Destituição do poder familiar: conceito e aplicações

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A perda ou destituição do poder familiar é a forma mais grave de sanção aplicada pelo Estado aos pais que faltam com os deveres aos seus filhos. De acordo com o Artigo 1638 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, perde por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: 

I – castigar imoderadamente o filho; II – deixar o filho em abandono; III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente. V – entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção. 

Conforme aponta Torres et al. (2012), o poder familiar era inicialmente atribuído apenas ao pai, que tinha direito até mesmo de vender ou tirar a vida de seus filhos. Nos dias atuais, entende-se que a responsabilidade pelo poder familiar é compartilhada entre ambos os pais, que devem prover sustento, guarda, educação e o que mais for necessário para seu bem-estar. Considera-se, desta maneira, que o poder familiar inaugurou-se como instituto de direito privado e que só posteriormente tornou-se social, pois ainda que a família se desenvolva num ambiente privado, é o Estado que o fiscaliza e protege suas relações (MONDIN, 2016).

Com base no que indica o Artigo 227 da Constituição Federal, vislumbra-se que o atendimento às necessidades dos filhos não se dá apenas por uma questão material (TORRES et al., 2012) mas também no que se dispõe:

É  dever  da  família,  da  sociedade  e  do  Estado  assegurar  à  criança,  ao  adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à  alimentação  à  educação,  ao  lazer,  à  profissionalização,  à  cultura,  à  dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (EC nº 65/2010)

 A sanção aplicada de destituição do poder familiar é uma medida grave e que é apurada pelo juiz com muito cuidado aos fatos apresentados. Para a tomada de decisão, alguns pontos são relevantes, como: o direito dos filhos de serem criados e educados no seio da família natural (art. 19, Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), direito de personalidade, Direito Natural da pessoa e direito dos pais de criarem e terem seus filhos próximos a si (art. 384 e incs., Código Civil), como aponta Torres et al. (2012).

Na jurisprudência, existem dois tipos de destituição do poder familiar, de caráter parcial ou total. O caráter parcial diz respeito ao processo aplicado em apenas uma parte da prole ou pela suspensão de alguns direitos dos pais com relação aos filhos, sendo de caráter temporário (MONDIN, 2016). Em sua forma total, a destituição atinge toda a prole independente de estarem envolvidos na hipótese legal e pode ser aplicada a um dos pais ou os dois (TORRES et al., 2012). Em última instância não mencionada anteriormente, pode haver a extinção do poder familiar, segundo Mondin (2016), nos casos de morte dos pais ou do filho, emancipação, adoção ou maioridade.

Fonte: encurtador.com.br/anrBV

O justo nos casos é que seja considerado o que é melhor para a criança e o adolescente, buscando-se o menor prejuízo. Mondin (2016) reflete que esta decisão atinge não apenas o âmbito jurídico mas também o social, pois para o pai perder o poder familiar corresponde a deixar de ser pai, e para o filho ver-se longe de sua família de origem pode corresponder a deixar de ser filho. O romper do vínculo familiar previamente estabelecido é uma questão sensível que reafirma a importância da cautela na decisão desses casos.

A Lei nº 10.406 confere as situações que são consideradas no ato judicial de perda do poder familiar, mas em grande parte dos casos a interpretação do judiciário vai além do que foi estritamente mencionado. Nesse sentido, Rodrigues (2004, p. 371, apud, Torres et al., 2012) salienta que o mencionado no inciso II sobre abandono na Lei supramencionada não se aplica apenas ao ato de deixar a criança sem assistência material, mas ainda quando há um descanso “pela sua criação, educação e moralidade”. O mesmo se aplica aos outros incisos, quando se considera que muitas decisões de destituição levam em conta situações em que os filhos que são expostos à prostituição, utilização de drogas e outros dependentes químicos e situações que violem a moral e os bons costumes (MONDIN, 2016).

