Entrevista com a Psicóloga Janinne Costa sobre Avaliação Psicológica Forense

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Aconteceu no em maio o  3° Simpósio Tocantinense de Avaliação Psicológica. O evento, foi realizado no Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA), abordou a avaliação psicológica aplicada a diferentes campos de atuação do profissional de psicologia, dentre elas a avaliação psicológica forense.

O Simpósio, recebeu a psicóloga Janinne Costa Rodrigues (CRP 23/1861), mediadora da oficina  “Avaliação Psicológica no Contexto Forense: Um Olhar para Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência”. Egressa do curso de psicologia do CEULP/ULBRA. Especialista em psicologia clínica na abordagem da Gestalt-Terapia, formada pelo Instituto Carioca de Gestalt-terapia (ICGT). Estagiou na equipe multidisciplinar da Defensoria Pública do Estado do Tocantins. Na área de psicologia jurídica desde 2017,  hoje atua como supervisora dos entrevistadores credenciados no projeto Depoimento Especial.

Nesta entrevista a psicóloga destaca pontos importantes acerca do cenário da avaliação psicológica forense voltada para crianças e adolescentes vítimas de violência, esclarece dúvidas acerca da temática e conta ainda um pouquinho do que podemos esperar da oficina.

Fonte: Arquivo Pessoal

(En)Cena – Como começou seu percurso ? O que te despertou interesse por essa área?

Comecei no Estágio I da faculdade, onde fomos conhecer os campos de atuação de Psicologia e acabei conhecendo os campos da Psicologia Jurídica, sendo o IML.

(En)Cena – Existem diferenças entre a psicologia jurídica e a psicologia forense? Se sim, quais?

Sim, a Psicologia Jurídica é uma área da psicologia e dentro dela tem subáreas: psicologia forense, psicologia criminal, psicologia penitenciária e psicologia investigativa.

A Psicologia Jurídica é o estudo do comportamento humano perante a Lei, e a Psicologia Forense é quando esse estudo ocorre dentro do Tribunal da Justiça, fórum, defensoria pública, etc.

(En)Cena – Quais os principais aspectos de diferenciação entre a utilização da avaliação psicológica no contexto clínico e forense?

A avaliação psicológica na clínica é uma avaliação de um sofrimento psicológico, de uma demanda de desenvolvimento humano, algo que demonstra um cuidado e apoio com o avaliado. Já a avaliação forense tem a finalidade de auxiliar uma demanda trazida pelo agente jurídico, sobre uma questão legal, tem caráter mais investigativo.

Fonte: encurtador.com.br/htEI4

(En)Cena – De que forma a demanda de avaliação psicológica  forense chega ao profissional de psicologia?

Falando sobre a realidade do Estado do Tocantins essa demanda pode chegar através da rede de proteção, ou das partes do processo, por exemplo quando os genitores estão em disputa de guarda, então um pede para fazer avaliação da criança com intuito de revelar qual será o ambiente mais seguro para a criança viver. Também pode ser solicitado por um advogado da parte.

(En)Cena – No caso de avaliação psicológica para crianças e adolescentes vítimas de violência existem protocolos especiais para condução do processo de avaliação? Se sim, quais?

Sim, um dos protocolos mais utilizados é o protocolo NICHD para entrevista investigativa no ambiente forense. E também tem o Protocolo Brasileiro de Entrevista Forense, que é utilizado para realização da audiência de Depoimento Especial

Fonte: encurtador.com.br/cgqH4

(En)Cena – Quais competências poderiam ser definidas como fundamentais para um profissional de psicologia que deseja atuar na área de avaliação psicológica forense voltados para crianças e adolescentes vítimas de violência?

Acredito que é necessário ser imparcial, ter uma bagagem de estudos na área, compreender os limites pessoais e profissionais, entender que está trabalhando em prol do direito da criança e do adolescente, entender sobre o trabalho multidisciplinar (agente da justiça, rede de proteção).

(En)Cena – O que os nossos inscritos podem esperar desse encontro?

Podem esperar que vou tentar trazer um resumão sobre a avaliação psicológica no âmbito forense e vou contar um pouco da minha história trabalhando nessa área. Se preparem, pois essa área é encantadora!

A oficina de “Avaliação Psicológica no Contexto Forense: Um Olhar para Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência”, mediada pela psicóloga Janinne Costa Rodrigues (CRP 23/1861), será realizada na sala 221, no dia 25 de maio de 2022.

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Relatando um dia de vivência com a equipe do Consultório na Rua

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No dia 16 de setembro de 2021, vivenciei uma experiência única juntamente com a equipe do Consultório na Rua (CNR). Foi uma manhã de muito trabalho e entrega daquilo que fomos capacitados para fazer: viabilizar e garantir a saúde da população em situação de rua.

São designados profissionais participantes do consultório na rua: o agente social, enfermeiro, técnico em enfermagem, assistente social, médico, profissional de educação física, psicóloga, técnico em saúde bucal, profissional na área de artes e um terapeuta ocupacional (PORTARIA, n. 1.029, 2014).

Estes profissionais são divididos em modalidades, sendo a modalidade I composta por quatro profissionais, sendo dois de nível médio e dois de nível superior. A modalidade II é composta por seis profissionais, sendo três de nível superior e três de nível médio e na modalidade III, é composta pelo mesmo número de membros da modalidade II, com o acréscimo de um profissional médico. (PORTARIA, n. 122, 2011).

 A equipe de Palmas- TO é de modalidade I, composta por dois profissionais de nível superior e dois profissionais de nível médio. A enfermeira Karine Ghisleni é a coordenadora do consultório na rua em Palmas e esteve à frente realizando a abordagem com os usuários do serviço. Esteve presentes também a técnica de enfermagem Silvaci de Araújo Reis, a Psicóloga Residente em Saúde Mental Lauana Paula e também o motorista da equipe Wolney.

Fonte: encurtador.com.br/mCQW2

 Santos (2016) define que o CNR é um serviço de atenção básica que tem por objetivo a atuação de forma itinerante e multidisciplinar, com a política de redução de danos, desfazendo o conceito que apenas o usuário que tem que buscar ajuda profissional.

A ação iniciou-se às 7h e terminou às 10h da manhã. Visitamos diferentes pontos de Palmas onde encontramos moradores de rua e pessoas em situação de rua. A diferença é que os moradores de rua não possuem um lar e moram exclusivamente na rua e as pessoas que estão em situação de rua são pessoas que muitas vezes tem um lar, ou possuem um emprego precário ou por outros motivos de questões familiares e/ou individuais escolhem ou chegam nesse ambiente de rua e a maioria acaba se tornando usuário de álcool e outras drogas (BRASIL, 2020).

Quando estive com a equipe do CNR, foi informado que uma das funções exercidas são os exames de rotina como a baciloscopia de escarro para rastreio de possíveis doenças ou patologias das pessoas em situação de rua. Grande parte dos exames que são realizados são os de sangue para verificar a saúde deles e também se possuem alguma IST (Infecção Sexualmente Transmissível). São realizadas orientações de educação em saúde, além da oferta de anticoncepcionais injetáveis, preservativos femininos e masculinos e lubrificantes como medidas de redução de danos.

 Foram distribuídos medicamentos para usuários que têm distúrbio neurológico, roupas, agasalhos e kits de higiene. Em alguns pontos foram feitos alguns agendamentos de consultas de saúde bucal.

Cazanova (2012) destaca que a equipe do CNR tem por planejamento, realizar a abordagem individual e coletiva das pessoas em situações de rua, acompanhar internações, pré-alta, pós-alta e incluir essas pessoas aos serviços de atenção básica em saúde, hospitais, serviços especializados em ISTs, bem como a reinserção escolar, social e familiar intermediando a promoção de direitos e cidadania dos usuários do serviço.

No dia da ação, me senti muito privilegiado por ter participado e contribuído com a equipe. É muito importante o que esse serviço faz por pessoas nesta situação de rua, pois muitos deles não possuem uma rede de apoio e não tem com quem contar. Estas pessoas estão diariamente exposta a várias formas de violência e estão privadas de direitos fundamentais, enfrenta a falta de privacidade, tomam banho em praças ou postos de combustíveis, tem condições precárias de sono, higiene, alimentação e que os levam a ter uma autoestima baixa, pois não conseguem manter um cuidado maior com eles mesmos.  perdem a esperança de conquistarem algo melhor ou mudar de vida, além dos vínculos sociais que na maioria das vezes são perdidos (ROSA, SANTANA, 2018).

Fonte: Arquivo Pessoal

Durante a abordagem pude ver quantas histórias existem por trás de cada pessoa, família, e que existem vários motivos que levaram essas pessoas a estarem nesta situação de rua. Percebi o quanto o SUS é importante e tem levado saúde e dignidade para quem precisa. Sabemos das dificuldades e dos problemas que existem dentro do sistema, mas o que não podemos negar é que sem ele, muitos de nós não teria acesso a sequer uma consulta.

