando um tempo para atividades tranquilas, como leitura ou meditação, pode ajudar a promover um sono mais reparador. 

Além disso, é essencial buscar um equilíbrio saudável entre o mundo virtual e o mundo real. Priorizar o tempo de qualidade com amigos e familiares, participar de atividades que nos tragam alegria e satisfação pessoal, e dedicar-se a hobbies e interesses individuais podem melhorar significativamente a qualidade de vida e reduzir a dependência das redes sociais.

Em suma, embora as redes sociais e os vídeos curtos possam trazer muitos benefícios, é importante utilizá-los com moderação e consciência. A qualidade de vida e o sono são afetados pelo uso excessivo dessas plataformas, mas estabelecendo limites saudáveis, buscando um equilíbrio e priorizando o bem-estar físico e emocional, podemos encontrar um meio-termo que nos permita aproveitar as vantagens das redes sociais enquanto preservamos nossa saúde e qualidade de vida (OLIVEIRA et al, 2022).

REFERÊNCIAS

ALUTAYBI, Aarif et al. Combating fear of missing out (FOMO) on social media: The fomo-r method. International journal of environmental research and public health, v. 17, n. 17, p. 6128, 2020.

ALCOFORADO, Michel. O fenômeno da ‘tiktokzação’ do trabalho. CBN, 10/09/2021. Para onde vamos? Disponível em <https://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/352638/o-fenomeno-da-tiktokzacao-do-trabalho.htm>

OLIVEIRA, A. F. Uso de dispositivos eletrônicos e distúrbios do sono durante a pandemia de Covid-19. Research, Society and Development, v. 11, n. 11, e317111133639, 2022. 

LÓES, João. Viciados em redes sociais. IstoÉ, 04/05/2012. Comportamento. Disponível em <https://istoe.com.br/204040_VICIADOS+EM+REDES+SOCIAIS/> . 

SALLAS, Vanessa. TIKTOKIZAÇÃO: O SUCESSO DOS VÍDEOS CURTOS NO MARKETING DE INFLUÊNCIA. Trama Comunicação, 17/03/2022. Marketing de Influência. Disponível em <https://www.tramaweb.com.br/tiktokizacao-videos-curtos/

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Como a família de Harry Potter impactou seu desenvolvimento?

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Conflitos intrafamiliares, segredos e negligências fizeram parte do processo de desenvolvimento de Harry Potter.

Harry Potter é o personagem principal de uma saga de sete romances publicada pela autora J.K.Rowling. Os volumes da autora percorreram o mundo, tornando Harry Potter um dos personagens mais queridos da literatura fantástica. Em 1998 o primeiro livro era lançado e, em 2001 era adaptado para os cinemas. Os filmes e livros da saga Harry Potter marcaram a infância e adolescência de muitas pessoas, e ainda hoje são conhecidos mundialmente e consumidos pela população.

O primeiro livro introduz a história de Harry Potter, um garoto de onze anos que perdeu seus pais com apenas um ano de idade, em um confronto contra o Lorde das Trevas. No embate, seus pais se foram, mas Harry sobreviveu, ficando famoso no mundo dos bruxos por ter sido o único a sobreviver a um encontro com o poderoso bruxo.

Harry passou a viver com seus tios e o primo após a perda, que mantiveram em segredo as origens do garoto, assim como o fato de que ele possuía habilidades especiais. Ao completar onze anos, Harry recebe cartas que o convocam até Hogwarts, a escola de magia. Mesmo com as tentativas do tio de impedi-lo de recebê-las, Harry descobre a verdade e parte para a escola.

No primeiro volume da saga, Harry faz amizades, descobre mais a respeito de seus pais e aprende os segredos do mundo dos bruxos. Os leitores acompanham o desenvolvimento pessoal, social e acadêmico do garoto que, anteriormente, se sentia deslocado e sozinho.

Inicialmente, a autora contextualiza a criação do personagem principal narrando como eram suas relações com a família Dursley e os sentimentos do jovem bruxo. Harry, seus tios e seu primo compõem uma família marcada por disfuncionalidades que afetam o garoto de diferentes formas.

