Maria da Penha: a luta sobrepujando a dor

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“Um dia, ele tinha chegado de viagem de tarde, e nós tínhamos um compromisso com uma amiga. Nós saímos pra fazer essa visita, voltamos, arrumei as crianças na cama e fui dormir. Eu acordei com um estampido dentro do quarto. Eu fui me mexer e não consegui, então eu pensei: ‘puxa, o Marco me matou’”. [1]

Cearense, bioquímica e dona de uma história de sofrimento que teve repercussões internacionais, Maria da Penha Maia Fernandes é uma brasileira que não descansa no combate à violência doméstica. Seu nascimento data o ano de 1945, na cidade de Fortaleza, [4] onde cresce e forma-se na UFC. Mais tarde torna-se mestre em Parasitologia em Análises Clínicas, pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP [2]. Por ironia do destino a escolha da sua área profissional deu-se pelo desejo de diminuir a dor das pessoas, por meio de medicamentos [3], mal sabia ela que em breve sofreria agruras e dores que as medicações não poderiam resolver.

Fonte: http://migre.me/wc8ty
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Foi no período de pós-graduação na USP que Maria conheceu o futuro marido e pais de suas filhas, era ele Marco Antônio Heredia Viveros. Colombiano e também bolsista na mesma universidade, era graduado em Economia. Durante o namoro foi um rapaz de saltar olhares, de “bom” porte físico e muito prestativo, mas passava por grandes dificuldades financeiras para manter o lazer com a companheira, esta era quem o custeava [3]. Aflorados por um sentimento conjugal, casaram-se e logo tiveram a primeira filha. Devido a não naturalização e desemprego de Marco e uma segunda gestação do casal, decidiram sem êxito ir para cidade natal de Maria da Penha.

Em 1983, após um bom tempo da transição do marido prestativo para o economista bem-sucedido, agressivo com a esposa e filhas e com graves problemas emocionais, aconteceu a primeira tentativa de homicídio, um tiro nas costas enquanto ela dormia. Posteriormente, após quatro meses entre internação e cirurgias, ao retornar para casa ela sofre a segunda tentativa, quase é eletrocutada ao tentar usar o seu próprio chuveiro. Então se inicia a sua peregrinação por justiça – denúncias, audiências e descaso do sistema judiciário Brasileiro – que se estendeu por 19 anos.

Fonte: http://migre.me/wc8ut
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Somente mediante a publicação de sua autobiografia no livro “Sobrevivi… Posso contar”, em 1994, e quatro anos depois com o auxílio do CEJIL (Centro pela Justiça e Direito Internacional) e do CLADEM (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) foi que Maria da Penha conseguiu notoriedade para seu caso. Aliando-se, denunciaram o Brasil para Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da Organização dos Estados Americanos (OEA) [4]. Desse modo:

O Brasil foi responsabilizado pela maneira negligente com que os casos de violência contra a mulher eram julgados no país. Foi a própria OEA que exigiu do governo brasileiro a criação de uma legislação específica. Foi criado um consórcio de ONGs e juristas para discutir e fazer um projeto de lei. Foram feitas várias audiências públicas, e o projeto foi aprovado pelo Congresso com unanimidade. [1]

Ainda nesse contexto, foi criado um projeto de lei (pelo Governo Federal via Secretaria de Políticas Públicas da Mulher), aprovado na Câmera e no Senado, que tornou-se (no dia 7 de agosto de 2016) a atual Lei 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha. Esta cria mecanismos para coibir qualquer tipo de violência contra mulher no âmbito doméstico e familiar [5], visto que até então havia “tolerância” de natureza patriarcal em relação a tal fato.

Fonte: http://migre.me/wc8tV
Fonte: http://migre.me/wc8tV

No que tange aos fundamentos da Logoterapia desenvolvida por Viktor Frankl (1991), onde a busca de sentido na vida é a força motivadora do ser humano, o sofrimento de Maria da Penha pode ter lhe suscitado um sentido para sua vida. De acordo com Frankl (1991) pode-se satisfazer a vontade de sentido (da vida) por três maneiras distintas: trabalho, amor e sofrimento. Este último “consiste em transformar uma tragédia pessoal num triunfo, em converter nosso sofrimento numa conquista humana” [6]. É nessa perspectiva que Maria sai da mera passividade de sofrer, transmutando-se num ser ativo que não cessa ao alcançar a justiça para sua fatalidade, mas que encontra sentido em auxiliar suas semelhantes na luta contra a violência doméstica, as quais passam ou podem passar por algo análogo.