Destarte, para que haja o atendimento do melhor para a criança e o adolescente nas questões relacionadas ao direito à convivência familiar e comunitária expostos Artigo 19 do ECA, nos casos em que o ambiente familiar promove contato com pessoas que têm dependência química é necessário e assegurado por direito que a criança venha a ser criada e educada numa família substituta, que lhe forneça um ambiente seguro para seu desenvolvimento.

Acrescenta-se, conforme as contribuições de Mondin (2016), que a destituição do poder familiar não tem o objetivo primeiro de sanção imposta aos pais, mas sim de uma medida que venha a proteger a criança e o adolescente e lhe assegurar o direito de convivência familiar e comunitária, mesmo que seja em família outra.

REFERÊNCIAS

MONDIN, Fabrícia Alcantara. A construção da decisão judicial nas ações de destituição do poder familiar. 2016. 171 p. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Ciência Jurídica) – Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, [S. l.], 2016. Disponível em: https://www.univali.br/Lists/TrabalhosMestrado/Attachments/2072/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Fabr%C3%ADcia%20Alcantara%20Mondin.pdf. Acesso em: 29 set. 2020.

TORRES, Ana Carolina Fróes et al. Destituição do poder familiar. Cadernos Graduação – Ciências Humanas e Sociais, Aracaju, v. 1, n. 14, p. 219-222, out. 2012. Disponível em: https://periodicos.set.edu.br/cadernohumanas/article/view/536/261. Acesso em: 29 set. 2020.

OUTRAS REFERÊNCIAS

BRASIL. Código civil brasileiro. 2002.  Disponível em:  <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 29 set. 2020.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. 2014. Brasília. Congresso Nacional.

 

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Justiça determina que Estado do Tocantins construa hospital para presos com doenças mentais em 2 anos

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A decisão atende à ação ordinária ajuizada pelo Centro de Direitos Dom Jaime Collins, Centro de Direitos Humanos de Cristalândia e a Associação Estadual de Direitos Humanos do Tocantins (MEDH). 

Como parte do projeto Mutirãozinho, realizado pelo Núcleo de Apoio às Comarcas (NACOM), em Guaraí, a juíza Wanessa Lorena Martins de Sousa Motta determinou, na última quarta-feira (29), que o governo do Estado construa um Hospital de Custódia para abrigar presos em tratamento psiquiátrico. A obra deve ser concluída no prazo de dois anos.

A decisão atende à ação ordinária ajuizada pelo Centro de Direitos Dom Jaime Collins, Centro de Direitos Humanos de Cristalândia e a Associação Estadual de Direitos Humanos do Tocantins (MEDH), alegando que “várias pessoas encontram-se presas em celas de cadeias do Estado, sem qualquer tratamento psiquiátrico, quando são portadores de transtornos mentais (esquizofrenia, etilismo crônico, retardamento, etc) e deveriam cumprir pena de medida de segurança em estabelecimento adequado, qual seja um hospital de custódia”.

Foto: Divulgação

Ao julgar o caso, a magistrada considerou a Lei de Execução Penal – LEP (BRASIL, 1984), que estabelece, em seu artigo 5º, que os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico destinam-se a pessoas que cometeram algum crime, mas que são inimputáveis ou semi-imputáveis. Para os casos em que a inimputabilidade for comprovada, ao invés de ser aplicada uma pena ou medida alternativa, será aplicada uma medida de segurança.

“Portanto, grande a necessidade da sociedade deste Estado em ter um local que abrigue os doentes mentais que praticaram algum ilícito que seja típico penalmente, a fim de possibilitar aos mesmos o retorno de forma saudável à sociedade, sem apresentar nenhum tipo de ‘risco’ ou ‘perigo’ a si mesmo e às pessoas a sua volta”, concluiu a juíza.

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Governo do Tocantins institui a Semana de Prevenção ao Suicídio

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Governador Mauro Carlesse cria a Semana Estadual de Conscientização, Prevenção e Combate ao Suicídio, através da Lei nº 14, de 13 de março de 2019 para ampliar os debates e políticas públicas voltadas ao tema.