Uma família é compreendida como funcional quando os integrantes do sistema são capazes de prepararem-se para enfrentar crises internas e externas, que afetam diretamente a saúde familiar e o bem-estar dos membros.¹ Quando a família não consegue promover um desenvolvimento saudável para seus integrantes, não apresenta comunicação e capacidade de se adequar às mudanças, é caracterizada como sendo disfuncional.²

Boneco Funko Harry Potter.
Fonte: Imagem de PokeyArt no Pixabay.

Os primeiros anos de vida do sujeito são de extrema importância para um crescimento emocional saudável e configuram uma base para seu equilíbrio psicossocial. Sentimentos como abandono, perda, ausência, tristeza, humilhação, medo e angústia podem servir como origem para comportamentos antissociais.³ Torna-se possível, portanto, identificar diversos momentos na saga Harry Potter que contextualizam os leitores da criação que o personagem recebeu na casa de seus tios, sendo um crescimento marcado por violências e falta de atenção.

No primeiro livro da saga, Harry Potter e a Pedra Filosofal, a autora traz situações fundamentais para o entendimento da criação da criança. O garoto dormia em um pequeno cômodo localizado embaixo da escada, usava roupas antigas do primo – que muitas vezes estavam desgastadas, possuía um péssimo relacionamento com todos da casa, era responsável pelas tarefas domésticas e recebia muitos castigos da família. Ainda no primeiro volume, é apresentada a situação na qual é aniversário do primo de Harry, Duda. No entanto, apesar do protagonista precisar fazer o café da manhã do primo, não é convidado para as comemorações. Nesta cena, a pessoa responsável por ficar encarregada de Harry durante o passeio da família é impossibilitada, então seus tios começam a debater o que fazer com a criança.

Inicialmente, discutem a respeito das pessoas que poderiam monitorá-lo, na falta de opções, consideram deixar a criança sozinha em casa, mas concluem que a mesma “destruiria” a casa. Posteriormente, refletem a possibilidade de levá-lo ao passeio e deixá-lo no carro, para só então resolveram levá-lo à comemoração. A criança ainda recebeu uma ameaça do tio, que disse “a primeira gracinha que fizer, a primeira, vai ficar preso naquele armário até o Natal”⁴.

A família de Harry se recusa a mandá-lo para o colégio e, posteriormente, não querem arcar com nenhum custo de materiais escolares que o garoto possa precisar, não oferecendo qualquer tipo de suporte para que o protagonista possa partir para Hogwarts. No segundo livro, Harry Potter e a Câmara Secreta, o tio do personagem recebe pessoas importantes em casa. Por isso, Harry precisa ficar trancado em seu quarto e é proibido de descer até a sala, pois seus tios não querem que ele atrapalhe a reunião importante, mesmo assim, seu primo participa do encontro.

A cena se repete em outros momentos, nos quais Harry é impedido de participar de programas realizados pela família e precisa ficar em outro local enquanto isso. Além disso, o garoto é vítima de bullying do próprio primo e seus amigos, que atormentam-no diariamente, enquanto o mesmo não possui nenhum círculo de amizades.

A violência vivenciada por crianças tem o poder de prejudicar todos os aspectos de sua vida, não apenas psicológicos, mas também físicos, comportamentais, acadêmicos, interpessoais, entre outros fatores que seguem todo o seu crescimento.⁵ As situações experienciadas por Harry em sua casa são marcadas por humilhações, violência e negligência.

Entende-se que a violência é uma maneira de restringir a liberdade do sujeito, por meio de repreensão física, sexual e moral. Crianças que vivem em constantes experiências marcadas por ausências ou presenças intrusivas, conhecem somente os extremos da distância afetiva. Por consequência, nota-se que o personagem é marcado por características como introversão e baixa autoestima. Ao ir para Hogwarts, a escola de magia, e se deparar com um mundo fascinante, Harry deseja, em uma cena, ter oito anos novamente. Essa descrição exibe a falta de infância vivenciada pela criança, que se maravilhou ao ir para um lugar diferente pela primeira vez.

