Universidade e Maternidade – Um Diálogo sobre Desafios e Invisibilidades

Compartilhe este conteúdo:

No auge dos meus seis meses de gravidez, em uma UBS (Unidade Básica de Saúde), deparei-me com uma cena que ecoaria em minha trajetória acadêmica: uma mãe, ao responder às perguntas de seu filho, disse: “A mamãe teve que parar de estudar quando você nasceu, não deu para continuar…”. Naquele momento, eu, acadêmica e grávida, fui atravessada por um misto de medo e inquietação. A fala daquela mulher não era apenas uma explicação casual, mas um reflexo de uma estrutura social que historicamente exclui mães dos espaços de formação e ascensão profissional. Essa experiência foi o estopim para uma reflexão crítica sobre os desafios enfrentados por mulheres mães no ambiente universitário, um espaço que, embora se proclame inclusivo, ainda é marcado por barreiras invisíveis que perpetuam desigualdades de gênero. 

A universidade, como muitas outras instituições sociais, foi concebida em um modelo patriarcal que não considera as demandas da maternidade. Como afirma Castells (1999), o patriarcalismo é uma estrutura que permeia todas as esferas da sociedade, relegando à mulher um papel secundário no que diz respeito à educação e ao trabalho. Quando a mulher se torna mãe, essa exclusão se intensifica, pois a maternidade é vista como um impedimento à produtividade, e não como uma dimensão da vida que deveria ser integrada e apoiada. A maternidade é frequentemente romantizada como um período de sacrifício e amor incondicional (Travassos-Rodriguez & Féres-Carneiro, 2013), mas essa visão ignora os desafios concretos enfrentados por mães estudantes: noites mal dormidas, privação de sono e exaustão constantes e sem falar do chamado “baby brain”, caracterizado por alterações na memória, concentração e coordenação motora durante e após a gravidez, o que sem dúvidas impacta diretamente o desempenho acadêmico (Davies et al., 2018).

E, apesar de algumas universidades oferecerem fraldários ou extensão de prazos, essas medidas são insuficientes diante da complexidade das demandas maternas (Gomes, 2020; Saalfeld, 2019). A ausência de uma estrutura que acolha mães e crianças evidencia que a universidade não foi pensada para mulheres que exercem a maternidade. Como aponta Robeck (2020), garantir o direito à educação para mães não é apenas uma questão de assistência estudantil, mas de justiça social. A falta de creches universitárias, horários inflexíveis e a pressão por produtividade acadêmica reforçam a ideia de que “depois que você vira mãe, não adianta” – um discurso que precisa ser desconstruído.

A experiência da maternidade na academia não pode ser reduzida a uma escolha individual entre “estudar” ou “cuidar dos filhos”. É necessário reconhecer que a exclusão de mães do espaço universitário é um problema estrutural, enraizado no patriarcado e na falta de políticas públicas eficazes. Se a universidade deseja verdadeiramente ser um espaço democrático, ela precisa criar políticas de permanência (como creches, flexibilização de prazos e apoio psicológico), desconstruir estereótipos que associam maternidade a incapacidade intelectual, e ampliar o debate sobre gênero e parentalidade, integrando mães e pais na discussão. Enquanto isso não acontece, histórias como a daquela mãe na UBS continuarão a se repetir, e muitas mulheres serão obrigadas a abandonar seus sonhos acadêmicos. Mas é justamente na resistência dessas mães estudantes que reside a esperança de transformação, porque lugar de mãe é também na universidade, e nenhuma mulher deveria ter que escolher entre ser estudante e ser mãe.

Referências

TRAVASSOS-RODRIGUEZ, Fernanda; FERES-CARNEIRO, Terezinha. Maternidade tardia e ambivalência: algumas reflexões. Tempo psicanalítico, Rio de Janeiro, v. 45, n. 1, p. 111-121, jun. 2013. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tpsi/v45n1/v45n1a08.pdf .Acesso em 28 Out. 2024.

GOMES, B. Mulher, mãe e universitária: desafios e possibilidades de conciliar a maternidade à vida acadêmica. Ufpb.br, 2020. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/123456789/17638. Acesso em: 28 de Out. 2024.