Para ampliar as ações de assistência psicológica no Tocantins, o governador Mauro Carlesse sancionou a lei aprovada no Poder Legislativo que institui no calendário oficial do Estado a Semana Estadual de Conscientização, Prevenção e Combate ao Suicídio, que será realizada na semana do dia 10 de setembro, de cada ano.

Com a sanção da Lei nº 14, de 13 de março de 2019, o governo determina que sejam realizadas atividades desenvolvidas durante a Semana de Prevenção ao Suicídio, no intuito de promover a conscientização social e as diversas formas de prevenção; estimular ações educativas por parte dos diversos segmentos sociais e instituições públicas; difundir os conhecimentos científicos relacionados ao tema, avaliar e aprimorar as políticas públicas direcionadas à promoção da conscientização, prevenção e combate ao suicídio.

Fonte: encurtador.com.br/swMZ1

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) a cada 40 segundos, uma pessoa se suicida no planeta, sendo a segunda maior causa de morte entre pessoas de 15 a 29 anos de idade. No Tocantins, foram registradas no banco de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), 3.170 lesões autoprovocadas intencionalmente e 359 mortes por suicídio, entre 2016 e o primeiro trimestre de 2019.

O amparo às pessoas com algum tipo de transtorno psicológico é assegurado em todo o Tocantins, através dos Centros de Atendimento Psicossocial (CAPS), gerenciados pelos municípios. Já, os Hospitais Regionais de Araguaína e de Palmas possuem alas psiquiátricas para os casos que necessitam de internação, conforme determina a Política Nacional de Saúde Mental.

 

 

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Dano moral e os aspectos psicológicos

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Moral envolve o “ser” interior do homem onde estão expostos seus ideais, suas convicções, é onde reside o entendimento intrínseco entre o certo e o errado

Desde os primórdios da humanidade, com o advento das primeiras civilizações, o ser humano viu a necessidade de serem estabelecidas as regras de convivência, onde cada indivíduo teria seus direitos e suas obrigações, por mais implícitas que fossem. Com o desenvolvimento da sociedade o sistema normativo foi se tornando cada vez mais complexo, fazendo-se necessário a criação escrita de normas e regras de conduta que abrangessem todos as pessoas viventes em uma determinada comunidade.

As regras deveriam ser cumpridas para impedir a lesão a outrem, sendo que, caso alguém as descumprissem deveria este sofrer as penalidades na proporção dos seus atos, sendo que, em tempo, tais penalidades serviam para prejuízos materiais.

Com o avanço intelectual, o crescimento de costumes, a valorização da moral e da honra, seja entre nobres ou plebeus, começou, nas antigas civilizações, a criação o prejuízo a moral/honra, onde difamações deveriam ser indenizadas, muitas vezes com sentenças físicas, como nos casos de ofensa à igreja, nobres ou realeza. Mas, surge o grande questionário, o que vem a ser a moral? Por que ela faz parte dos seres humanos, e, principalmente, por que ela sofre danos?

Fonte: https://goo.gl/dfHDtq

Moral envolve o “ser” interior do homem onde estão expostos seus ideais, suas convicções, é onde reside o entendimento intrínseco entre o certo e o errado, o justo e o injusto. É uma parte essencial para a criação do caráter do ser humano. A moral pode ser um status, por exemplo, de homens e mulheres públicas que possuem um grande respeito perante a sociedade, de modo a serem consideradas justas e honradas, de moral ilibada, vez que, aqueles que os cercam observam um padrão ininterrupto entre suas orações e suas condutas.