O personagem é tido pelos tios como um bode expiatório, sendo punido por situações das quais não é culpado. O pavor dos tios pelo mundo bruxo é transformado em raiva pelo garoto, que é negligenciado pela família e culpado por todas as coisas ruins que acometem o ambiente familiar. A autoestima do personagem também é afetada pela forma como a família Dursley. Ao conhecer o mundo bruxo, Harry Potter descobre que é famoso por ter sobrevivido ao confronto que matou seus pais. Ao mesmo tempo, o garoto questiona suas habilidades a todo tempo, sem entender o motivo pelo qual sobreviveu, não se achando capaz de tal feito, além de enfrentar diversos conflitos no início de seu ano letivo, duvidando de sua aptidão.

Para que uma criança cresça e se desenvolva bem, é imprescindível que haja amor, segurança e limites impostos.⁷ No entanto, Harry é criado com limites rígidos, falta de afeto e suporte. Isso possui profundo impacto nos momentos seguintes, quando o garoto parte para a nova vida e estabelece relações interpessoais com os demais personagens.

No passar dos livros, Harry Potter consegue desenvolver relacionamentos com os novos colegas, e é acolhido por figuras que exercem o papel de direcionamento e afeto. Um exemplo disso é a relação com a família Weasley, que aparece com um funcionamento totalmente oposto à família de Harry. Os Weasley são numerosos, não possuem condições financeiras tão boas, mas são amáveis, cuidam uns dos outros e acolhem Harry como se fosse da família. Em várias cenas, Harry recebe presentes de Natal enviados pela família acolhedora.

Livros da saga Harry Potter.
Fonte: Imagem de crizgabi no Pixabay.

Outros personagens que foram fundamentais para o desenvolvimento social do garoto foram Dumbledore, Hagrid, Sirius Black, entre outros. Todos foram figuras importantes, que direcionaram o protagonista, demonstraram afeto e apoio emocional.

Mesmo tendo conflitos com outros garotos do colégio, o personagem é capaz de formar seu próprio círculo de amizades, desenvolver suas relações e tornar-se confiante de suas capacidades no meio acadêmico, recebendo o apoio necessário para sua evolução. É possível acompanhar o crescimento de Harry ao longo dos volumes da saga, que se torna um indivíduo obstinado, comprometido e com boas relações interpessoais. Sem uma intervenção precoce, crianças inseridas em famílias disfuncionais vivem em um cenário repleto de perdas, abandono, separações e angústias, podendo desenvolver e perpetuar graves patologias transgeracionais.

O rumo da vida do protagonista muda ao distanciar-se de casa e passar a conviver com pessoas que o acompanham em sua jornada. O sujeito em risco sempre se sente desamparado, sozinho, e necessita de uma intervenção que possa mudar suas concepções e acrescentar em seus conflitos.³ No caso de Harry Potter, os leitores acompanham uma nova rota em sua vida, ainda que o garoto tenha que retornar à casa dos tios. Os problemas como baixa autoestima e introversão são, aos poucos, superados, graças à presença de situações e indivíduos.

REFERÊNCIAS

  1. GÓMEZ, MTO. La família funcional y disfuncional, un indicador de salud. Rev. Cubana Med. Gen. Itegr. 1999;13(2):591-5. 
  2. SANTÍ, PMH. La salud familiar. Rev. Cubana Med. Gen. Itegr. 1997;15(4):439-45.
  3. STRECHT,  P.  (2003).  À  margem  do  amor.  Notas  sobre  negligência  juvenil.  Lisboa: Assírio & Alvim
  4. ROWLING, J. K. Harry Potter e a pedra filosofal. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2000. p.23.
  5. GONÇALVES, Kellen Cristina. Ofendidos e Humilhados: O descortinar da violência infantil: Uberlândia MG  1976-1996. Uberlândia, 2009.
  6. STRECHT, P. (1999). Preciso de ti. Perturbações psicossociais em crianças e adolescentes. Lisboa: Assírio & Alvim.
  7. BLÉANDONU, G. (2003). Apoio terapêutico aos pais. Lisboa: Climepsi.
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Adrielly Martins é uma das convidadas do Simpósio de Avaliação Psicológica

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No dia 25/05 o 3º Simpósio Tocantinense de Avaliação Psicológica irá contar com a psicóloga Adrielly Martins Porto Netto

Fonte: Arquivo Pessoal

O 3º Simpósio de Avalição Psicológica Tocantinense que ocorrerá do dia 25/05/22 irá abordar os mais diversos temas com a maior relevância para o mundo acadêmico e profissional, dentre eles está a Avaliação Psicológica no Contexto Hospitalar e os Impactos Sofridos pela Pandemia, que será ministrado pela Psicóloga Adrielly Martins Porto Netto, egressa do Curso de Psicologia do CEULP/ULBRA.