Nesse ínterim, Maria da Penha – ícone internacional da luta, perseverança e resiliência – é o exemplo vivo que a luta se sobrepõe à dor. Até mesmo a paraplegia, causada pelas tentativas de homicídio por parte do marido, não foi capaz de pará-la no decurso de sua peleja para puni-lo e aos demais brasileiros que de alguma forma agridem a mulher. A partir da Lei 11.340/2006, também foram criados outros meios confronto  em prol da justiça, como: o disque 180 (Central de atendimento à mulher), o Observatório para Implementação da Lei Maria da Penha (LMP), a Campanha “Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha – A lei é mais forte e o Instituto Maria da Penha (IMP), o qual é fundadora.

FB-MariadaPenha1

Premiações e reconhecimentos [7]:

  • Sanção da Lei (07/08/2006)
  • Medalha Jorge Careli – Rio De Janeiro – (08/2009)
  • Batismo do Navio “Sergio Buarque de Holanda” Porto de Mauá – (2010)
  • Reedição do Livro “Sobrevivi…Posso Contar” (2010)
  • Comenda Mulher Coragem – Promoção de Direitos Humanos, concedida pela Embaixada dos Estados Unidos no Brasil (04/2010)
  • Ordem de Cruz de Dama Isabel la Católica, concedida pela Embaixada da Espanha no Brasil (09/2011)
  • Ordem Rio Branco
  • TEDEX Fortaleza – Apresentação de Maria da Penha no 1º Tedex em Fortaleza (06/2012)
  • Women in the World faz doação ao Instituto Maria da Penha (12/2012)
  • Participação de Maria da Penha na Campanha do World Bank “Homem não bate em Mulher” (03/2013)
  • Prêmio de Direitos Humanos 19ª Edição- Categoria Igualdade de Gênero (12/2013)
  • Prêmio Rio Mar Mulher (03/2015)
  • Medalha da Abolição Ceará – (04/2015)
  • Troféu Rosa de Ouro – FECAPES Clube (06/2015)
  • Prêmio Cláudia Hors Concours 2016 (10/2016)
  • Prêmio Franco-Alemão de Direitos Humanos e Estado De Direitos (12/2016)

REFERÊNCIAS:

[1] VELASCO, glória. ‘Foi a glória’, diz Maria da Penha sobre criação da lei há 10 anos.  Jornal G1, São Paulo, 01 ago. 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/08/foi-gloria-diz-maria-da-penha-sobre-criacao-da-lei-ha-10-anos.html>. Acesso em 03 de março de 2017.

[2] FERNANDES, Maria da Penha Maia & GUERREIRO, Cláudia. Perfil – Maria da Penha. Desafios do desenvolvimento, ano 10, 77. ed., Brasília, 07 out. 2013. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2938:catid=28&Itemid=23>. Acesso em 03 de março de 2017.

[3] FERNANDES, Maria da Penha Maia. Sobrevivi… Posso contar. 2. ed. Fortaleza: Armazém da Cultura, 2014.

[4] Maria da Penha. Disponível em: http://www.institutomariadapenha.org.br/2016/index.php/sobre-maria-da-penha/minha-historia>. Acesso em 02 de março de 2017.

[5] REPÚBLICA, Presidência da. LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em 02 de março de 2017.

[6] FRANKLViktor Emil. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. São Paulo: Vozes, 1991.

[7] Premiações e Reconhecimentos. Disponível em: <http://www.institutomariadapenha.org.br/2016/index.php/sobre-maria-da-penha/premiacoes-e-reconhecimentos>. Acesso em 02 de março de 2017.

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Redução de Danos: Psicólogo Bruno Logan fala sobre seu trabalho no canal “RD com Logan”

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O psicólogo e redutor de danos (no contexto de uso de drogas) Bruno Logan Azevedo esteve no final de 2016 com os acadêmicos de Psicologia do Ceulp/Ulbra para compartilhar parte de um trabalho que vem ganhando grande projeção pelo Brasil. Bruno mantém um canal no youtube chamado “RD com Logan”, que dispõe de mais de 4 mil inscritos e uma dezena de vídeos cujo objetivo é discutir o uso de drogas, através da ótica da Redução de Danos.

Na descrição do canal, Logan explica que o espaço é para falar sobre diversas substâncias, seu uso, cultura, sobre os efeitos esperados, adversos, dosagens e o acúmulo das estratégias que a Redução de Danos possui sobre cada substância, dentre outras coisas. “A ideia é trazer informações de forma clara, simples e sem tabu, para os usuários e profissionais que atuam de forma direta e indireta com esta temática e pessoas que tenham interesse de ter mais informações sobre o assunto”, comenta o psicólogo.

Abaixo, confira uma rápida entrevista concedida por Bruno Logan ao portal (En)Cena.

(En)Cena – Como se deu o seu envolvimento com a Redução de Danos?

Bruno Logan – Minha relação com a RD se deu através da minha militância sobre uma mudança da lei de drogas no Brasil, para além de achar que nossa atual lei de drogas é ruim, me surgiu uma questão: “como os usuários de drogas são tratados?”. E aí que a RD me aparece, trazendo algumas respostas e muitas perguntas.

(En)Cena – O que te levou a fazer o canal no Youtube sobre Redução de Danos?

Bruno Logan – Criei um aplicativo de celular para usuários de drogas e por conta da falta de dinheiro para manter este aplicativo no ar, pensei em alguma outra plataforma que pudesse transferir as informações do App sem ter que pagar nada. Eu acompanhava muito um canal chamado “Mundo Molusco”, e aí veio a ideia de fazer o canal do YouTube.

(En)Cena – Qual o público almejado com o canal RD com Logan?

Bruno Logan – Prioritariamente os usuários de drogas. Mas, não tenho dúvidas, com o canal muitos profissionais que atuam de forma direta e indireta com as questões das drogas, assistem e me trazem bastantes feedbacks interessantes.

(En)Cena – Qual a importância de levar a Redução de Danos para o contexto da internet?

Bruno Logan – Na verdade, eu tenho dúvidas se faço Redução de Danos na internet, pois, para se fazer Redução de Danos é preciso estar junto com o usuário e criar vínculos, para que as estratégias façam sentido para o usuário, e é  impossível fazer isso pela internet. Por outro lado, percebo o quanto este canal  pode servir como uma ponte, na qual este acúmulo de informações obtidas com os usuários, pode ser transmitido por este canal, podendo fazer sentido ou não, para outros usuários, e isso é bem interessante.

(En)Cena – Como a RD se articula com a luta pela descriminalização e legalização das drogas? E como isso contribui para a qualidade de vida e autonomia do usuário?

Bruno Logan – No meu 7º vídeo falo sobre isso. A ideia de existir um controle do Estado sobre todas as drogas, faz com que os danos associados com o uso de drogas, por si só, contribua para a melhoria da qualidade de vida do usuário. Pois, ao consumir a substancia, o mesmo saberá exatamente o que esta consumindo, outra questão é que o usuário rompe com o comercio ilegal de drogas e com a violência que esta associada a este comércio.

(En)Cena – Você acredita que os avanços do conservadorismo na política brasileira colocam a Redução de Danos em risco?

Bruno Logan – Eu não acredito que exista um avanço no conservadorismo na política brasileira A meu ver, ela é a mesma desde a época da Ditadura Militar. A Redução de Danos vem sobrevivendo a isto há anos, não por conta de políticas públicas, mas por conta de pessoas que acreditam neste modelo e fazem esta discussão politicamente e em suas atuações. Temos muito que discutir e cobrar estas políticas públicas, porque a RD está prevista por lei, não é um favor.

.5 Motivos pela legalização de todas as drogas

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Liberar, Descriminalizar ou Legalizar?

 

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O que vi e senti no V Fórum do Judiciário para Saúde

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Em busca de uma compreensão abissal da minha função enquanto agente social, observadas as lacunas do conhecimento científico, e como grande parte dos universitários, incrementar o Lattes,  procuro sempre que possível participar dos eventos promovidos pelas instituições não governamentais e os do Estado.

Foto: Hudson Eygo

No dia 18 de outubro de 2013 aconteceu no Tribunal de Justiça do estado do Tocantins- TJ/TO o V Fórum Estadual do Judiciário para Saúde com o tema “Saúde Mental e a Política de Álcool e Outras Drogas”, realizado pelo TJ, Escola Superior da Magistratura Tocantinense e Comitê Executivo para Monitoramento das Ações da Saúde no Tocantins – CEMAS/TO, este criado pelo Conselho Nacional de Justiça-CNJ para “auxiliar os Magistrados, Representantes do Ministério Público e Defensoria Pública na formação de juízo de valor quanto à apreciação das demandas (extrajudiciais e judiciais) relativas ao SUS” (grifo nosso).

Desde o nome a estrutura do evento há uma dissensão do objetivo deste para a sociedade, visto que esta o financiou.  O judiciário é pedante em propor realizar evento “para“ saúde, falando de saúde e não haver um elemento que signifique ligação, já demonstra possíveis intenções. Aberto à sociedade civil e transmitido às demais comarcas do estado, havia como participantes presenciais profissionais da área da saúde, direito, serviço social, militantes dos Movimentos Sociais e representantes de categorias que não compuseram nenhuma mesa e tão pouco foram ouvidos ao contestar os dados estaduais apresentados. Durante a mesa redonda os convidados não vinculados ao governo estadual de forma expositivo argumentativa fizeram uma análise  história e dos dados nacionais relativos ao tema,  enquanto as duas ligadas a secretarias apresentaram previsões e projetos de programas, se o orçamento não voltar aos cofres da União – problema gravíssimo no estado –  não serão beneficiados por esses os Atingidos por Barragens, os Ribeirinhos, Trabalhadores Sem Terra.

No período vespertino ressaltaram a importante participação da sociedade na construção de políticas públicas e de forma interdisciplinar garantir a “participação da comunidade” idealizada no artigo 198, inciso III  da Constituição Federal de 1988. A essência nordestina esteve presente tratando do tema “Justiça Terapêutica” que comoveu/ incomodou com sua irreverência e instigações.

Por fim, encerrada a transmissão televisiva e disperso o auditório ainda lotado para um coffe breack, retornaram os trabalhos em 5 minutos com 1/3 das pessoas antes presentes para o restante da programação  “Enunciados: Construção, Discussão e Deliberação”, é o documento que será encaminhado aos magistrados como fruto das discussões do Fórum. Compunham a mesa as juízas Milene C. Henrique, coordenadora do CEMAS/TO, Flávia Bovo  e alguns serventuários, lido o primeiro enunciado o  médico psiquiatra Leonardo Baldassara, convidado como debatedor da última palestra, contestou o termo “laudo”  utilizado pelo documento. Conflito que se resolveria com a simples leitura inicial de qualquer livro de medicina legal, mas se estendeu pela ironia e sarcasmo da coordenadora do CEMAS/TO, teve seu clímax ao pedir que Leonardo e seus colegas de profissão fossem breves, uma pessoa não identificada do auditório fala alto que agora devemos escutá-los. Milene com postura pedante e o mesmo tom, interrompe mais uma vez a fala de outro psicanalista faz reintegração dizendo “eu sou a coordenadora desse evento, se alguém estiver em desacordo pode se levantar e se retirar”.

Nos primeiros segundos minha mente parecia um limbo, incertezas que causaram palpitações e questionamentos. O evento não estava mais sendo transmitido às comarcas e provavelmente não chegará à pauta de nenhuma reunião que questione a seriedade e aplicabilidade de toda discussão realizada em torno do tema proposto e dos Enunciados. Interdisciplinaridade exige que os magistrados desçam de seus pedestais e se relacionem horizontalmente. É duvidoso o juízo de valor formado sem a voz do assistencializado e profissionais dos Centros de Referência de Assistência Social – CRAS.  Levantei e me retirei, porém em breve estarão disponíveis OS ENUNCIADOS DO V FÓRUM DO JUDICIÁRIO PARA SAÚDE.

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