Os seres humanos possuem uma capacidade cognitiva mais avançada que outros animais, tendo pensamentos mais complexos, mas claro, tendo necessidades básicas de todos os animais, como a vontade de aprovação, o anseio por elogios, a carência por atenção e a busca para se ter uma boa autoestima, estando isto intrinsecamente ligado a moral. Quanto mais admiração alguém recebe, mais a autoestima da pessoa é elevada, tornando assim sua moral mais afiada. Noutras palavras, Rudolph Von Jhering1 explica em A luta pelo direito:

A preservação da existência é a mais alta lei de toda a criação viva. Ela se manifesta em toda a criatura em instinto à preservação. Agora, o homem não está preocupado apenas com sua vida física, mas com sua existência moral. Porém, a condição para essa existência moral é correta na lei. Nela, o homem possui e defende e condição moral da sua existência – sem a lei ele se afunda ao nível animal, assim como os Romanos, de forma muito lógica, do ponto de vista da lei abstrata, colocavam os escravos no mesmo nível dos animais. A afirmação dos direitos legais de uma pessoa é, portanto, um dever de autopreservação moral – a completa entrega desses direitos, agora impossíveis, mas que já foram possíveis, é o suicídio moral. (VON JHERING, 2012, pág. 101)

Conforme explana Jhering, o ser humano defende sua condição moral, e quando esta é afetada gera um dano, não físico, não material, mas moral, e, neste sentido, explicam alguns Juristas, Pablo Stolze Gagliano1 o que vem a ser o dano mora:

O dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras, podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos da personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens tutelados constitucionalmente (VENOSA, pág. 101). VON JHERING, 2012, pág. 101

Sílvio de Salvo Venosa1, explana em sua doutrina que “dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Sua atuação é dentro dos direitos da personalidade” (VENOSA, 2015). Assim como anteriormente exposto, o ser humano possui um diferencial de outros seres humanos, onde este possui uma capacidade cognitiva absurdamente avançada em que existem camadas e camadas de pensamentos e reações que moldam seu ser.

Fonte: https://goo.gl/eT9bjY

Existem graus e diferenças entre as pessoas, mesmo havendo similaridades, ninguém é inteiramente igual a outra pessoa, portanto, o grau de intensidade para se ocorrer um determinado dano moral não é idêntico para todo ser humano, porém, pensando nisto, criou-se a figura do homem médio, a partir do qual se terá uma base para determinar o que pode vir, ou não, a ser considerado como um dano moral.

O dano moral no Brasil não era tão explicito na legislação antes de 1988, sendo embasado somente pelos tribunais e juristas, sendo que, com a constituição cidadã de 1988, o dano moral se tornou um direito fundamental e corriqueiramente utilizado pela população brasileira.

A cultura da indenização se expandiu de tal maneira que foi necessário por determinados limites por parte do judiciário, conduta esta que ficou conhecida como “mero dissabor”, onde a pessoa se sente ofendida por determinada situação, porém, por mais que haja a presença característica da ofensa, não necessariamente se terá o dever de indeniza-la pela ocorrência.

Fonte: https://goo.gl/9kSHMR

Quando ocorre um dano este deve ser reparado, mas como reparar algo que não está presente no mundo físico? Como reparar um abalo psicológico? A verdade é que não existe, de fato, uma forma de se reparar um dano moral, o que existe é a figura da compensação, onde aquele que causou dano a alguém irá compensar aquilo que cometeu, normalmente de forma pecuniária, outras vezes cumuladas com pedido de retratação formal e pública.

Mas ainda existem punições para abalos morais que podem ser considerados crimes e gerar até mesmo a prisão de uma pessoa, que são elas a calúnia, injúria e a difamação, são estes conhecidos no código penal brasileiro como crimes contra a honra, que são casos em que a pessoa que cometer um ato ilícito poderá responder não só civilmente, como também penalmente, tendo uma obrigação dupla pelo mesmo delito, onde terá de dispor de um valor indenizatório, bem como cumprir uma determinação jurídica pela sua conduta negativa.

Deste modo, pode ser observado que a moral é algo que pertence ao ser humano, não físico, mas no campo psicológico, de modo que, quando da ocorrência de determinados atos esta moral pode ser elevada, tornando o indivíduo mais autoconfiante como também poderá destruir toda sua vida, reduzindo-o a um mero reflexo daquilo que um dia já fora, sendo necessário todo um tratamento para que este possa tentar ser aquilo que um dia foi, devendo, portanto, ter uma reparação (compensação) por aquilo que lhe afligira, devendo ser lembrado que, nem toda ação merece uma indenização, somente em casos evidentes de degradação da moral e honra de uma pessoa.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

COSTA, Daniel. Danos morais: a evolução da lei no Brasil. Disponível em: https://www.politize.com.br/danos-morais-a-evolucao-da-lei-no-brasil/ acesso em 11 nov 2018.