A acadêmica e estagiária do portal (En)Cena, Sandra Ramalho, conseguiu uma entrevista com a palestrante, onde obteve algumas exclusivas para este grandioso portal de notícias acadêmicas.

En(Cena) – Qual a sensação de retornar ao CEULP/ULBRA como egressa e palestrante referência na sua área?

Adrielly – Desde da época de acadêmica eu admiro o reconhecimento o carinho a colaboração e a confiança que o Ceulp tem nos seus egressos e hoje “voltar pra casa’ é um prazer, é uma honra e principalmente sendo referência na minha área de atuação tive a oportunidade de enquanto acadêmica aprender um pouco nos estágios que eu fiz em algumas disciplinas sobre a área hospitalar e estar hoje atuando de fato me faz muito agradecida por tudo o que o curso da Psicologia do Ceulp me proporcionou. Sinto-me feliz, grata, e muito esperançosa p poder proporcionar uma oficina bacana assim como eu tive a oportunidade de ter enquanto acadêmica.

En(Cena) – Há quanto tempo atua no mercado como psicóloga, qual são suas especialidades e áreas de atuação?

Adrielly – Formei na turma de 2019/2, e desde janeiro de 2020 já atuo profissionalmente. Inclusive, meu primeiro vínculo empregatício como Psicóloga, foi de coordenadora do SEPSI. Havia sido estagiária extracurricular de lá em 2016/17, e ao formar o CEULP já me acolheu muito bem. Porém, 3 meses depois, com a pandemia, tive a oportunidade de ser chamada para atuar como Psicóloga Hospitalar, pois a demanda cresceu exponencialmente. E desde então estou vinculada a Rede Medical, com Psicóloga Hospitalar, atuando diretamente nas unidades de terapia Intensiva e enfermarias. Faço pós-graduação em Cuidados Paliativos, tema riquíssimo na minha atuação na instituição. Já em 2021, apostei na carreira de Psicóloga Clínica também. E assim, venho atuando nessas duas áreas da psicologia.

En(Cena) – Um hospital é local de fortes emoções, lá muitas vezes é onde se inicia e encerra uma vida. Como a avaliação psicológica pode influenciar nesse ambiente de forma positiva?

Adrielly – Sempre digo que o olhar do psicólogo, a observação, a atenção, são algumas das principais ferramentas que o profissional da psicologia deve ter ao avaliar o paciente. Receber um diagnóstico, estar hospitalizado, isolado, e dependente de uma equipe, é reduzir a autonomia de uma pessoa. O paciente e seus familiares se sentem assim, impotentes diante dessas realidades. Encontramos aí uma das possibilidades da atuação do profissional, avaliar as queixas, as angústias, os sofrimentos, e as necessidades que eles demandam, e proporcionar um ambiente humanizado, de compreensão, de colaboração e com qualidade de vida.

En(Cena) – O papel desempenhado pelo psicológico que realiza a avaliação psicológica hospitalar repercute na dinâmica do hospital?

Adrielly – Sem dúvida. O psicólogo atua como mediador da tríade paciente-familiar-equipe. Na dinâmica hospitalar nenhum profissional deve atuar sozinho, pois todas as avaliações realizadas são importantes e repercutem na atuação dos demais integrantes da equipe. Inclusive, durante a rotina hospitalar, as avaliações realizadas devem ser discutidas durante reunião da equipe. Claro, mantendo a ética e respeitando as limitações das informações repassadas, mas sempre compartilhando informações relevantes para o tratamento.

En(Cena) – O que te levou a escolher este tema para apresentar no 3º Simpósio de Avaliação Psicológica Tocantinense?