SAALFELD, T. Maternidade e vida acadêmica: limites e desafios das estudantes mães na Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Furg.br, 2019. Disponível em: https://repositorio.furg.br/handle/1/8568. Acesso em: 28 de Out. 2024.

ROBECK, K. G. A mulher mãe no ambiente laboral: das conquistas históricas ao desafio da reinserção ao mercado de trabalho pós maternidade. Unijuí – Universidade Regional Do Noroeste Do Estado Do Rio Grande Do Sul; Ijuí, 2020. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2021.

 

Compartilhe este conteúdo:

Como a autocompaixão pode ajudar mulheres com excesso de demandas?

Compartilhe este conteúdo:

É fato de que as mulheres cotidianas podem possuir duplas a triplas jornadas e apresentar certas dificuldades em conciliar tudo. Há uma multiplicidade de papéis e atribuições da mulher contemporânea: ser mulher, mãe, esposa, filha, profissional, estudante, empresária, artista ou todos eles ao mesmo tempo. Para conciliar maternidade e carreira, felicidade e amor, as mulheres contemporâneas se deparam com muitas tarefas e muitas exigências. A mulher muitas vezes se vê prensada entre o modelo anterior e o atual, esforçando-se arduamente para ser a “mulher-maravilha”, mas também profundamente exaurida afetivamente. A intervenção em grupo visa criar estratégias de enfrentamento buscando auxiliar aqueles que participam.

Existem várias formas de dinâmica em grupo, destacamos aqui duas delas: a de Kurt Lewin, que foi o primeiro a conceituar a Dinâmica em grupo. Dentro da visão dele, para se entender um indivíduo é necessário conhecer a dinâmica do espaço em que vive. De acordo com Feitosa e Soares (2018), a Teoria de Campo estuda o comportamento na perspectiva     da totalidade, sem uma análise das partes separadas. O campo psicológico influencia tanto sobre o comportamento que se não tem mudança no campo não haverá mudança no comportamento.

Segundo Ramalho (2010) “grupo é um conjunto restrito de pessoas ligadas entre si por constantes de tempo e espaço, articuladas por sua mútua representação interna, que se propõe de forma explícita ou implícita a realização de uma tarefa” (apud RIVIÉRE, 1980). Nesse sentido a dinâmica de grupo é um importante trabalho a ser desenvolvido para incentivar a comunicação e facilitar o desenvolvimento social individual mútuo.

Fonte: Imagem de Pexels por Pixabay

Felizmente, nós também possuímos uma capacidade inata para responder ao nosso próprio sofrimento de uma maneira tranquilizadora e curadora – a autocompaixão. Dalai Lama (1995) define a compaixão como “uma abertura ao sofrimento, aliada ao desejo de aliviá-lo” e a mesma atitude direcionada para si mesmo associado ao bem-estar psicológico e saúde mental, incluindo resiliência emocional frente a eventos negativos, de forma que ela merece uma consideração cuidadosa.

Neff (2003) destaca que a autocompaixão possui três componentes principais: (1) auto gentileza, (2) uma percepção de humanidade comum, e (3) mindfulness. A auto gentileza implica em sermos calorosos e cuidadores com nós mesmos quando as coisas acabam mal em nossas vidas. A humanidade comum implica no reconhecimento da natureza compartilhada do sofrimento quando as situações difíceis surgem, em vez do sentimento de estarmos desesperadamente sozinhos. E mindfulness se refere aqui à habilidade de se abrir à experiência dolorosa (“isso dói!”) com consciência não-reativa e equilibrada. Juntos, a autocompaixão é precisamente o oposto de nossa reação típica às ameaças internas – auto criticismo, autoisolamento e auto absorção.

Schanche, Stiles, McCollough, Swartberg, & Nielsen (2011) relata que através da autocompaixão previram menos sintomas psiquiátricos e problemas interpessoais.

Fonte: Imagem por Pixabay

Uma vez que a autocompaixão prevê a conexão com emoções difíceis sem autojulgamento, parece que ela leva a um funcionamento psicológico mais saudável.

Pereira, T. T. S. O. (2013) a dialética é como a arte do diálogo. Não pode haver transformação sem diálogo, sem interação, sem a troca, sem a palavra do outro construindo sentidos junto à primeira palavra, seja na mesma direção, seja em sentidos contraditórios, em um movimento permanente, dialético e em espiral.