1 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. – 15 ed. – São Paulo: Atlas, 2015. pág 51.

1 GAGLIANO, Palblo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, Volume 3: Responsabilidade Civil. 10ª Ed. São Paulo : Saraiva, 2012. Pág. 101.

1 VON JHERING,Rudolph. 1818-1892. A luta pelo direito = Der Kampf ums recht; tradução de Dominique Makins. São Paulo: Hunter Books, 2012. pág. 79.

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Proteção Exagerada ou Cuidado Necessário?

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Após a criação das Leis Trabalhistas, em alguns momentos, a sociedade questiona se o direito do trabalhador coloca em maus lençóis o empregador, argumentando que a lei protege muito o empregado e cobra muito do contratante dos serviços. Esse discurso esteve em volga principalmente com aquisição dos direitos das empregadas domésticas, onde muitas pessoas enunciavam que seria caro agora manter uma pessoa trabalhando nas nossas casas ou ser muito difícil do empregador estar na legalidade. Mas será que de fato as leis trabalhistas trazem este cunho de proteção excessiva aos trabalhadores?

O Direito do Trabalho surge com a Consolidação das Leis Trabalhista- CLT, em 1943. Até este momento a atividade do Trabalho era caracterizada com altas jornadas, em locais insalubres, sem período de descanso, baixos salários, em algumas situações provocando inclusive a morte de colaboradores. Este decreto surge para regulamentar a relação do empregado com o empregador, tentando garantir melhores condições de trabalho, determinando a carga horária, o contrato trabalhista, período de descanso e entre outros aspectos.

Vale ressaltar ainda, que o trabalho significa atividade de produção do homem sobre o mundo, entende-se também que nesta relação de trabalho com o trabalhador há uma produção de subjetividades. Considerando o contexto desta produção do trabalhador anterior a lei, compreende-se que aquele trabalhador tinha a sua produção mediada por um ambiente de escravidão, onde não era possível dar dignidade àqueles trabalhadores. Um ambiente que produz estes estigmas em curto prazo de tempo vai enlouquecer as pessoas. Entende-se que estes estigmas e o contexto eram mantidos desta maneira, pois o objetivo dos empregadores era gerar lucro e para isto, os seres humanos se transformavam em máquinas. Como os trabalhadores eram máquinas não era preciso entender que aqueles sujeitos cansavam e nestas condições poderia ocasionar acidentes de trabalho; trabalhar em locais insalubres poderia provocar males à saúde, ou ainda, que a baixa remuneração não poderia afetar nada nos desejos e reconhecimento daqueles sujeitos. Enfim, nada disto era levado em consideração, pois eram máquinas. O pior que estas questões geravam prejuízo para o empregador, porque em determinadas situações ficava sem o colaborador e o lucro.

Com a criação das leis trabalhistas, este discurso foi alterado, pois estas normas possibilitaram que o trabalho produzido seja com dignidade, transformando o sujeito que outrora era máquina em homem. Entendendo que quando garanto as leis trabalhistas para aquele sujeito, eu olho, trato e cuido do mesmo como um ser humano. Vários estudos, começando por Elton Mayo, demonstraram que quando o sujeito é tratado como ser humano aumenta a sua produtividade, gerando benefício para o empregador.

Apesar destas leis trazerem esta possibilidade de humanizar o trabalho, o Direito Trabalhista segue alguns princípios em sua base, os quais são: da norma favorável ao trabalhador, da condição mais benéfica e a irrenunciabilidade dos direitos.  A primeira diz respeito da elaboração, hierarquia e interpretação das normas devem beneficiar o trabalhador. O segundo princípio é referente às vantagens conquistadas no trabalho não devem serem reduzidas. O terceiro enuncia que o trabalhador não pode deixar de receber ou ser aplicados os seus direitos. Observando estes princípios, nota-se que em todos estes privilegiam a figura do trabalhador, sendo assim, é possível sentir até piedade do empregador.