Adrielly – É um assunto que julgo ser importante de discutirmos. A avaliação no contexto hospitalar ainda possui mitos, crenças e teorias que nem sempre favorecem. Minha ideia é desmistificar algumas delas e instigar mais colaboradores para essa área de atuação. Já o link com a pandemia que tive a ideia de trazer, é mostrar espaços que também podemos ocupar. Que no meio de uma crise mundial o nosso papel foi bastante relevante, e demandou muita criatividade para descobrirmos novos cenários de atuação. Espero que gostem, inclusive.

En(Cena) – O Covid-19 mudou o comportamento social, com restrições, lockdowns, medidas de distanciamento e tantas outras situações que alterou a concepção do indivíduo perante a sociedade. No ambiente hospitalar, as medidas foram ainda mais restritivas, dado grande risco de contaminação. Como os impactos dessa pandemia podem ser descritos pelo viés psicológico?

Adrielly – Desencadeador de muitos traumas. Inúmeros e incontáveis. Não consigo mensurar os sofrimentos encontrados nesse cenário. As dores, as lutas, as perdas, foram singulares. É difícil até hoje de descrever a respeito. O distanciamento limitou nosso afeto, nosso humanismo, nossa responsabilidade afetiva. Fomos aproximados por telas quando o que mais precisávamos era de uma mão segurando a do outro. De um beijo na testa assegurando de que iria ficar “tudo bem”. Fomos impedidos de darmos notícias difíceis, seguidas de abraços, pois havia uma barreira de “proteção” chamada distância. Tivemos rituais de despedidas ineficazes. Esposas que não se despediram, filhos que não viram, famílias que não tiveram a oportunidade de ver a última vez o rosto de seus entes queridos. Lutos mal elaborados, despedidas não vivenciadas, histórias que ficaram pela metade.

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Maisa Carvalho: os impactos da Pandemia do Covid-19 e a atuação do Consultório na Rua de Palmas-TO

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“É preciso dar visibilidade ao nosso trabalho, porque isso é importante, não só o fazer, mas também é necessário visibilidade” – Maisa Carvalho Moreira

A pandemia do novo Coronavírus gerou impacto em todos os contextos vivenciados pelos brasileiros, inclusive os que estão em situação de rua, alguns órgãos públicos de alguns municípios levantaram medidas para evitar uma possível infecção nas pessoas que permaneceram nas ruas, sem uma forma eficaz de isolamento.

Nesta entrevista para o (En)Cena, a Assistente Social Maisa Carvalho nos traz um conteúdo muito enriquecedor acerca do trabalho com as pessoas em situação de rua e os desafios para atuar nesse contexto na pandemia. Ela é graduada pela Universidade Federal do Tocantins – UFT (2016), especialista em Gestão de Redes de Atenção à Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ (2018), especialista em Saúde Mental pelo Centro Universitário Luterano de Palmas e Fundação Escola de Saúde Pública, através do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental – ULBRA/FESP (2020), Responsável Técnica do Programa Piloto de Justiça Terapêutica do Tribunal de Justiça do Tocantins, atualmente atua na equipe de saúde Consultório na Rua e é pesquisadora nas temáticas voltadas para Saúde e Direitos Humanos: saúde mental, população em situação de rua e feminização de substâncias psicoativas.

Fonte: Arquivo Pessoal

(En)Cena: Durante a pandemia como está sendo trabalhar com essas pessoas? Houve um isolamento inicial no Brasil inteiro, alguns municípios adotaram algumas estratégias para também evitar essa contaminação na população em situação de rua, como está sendo isso em Palmas?

A equipe faz orientações quanto as formas de prevenção além de articular com a rede quando surgem casos positivos para acompanhamento, além de haver propostas de um local de acolhimento que não sei exatamente como está o andamento.

Atualmente o atendimento continua in loco, com administração de medicação via oral ou intravenosa, avaliações clinicas pelo enfermeiro, atividades de promoção e prevenção em saúde, discussões de casos, articulações, visitas, acompanhamento em consultas, pedido de exames, etc. A mudança, porém é que não conseguimos estar transportando todos os pacientes devido ao risco mesmo, tanto para a gente como para eles. Não deixamos de transportar, no entanto se o paciente tem uma certa autonomia, se tiver passe livre, a gente prioriza encontrar no local do atendimento, mas sempre tem aqueles necessitam de um apoio maior.

Fazemos distribuição de máscaras de tecido seguido de orientações a respeito da transmissão e os serviços que devem buscar.