Nesse, (1993) fez um rápido relance que permiti compreender o estabelecimento na linguagem filosófica feito por Platão sob a dialética, diz-se que “[…] a dialética é a arte de discutir; tensão entre opostos”.

De acordo Castanho (2012) para o filósofo grego, a dialética era um modo de conhecimento. Argumentos inicialmente contraditórios eram confrontados através do diálogo e da conversa, podendo-se chegar a uma conclusão satisfatória para todas as partes envolvidas. Esse processo, dentro da concepção platônica de mundo, era a possibilidade da passagem do mundo sensível (da contradição inicial) ao mundo inteligível (visto como imutável). A dialética era, portanto, o modo de ascese de um mundo ao outro.

Fonte: Imagem de Jerzy Górecki por Pixabay

Há uma multiplicidade de papéis e atribuições da mulher contemporânea: ser mulher, mãe, esposa, filha, profissional, estudante, empresária, artista ou todos eles ao mesmo tempo. Para conciliar maternidade e carreira, felicidade e amor, as mulheres contemporâneas se deparam com muitas tarefas e muitas exigências. É a época dos recasamentos e da maternidade tardia, (o parto é uma escolha, não uma obrigação). Elas são mais livres sexualmente, ficam longe de relacionamentos abusivos, são mais autoconscientes, buscam mais irmandade e são menos críticas. Entre aqueles que trabalham em casa e no exterior, eles experimentam estresse e dor por não estarem totalmente comprometidos com todas essas áreas da vida como deveriam estar. Muitas mães se sentem culpadas e inadequadas por não conseguirem passar o máximo de tempo possível com seus filhos, familiares, amigos, ter lazer e diversão.

Segundo Paiva (1989). As mulheres de hoje devem cumprir todas as tarefas antes desempenhadas apenas pelos homens e ainda manter todas as suas velhas atribuições e a mesma feminilidade que lhes foi historicamente atribuída. A imagem vendida pela mídia é de mulheres independentes, eficientes, bem sucedidas profissionalmente, bem resolvidas sexualmente, e ainda bonitas, atraentes e sempre jovens. Ao mesmo tempo espera-se que sejam mães modernas e esposas amorosas.

Este é o modelo de mulher moderna, o papel esperado a ser bem desempenhado, sua nova persona.  A mulher muitas vezes se vê prensada entre o modelo anterior e o atual, esforçando-se arduamente para ser a “mulher-maravilha”, mas também profundamente exaurida afetivamente.

REFERÊNCIAS

AMADO, Gilles. GUITTET. André. A dinâmica da comunicação nos grupos. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

ARANHA, M. L. MARTINS, M. H. P. Filosofando: Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1993.

BROWN, Brené. A coragem de ser imperfeito. Rio de Janeiro: Sextante, 2016.

CASTANHO, Pablo. Uma Introdução aos grupos operativos: Teoria e Técnica. Vínculo – Revista do NESME, 2012, v.9, n. 1, pp 1-60

DEREK griner, MARK E. beecher, GARY M. burlingame, DAVID M. erekson, ANDE kara,Terapia na compaixão em grupos.2010.

FEITOSA,C.M.Beleza e SOARES, S. M. A concepção de envelhecimento com base na teoria de campo de Kurt Lewin e a dinâmica de grupos, Ciência & Saúde Coletiva, 24(8):3141-3146, 2019

JUNG, C.G. Considerações gerais sobre a teoria dos complexos. In. A natureza da psique. Tradução de Pe Dom Mateus Ramalho Rocha. Petrópolis: Vozes, 2000b p.27-39.(Obras Completas de C.G Jung v.9/2). 1934.

LAMA, Dalai. The power of compassion. New Delhi, India: HarperCollins. 1995.

LINEHAN, M.M. Manual de treinamento de habilidades para o tratamento do transtorno de personalidade borderline. Imprensa Guilford. 1993.