No entanto, quando lançamos este olhar de piedade para o empregador não é levado em consideração os requisitos para que o trabalhador apresente um vinculo trabalhista, os quais são: o empregado ser pessoa física, o trabalho apresentar continuidade, relação de subordinação do empregado para com o empregador, haver salário, a prestação de serviços devem ser realizados pessoalmente. Analisando estes fatores citados acima, destaca-se que quem muitas vezes pode perder a expressão de seus desejos, vontades, escolhas é o empregado, e não o empregador, uma vez que é necessária a relação de subordinação. Desta maneira, o Direito do Trabalho traz apenas condições para que esta subordinação não seja transformada em escravidão.

Logo, as manifestações realizadas a favor do empregador devem ser escutadas e respeitadas, pois, as leis foram criadas para beneficiar o colaborador. Acima de tudo isto, deve ser analisado a produção de subjetividade que está implícita nos discursos destas manifestações e de outras, já que estes discursos constroem práticas e subjetividades.

 

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Existe vida no cárcere?

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O Sistema Prisional Brasileiro, que visa a ressocialização correcional dos indivíduos presos/apenados, como um todo, é falho em diversos aspectos, e as condições de vida dentro do mesmo costumam ser precárias.

Na prática, essa ressocialização não existe como deveria, e o regime de reclusão tem sido empregado para punir estes sujeitos, que vivem uma realidade de privação e violação dos direitos. Hoje, o que encontramos são prisões superlotadas, degradantes para mulheres e homens, com condições insalubres. No caso das mulheres, se olharmos o nosso percurso histórico, essa violência muitas vezes é velada e naturalizada pela própria sociedade.

Precisamos (re)pensar como estamos punindo.

Infelizmente, percebe-se que os apenados são abandonados e destituídos de direitos, em todos os sentidos da palavra. Há demora no julgamento dos processos, na concessão de benefícios e na progressão de regime e também, por outro lado, existe uma carência de manutenção do sistema. Enquanto isso, eles permanecem em situação de cárcere, alheios a tudo e a todos, a mercê de todo tipo de mazelas, dentro de um espaço que tem sido palco para cenas de extrema violência, privação de liberdade, rebeliões e aumento da criminalidade, como é constantemente mostrado pelas mídias.

Em hipótese poderíamos pensar que à egressa desassistida/abandonada de hoje, continuará sendo a “criminosa” reincidente de amanhã. O que está errado?

Essas situações que já proporcionavam impacto em nossas vidas por discursos de ódio e medo criaram outros significados ao entrarmos pelas grades. Durante a realização deste projeto de intervenção, experienciamos uma realidade aquém do esperado: de tristeza, dor e isolamento. O resultado desse contato, foi uma quebra de paradigmas, e a possibilidade de um enfoque diferente daquele contaminado pelo diálogo de nossa sociedade, que se isenta de seu papel de (co)responsabilidade por esse regime, subjugando essa parte de indivíduos que permanece calada, destituídos de sua cidadania, em condições precárias – para não dizer desumanas – sobre o pretexto de pagarem sua dívida com uma sociedade que ao longo de sua história de vida, só lhes cobra, sem nada oferecer em troca. Uma realidade que não apresenta sinais de que irá mudar tão cedo.

O relato que segue traz considerações de uma intervenção realizada por um grupo de estagiárias do curso de Psicologia numa unidade prisional feminina do Tocantins, um trabalho que se justificou pela necessidade de tentar minorar os agravos subjetivos da reclusão carcerária, trabalhando questões como relacionamento interpessoal, confiança e autoestima das encarceradas.