Basicamente o nosso trabalho em si ele não muda muito, muda nos serviços que são da saúde ou por serviços da rede intersetorial que atendem por agendamento, pois estão trabalhando com o número reduzido de profissionais em decorrência da Covid19, o que automaticamente também os números de pessoas atendidas reduzem. Aí dentro desse contexto a gente se adapta, liga, discute o caso, faz agendamento. Mas, não parou o funcionamento, não teve nenhum momento que esse atendimento parou devido a pandemia.

Fonte: encurtador.com.br/hwQ16

(En)Cena: Uma questão na qual muito tem se falado é sobre as pessoas em situação de rua que são imigrantes, como os venezuelanos; tem se visto muito nos sinais de trânsito da cidade, eles ficam com placas, geralmente levam crianças etc. Como funciona o atendimento a essas pessoas? O que se sabe sobre essas pessoas nesse momento em Palmas?

Os venezuelanos a princípio eram um público bem flutuante, eles iam e vinham. Não só em Palmas, mas no Brasil inteiro teve essa onda de imigração, e várias cidades receberam, vários estados receberam um número muito grande de pessoas da Venezuela. Aqui em Palmas agora tem um grupo fixo que já está morando, possivelmente vão continuar, próximo de 30 pessoas mais ou menos. Elas são assistidas também, pelo Consultório na Rua, pelos serviços de atenção básica, unidade de saúde… de que forma? Vacinação, consultas, disponibilização de insumos de higiene, máscara, álcool, sabonetes, pasta de dente. O acompanhamento depende da demanda, por exemplo, quando realizamos as visitas, a enfermagem observa as demandas de saúde e a partir daí nós articulamos com as unidades de saúde mais próximas. Uma vez, tinha uma criança com um furúnculo e nós levamos o caso para a unidade de saúde para realizarem uma visita com médico e/ou agendar consulta.

Eles estão ficando numa residência com propostas de ir para um outro local ofertado pelo município. Eles estão sendo assistidos pela saúde. Já foi realizado cadastramento de todos eles na unidade de saúde, todos têm cartão SUS. Todos eles têm CPF que foi um apoio do CREAS. Quanto as ações assistências não estou por dentro, mas quanto a saúde, não estão desassistidos.

 Quanto a questão de eles estarem nos semáforos com as crianças, pensa comigo, se você tivesse um filho e tivesse na situação deles, e fosse para a rua pedir algum dinheiro ou qualquer ajuda, sem ter onde deixá-los, o que você faria? Levaria com você né? Embora seja chocante ver essas pessoas com criança na rua, em pontos às vezes até em risco de atropelamento, que é uma realidade, é uma situação complicada. Inclusive, já discutimos isso em equipe sobre possíveis intervenções. A oferta de atendimento em saúde está acontecendo, quando eles precisam de qualquer demanda de saúde a gente pergunta, articula, fazemos o que está ao nosso alcance.

Fonte: encurtador.com.br/ryAVY

(En)Cena: Na equipe que trabalha com o consultório na rua não tem um Psicólogo.  Como é feito se eles precisam de um atendimento psicológico? A equipe já tem um preparo maior para as situações ali na hora e depois é feito encaminhamento? Como funciona?

Atendimento psicológico acontece nos demais serviços da rede, se for um caso mais leve o encaminhamento é para o NASF-AB, caso seja um caso mais complexo articulamos com os CAPS, visto que a equipe não dispõe de psicólogo. Há um acompanhamento mais de perto, quando os residentes passam pelo consultório na rua, pois consegue dar continuidade, visto que geralmente eles passam em torno de 4 à 8 meses, depende de como está a organização do Programa no momento. Mas é um profissional, que somaria muito se tivesse compondo a equipe, é uma categoria, que faz falta no nosso serviço.

(En) Cena: É um trabalho difícil nesse sentido, de articular muito, há um gasto de muita energia e tempo?

É desafiador, além de competência, o profissional precisa ter perfil

 (En) Cena: Poderia nos relatar alguma experiência, ou mais de uma, que tenha gerado um grande impacto em você, durante a atuação nesse campo?

Teve uma situação em que eu abordei um paciente que ele tem formação superior e ele está em situação de rua há muitos anos, e aí a gente o conheceu. Observei que ele tinha a escrita muito boa, conversava bem, muito esclarecido, um discurso muito bem organizado. Daí, conversando com ele em um acolhimento, tentando entender um pouco do histórico dele, perguntei porque que ele não voltava para casa, qual que era o motivo dele não retornar, talvez tentar reestabelecer essa vida que ele tinha. Ele olhou para mim e falou que ele tinha perdido a dignidade, se eu sabia o que que era perder a dignidade. Quando você perde a dignidade é algo que você não consegue acabar como se fosse a fome, “eu estou com fome, comi e voltou” e isso me marcou muito porque eu nunca tinha parado para pensar nisso. Às vezes, tem um problema você olha e você resolve, tipo, se eu estou desempregada eu vou trabalhar, é como se meu problema tivesse resolvido, eu estou doente eu vou cuidar da saúde, vou resolver. Mas quando eu me olho enquanto ser humano e vejo que eu perdi minha dignidade, por isso eu não consigo alçar voos maiores, isso é muito impactante. Esse paciente está em situação de rua por uma questão familiar. Ele não conseguiu se reestabelecer, está na rua e faz uso abusivo de álcool. Mesmo tendo formação, mesmo tendo todo um contexto, poderia estar em uma situação melhor do que está hoje. Mas que por diversos fatores, e segundo ele a da perda da dignidade, não se enxergava mais como um ser humano, isso é uma coisa que me marcou e eu segurei para não chorar, de verdade!

Fonte: encurtador.com.br/jvzN7

(En) Cena: Se você pudesse deixar algum recado, para profissionais e futuros profissionais, ou para a população em si qual seria?

Primeiramente eu convido os estudantes e acadêmicos, quem estiver finalizando para fazer a residência, em saúde mental especificamente, para passar pela gente, pelo Consultório na Rua, porquê é somente esse programa que permite viver essa experiência. A residência me abriu muito a mente, me permitiu me despir de muitos conceitos e muitos pré-conceitos. Quando você lida com outro em sofrimento psíquico, porque o uso de álcool e outras drogas traz também sofrimento psíquico… foi quando eu me tornei uma pessoa melhor de verdade. Não existe uma regra, mas para mim foi uma experiência muito positiva. Então, a primeira coisa é isso, faça uma residência, façam para saúde mental, conheçam os CAPS, conheçam o Consultório na Rua que vocês vão ter experiências ótimas, acredito que vão crescer muito profissionalmente e humanamente também.

Para os profissionais eu diria que a gente tem que ter muita empatia para trabalhar com os públicos vulneráveis. Eu trabalho com os moradores de rua, mas tem vários públicos vulneráveis. Acredito que quando a gente trabalha com eles precisamos nos despir, para entrar no mundo do outro. A saúde é isso, é tentar não medir a vida do outro com a minha régua, essa régua eu utilizo para medir a minha vida, nunca a do outro. Isso é a primeira coisa que a gente tem que pensar e colocar em prática, falar isso me emociona.

É preciso ter força, ter garra, porque não é fácil, o trabalho no SUS é lindo, mas ele é muito desafiador. A gente tem que ter muita força de vontade, precisa ter muita garra pra poder enfrentar e tentar desvendar e superar os desafios e os obstáculos que nos apresentam. Eu procuro sempre fazer isso em todos os locais que eu passo, tentar superar esses obstáculos. Não utilizar deles para estacionar, “não tem como, eu não vou fazer isso porque é muito burocrático”. Vamos superar, vamos tentar dar acesso. Porque se eu burocratizo aqui o meu trabalho, eu vou estar dificultando a vida de alguém, estar dificultando para que essa pessoa tenha uma qualidade de vida, tenha mais saúde, tenha mais acesso. É algo que é simples para a gente mas o pouco que fazemos faz muita diferença na vida do outro que a gente está atendendo ali.

Em relação à população e os serviços é preciso dar visibilidade ao nosso trabalho, porque isso é importante, não só o fazer, mas também é necessária visibilidade. Isso é importante tanto para as articulações em rede, quanto para o conhecimento do público que necessita do nosso trabalho.