Ressalto o quão importante é que tenhamos a visibilidade para as pessoas que estão em situação de rua, pois para muitos eles são invisíveis, ninguém quer enxergar que eles estão ali ao nosso lado, nas praças, bancos, pontes e nos cantos da cidade. O preconceito social existente faz com que eles sejam rotulados como marginais drogados, pessoas que não escolheram trabalhar ou estudar e por isso se tornaram moradores de rua (SICARI, 2018). A realidade é que nem todos conseguem direitos básicos para sobreviver e a rua é o único lugar que os acolhe.

É muito importante que as pessoas tenham uma visão mais humanizada para a população em situação de rua. Durante a ação que estive presente, consegui visualizar o quão grato eles ficaram por estarmos ali oferecendo cuidados a eles. Algo que para a maioria dos que estão lendo este relato se tornou comum, como tomar banho, ter eletricidade, gás, uma cama para dormir, para nenhum deles ali era a realidade.

 No olhar de alguns deles enxerguei o sonho de mudar de vida, sair da dependência de drogas, álcool ou conquistar uma moradia e comida e a vontade quando finalizamos a ação foi de poder fazer muito mais por eles.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS no 1.029, de 20 de maio de 2014, que amplia o rol das categorias profissionais que podem compor as Equipes de Consultório na Rua em suas diferentes modalidades e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União, Seção 1, 2014, p.55.

Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n° 122, de 25 de janeiro de 2011. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/prt0122_25_01_2012.html Acesso em:22 de set. 2021.

CAZANOVA, R. F.. A Integralidade na Fonte do Consultório de Rua no SUS. Orientadora: Leonia Capaverde Bulla. 2012. 151f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Faculdade de Serviço Social, Porto Alegre, 2012.

LIMA, Daiane Silva et al. A EFETIVIDADE DO CONSULTÓRIO NA RUA MEDIANTE O ATENDIMENTO COM A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA. Farol, Rolim de Moura- Rondônia, v. 10, n. 10, p. 104-118, 01 jul. 2020.

ROSA, A. S.; SANTANA, Carmen Lúcia Albuquerque. Consultório na Rua como boa prática em Saúde Coletiva. Revista Brasileira de Enfermagem. São Paulo, 2018.

SANTOS, L. M. Consultório de/na Rua: Desafios na Atenção à População em Situação de Rua Usuária de Álcool e Outras Drogas. Orientadora: Carla Pintas Marques. 2016. 106f. Trabalho de conclusão de curso (Curso de graduação em Saúde Coletiva). Universidade de Brasília, Brasília, 2016.

SÃO PAULO (Estado). Brasil. Câmara Municipal de Adamantina. Entenda a diferença entre pessoas em situação de rua, “trecheiros” e moradores de rua. 2020. Disponível em: https://www.adamantina.sp.leg.br/institucional/noticias/entenda-a-diferenca-entre-pessoas-em-situacao-de-rua-trecheros-e-moradores-de-rua. Acesso em: 23 set. 2021.

SICARI, A. A. A cidade, a rua, as pessoas em situação de rua: (in)visibilidades e luta por direito. Orientadora: Andréa Vieira Zanella. 2018. 227f. Dissertação (Mestrado em Psicologia). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 2018.

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Unidade de saúde mental no Hospital Geral de Palmas-TO: atenção, cuidado e articulação com a RAPS

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O (En)Cena conversou com a coordenadora de enfermagem da psiquiatria do Hospital Geral de Palmas-TO, Graça Cortez, sobre o manejo e cuidado de usuários em crise e os desafios de articulação entre o serviço do HG e outros pontos da Rede de Atenção Psicossocial, fazendo uma interface com os ideais da reforma psiquiátrica e do movimento antimanicomial.

Graça Cortez
Foto: Arquivo Pessoal.

(En)Cena: Graça, conte-nos como é o seu trabalho e como foi sua aproximação e trajetória na saúde mental.

Graça Cortez: Iniciei minha trajetória na Unidade de Saúde Mental como enfermeira assistencial, me especializei na área, e após três anos e meio no serviço assumi a coordenação de enfermagem na psiquiatria do Hospital Geral de Palmas-TO. Fomos pioneiras no serviço, pensando e desenvolvendo cuidados em saúde mental neste ponto da rede. Hoje trabalho na gestão e capacitação da equipe na tentativa de qualificar permanentemente o cuidado e a atenção dispensados aos pacientes em internação.

(En)Cena: Qual o papel do serviço em saúde mental no Hospital Geral no cuidado a usuários com transtornos mentais graves e persistentes e/ou com prejuízos em decorrência do abuso de álcool e outras drogas? Por quais profissionais é composta a equipe na psiquiatria?

Graça Cortez: Trata-se de um serviço de alta complexidade onde assistimos e cuidamos de usuários em franca crise, que não dispõem de condições para manterem acompanhamento em serviços ambulatoriais e que têm importantes prejuízos biopsicossociais. Nosso objetivo é dar estabilidade clínica e o mínimo de autonomia para que este e sua família consigam dar continuidade ao tratamento sem a necessidade de internação. Ele inicialmente é atendido no pronto socorro, avaliado pelo médico clínico geral e por seguinte pelo psiquiatra e, se necessário, é encaminhado para internação na psiquiatria. A equipe é multiprofissional, composta por enfermeiros, técnicos de enfermagem, psicólogos, médicos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e nutricionista.

(En)Cena: Quais os critérios (sinais, sintomas e diagnose) e duração máxima de internação? Como os apontamentos e conceitos da reforma psiquiátrica e da luta antimanicomial interferem no serviço e procedimentos na psiquiatria?

Graça Cortez: O quadro de sintomas comum aos pacientes em franca crise que demandam internação são: surto psicótico e/ou comportamentais graves iniciais ou crônicos, intento suicida importante e o mesmo quadro em pacientes com sérios prejuízos psicossociais em decorrência do abuso de álcool ou outras drogas, sendo esses, em alguns casos, internados compulsoriamente. Os sinais e sintomas são os clássicos, a saber, alucinações, delírios, intento suicida e sérios prejuízos em razão do abuso de drogas. Normalmente a internação pode perdurar por até 20 dias, por acreditar ser esse tempo hábil para melhora dos casos, exceto em casos de internação compulsória, onde não há claro o prazo definido para alta. Apesar da configuração do nosso serviço, ou seja, de lógica hospitalar, buscamos dispensar um serviço pautado na política de humanização do SUS, na tentativa de garantir aos pacientes os seus direitos, dando-lhes uma assistência digna.

(En)Cena: Qual o percurso (fluxo interno) o usuário percorre até estar em condições de obter alta biopsicossocial (prognóstico)?

Graça Cortez: Antes de chegar à psiquiatria, o usuário é avaliado no PS (Pronto Socorro), normalmente trazido pelo SAMU, para a sala vermelha, avaliado pelo médico clínico geral, o qual solicita avaliação seguida de um parecer do psiquiatra de plantão e mediante sua avaliação solicita o encaminhamento do paciente à ala de internação através da regulação interna. É necessário responder aos critérios de real necessidade para internação. É frequente a reinternação, entretanto, mesmo nesses casos, o usuário realiza esse mesmo trajeto. Para alta, realiza-se avaliação clínica e verificação se o usuário dispõe de condições para dar continuidade ao acompanhamento em outros pontos da RAPS (Ex. CAPS).

(En)Cena: Como é trabalhar com usuários que estão na ala psiquiátrica que usam o serviço por demandas judiciais e/ou cumprem mandato de segurança? Apontamentos, desafios e amparo.

Graça Cortez: Especificamente sobre a internação compulsória, vejo com um desafio, já que os pacientes atendidos, em sua maioria, demandam cuidados em saúde mental em decorrência do abuso de drogas. Deste modo, apesar de estarem em momentânea crise, quando saem, julgam desnecessário a permanência e tornam ainda mais difícil o trabalho da equipe. Faz-se necessário uma mobilização para manter esse paciente no serviço, sendo essas investidas desgastantes. Há usuários que causam transtornos, pois tem dificuldades em obedecer as regras ou rotina da unidade. Seria interessante um apoio técnico e jurídico mais próximo da nossa realidade para lidar com tais situações. Nos casos de internação compulsória, acredito que o usuário tem parte de seus direitos feridos, sobretudo por não poder escolher seu destino nessas situações. O maior problema é quando o usuário entra e não tem previsão de saída. Não há parâmetro nesses casos. Só há data de entrada. Há duas dimensões que precisam de análise, a de saúde e a jurídica, e por essa razão é comum a dificuldade de dissolver tais casos.

(En)Cena: Há diálogo entre a psiquiatria do HG com outros pontos de atenção/cuidado da rede de atenção psicossocial (RAPS)? Recebem ou repassam informações oficiais sobre a continuidade do acompanhamento (integralidade do cuidado) de egressos deste serviço? (CAPS II e AD, A.B, Urgência e Emergência e outros).

Graça Cortez: Temos um bom diálogo com a coordenação de saúde mental do Estado e com os CAPS (AD III e II). Entretanto não há um feedback quando se trata de um retorno de informações de usuários que retornam para cidades que não dispõem desses serviços. A contra referência ocorre, pois é oficializada via encaminhamento. Quando não há na cidade um serviço especializado em saúde mental, encaminhamos para a unidade básica de saúde, entretanto percebemos que a atenção básica por vezes não reconhece o paciente como seu, transferindo ao CAPS tal responsabilidade. O usuário sai orientado e com a contra referência e receita em mãos. Ligamos e informamos sobre a necessidade da continuidade de acompanhamento ao usuário. Quando queremos informação, entramos em contato com o serviço de referência no território e/ou técnico de referência.

(En)Cena: Graça, não é raro ouvir, sobretudo de próprios usuários e familiares, reclamações sobre o modo de cuidados dispensados a usuários em crise no que diz respeito à contenção e ao manejo, alegando possíveis maus tratos por parte da equipe. O que dizer a respeito?

Graça Cortez: Esse é um ponto chave. Quando falamos em saúde mental, no Hospital Geral, visualizamos um paciente em franca crise psiquiátrica, e em alguns casos o paciente em crise investe de força física e resiste ao início do tratamento. Nesses casos, faz-se necessário a contenção e disposição de medidas mais enérgicas, mas resguardando física e moralmente o usuário. Para proteger o paciente e quem está ao seu redor, precisamos fazer o manejo mais forte – contenção mecânica. Não é aleatório, exige técnica para realizar tais procedimentos. Para quem é externo ao serviço é comum o estranhamento, mas há casos em que é inevitável o uso da contenção mecânica e contenção química, enfatizamos que é para o benefício do próprio usuário\familiares\funcionários. Quem não conhece os processos de trabalho não compreendem a necessidade de tais procedimentos e se assustam, mas são atividades comuns e necessárias.

(En)Cena: Sabe-se que a psiquiatria do HG de Palmas é referência do serviço no estado. Quais condições se dispõem para assistir tamanha demanda? Qual a avaliação se faz de recursos físicos e humanos?

Graça Cortez: Veja bem, segundo a orientação do ministério da saúde, nós temos que dispor até 10% de leitos do HG para pacientes psiquiátricos, entretanto, mesmo dispondo tal porcentagem, ainda não é suficiente para assistir integralmente a demanda. Atendemos, além da demanda do Estado do Tocantins, usuários do Maranhão, Bahia, Mato Grosso, Pará e até Goiás. Portanto, para serviços na internação, não é o suficiente. Os recursos humanos são satisfatórios e a equipe tem conseguido assistir a demanda, apesar de achar que durante o tempo de internação, o paciente deve desenvolver mais atividades terapêuticas, como parte aliada ao tratamento medicamentoso. Já os recursos físicos ainda carecem melhorias.

(En)Cena: Quais são os maiores desafios de um trabalho com tamanha complexidade?

Graça Cortez: Manter a saúde mental!

(En)Cena: A própria, da equipe?

Graça: Sim, a própria saúde mental, de modo que não implique aos usuários, não implique na assistência e não interfira na boa condução do cuidado dispensado ao paciente. A atmosfera do ambiente por muitas vezes é tensa, sendo necessário ter paciência e auto-cuidado para não ser afetado de modo que tal afeto prejudique tua prática.  Então, acho que antes de tudo, trabalhar na saúde mental faz-se necessário conhecer bem a saúde mental e manter bem a própria.

(En)Cena: Como se dá a relação entre os familiares, usuários internados e equipe? Como funciona o fluxo nessa perspectiva (visitas, acompanhamento etc)?

Graça Cortez: Então, como se trata de uma relação de cuidado, mesmo com as intempéries, a família vê na equipe um suporte, já que a grande maioria também está adoecida em razão das dificuldades que é conviver com um familiar que tenha transtorno mental e que não está em tratamento. Então é uma relação de parceria e apoio.  Solicitamos a família que todo usuário tenha um acompanhante para não causar tanto impacto a ele, por que geralmente ele interna sedado e acorda num ambiente totalmente inóspito, sem ninguém conhecido. Então, a partir dessa lógica, solicitamos a presença de uma pessoa que o usuário tenha vínculo. Inicialmente orientamos o acompanhante, colhemos informações acerca do usuário e o passamos as normas e a rotina da unidade. Deste modo acreditamos que tornamos a internação dele mais humanizada.

(En)Cena: O serviço já acolheu ou internou um usuário com transtorno mental ou com prejuízos decorrentes do uso de drogas que ora estava em situação de rua? Se sim, qual (quais) estratégia na tentativa de reinseri-lo socialmente ou reintegrá-lo a família?

Graça Cortez: Sim. Tivemos alguns casos. Foi uma ação que o Serviço Social da nossa unidade realizou com sucesso. Alguns retornaram para sua casa, família, Estado, e o que não conseguiu foi encaminhado para uma casa abrigo. São muitas histórias, muitos desafios, porém quando há boa vontade e engajamento da equipe o trabalho acontece, traz resultados e reconhecimento.

 


Edição: Hudson Eygo.

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corpo social

O corpo social doente: mentes pressionadas pelo trabalho

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“No pain, no gain…”, essa frase, cuja tradução é algo como “sem sofrimento não há vitória”, tem sido levada muito ao pé da letra por alguns. Desde os primórdios da humanidade houve a necessidade de trabalhar para comer, depois veio a estratificação social, onde aqueles que compõem a base da pirâmide econômica trabalham muito para ganhar pouco. O capitalismo arraigado no consciente coletivo da sociedade contemporânea é o maior ditador dessa necessidade de trabalhar excessivamente, para que haja um consumo proporcional aos interesses dos poderosos que se beneficiam com esse sistema. Para Marx, o valor de uma mercadoria é correspondente ao trabalho nela empregado. Sobre o valor do trabalho em dinheiro ele diz:

“O valor da mercadoria, traduzido em dinheiro, é o seu preço, que provisoriamente aparece sob uma forma que só se diferencia do valor dessa maneira puramente formal.  De acordo com a lei geral do valor, uma quantidade determinada de dinheiro exprime uma certa quantidade de trabalho materializado.”

Mas isso não ocorre de fato, e muitos gastam as últimas energias tentando alcançar para si esse valor.

Os casos de trabalho excessivo abrangem diversas causas: a profissão que exige muito do profissional; o patrão “carrasco”; a necessidade de mais de um emprego para sustentar a família ou até mesmo a autocobrança em busca da perfeição. O fato é que cresce cada vez mais o número de pessoas afetadas psicologicamente pelo trabalho. Nesse sentido já existe muitos estudos sobre o psicológico afetando o fisiológico. O estresse advindo do trabalho desgastante pode ocasionar em somatização ou alguma doença psicossomática. A respeito desses casos, Ballone (2006) afirma que na “somatização, a representação da realidade vivenciada penosa, desagradável ou traumática é reprimida para o inconsciente e sua energia psíquica é deslocada para alguma zona do corpo, convertendo-se em sintoma”. Já na “doença psicossomática, diferentemente, de fato existe alteração orgânica confirmada por exames clínicos, embora tais alterações tenham sido desencadeadas, determinadas ou agravadas por razões emocionais”.

É nesse contexto que o médico deve ter a sensibilidade e o preparo teórico-prático para saber lidar com esses casos. Quem se enquadra nesses transtornos psicorreativos, geralmente, é interpretado como uma pessoa mentirosa e com necessidade de chamar atenção, mas o que ocorre é um verdadeiro sofrimento não intencional originado de uma mente cansada e sofrida. Voltando ao tema trabalho-valor, a raíz desses problemas de cunho psicológico é o sistema opressor que força o trabalhador a dar tudo de si, o que acaba tornando toda a sociedade doente. Muitos países, principalmente os  desenvolvidos, adotam em suas empresas, técnicas para relaxamento e bom-funcionamento do psicológico e fisiológico dos indivíduos, para uma melhor resposta laboral, pois sabem que um organismo doente não produz eficazmente. Além disso, é comprovada a importância do lazer como válvula de escape do estresse ocasionado pelas muitas horas de trabalho fastidioso.

A necessidade de uma visão interdisciplinar sobre a questão do trabalho vale ser revisada como forma de evitar uma total difusão dessa problemática, visto que isso pode sair do controle, e todas as relações construídas com base em serviços podem ser destruídas pelo descontrole psicológico de uma sociedade fragilizada. Merecemos viver em sociedade sã.

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