Para trabalhar com este grupo, usamos como metodologias: a roda de conversa e a aplicação de dinâmicas de grupo, por considerar que tais métodos elucidam no setting grupal os elementos necessários para análise da dinâmica do grupo (ZIMERMAN; OSÓRIO, 1997). Esse formato permitiu que todas participassem desenvolvendo novas possibilidades de relações de apoio e cuidado. As frases utilizadas no decorrer do trabalho foram extraídas de atividades realizadas com as encarceradas, como por exemplo: levamos diversas figuras e pedimos para cada uma escolher a que mais se identificasse e a partir daí justificar sua escolha; em outro momento levamos perguntas que as fizessem refletir sobre si mesmo, perguntas como “quais são os seus medos?”, “o que eu quero para o futuro?”, entre outras.

Fonte da imagem: http://mairafernandesbittencourt.blogspot.com.br/2012_07_01_archive.html

“Essa imagem demonstra a dor, meu desespero, a vida que eu tinha, hábitos…
Nunca me passou que eu iria chegar a usá-las.
Ainda me dói muito usá-las, ficou marcado.
Cada vez que eu tenho que usá-las, é como se eu fosse um monstro, um bicho do qual as pessoas têm medo, ao me verem usando isso.
Dói, mas espero nunca mais me constranger,
Não vou me permitir passar por isso novamente. ”

E assim fomos construindo a relação deste grupo com transparência, compromisso, dedicação e sigilo. Sempre deixando claro para elas que o nosso desejo era que ninguém se sentisse tolhido em sua forma de expressão (gesto, olhar, falar, chorar etc.). Dentro de um grupo, todas as formas de expressão são importantes, a comunicação, seja qual for, deve ser espontânea e, acima de tudo, as diferenças individuais devem ser respeitadas (ZIMERMAN; OSÓRIO, 1997).

No nosso primeiro encontro com o grupo de mulheres foi um momento de apresentação. O grupo pôde conhecer as estagiárias e vice-versa. Foi um momento de interação e integração, onde pudemos falar sobre o grupo, os encontros futuros e as expectativas das encarceradas sobre o mesmo.

Já de início, pudemos perceber que elas se dispuseram a falar sobre suas vidas, experiências, medos, dúvidas, que, em consenso geral, eram um pedido de socorro.

Junto com elas escolhemos um nome para o grupo, que passou a chamar-se “OUTRO OLHAR”, um nome forte, marcante, que traz no seu íntimo: esperança. Cada uma delas fez questão de dizer o que significava este outro olhar para si a cada momento que passamos ali.

Quais são os meus medos?
Minha família parar de me apoiar e meus filhos,
no futuro, jogarem essa experiência na minha cara
e não aceitarem minha correção”

No total foram 10 encontros. Ao desenvolver um trabalho como este, encontramos algumas dificuldades. Percebemos a força da resistência quando lidamos com o discurso da segurança institucional na construção de estratégias de promoção de saúde. Um encontro de percepções por vezes antagônicos.  Percebemos o quanto a instituição, no seu cotidiano, produz sofrimento para todas as pessoas envolvidas: trabalhadores e apenadas.  Mas é preciso dizer, que a equipe nos recebeu e nos auxiliou no que foi possível para o desenvolvimento dessa atividade.

Contudo, partimos do olhar de compromisso social que a academia tem com a comunidade, e nos propusermos a somar com o trabalho desenvolvido pela unidade, não apenas como acadêmicas de Psicologia, mas como membros e integrantes de uma sociedade que também tem responsabilidade com a educação e reinserção social dessas mulheres. Esta experiência resgatou em nós o sentimento aguerrido de lutar por uma sociedade mais justa e menos perversa.

Vivenciamos algo que é só nosso, que ninguém nunca vai nos tirar, e que provavelmente não vamos ter a chance de experienciar novamente. Nossa sociedade não faz ideia da força, da coragem, da história, dos erros, dos acertos, da sabedoria, e do ser humano que existe em cada uma daquelas mulheres ali presas. Elas lutam a cada dia de forma individual e coletiva, por seus direitos, pela efetivação de um espaço democrático dentro das instituições, que permita um processo de construção consciente, de aprendizado, de produção de subjetividade, e de sujeitos que batalham pelo direito à autonomia de gerir suas próprias vidas, apesar do regime de isolamento.

Não podemos nos esquecer de que a população carcerária é formada por seres humanos, elas são iguais a nós, mas, que estão presas por terem cometido um ato infracional, ou seja, um erro. Vale lembrar que crime não é doença ou condição genética e que todos somos seres humanos, passíveis de erros. Portanto, a grade e os muros que nos separam delas, se vistas de perto, não são assim tão espessas e distantes de nossa realidade.

Enquanto estagiárias, não temos palavras para descrever o impacto dessa experiência para nossa vida e formação (pessoal, social e acadêmica). Mas podemos afirmar, sem sombra de dúvidas, que este foi um momento especial que tivemos de crescimento na nossa jornada, entendendo que ela também atravessa o ensino.

O grupo era comprometido, forte, integrado, tinha boa comunicação e estava disposto a crescer. As encarceradas encontraram ali um ambiente seguro para expor suas ideias, ao mesmo tempo em que estavam abertas a novas reflexões.

Ao longo dos 10 encontros, experimentando na pele a dor da vergonha; do preconceito; da discriminação; da desigualdade; da humilhação; do esquecimento; do abandono; da privação de liberdade; do desrespeito; da falta de oportunidade; da condenação (de todos os tipos de condenação), que aquelas mulheres – e outros tantos como elas – sofrem.

Fonte da imagem: http://padom.com.br/a-verdadeira-auxiliadora/

“Eu me identifiquei com a figura porque parece ser uma pessoa triste e solitária.
Hoje estou me sentindo assim. ”

Não queremos aqui levantar uma bandeira a favor ou contra seus atos, que já foram julgados, e pelos quais elas já pagam sua dívida com a sociedade. De outro modo, nossa bandeira é a favor da vida, e de uma nova oportunidade para essas mulheres – essa ideia se mostra tão arbitrária se considerarmos que para muitas delas tal oportunidade seria a primeira – construírem uma história de vida da qual possam se orgulhar, e realmente aprender com seus erros.

Para além dos resultados positivos, esta intervenção já teria sido gratificante, só pelo simples fato do aprendizado que tivemos e do quanto cada minuto lá dentro mudou a percepção acerca da nossa sociedade. No final de cada encontro, descobríamos algo novo em cada uma das participantes. Houve mútua troca de experiências. Foram momentos de renovo, que resultaram num misto de descobertas, aprendizado e lição de vida.

Diante de todos os desafios no início do estágio, o foco principal não era saber o porquê elas estavam ali, ou seja, quais delitos foram cometidos, mas sim um “outro olhar”, como o nome do grupo propriamente dito. O que valia mais nos encontros era a singularidade de cada uma, os desabafos, os sorrisos, as lágrimas, os momentos compartilhados e a história de vida.

Ao final de cada encontro, saíamos daquela instituição com a sensação de dever cumprido, pois como relatado pelas mesmas, aquele “era o dia mais esperado da semana”. Entendemos a importância do nosso apoio.

É preciso agradecer e reconhecer quão grande e importante foi esta experiência para nós em nível individual, pessoal, social, acadêmico e profissional. O privilégio de conhecer essas mulheres nos permitiu constatar que o sistema prisional e as políticas públicas em geral precisam urgentemente de melhorias, e a existência da banalização do ser humano, da vida; a ineficácia da ressocialização; o futuro incerto e sem perspectivas desses homens e mulheres que só querem/precisam de uma chance para fazer/ser diferente.

 

Referência:

ZIMERMAN, David E.; OSORIO Luiz Carlos [et.al.]. Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

Nota:

Os trechos de reflexões dispostos ao longo do texto são de autoria das encarceradas de um presídio feminino do Tocantins como resultado das dinâmicas ao longo dos encontros. Zelando pela imagem pessoal, o grupo reserva o direto de manter o sigilo de suas identidades.

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