REFERÊNCIA

SILVA, Tatiana Dias; NATALINO, Marco Antonio Carvalho; PINHEIRO, Marina Brito. População em situação de rua em tempos de pandemia: um levantamento de medidas municipais emergenciais. 2020.

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Psicologia do Ceulp participa da Semana da Responsabilidade Social

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O evento aconteceu no Colégio da Polícia Militar do Tocantins

Na manhã desta quinta-feira (20/09), o curso de Psicologia esteve presente,  em parceria com o curso de Direito do Ceulp/Ulbra, em uma ação que faz parte da Semana da Responsabilidade Social.

A ação realizada pelos cursos teve a participação das acadêmicas e estagiárias do Portal (En)Cena. “Quem é Você na Rede?” foi a intervenção que teve como proposta trabalhar com os impactos cibernéticos na vida de pessoas que sofrem violências nas redes por meio de discursos de ódio.

Acadêmicos do Colégio Militar durante a ação. Foto: Irenides Teixeira

Os temas de racismo, homofobia, xenofobia e machismo foram explicitados por meio de comentários que foram proferidos em redes sociais e casos que geraram grandes repercussões nos últimos tempos.

Além das reflexões e compartilhamento de vivências, houve também a contribuição do curso de direito para tratar da parte jurídica, conscientizando os alunos sobre as leis que resguardam os direitos humanos, ressaltando ainda que a internet “não é um mundo sem leis”, muito pelo contrário, atualmente há delegacias especializadas para crimes cibernéticos.

Acadêmicos do Colégio Militar durante a ação. Foto: Irenides Teixeira

A intervenção aconteceu das 9h às 12h, cerca de 300 alunos participaram. Para a aluna do Colégio Militar Aryalha Ruviere a Semana da Responsabilidade Social significa várias coisas, uma delas é que “podemos ter consciência dos temas que cada profissão trabalha e como fazem isso”.

O evento contou ainda com a participação de outros cursos de Administração Agronomia, Arquitetura e Urbanismo, Biomedicina, Ciência da Computação, Ciências Contábeis,  Curso Superior de Tecnologia em Estética e Cosmética, Educação Física, Enfermagem, Engenharia Civil, Engenharia de Minas, Engenharia de Software, Farmácia, Fisioterapia, Medicina Veterinária, Odontologia e Sistemas de Informação.

Acadêmicos do Colégio Militar durante a ação. Foto: Irenides Teixeira

O Dia da Responsabilidade Social faz parte da Campanha Nacional da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), que tem o propósito de estabelecer uma ponte entre o setor acadêmico e a sociedade, trazendo benefícios para a comunidade e proporcionando um momento de conscientização por meio das atividades desenvolvidas pela instituição.

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XIII Simpósio de neurociências trata do impacto do envelhecimento na saúde mental

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Evento acontece nos dias 25 e 26 de Setembro no Auditório Ruy Hülse da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC


Percebendo o crescente número de idosos no Brasil o Laboratório de Neurociências lança o XIII Simpósio de Neurociências com o tema Psicogeriatria: o impacto do envelhecimento na saúde mental visando a promoção da saúde no envelhecimento saudável.

Nesta edição o evento contará com a presença de palestrantes renomados do cenário nacional na área da gerontologia, apresentando os avanços científicos e novas práticas de tratamento e conduta junto ao idoso. Além de promover a integração entre acadêmicos e profissionais da área da saúde, tem por objetivo o aperfeiçoamento de seus conhecimentos e proporcionando uma troca de experiências multiprofissionais.

Segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012), o Brasil possui 20,6 milhões de idosos, número que representa 10,8% da população total. A expectativa é que em 2060 o país tenha 58,4 milhões de pessoas idosas (26,7% do total), sendo que a perspectiva de vida dos brasileiros aumentará, de 75 anos em 2013, para 81 em 2060, onde as mulheres viveram em média 84,4 anos e os homens 78,03 anos. Desse modo torna-se relevante discutir e estudar sobre novas abordagens terapêuticas, estratégias preventivas e instrumentalização dos profissionais para exercer melhor seu papel na saúde integral do idoso.

A inscrições para o evento podem ser feitas até 10 de setembro no site, para essas e outras informações acesse: Inscrições e programação.

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