PEREIRA, T. T. S. O. Pichon-Rivière, a Dialética e os Grupos Operativos. 2013

RAMALHO. Cybele. Psicodrama e dinâmica de grupo, Aracaju, 2010

Compartilhe este conteúdo:

Sejamos todos feministas

Compartilhe este conteúdo:

“Eu não serei livre enquanto houver mulheres que não são, mesmo que suas algemas sejam muito diferentes das minhas” Audre Lorde

O livro “Sejamos Todos Feministas” de Chimamanda Ngozi Adichie (2014), é a transcrição de um discurso proferido no TEDxEuston, em 2012. Com uma linguagem acessível, a escritora nigeriana fala sobre os motivos que a tornaram uma feminista. Diferindo de alguns livros teóricos mais conhecidos sobre o feminismo, a leitura é fácil e espontânea. Chimamanda sabe contar uma história e talvez por esse motivo, seja uma das escritoras atuais mais conhecidas e influentes.

Fonte: encurtador.com.br/gipDN

A princípio, ela expõe situações comuns na Nigéria (e nesse ponto, notam-se grandes semelhanças com o Brasil e países da América Latina), em que o machismo é imposto de forma velada. Situações que ela presenciou e vivenciou e que a tocaram profundamente. Na primeira vez em que foi chamada de “feminista” (e não foi como elogio), ela fingiu saber o que era e continuou a conversar normalmente. Mas ela não sabia. Entretanto, a definição que encontrou mais tarde no dicionário, que consiste em uma pessoa que acredita na igualdade social, política e econômica entre os sexos, se aproximava do que ela acreditava e defendia.

Foi a partir de então, que Chimamanda começou a se posicionar como uma feminista. Desde a dificuldade inicial em estar sempre reafirmando que apesar de feminista não era uma pessoa que odiava homens, que sim, adorava usar maquiagem, que não era uma pessoa infeliz, até o ponto de receber conselhos para não ser tão feminista, já que poderia sofrer sanções por isso. Ela nos conta as situações que foram moldando sua cada vez mais resoluta convicção em lutar contra as opressões de gênero.

Fonte: encurtador.com.br/sHS78

“Feminista: uma palavra que mais de nós deveria reivindicar”

O diferencial de “Sejamos Todos Feministas” é a capacidade de abordar temas delicados com uma simplicidade tocante. Também há humor, por vezes ácido, mas sem perder, jamais, a gentileza e capacidade de comunicação não-violenta. O livro introduz temas largamente discutidos no feminismo, exemplificando com questões do dia-a-dia, as quais todos nós já passamos e presenciamos.

Sobre o preterimento da mulher em favor dos homens, ela ilustra, por exemplo, a situação em que, quando criança, mesmo tendo conseguido a melhor nota em uma disputa na escola, não conseguiu ser monitora da turma. O escolhido foi um menino, que tirou a segunda melhor nota, porque segundo a lógica da professora “era óbvio que quem seria monitor, teria obrigatoriamente de ser homem”.

Sobre a esperada posição submissa da mulher, principalmente dentro de relacionamentos, Chimamanda ilustra com a recorrente situação em que mulheres abrem mão de coisas importantes como os estudos, a carreira e outros sonhos pelo bem do relacionamento, enquanto homens não precisam se incomodar com isso.

Fonte: encurtador.com.br/chMQX

E dessa forma, temas como a farsa do pós-feminismo, que é a crença de que o feminismo já não é mais necessário e de que uma mulher não consegue, sozinha, se sustentar; a desproporcionalidade entre quantidade de mulheres na população mundial e quantidade de mulheres em cargos de poder; a invisibilidade e silenciamento de mulheres; a necessidade que as mulheres têm de serem “aceitas” e por esse motivo, se anulam e fingem ser o que não são… Todos esses temas que possuem imenso arcabouço teórico em outros livros, que são extensivamente explicados sociológica e filosoficamente, são abordados e exemplificados de acordo com as vivências da própria autora e de mulheres conhecidas.

Com poucas páginas (64), “Sejamos Todos Feministas” possui o mérito de abordar um tema tão complexo e abrangente, de forma clara e pontual. É um chamado para que todos – e isso inclui homens – revejam seus conceitos e atitudes relacionados à opressão de gênero. Com certeza deve ser lido como um texto introdutório para o estudo do feminismo.

FICHA TÉCNICA:

Fonte: encurtador.com.br/gipDN

Título: Sejamos todos feministas
Autor: Chimamanda Ngozi Adichie
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2014

REFERÊNCIA:

ADICHIE, Chimamanda.N. Sejamos todos feministas. 1.ed. São Paulo:Companhia das Letras, 2014.

Compartilhe este conteúdo: