Onde atua um psicólogo? Um panorama geral das áreas de atuação da Psicologia

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A psicologia oferece um vasto leque de possibilidades de intervenção a partir de diversos objetivos e campos de atuação.

O que um psicólogo pode fazer?

As práticas profissionais desenvolvidas pelos psicólogos abrangem diversas ações com o objetivo de compreender, avaliar, diagnosticar e intervir nos processos mentais e comportamentais das pessoas. Essas atividades são embasadas em teorias psicológicas, princípios éticos e estratégias específicas com a intenção de promover a saúde mental e emocional.

Os profissionais de psicologia empregam distintas perspectivas teóricas, tais como a abordagem psicanalítica, behaviorista, cognitivista, humanista e outras, a fim de desvendar e interpretar a conduta humana. Uma parte fundamental da atuação psicológica inclui a realização de avaliações psicológicas para entender as dificuldades e características individuais dos pacientes, sempre levando em conta a pluralidade cultural, étnica, de gênero e outros aspectos ao exercer tais práticas psicológicas, com o propósito de assegurar uma intervenção apropriada e atenta às particularidades de cada um.

Essa diversidade teórico-metodológica é uma força da psicologia, pois permite que os psicólogos abordam questões complexas e variadas sob diferentes perspectivas, contribuindo para uma compreensão mais completa e holística do comportamento humano e dos processos mentais

Além das atividades clínicas, os profissionais da psicologia também têm uma relevante atuação na área educacional, de prevenção e orientação, disponibilizando suporte e materiais para estimular o bem-estar mental, o crescimento individual e social (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 1992, pg. 1). Muitos psicólogos também se dedicam a pesquisas científicas para contribuir com o avanço do conhecimento na área e criar novas abordagens e técnicas terapêuticas.

“Participa da elaboração, adaptação e construção de instrumentos e técnicas psicológicas através da pesquisa, nas instituições acadêmicas, associações profissionais e outras entidades cientificamente reconhecidas.” (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 1992, pg. 1).

Psicologia: Um mundo de possibilidades

Frequentemente, os psicólogos atuam em grupos multidisciplinares, trabalhando em conjunto com outros especialistas para proporcionar um tratamento completo e abrangente aos indivíduos analisados. É imprescindível ressaltar a importância dos princípios éticos que regem essa prática, garantindo a preservação da privacidade do paciente e lidando de forma ética com possíveis conflitos de interesse.

Uma perspectiva positiva é notar que os psicólogos estão incorporando cada vez mais recursos digitais, como redes sociais e aplicativos de saúde mental, em seus serviços, tornando-os mais acessíveis para a população à medida que a tecnologia avança.

A diversidade teórico-metodológica é uma característica central da psicologia como disciplina científica e profissional. Ela se refere à variedade de abordagens teóricas e metodológicas utilizadas pelos psicólogos para estudar e compreender o comportamento humano, os processos mentais e emocionais, assim como para intervir e promover o bem-estar psicológico.

As práticas profissionais de psicologia abrangem uma ampla gama de áreas e contextos nos quais os psicólogos aplicam seus conhecimentos para entender, avaliar, tratar e promover o bem-estar mental e emocional dos indivíduos. Aqui estão alguns insights sobre práticas profissionais de psicologia:

  • Avaliação e Diagnóstico: Os psicólogos utilizam uma variedade de técnicas e instrumentos para avaliar e diagnosticar condições mentais, emocionais e comportamentais. Isso pode incluir entrevistas clínicas, testes psicológicos, observações e avaliações neuropsicológicas.
  • Terapia e Intervenção: Uma das áreas mais conhecidas da psicologia clínica envolve o tratamento de distúrbios mentais e emocionais por meio de diferentes abordagens terapêuticas, como terapia cognitivo-comportamental, terapia psicodinâmica, terapia familiar e terapia de grupo.
  • Aconselhamento e Orientação: Psicólogos oferecem aconselhamento e orientação para ajudar as pessoas a lidar com problemas pessoais, questões de relacionamento, estresse, ansiedade, luto, entre outros. Isso pode ser feito em uma variedade de contextos, incluindo clínicas de saúde mental, escolas, empresas e organizações comunitárias.
  • Psicologia Organizacional e do Trabalho: Neste campo, os psicólogos aplicam seus conhecimentos para ajudar organizações a melhorar o desempenho, a produtividade, a satisfação no trabalho e o bem-estar dos funcionários. Isso pode incluir recrutamento e seleção, treinamento e desenvolvimento, avaliação de desempenho e gestão de mudanças organizacionais.
  • Psicologia da Saúde: Psicólogos da saúde trabalham em colaboração com outros profissionais de saúde para ajudar indivíduos a lidar com problemas de saúde física e mental, aderência ao tratamento médico, mudanças de estilo de vida, gerenciamento de dor crônica, e prevenção de doenças.
  • Pesquisa e Academia: Muitos psicólogos estão envolvidos em pesquisas acadêmicas para expandir o conhecimento em áreas como psicologia cognitiva, social, clínica, neuropsicologia, entre outras. Eles conduzem estudos, publicam artigos em revistas especializadas e ensinam em instituições de ensino superior.

Esses são apenas alguns dos muitos campos e práticas dentro da psicologia. Como disciplina, a psicologia é extremamente diversificada e continua a evoluir à medida que novas descobertas e abordagens surgem. O papel do psicólogo é ajudar as pessoas a compreenderem-se melhor, a lidarem com os desafios da vida e a alcançarem seu potencial máximo de bem-estar e desenvolvimento pessoal.

A ética é um aspecto fundamental das práticas profissionais do psicólogo. Ela orienta o comportamento dos profissionais e garante que o trabalho seja realizado de maneira responsável, respeitosa e de acordo com os padrões éticos estabelecidos pela profissão e o cumprimento desses princípios é essencial para garantir a integridade, eficácia e responsabilidade do trabalho dos psicólogos e para proteger o bem-estar e os direitos dos clientes.

REFERÊNCIAS

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, Atribuições Profissionais do Psicólogo no Brasil, Contribuição do Conselho Federal de Psicologia ao Ministério do Trabalho para integrar o catálogo brasileiro de ocupações – enviada em 17 de outubro de 1992. Disponível em https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2008/08/atr_prof_psicologo.pdf   

Bastos, A. V. B. & Gondim, S. M. G (2010). O trabalho do Psicólogo no Brasil. Porto Alegre: Artmed.

Castelo Branco, M. T. (1998). Que profissional queremos formar? Psicologia: Ciência e Profissão, 18(3), 28-35.

Martín-Baró, I. (2009). Desafios e perspectivas da psicologia latino-americana. Em R. S. L. Guzzo & F. Lacerda Jr. (Orgs.). Psicologia social para a América Latina: o resgaste da Psicologia da Libertação (pp. 199-219). Campinas: Alínea.

 

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Mulheres trans e mercado de trabalho, como é essa relação?

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Todos os anos comemora-se o dia do trabalhador. Uma data que surgiu em decorrência da greve operária que ocorreu em Chicago, nos Estados Unidos, em 1º de maio de 1886, contra o sistema vigente à época, à favor de melhores condições de trabalho. Mas será que essa luta por dignidade humana e justiça ainda existe? Como esse sentimento de injustiça se apresenta hodiernamente? Qual será a luta atual?

Atualmente, encontramos discursos de dificuldade e muitos desafios encontrados pelas mulheres ao tentarem se inserir e permanecer no mercado formal de trabalho. Um dos obstáculos é o preconceito e a discriminação em relação à diversidade sexual e de gênero no contexto social e de trabalho, considerado um fenômeno corriqueiro no cotidiano. A luta em favor de melhores condições de trabalho precisa se estender ao combate ao preconceito contra as mulheres trans.

Recentemente, o Centro Universitário Luterano de Palmas, intermediado pelo Professor e psicólogo Sonielson Luciano de Sousa – CRP 23/1853, promoveu o “Psicologia em Debate” (Projeto que envolve comunidade acadêmica e público em geral com os temas mais relevantes da Psicologia), em parceria com o (EN) CENA, Portal aberto ao compartilhamento de produções de narrativas textuais e imagéticas de professores, acadêmicos e usuários dos serviços de saúde que colaboram em diversos pontos (Narrativas, Cinema, TV e Literatura, Personagens, Séries, Comportamento e Galeria) com o debate sobre a violência simbólica contra a população LGBTQIAPN+.

Esse evento contém palestrantes e participantes do Miss Beleza Trans/Tocantins, que puderam contar suas experiências de luta, de frustrações, de medo e de desafios de ser mulher trans. Falou-se como se deu a ideia do concurso e o porquê, além da importância do Miss Trans para a visibilidade da causa, contando-se como ponto de partida as experiências sofridas de violência simbólica, velada, física e verbal. E nessa oportunidade de fala também relataram os obstáculos no campo profissional em decorrência do preconceito.

Tais mazelas sociais de violência sofrida pelo gênero feminino, que desbordam em dificuldades básicas em sobreviver, fazem com que: “muitas de nós não temos escolha, às vezes, a escolha é a prostituição. Eu paguei a minha faculdade com o dinheiro da prostituição, e mesmo formada, já fui demitida porque um pai não quis que o filho estudasse com uma professora Trans. E sem o apoio familiar e sem como poder se autossustentar, o caminho de muitas de nós é prostituição”. Contou uma das participantes do concurso.

E diante desses fenômenos sociais, culturais, políticos, econômico e além das circunstâncias do desemprego provocado pelo preconceito também há outras situações que as colocam em uma agravante situação de vulnerabilidade social diretamente ligada a outras demandas sociais, a exemplo da ausência e carência do acesso à educação, à profissionalização, à saúde, à assistência e à previdência social, assim como os demais direitos humanos, civis, políticos e sociais, que são prejudicados e que reverberam nas diversas dimensões da vida humana, não obstante parte da sociedade vem lutando contra tal sistema opressor.

O trabalho é um ambiente onde se confrontam, simultânea e dialeticamente, a relação consigo e com o outro, porque é o sujeito em seu ser que é convocado, com seus recursos, com suas capacidades e habilidades, mas também com suas motivações, seus desejos conscientes e inconscientes, seus traumas, suas frustrações e suas fantasias subjacentes a seu engajamento no trabalho. Assim, a ciência psicológica considera o trabalho importante, visto que é uma parte necessária da vida. Além da renda financeira, o trabalho tem outro propósito: dar significado à experiência humana. Portanto, a dimensão do trabalho é fundamental para empoderamento do sentimento de dignidade humana e do bem-estar físico, psicológico e social.

É importante ressaltar que um dos papéis da psicologia é contribuir politicamente, socialmente e psicologicamente na defesa das pessoas LGBTQIAPN+. Além disso, a psicologia visa colaborar no processo terapêutico individual por meio de diversas ferramentas e métodos, como a autorreflexão destinada à provocação do autoconhecimento, para que a pessoa possa se conhecer mais profundamente, a se compreender mais, acessar a sua real identidade e entender que faz parte da natureza humana a complexidade, instabilidade (mudança) e a intersubjetividade, considerando que o ser humano é singular e único.

Assim, a psicologia permite que o indivíduo, com a interlocução do psicólogo, organize os próprios pensamentos e ajude a identificar os fatores causadores da angústia e do sofrimento existencial. Em contrapartida, é uma prática reflexiva onde o profissional questiona a si mesmo, com a sua visão de mundo e suas ideologias, para avaliar se suas práticas estão alinhadas com os princípios fundamentais da ciência psicológica que é a promoção do bem-estar psicossocial do ser humano.

Um dos princípios fundamentais do Código de Ética do psicólogo é trabalhar visando a promoção à saúde e à qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuir com a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Dessa forma, as mulheres trans que enfrentam desafios e dificuldades de se inserirem no mercado formal de trabalho sofrem preconceito duplo – relacionado à orientação sexual e a limitação profissional. E o papel da psicologia é trabalhar contra a opressão; a limitação e adoecimento e a favor da autônima, da liberdade e do bem-estar.

Para tanto, o preconceito, a discriminação, assim como a violência perpetrada contra a comunidade LGBTQIAPN+, em razão de sua orientação sexual e/ ou identidade de gênero divergente do modelo heteronormativo, são fenômenos que colaboram para o desafio constante dessa população ao mercado formal de trabalho. Além disso, o preconceito, segundo Sílvio Almeida, filósofo, advogado e professor universitário e o atual Ministro de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil, é consolidado ao longo de décadas na organização da sociedade ao privilegiar alguns em detrimento de outros. Logo, é um fenômeno maléfico e desagregador que desafia a sociedade.

Referências

CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO de 2005. Disponível em <https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia.pdf> Acesso em 30 de outubro de 2023.

ERIKSON, Erik H. Infância e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.

NASCIMENTO, Ana Paula Leite; Menezes, Moisés Santos de; Oliveira; Antônio Carlos de. LGBT E MERCADO DE TRABALHO: UMA TRAJETÓRIA DE PRECONCEITOS E DISCRIMINAÇÕES. 2018. Disponível em < https://editorarealize.com.br/editora/ebooks/conqueer/2018/TRABALHO_EV106_MD1_SA7_ID186_04032018135735.pdf. Acesso 03 de novembro, 2023.

PAPALIA, D. E. e FELDMAN, R. D. (2013). Desenvolvimento Humano. Porto Alegre, Artmed, 12ª ed.

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A Pedagogia da Circularidade: tecendo redes de conhecimento entre educadores

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Em um mundo onde a educação é frequentemente vista através de uma lente de resultados e métricas, a pedagogia da circularidade surge como um sopro de inovação e humanidade. Esta abordagem, profundamente enraizada nas teorias de educadores visionários como Paulo Freire, desafia as estruturas tradicionais e propõe um modelo de aprendizado colaborativo e dinâmico, onde o conhecimento é compartilhado e a sabedoria coletiva é valorizada. Ao invés de perpetuar a dinâmica de poder desigual entre professor e aluno, a circularidade promove um ambiente de aprendizado recíproco e respeito mútuo, onde todos são vistos como contribuintes valiosos no processo educativo. Neste contexto, os educadores são convidados a reimaginar o ensino como um diálogo contínuo, uma jornada compartilhada de descoberta e crescimento. A pedagogia da circularidade não é apenas uma metodologia; é um manifesto para uma educação mais equitativa, empática e eficaz, que reconhece e celebra a interconexão e a interdependência de todos os envolvidos no ato de aprender.

Essa pedagogia embasada na filosofia de Paulo Freire, é uma resposta ao modelo educacional hierárquico e unidirecional que historicamente tem caracterizado as instituições de ensino. Freire (1970) argumenta que a educação deve ser libertadora, um processo dialógico onde o educador e o educando aprendem em conjunto, desafiando o tradicional “modelo bancário” de educação, onde o conhecimento é depositado nos alunos. A circularidade, portanto, é uma prática pedagógica que encoraja a troca de saberes em um espaço democrático e participativo, promovendo uma aprendizagem significativa e transformadora.

Este conceito é reforçado pelas teorias de LAVE e WENGER (1991), que introduziram a noção de “comunidades de prática”. Nestas comunidades, a aprendizagem ocorre em um contexto social, onde os membros compartilham um ofício ou uma profissão. A circularidade dos saberes docentes é uma manifestação deste fenômeno, onde os professores, como membros de uma comunidade educacional, engajam-se em um processo contínuo de aprendizado colaborativo. Eles não apenas compartilham conhecimentos e experiências, mas também constroem novos entendimentos através da interação e do engajamento mútuo.

WENGER (1998) expande essa visão ao enfatizar a importância da identidade na prática de aprendizagem. Na circularidade, os professores constroem suas identidades profissionais não isoladamente, mas em relação uns aos outros e ao coletivo do qual fazem parte. Isso é particularmente relevante na educação pública, onde os desafios são muitos e os recursos, muitas vezes, limitados. DARLING-HAMMOND (1997) destaca que o desenvolvimento profissional dos professores é crucial para a eficácia do ensino e, consequentemente, para o sucesso dos alunos. A circularidade dos saberes docentes, portanto, não é apenas uma questão de eficiência pedagógica, mas também de justiça social e equidade educacional.

A circularidade também se alinha com a ética do cuidado proposta por NODDINGS (2005), que argumenta que a educação deve ser fundamentada no relacionamento de cuidado entre professores e alunos. Este cuidado se estende aos colegas de profissão, criando uma cultura de suporte e empatia. A circularidade dos saberes docentes, neste contexto, é uma expressão de cuidado profissional, onde os educadores se apoiam mutuamente em sua jornada de ensino.

No entanto, a implementação da pedagogia da circularidade enfrenta obstáculos. As estruturas educacionais rígidas e a falta de tempo e recursos podem inibir a colaboração e a reflexão crítica. Além disso, a valorização da competição em detrimento da colaboração pode desencorajar a partilha de saberes. Apesar desses desafios, a circularidade oferece um caminho promissor para a renovação da prática educativa. Ela convida os educadores a repensarem seus papéis, a se abrirem para novas possibilidades de aprendizagem e a se comprometerem com a transformação contínua da educação.

Em suma, a pedagogia da circularidade é mais do que uma metodologia; é uma postura ética e uma visão de mundo que coloca a colaboração, o diálogo e a reflexão crítica no centro do processo educativo. Ao adotar essa abordagem, os educadores podem não apenas enriquecer suas práticas individuais, mas também contribuir para a construção de um sistema educacional mais justo, eficaz e humano.

Referências:

DARLING-HAMMOND, L. The Right to Learn: A Blueprint for Creating Schools That Work. San Francisco: Jossey-Bass, 1997.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970.

LAVE, J.; WENGER, E. Situated Learning: Legitimate Peripheral Participation. Cambridge: Cambridge University Press, 1991.

MEIRIEU, P. Frankenstein Educador. Rio de Janeiro: Desiderata, 1998.

NODDINGS, N. The Challenge to Care in Schools: An Alternative Approach to Education. New York: Teachers College Press, 2005.

POUBEL, V. R. Pedagogia da circularidade: uma conversa com professoras da educação pública. Alfabetização em Foco, [S.l.], 25 mar. 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gmPsXteyn9M. Acesso em: 05 nov. 2023.

SENGE, P. Schools That Learn: A Fifth Discipline Fieldbook for Educators, Parents, and Everyone Who Cares About Education. New York: Doubleday, 2000.

WENGER, E. Communities of Practice: Learning, Meaning, and Identity. Cambridge: Cambridge University Press, 1998.

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Além do Ocidente: práticas do Bem Viver nos estudos decoloniais

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O conceito de “Bem Viver” em que iremos discutir neste texto é arraigado por uma perspectiva que proporciona a chance de edificar uma sociedade diferente, fundamentada na convivência cidadã marcada pela diversidade e harmonia com a natureza, por meio do entendimento dos variados povos presentes no território e globalmente e tem se demonstrado como uma relevante vertente, de origem latino-americana, que se contrapõe às filosofias hegemônicas que dominam a racionalidade ocidental contemporânea (Bontempi, Camargo Neto & Alvarado, 2022).

Citado por Bontempi, Camargo Neto & Alvarado (2022), Acosta (2016, p.69) evidencia que, “O Bem Viver” apresenta-se como uma oportunidade para construir coletivamente novas formas de vida, “é, por um lado, um caminho que deve ser imaginado para ser construído, mas que, por outro, já é uma realidade”. De tal modo o “Bem Viver se denota um pilar fundamental para novas perspectivas acerca de novas práticas decoloniais nos territórios da América Latina”. Tendo em vista que urge necessidades quanto às questões ambientais e as suas práticas danosas ao bem estar da sociedade, a decolonialidade é um pilar fundamental para a sobrevivência da humanidade e da natureza.

No que com Escobar (2018), nos apresenta é evidente que hoje enfrentamos um mundo sendo transformado por mudanças climáticas antropicamente aceleradas, evidenciado pelas duas últimas partes publicadas do sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 2021; 2022). Nessa tese, os seres humanos estão diante da imperativa necessidade de questionar o prejudicial modelo de desenvolvimento que atualmente guia a política econômica dos Estados capitalistas. Torna-se crucial envolver-se com alternativas que não incentivem a devastação ambiental. (Bontempi, Camargo Neto & Alvarado, 2022).

                                                                             Fonte: https://www.greenpeace.org/brasil

Em sua perspectiva, Gudynas (2014) o Bem Viver tem uma função de servir como alicerce para posturas críticas e alternativas em relação aos avanços modernos. Logo mais, Acosta (2016, p. 76) destaca que, na visão de José María Tortosa “o Bem Viver é uma oportunidade para construir outra sociedade, sustentada em uma convivência cidadã em diversidade e harmonia com a Natureza, a partir do conhecimento dos diversos povos culturais existentes no país e no mundo”. Nesse caso, ao atribuir valor ao conhecimento desses povos, não se trata de uma proposta de “retorno à idade da pedra” ou a uma época primitiva, tampouco de negar a tecnologia – interpretação equivocada que alguns críticos podem fazer. Pelo contrário, a ideia é incorporar valores e estruturas sociais significativas que destacam a interconexão entre a sociedade humana e a natureza. Isso visa assegurar que a relação entre ambos permaneça equilibrada, possibilitando, assim, a prosperidade da humanidade. (Bontempi, Camargo Neto & Alvarado, 2022).

O Bem Viver, portanto, é uma “alternativa ao desenvolvimento, é uma proposta civilizatória que reconfigura um horizonte de superação do capitalismo” (Acosta, 2016, p. 76). É crucial ressaltar que o conceito de “Bem Viver” emerge como parte de um processo que impulsionou e fortaleceu a luta pela reivindicação dos povos e nações, alinhado com iniciativas de resistência e construção por parte de diversos segmentos de populações marginalizadas e periféricas. (Acosta, 2013). O conceito de “Bem Viver” é intrinsecamente subversivo, sugerindo abordagens decolonizadoras em todas as esferas da existência humana. (Bontempi, Camargo Neto & Alvarado, 2022).

Sendo assim, o “Bem Viver” se apresenta como um alicerce essencial na edificação de práticas decoloniais para a América Latina, conforme discutido anteriormente. Em síntese, esse movimento visa introduzir perspectivas diversas que desafiam a lógica de desenvolvimento linear global imposta pelas potências dominantes e colonizadoras. Ao adotarmos e aplicarmos a cosmovisão do “Bem Viver”, nos engajamos nos diálogos decoloniais e buscamos coletivamente alternativas socioambientais de experiências contra-hegemônicas. Isso amplia as possibilidades de sobrevivência diante de desafios como as mudanças climáticas.(Bontempi, Camargo Neto & Alvarado, 2022).

As iniciativas do “Bem-Viver” não devem ser limitadas apenas a ações voltadas para o campo ou áreas menos urbanizadas, uma vez que a cidade também requer atenção e uma reformulação de seu funcionamento sob os mesmos princípios. Finalmente, ainda enfrentamos muitos desafios. Conforme destacado por Acosta (2016), não existe uma única visão do Bem Viver. Este conceito não representa uma proposta monocultural; é, na verdade, plural – uma expressão de “bons conviveres”. Originário das comunidades indígenas, o Bem Viver não nega as vantagens tecnológicas do mundo moderno nem as contribuições de outras culturas e saberes que questionam diferentes pressupostos da Modernidade. Contudo, apesar dessa diversidade, o Bem Viver implica em profundas rupturas culturais, sua formulação é sempre provisória, sujeita a diversas provações e explorações, repleta de erros e acertos. (Bontempi, Camargo Neto & Alvarado, 2022).

REFERÊNCIAS

ACOSTA, Alberto. El Buen Vivir, Más Allá Del Desarrollo. In: RAMOS, Gian Carlo Delgado (Organizador). Buena Vida, Buen Vivir: imaginarios alternativos para el bien común de la humanidad. México, 2014. 447 p.

ACOSTA, Alberto. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. Tradução de Tadeu Breda. São Paulo: Autonomia Literária, Elefante, 2016. 264p.

Bontempi, R. M., Camargo Neto, L. de, & Alvarado, H. É. dos R. (2022). Bem Viver: Movimento estrutural para o estudo decolonial na América Latina. [Conferência]. Objetivos do Desenvolvimento Sustentável no Mundo Pandêmico.

ESCOBAR, Arturo. Designs for the Pluriverse: radical interdependence, autonomy, and the making of worlds. Durham: Duke University Press, 2018. 158 p.

GUDYNAS, Eduardo. El postdesarrollo como crítica y el Buen Vivir como alternativa. In: RAMOS, Gian Carlo Delgado (Organizador). Buena Vida, Buen Vivir: imaginarios alternativos para el bien común de la humanidad. México, 2014. 447 p.

IPCC. AR6 Synthesis Report: Climate Change 2022. [S.l.]: https://www.ipcc.ch/report/sixth- assessment-report-cycle/, 2022.

IPCC. Climate Change 2021: The Physical Science Basis. [S.l.]: https://www.ipcc.ch/report/sixth- assessment-report-working-group-i/, 2021.

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Descolonização do pensamento na América Latina: uma perspectiva contemporânea

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A tapeçaria cultural da América Latina, tecida com os fios da diversidade e da resistência, apresenta um desafio contínuo à narrativa colonial que por muito tempo tentou homogeneizar suas cores vibrantes. A descolonização do pensamento, um processo vital para a reafirmação da identidade cultural, emerge como um campo de batalha onde o passado colonial e o presente pós-colonial se encontram. Bruno Simões Gonçalves, em sua análise perspicaz, nos convida a mergulhar nas profundezas da psique latino-americana, explorando as nuances de uma região que luta para se libertar das amarras de uma história marcada pela dominação e pela subjugação (BONTEMPI, et al 2022).

A conferência de Bandung, como Gonçalves aponta, foi um marco histórico que catalisou o movimento de descolonização, inspirando nações a reivindicar sua soberania e identidade (GONÇALVES, 2023). No entanto, a descolonização não se encerra com a obtenção da independência política; ela se estende à necessidade de descolonizar as mentes e as culturas que foram moldadas e, muitas vezes, distorcidas pelo colonialismo. A América Latina, neste contexto, enfrenta o desafio de desvendar sua identidade autêntica, uma identidade que reconhece e integra as múltiplas vozes de seus povos originários e de suas comunidades afrodescendentes.

O barroco latino-americano, segundo Gonçalves, é uma expressão artística que encapsula a resistência cultural da região. Ele não é simplesmente uma réplica do barroco europeu, mas uma reinterpretação enriquecida pelas texturas das tradições africanas e indígenas (GONÇALVES, 2023). Este barroco é um símbolo da capacidade de síntese cultural da América Latina, uma manifestação de como a arte pode servir como um veículo para a descolonização, celebrando a complexidade e a singularidade da experiência latino-americana.

                                                                             Fonte: Imagem gerada por DALL·E

A língua, como Gonçalves enfatiza, é um elemento central na construção da identidade cultural. A imposição das línguas coloniais — o português e o espanhol — sobre as línguas indígenas e africanas é um reflexo do projeto colonial de apagamento e subordinação (GONÇALVES, 2023). A recuperação e a valorização dessas línguas originárias são atos de descolonização que permitem a expressão de uma identidade mais plural e fiel às raízes da América Latina. Gonçalves nos faz imaginar como seria a comunicação no continente se as línguas indígenas tivessem sido preservadas e misturadas com as línguas dos colonizadores, criando um mosaico linguístico que refletisse verdadeiramente a diversidade cultural da região.

A descolonização do pensamento, portanto, é um convite para uma viagem de retorno às origens, um processo de desaprender para reaprender, de questionar para entender. Gonçalves nos lembra que “a descolonização é um processo de cura, é reconhecer as feridas e trabalhar para cicatrizá-las” (GONÇALVES, 2023). A América Latina, com sua história de resistência e sua busca por autenticidade, está na vanguarda dessa jornada de cura, procurando formas de expressar sua identidade de maneira que seja inclusiva, justa e representativa de todos os seus povos.

A descolonização do pensamento na América Latina é um processo complexo e multifacetado que requer uma reavaliação contínua das heranças culturais, linguísticas e artísticas. Através das reflexões de Bruno Simões Gonçalves, somos convidados a participar ativamente deste processo, reconhecendo a riqueza e a complexidade da identidade latino-americana. Ao abraçar a diversidade e ao resistir à uniformização, a América Latina pode continuar a trilhar o caminho da descolonização, celebrando sua herança cultural única e forjando um futuro onde todas as vozes são ouvidas e valorizadas.

Referências:

BONTEMPI, Rhennan Mecca; CAMARGO NETO, Lauro de; ALVARADO, Hylma Élida dos Reis. BEM VIVER: MOVIMENTO ESTRUTURAL PARA O ESTUDO DECOLONIAL NA AMÉRICA LATINA. In: Conferência da Terra – fórum internacional do meio ambiente. Objetivos do Desenvolvimento Sustentável no Mundo Pandêmico. Evento Virtual, 23 a 26 de Novembro de 2022. TERRA: Objetivos do Desenvolvimento Sustentável no Mundo Pandêmico. ISBN: 978-65-87563-41-1, p. 80.

QUEM SOMOS NÓS? Pensamento Descolonial: Descolonização e decolonização, com Bruno Simões Gonçalves. [S.l.: s.n.], 13 fev. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8HKVl1G3agI. Acesso em: 05 nov. 2023.

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Desvendando a diferenciação na sala de aula: estratégias para a Prática Pedagógica Inclusiva

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A diferenciação é uma abordagem proativa para ajustes no conteúdo, processo ou produto de aprendizagem dos alunos.

Débora Gerbase – Professora e Autora de livros missgerbase@gmail.com – @deboragerbase

A diferenciação pedagógica, ainda que teoricamente simples, e que promove um ambiente inclusivo em uma sala de aula diversa, desafia educadores que, infelizmente, ainda não sabem como implementá-la de uma maneira eficaz suas práticas de ensino. Compreender e aplicar a diferenciação embora seja desafiador, é inegável que ela gera um impacto positivo na aprendizagem dos alunos. Apesar das barreiras enfrentadas, a prática constante e a dedicação são cruciais para superar os desafios e colher os frutos que a diferenciação produz na aprendizagem dos alunos.

Sabemos da importância, na sociedade contemporânea, da valorização das diferenças nas nossas práticas pedagógicas principalmente no contexto educacional atual. É de extrema importância atender às necessidades individuais dos alunos em uma sociedade em constante transformação. Ao nos depararmos com uma sala de aula diversa, com alunos com deficiências ou altas habilidades, a adaptação das aulas torna-se imperativa. Contudo, a implementação dessas adaptações, denominadas diferenciação, é frequentemente percebida como uma tarefa complexa e que causa muita angústia e confusão nos educadores.

O que é diferenciação?

Tomlinson (2015) nos ensina que a diferenciação é uma abordagem proativa para ajustes no conteúdo, processo ou produto de aprendizagem dos alunos. Tomlinson e Imbeau (2011) oferecem insights valiosos, esclarecendo que diferenciação não é um acréscimo ao planejamento regular, mas uma abordagem intrínseca à instrução. O planejamento diferenciado considera as diferenças de prontidão, interesse e perfil de aprendizado dos alunos, oferecendo caminhos diversos para atingir padrões compartilhados.

Quais estratégias de diferenciação podem ser utilizadas?

 Conforme Tomlinson (2014), elas podem acontecer na:

     Diferenciação no Conteúdo – Ajustando a complexidade das atividades para atender às necessidades individuais;

  1.     Diferenciação no Processo – Disponibilizando uma variedade de estratégias e materiais que contemplam diferentes estilos de aprendizagem;
  2.     Diferenciação no Produto – Permitindo diferentes formas de apresentação (oral, escrita, visual);
  3.     Diferenciação no Ambiente de Aprendizagem – Configurando e organizado visualmente o espaço para conforto e confiança.

 Entretanto, apesar dos benefícios da implementação da diferenciação nas práticas pedagógicas, algumas barreiras ainda precisam ser superadas. Educadores frequentemente apontam algumas dificuldades que não permitem que a diferenciação aconteça adequadamente, como:

  •         Ansiedade do Professor: A ansiedade em relação à implementação da diferenciação é uma barreira comum. Promover o conhecimento aos professores sobre a natureza flexível e adaptativa da diferenciação pode ajudar a reduzir esse receio.
  •         Falta de Recursos Adequados: Muitos educadores se veem limitados por uma falta de recursos, sejam eles materiais ou tempo. Explorar opções criativas e integrar a diferenciação ao planejamento regular pode superar essa barreira.
  •         Treinamento Insuficiente: A falta de treinamento específico em diferenciação é um desafio real. Investir em desenvolvimento profissional contínuo pode capacitar os professores a aplicarem estratégias diferenciadas com confiança.

 Estratégias para superar desafios

 Estimular a colaboração entre professores pode ser um catalisador poderoso para a implementação bem-sucedida da diferenciação. Compartilhar experiências, estratégias e recursos pode enriquecer a prática de todos. Reconhecendo que a diferenciação é uma jornada, os professores podem começar com adaptações simples e progredir gradualmente. Isso reduz a pressão inicial e permite uma transição mais suave.

 Além do que já foi dito, implementar um ciclo contínuo de avaliação e ajuste é fundamental. Wormeli (2017) destaca a importância de ajustar as estratégias avaliativas para refletir a diversidade de estilos de aprendizagem, níveis de prontidão e interesses dos alunos. Ao diferenciar a avaliação, os professores podem verdadeiramente capturar o progresso individual, indo além de uma abordagem única para todos.

 A complexidade da diferenciação pedagógica, apesar de sua simplicidade teórica, desafia muitos educadores que se deparam com a necessidade de promover um ambiente inclusivo. Ela não é apenas uma estratégia; é uma filosofia que reconhece e celebra a diversidade na sala de aula. No contexto educacional que está em constante transformação, compreender sua importância e implementá-la eficazmente requer um comprometimento contínuo por parte dos educadores. Ao desvendar os princípios e estratégias da diferenciação, os professores estarão mais bem equipados para criar ambientes de aprendizagem que atendam verdadeiramente às necessidades individuais de cada aluno.

 Maiores informações sobre como implementar a diferenciação em sala de aula podem ser encontradas no livro “A realidade diversa na sala de aula: como lidar com a inclusão e a educação socioemocional na escola”, no primeiro capítulo intitulado: A diferenciação na sala de aula diversa, escrito por mim.

Biografia:

 Débora Gerbase é uma professora e tradutora que atua nas áreas de inglês, português e português para estrangeiros. Atualmente, reside em São Paulo, onde concluiu sua formação em Letras – Tradução e Pedagogia e, posteriormente, obteve pós-graduação em Psicopedagogia e Formação de Docentes para o Ensino Superior.

Além de seu trabalho como educadora, Débora é autora dos livros “Sem pé nem cabeça – Expressões idiomáticas em português” e “Manual de Sobrevivência para o Professor Esgotado”, e coordenadora e coautora do livro “A realidade diversa na sala de aula: como lidar com a inclusão e a educação Socioemocional nas escolas” e coautora do livro “Alfabetização Bilíngue: benefícios e mitos na formação de crianças bilíngues”. Tem paixão pelo ensino e aprendizagem, bem como por seu compromisso com o sucesso de seus alunos.

Referências:

 Tomlinson, C. A. The differentiated classroom: Responding to the needs of all learners. ASCD, 2014.

Tomlinson, C. A. “What Is Differentiated Instruction?” Reading Rockets, 2015. Disponível em: https://www.readingrockets.org/article/what-differentiated-instruction. Acesso em 03 de março de 2023.

Tomlinson, C. A. e Imbeau M. B. Managing a differentiated classroom: a practical guide. Scholastic, 2011.

Wormeli, R. “Fair Isn’t Always Equal: Assessing and Grading in the Differentiated Classroom.” ASCD, 2017.

 

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Estigmas e bifobia: o apagamento bissexual dentro da própria comunidade

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Para aquele que identifica-se como bissexual há sempre uma dupla jornada: a aceitação dentro da própria comunidade e a luta contra os estigmas sociais.

As orientações sexuais, conforme compreendidas na contemporaneidade, representam maneiras de viver através das quais buscamos compreender e explicar certos comportamentos, preferências e desejos (Simões; Facchini, 2009). Dominantemente, a compreensão das diversas sexualidades é influenciada por uma lógica que associa o sexo biológico, o gênero e o desejo, estabelecendo relações de oposição entre categorias binárias como feminino-masculino, homem-mulher e heterossexual-homossexual. Através dessa estrutura interpretativa, a norma heterossexual procura assegurar que as relações afetivo-sexuais dos indivíduos se baseiem em representações e papéis de gênero estritamente binários (Butler, 2018).

Quando se aborda práticas sexuais não alinhadas com a heteronormatividade, as bissexualidades e outras expressões sexuais fluidas ainda enfrentam desafios de compreensão. De fato, ao longo do tempo, as práticas bissexuais foram e continuam sendo frequentemente marginalizadas, associadas a estigmas como ilegitimidade sexual, não monogamia, infidelidade e transmissão de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). A bissexualidade, muitas vezes percebida como ambivalente, é por vezes invisibilizada na cultura que segue padrões heteronormativos e binários, sendo considerada uma orientação sexual questionável e controversa. Diante da dicotomia entre as categorias heterossexual e homossexual, a possibilidade de diversificar o objeto de desejo tem gerado tensões e conflitos dentro dos movimentos LGBTQIAP+ (Lewis, 2012).

Embora o termo “bissexual” tenha sido cunhado apenas no século XX para descrever a sexualidade de pessoas que sentem atração por mais de um gênero, as práticas que hoje identificamos como bissexuais já foram documentadas em épocas passadas e em diversas culturas. Exemplos incluem a antiguidade grega, japonesa e romana, bem como rituais de povos indígenas. Nas mitologias grega e romana, por exemplo, a “bissexualidade” era frequentemente atribuída à sexualidade de deusas e deuses (Lewis, 2012).

O termo “bifobia” está associado ao processo de invisibilidade e deslegitimação das experiências bissexuais, sendo utilizado para descrever reações negativas de pessoas heterossexuais, lésbicas e gays em relação à bissexualidade. Embora essa compreensão seja amplamente adotada por aqueles que se identificam como bissexuais, é comum que lésbicas e gays questionem sua legitimidade, argumentando que bissexuais só enfrentam discriminação quando estão em relacionamentos com pessoas do mesmo gênero. Nesse sentido, algumas pessoas lésbicas e gays sugerem que a discriminação enfrentada pelos bissexuais seja enquadrada nos termos da homofobia ou lesbofobia (Goob, 2008).

                                                                                        Fonte: Gerd Altmann por Pixabay

A deslegitimação da bissexualidade é um dos desafios enfrentados no autoconhecimento acerca da própria sexualidade

 

Além do conceito de bifobia, um termo cada vez mais proeminente na militância bissexual no Brasil e nas discussões acadêmicas internacionais é o “monossexismo”. Este termo é utilizado para descrever a crença social de que as orientações monossexuais (como heterossexualidade, homossexualidade e lesbianidade) são superiores e mais legítimas do que as orientações não monossexuais (como bissexualidade, pansexualidade, polissexualidade e sexualidades fluidas) (Ross, Dobinson, Eady, 2010). O monossexismo, conforme proposto por Shiri Eisner (2013), é concebido como uma estrutura social que pressupõe que todas as pessoas são monossexuais e considera desviantes as outras expressões e modulações da sexualidade.

Devido a uma percepção equivocada que as considera erroneamente como uma combinação de heterossexualidade e homossexualidade, as bissexualidades são frequentemente vistas como uma ameaça à coesão da identidade e do movimento homossexual. Como resultado, pessoas bissexuais frequentemente enfrentam marginalização dentro da comunidade LGBTQIAP+ (Lewis, 2012). É comum que pessoas bissexuais encontrem dificuldades em assumir sua sexualidade em ambientes predominantemente gays e lésbicos. Algumas afirmam que seria mais simples se conformar com a heterossexualidade ou até mesmo assumir uma identidade homossexual, em vez de sustentar abertamente uma identidade bissexual  (Gómez; Arenas, 2019).

No contexto de apagamento enfrentado pelas pessoas bissexuais, que envolve a negação de sua existência e a dificuldade em serem reconhecidas como bissexuais em contextos sociais, o processo de construção de suas identidades é frequentemente permeado por sentimentos como solidão e confusão. Esse cenário contribui para a vivência de vulnerabilidade, insegurança, arrependimento, frustração e impacta negativamente a qualidade de vida, a autoimagem e as relações interpessoais dos indivíduos. A bifobia é percebida como uma forma de violência silenciosa, manifestando-se em diversos contextos e tendo repercussões significativas na vida daqueles que a enfrentam diariamente  (Gómez, Arenas, 2019).

E diante dessas questões a bifobia é deslegitimada e colocada em cheque como algo superficial ou até mesmo inexistente. A minimização da bifobia como forma de preconceito é, em grande parte, decorrente da concepção equivocada de que pessoas bissexuais desfrutam da vantagem de evitar a discriminação ao se relacionarem com alguém de gênero diferente do seu. Essa percepção sugere que bissexuais seriam privilegiados em comparação com indivíduos homossexuais. A suposta proximidade dos bissexuais com a heterossexualidade levanta questionamentos sobre o potencial subversivo das bissexualidades em relação ao sistema heteronormativo (Caproni Neto, 2017).

Essa situação não apenas ameaça a expressão da sexualidade do indivíduo, mas também afeta a concepção pessoal de si mesmo, de quem é e do que sente. Paveltchuk, Borsa e Damásio (2019) destacam que a confrontação e a internalização de estigmas por pessoas bissexuais podem resultar em auto julgamentos negativos e questionamentos sobre sua sexualidade, levando a elevados níveis de confusão identitária e impactando adversamente a saúde mental desse grupo. Há uma pressão, tanto interna quanto externa, para que a experiência bissexual seja interpretada à luz da homossexualidade ou da heterossexualidade, uma vez que a bissexualidade, por si só, não é considerada uma opção válida.

Por fim, é claro que posicionar as bissexualidades como um dispositivo de subversão do sistema monossexista e binário, e como uma “categoria que desafia a categorização” (Caproni Neto, 2017), é crucial na construção do debate sobre os diversos mecanismos de opressão social. No entanto, é fundamental realizar um movimento de humanização das pessoas que vivem nessas áreas de tensão política e social, narrando diariamente as histórias que buscamos legitimar. No final do dia, são simplesmente indivíduos tentando viver – e sobreviver – em um mundo ainda fundamentado em um sistema heteronormativo, binário e monossexista.

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

CAPRONI NETO, Henrique Luiz. A bissexualidade (des) organizada: desenhos, estigmas e subversões. SEMINÁRIOS EM ADMINISTRAÇÃO DA FEA-USP, v. 20, 2017. Disponível em: <

DE OLIVEIRA PAVELTCHUK, Fernanda; BORSA, Juliane Callegar; DAMÁSIO, Bruno Figueiredo. Indicadores de bem-estar subjetivo e saúde mental em mulheres de diferentes orientações sexuais. Psico, v. 50, n. 3, p. e31616-e31616, 2019. Disponível em: <https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/revistapsico/article/view/31616> Acesso em 15 de novem. 2023.

EISNER, Shiri. Bi: Notes for a bisexual revolution. Seal Press, 2013.

 

GOOß, Ulrich. Concepts of bisexuality. Journal of Bisexuality, v. 8, n. 1-2, p. 9-23, 2008. Disponível em: <https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/15299710802142127> Acesso em 15 de novem. 2023.

 

GÓMEZ, Juan Pablo Perera; ARENAS, Ysamary. Development of Bisexual identity. Ciencia & saude coletiva, v. 24, p. 1669-1678, 2019. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/csc/a/VPxGFPV9CLHDtnDNMwBKr4w/?format=html&lang=en> Acesso em 15 de novem. 2023.

 

LEWIS, Elizabeth Sara. Construções Identitárias em narrativas de ativistas LGBT que se identificam como bissexuais. 2012. Tese de Doutorado. PUC-Rio.

 

ROSS, Lori E.; DOBINSON, Cheryl; EADY, Allison. Perceived determinants of mental health for bisexual people: A qualitative examination. American journal of public health, v. 100, n. 3, p. 496-502, 2010. Disponível em: <https://ajph.aphapublications.org/doi/full/10.2105/AJPH.2008.156307> Acesso em 15 de novem. 2023.

 

SIMÕES, Júlio Assis; FACCHINI, Regina. Na trilha do arco-íris: do movimento homossexual ao LGBT. Editora Fundação Perseu Abramo, 200

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Impacto da alimentação no desempenho escolar

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Estratégias de Educação Alimentar e seu Impacto no Desempenho Escolar no Contexto Brasileiro

A interação entre alimentação e desempenho escolar é um campo de estudo significativo que abrange várias disciplinas, incluindo nutrição, psicologia educacional e saúde pública. Nutrientes essenciais como vitaminas, minerais, proteínas e carboidratos são cruciais para o desenvolvimento cerebral. Uma nutrição inadequada pode levar a deficiências cognitivas, afetando a memória, a atenção e a capacidade de resolver problemas. Segundo Benton (2008), deficiências nutricionais, especialmente durante fases críticas de desenvolvimento, estão relacionadas a atrasos no desenvolvimento da linguagem e dificuldades de aprendizagem.

O papel do café da manhã na melhoria do desempenho acadêmico também é notável. Adolphus et al. (2013) demonstraram que o consumo regular de um café da manhã nutritivo está associado a um melhor desempenho em tarefas escolares que exigem atenção e habilidades de memória. Essa refeição fornece energia e nutrientes essenciais após o jejum noturno, sendo fundamental para a manutenção da função cognitiva durante o dia.

Por outro lado, padrões alimentares não saudáveis, como o consumo excessivo de alimentos processados ricos em açúcares e gorduras, mas pobres em nutrientes, estão relacionados a um desempenho escolar inferior. De acordo com Florence et al. (2008), esses hábitos podem resultar em problemas de concentração, hiperatividade e comportamentos disruptivos, que são prejudiciais ao aprendizado e ao desempenho acadêmico.

Intervenções nutricionais nas escolas, como a oferta de refeições equilibradas e programas de educação nutricional, têm mostrado resultados positivos. Murphy et al. (1998) observaram que a disponibilização de um café da manhã balanceado nas escolas está vinculada a melhorias no desempenho acadêmico e no bem-estar psicológico dos alunos. Tais intervenções são especialmente valiosas em comunidades carentes, onde os alunos podem não ter acesso regular a alimentos nutritivos.

A relação entre alimentação e desempenho escolar tem sido amplamente estudada no Brasil, com foco na educação alimentar e nutricional como estratégia para promover hábitos alimentares saudáveis. Uma revisão de literatura realizada sobre estudos de intervenção no campo da educação alimentar e nutricional em escolares no Brasil, entre 2000 e 2011, apontou melhorias no conhecimento em nutrição e nas opções alimentares dos alunos. No entanto, a maioria dos estudos que realizaram avaliação antropométrica não encontrou mudanças significativas no estado nutricional dos estudantes. Os estudos tendem a adotar metodologias baseadas em estudos epidemiológicos de intervenção, indicando a necessidade de abordagens mais inovadoras em educação em saúde e modelos de pesquisa adaptados aos objetos de estudo​​ (Santos et. al., 2012).

                                                                                                       Fonte: Pixabay, imagem de esigie

Além disso, foi desenvolvida uma série de materiais de apoio para profissionais de educação e de saúde, visando integrar a educação alimentar e nutricional ao currículo de educação infantil e ensino fundamental. Esses materiais se baseiam em uma matriz de temáticas de alimentação e nutrição, promovendo atividades educativas que oportunizam uma abordagem ampliada sobre alimentação e nutrição, integradas de forma transversal ao currículo. Essa iniciativa fortalece as ações de educação alimentar e nutricional no âmbito escolar, contribuindo para a ampliação do repertório dos educadores sobre a temática e sua inclusão no currículo de forma cotidiana e transversal (Gubert, 2013)​​.

No contexto global, a alimentação escolar é reconhecida como uma política importante para o desenvolvimento infantil, apoiando a nutrição adequada e aprimorando as habilidades cognitivas dos estudantes, além de contribuir para a diminuição da evasão escolar. O ambiente escolar é visto como um espaço estratégico para a promoção da segurança alimentar e nutricional (SAN) entre os estudantes, possibilitando o fornecimento de refeições e a formação de hábitos alimentares saudáveis. Globalmente, 169 países fornecem alimentação escolar a cerca de 368 milhões de estudantes, com a Índia, Brasil e Estados Unidos liderando em número de beneficiados (Silva, 2012)​​.

No Brasil, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é regulamentado pela Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, e pela Resolução nº 26, de 17 de junho de 2013, do Fundo Nacional de Desenvolvimento e Educação (FNDE). O PNAE visa garantir a todos os estudantes matriculados em escolas públicas e entidades filantrópicas uma alimentação adequada e saudável, contribuindo para o crescimento, desenvolvimento biopsicossocial, aprendizagem, rendimento escolar e a formação de hábitos alimentares saudáveis, por meio de ações de educação alimentar e nutricional e da oferta de refeições que atendam parte das necessidades nutricionais dos estudantes durante o período letivo​​ (Pepe, 2012).

Esses estudos e iniciativas demonstram a importância da alimentação escolar na promoção da saúde, do bem-estar e do desempenho acadêmico dos estudantes, enfatizando a necessidade de políticas públicas e práticas educacionais que integrem a nutrição ao ambiente escolar.

 

 

REFERÊNCIAS

  1. BENTON, D. (2008). The influence of dietary status on the cognitive performance of children. Molecular Nutrition & Food Research, 52(4), 457-470.
  2. TARAS, H. (2005). Nutrition and student performance at school. Journal of School Health, 75(6), 199-213.
  3. ADOLPHUS, K., Lawton, C. L., & Dye, L. (2013). The effects of breakfast on behavior and academic performance in children and adolescents. Frontiers in Human Neuroscience, 7, 425.
  4. Florence, M. D., Asbridge, M., & Veugelers, P. J. (2008). Diet quality and academic performance. Journal of School Health, 78(4), 209-215.
  5. MURPHY, J. M., Pagano, M. E., Nachmani, J., Sperling, P., Kane, S., & Kleinman, R. E. (1998). The relationship of school breakfast to psychosocial and academic functioning: Cross-sectional and longitudinal observations in an inner-city school sample. Archives of Pediatrics & Adolescent Medicine, 152(9), 899-907.
  6. SANTOS, L. M. P. dos; GOMES, F. S.; SOUZA, A. M. de; SANTOS, S. M. C. dos; SANTOS, L. A. dos; SANTOS, C. L. F. dos. Educação alimentar e nutricional em escolares: uma revisão de literatura. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo, v. 15, n. 3, p. 605-615, set. 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbepid/v15n3/16.pdf. Acesso em: 5 dez. 2023.
  7. GUBERT, M. B.; SOUSA, D. A. de. Proposta de educação alimentar e nutricional integrada ao currículo de Educação Infantil e Ensino Fundamental. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 18, n. 4, p. 1153-1162, abr. 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v18n4/v18n4a33.pdf. Acesso em: 5 dez. 2023.
  8. SILVA, D. O. da; RECINE, E.; BRASIL, B. G. de M.; GOMES, R. C. F.; SCHMITZ, B. A. S. Alimentação na escola e autonomia: desafios e possibilidades. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 91-98, jan. 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v17n1/12.pdf. Acesso em: 5 dez. 2023.
  9. PEPE, M. S. V. E.; ARAÚJO, M. L. G. de; O’CONNOR, T. M. Alimentação Escolar no Brasil e Estados Unidos: uma revisão integrativa. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 5, p. 1273-1284, maio 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v17n5/25.pdf. Acesso em: 5 dez. 2023.
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Práticas ambientais nas Escolas: os desafios em busca da conscientização

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Qual é o papel da escola no contexto das práticas ambientais e como ela pode contribuir para a conscientização ambiental dos alunos?

Por Rosiane Alves (pedagoga) – rosianerosalina03@gmail.com

O uso desmedido e inconsciente dos recursos naturais, bem como a poluição ambiental, vem ocasionando mudanças drásticas no meio ambiente. Sérios problemas podem levar à extinção de todas as espécies, incluindo a espécie humana. A questão é que a conscientização da preservação ambiental tornou-se uma preocupação quando o problema já havia se instalado de maneira expansiva. E para iniciar a conscientização, seria necessário uma reeducação quanto aos valores e hábitos, o que se torna ainda mais desafiador, uma vez que vivemos em uma era consumista, na qual, a cada momento, os objetos se tornam substituíveis, impulsionando o consumismo e a disputa pela igualdade e equiparação na obtenção de bens.

O crescimento das grandes metrópoles, indústrias, o desmatamento ilegal em grandes dimensões, o aumento da atividade agropecuária, e as plantações, todos esses são fatores agravantes e altamente lesivos ao planeta. No entanto, são justamente essas as atividades que vêm gerando riquezas e faturamento para as nações. Isso nos leva a refletir mais uma vez acerca de valores e princípios, pois a cultura humana foi ensinada a disputar, ser melhor que o outro em termos financeiros, e a perceberem que nunca estão satisfeitos, querendo sempre mais, mesmo que isso, inconscientemente, custe a extinção de outras espécies e até mesmo a própria vida.

Para Medina et al. (2011, p.33),

“o que cabe dizer é que o humano não possui, nos  padrões éticos tradicionais, qualquer responsabilidade ética com relação a um ente natural: árvore, alga, pássaro, cervo, mar.”

Nossos valores morais estão diretamente ligados às nossas vivências e aprendizados ao longo da vida. A construção dos nossos princípios se iniciou no nosso lar, e, infelizmente, a Educação Ambiental não era uma pauta nas gerações passadas, nem mesmo nas escolas. Isso se deve à errônea e equivocada percepção de que os recursos naturais são finitos e de que o planeta suportaria tantas agressões.

                                                                                                                                          Fonte: Freepik/fotos

 

Para Santos et al (2022, p.9)

” O grande aumento nos níveis de gases poluentes lançados na atmosfera em grande parte, é devido à produção industrial mundial relacionada aos hábitos de consumo da sociedade humana. O aquecimento global e seus sinais, tais como a redução da água doce, constantes secas e inundações ao redor do mundo tem preocupado os cientistas, surgindo consequências difíceis de serem revertidas se mudanças socioambientais significativas não forem feitas. Não há tempo para irresponsabilidade, é preciso um comprometimento coletivo, população e governo trabalhando juntos na construção de políticas, programas de conscientização e (re)educação ambiental.”

Para minimizar os impactos ambientais, foram criadas políticas públicas, como programas de conscientização para a preservação do planeta. No entanto, essa abordagem surgiu tardiamente na educação. A efetividade da educação ambiental requer que todo o corpo escolar se reeduque em práticas ambientais saudáveis, estudando, vivenciando, aprendendo para, posteriormente, ensinar. Conforme WULF (2021), mais importantes são “as leis não escritas” do comportamento moral que são executadas em contextos e práticas sociais.

A Educação Ambiental surge como uma ferramenta de transformação do paradigma social. No entanto, com ela vêm os desafios, pois, para ser efetiva, é necessário o comprometimento de colocar em prática, não apenas teoricamente. Quando falamos em agir, são necessários recursos e, principalmente, mentes abertas e dispostas a trabalhar para mudar concepções já estabelecidas.

A escola tem o papel de transformar mentes, que, por sua vez, transformam a realidade. Criar projetos que vão além dos muros da escola, impactando a realidade do aluno, do seu lar, bairro e podendo ir muito mais além, é fundamental. Esses projetos têm o potencial de impactar a sociedade em que o aluno está inserido. Além das leis e projetos, a escola tem um papel que exige tanto empenho quanto elevar vozes e ações daqueles que antes eram considerados coadjuvantes. Hoje, os alunos são protagonistas e devem discutir e solucionar problemas do seu próprio meio social.

Não há como mudar o mundo se não houver mudança em si mesmo. Levantar discussões e reflexões sobre a necessidade de mudar o próprio contexto para mudar o do próximo é essencial. Atualmente, vivemos na chamada era digital, uma geração tecnológica, imediatista e altamente consumista. A escola é desafiada a se adequar a essa nova realidade e usar a tecnologia como aliada para engajar jovens e crianças na criação de ideias e projetos para o bem comum. É importante desmistificar a ideia de que só devemos falar em Educação Ambiental em datas comemorativas, como o Dia da Água e o Dia da Árvore, por exemplo.

Observamos que os papéis estão se invertendo, e os filhos têm alertado os pais quanto às mudanças de hábitos, sendo a escola um dos fatores que tem motivado essa transformação. Pequenos hábitos, como fechar a torneira na hora da escovação, fechar o chuveiro na hora de ensaboar, o inofensivo papel de balinha jogado no chão, e atentar às luzes acesas sem necessidade, são pequenas atitudes que podem gerar impactos positivos, minimizando os danos causados e evitando a expansão dos mesmos.

                                                                                                                            Fonte: guiainfantil.com

Quando falamos em pais e filhos, trabalho e conscientização em conjunto, imediatamente nos remete à herança, e quando falamos de herança, não nos referimos somente à financeira, mas sim à herança de valores. Em que estado deixaremos o planeta para as futuras gerações? O que nos leva a refletir sobre respeito e empatia em relação aos que vêm depois de nós. Repensar os hábitos e valores não é apenas por si mesmo, não é só pelo hoje, mas pensando no amanhã. É sobre empatia, é sobre respeitar e amar quem vem depois.

É importante não nos esquecermos dos outros seres que estão deixando de existir pela ação de um ser que se acha supremo e no direito de destruir o lar de todos e de si mesmo, por pensar de maneira egoísta e mesquinha, esquecendo-se de que fazem parte do mesmo ecossistema e que ambos sobrevivem dos mesmos recursos naturais. Se não houver um equilíbrio entre as espécies, todas estarão correndo o risco de serem extintas. A escola também tem esse papel de conscientização quanto à ética, respeito e empatia pelo outro, orientando-os sobre a importância de cada espécie para o equilíbrio do ecossistema.

A Educação Ambiental no Brasil tem raízes históricas, sendo impulsionada por movimentos sociais e ambientalistas a partir da década de 1970. O país viu um marco significativo com a Política Nacional de Meio Ambiente em 1981, que destacou a importância da Educação Ambiental. Em 1992, foi criado o Ministério do Meio Ambiente pelo Governo Federal, e no mesmo ano, o Brasil sediou a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como a Rio 92. Esse evento foi de grande relevância para as discussões ambientais no Brasil, resultando em documentos importantes, como o Protocolo de Florestas, a Carta da Terra e a Convenção da Diversidade Biológica, entre outros. A Rio 92 abriu caminhos para a criação de leis e documentos voltados para a Educação Ambiental no Brasil.

Em paralelo à Rio 92, o Fórum Global estabeleceu o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis, traçando o marco político para o projeto pedagógico da Educação Ambiental. Segundo Branco et al. (2018), esse tratado está na base da formação da Rede Brasileira de Educação Ambiental, bem como das diversas redes estaduais que formam uma grande articulação de entidades não governamentais, escolas, universidades e pessoas que buscam fortalecer as diferentes ações, atividades, programas e políticas em Educação Ambiental. Em 1996, foi criada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, reforçando esse compromisso e exigindo a inclusão da temática nos currículos escolares.

No entanto, apesar dos avanços normativos, desafios persistem na implementação efetiva, incluindo a capacitação de professores e a integração da Educação Ambiental de maneira transversal nos diversos níveis de ensino. Um dos maiores desafios enfrentados pelos professores em relação à implementação da EA em sala de aula é a necessidade de integração efetiva dos princípios ambientais em diferentes disciplinas, tornando-a assim uma abordagem transversal. Isso demanda não só conhecimento especializado por parte dos educadores, mas também a habilidade de conectar conceitos ambientais como conteúdo curricular, promovendo uma aprendizagem significativa para os alunos. Além disso, a falta de recursos e materiais específicos pode ser uma barreira, exigindo criatividade e adaptação por parte dos professores.

“A Educação Ambiental não deve apenas informar, deve transformar” (FREIRE, Paulo, 1992). Ao promover a compreensão dos impactos das ações humanas na natureza, a Educação Ambiental busca cultivar atitudes sustentáveis e a responsabilidade coletiva pela preservação do planeta. Essa conscientização é fundamental para enfrentar desafios ambientais, como mudanças climáticas e perda da biodiversidade, construindo sociedades mais equilibradas, resilientes e empáticas, preservando hoje para garantir o futuro saudável das gerações do amanhã. Não é apenas sobre um, mas sobre todas as espécies.

REFERÊNCIAS:

BRANCO, Emerson Pereira; ROYER, Márcia Regina; BRANCO, Alessandra Batista de Godoi. A Abordagem da Educação Ambiental nos PCN’S, nas DCNs e na BNCC. Nuances, Estudos sobre a Educação. Presidente Prudente, São Paulo. 2018. p. 185- 203 v.1

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Paz e Terra, São Paulo. 1996.

MEDINA, Patrícia. OLIVEIRA, Gustavo Paschoal Teixeira de Castro. MESQUITA, Marcia. BARROS, Graciela Maria. Princípios vida e responsabilidade: o agir humano na contemporaneidade a partir das ideias de Hans Jonas. Revista ESMAT v. 9, n.12, pp. 51-74. 2017.

WULF, Christoph. Educação como Conhecimento do Ser Humano na Era do Antropoceno: uma perspectiva antropológica. Cortez Editora. São Paulo. 2021

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