Paradigmas da Logoterapia na Intervenção Psicossocial

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Intervenção psicossocial se refere a práticas que visam atender pessoas em situações de vulnerabilidade, buscando também o fortalecimento de vínculos sociais e a superação de dificuldades impostas pelos contextos sociais e econômicos. De acordo com Costa (2005), essa intervenção envolve o trabalho em rede, em que a ação psicossocial se insere no cotidiano da comunidade, compreendendo a complexidade das relações sociais e as influências de fatores externos na vida dos sujeitos.

Em contextos de vulnerabilidade, existem determinantes que ampliam a complexidade das intervenções. Essas populações enfrentam desafios que, muitas vezes, não podem ser alterados direto e rapidamente, como pobreza, exclusão social e falta de acesso a serviços básicos – situações que constituem violações de direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (ONU, 1948), o que inclui o acesso a condições mínimas de vida digna. No entanto, em suma, essas populações não têm consciência de que essas condições violam seus direitos (Costa, 2005). Nesse cenário, o trabalho do psicólogo se torna desafiador, exigindo intervenções que considerem as condições imutáveis no curto prazo, mas que fortaleçam o coletivo, mostrando que é possível lutar por mudanças estruturais que envolvem direitos humanos. (Santos, 2018).

Neste contexto, a Logoterapia, desenvolvida por Viktor Frankl, oferece uma contribuição valiosa. Trata-se de uma abordagem psicoterápica fenomenológica existencial que trabalha na busca de sentido como elemento central para o ser humano. Segundo Frankl (1946), o ser humano é movido pela “Vontade de Sentido”, ou seja, pela busca de um significado que dê sentido à sua existência, tanto em um nível macro quanto em pequenos aspectos da vida cotidiana. Frankl organiza sua teoria em três pilares: Vontade de Sentido, Liberdade de Sentido e Sentido da Vida.

Um ponto fundamental da Logoterapia é o papel da mudança de perspectiva como princípio central no manejo do psicólogo. O trabalho psicoterápico começa com a ampliação de novas perspectivas diante de suas circunstâncias, ampliando o olhar dentro de cada situação (Nery, 2023). No contexto da intervenção psicossocial, isso se traduz na ideia de que, mesmo em meio a situações de vulnerabilidade, é possível incentivar uma mudança de visão sobre a realidade enfrentada. Essa mudança de perspectiva permite às pessoas em situação de vulnerabilidade reconhecerem novas possibilidades dentro de suas limitações e agirem de forma mais ativa na busca por melhorias.

A Liberdade de Sentido, um dos pilares da logoterapia, refere-se à capacidade humana de encontrar sentido nas situações, mesmo quando se está em um contexto de restrição ou sofrimento. Frankl (1946) exemplifica essa liberdade com sua própria experiência nos campos de concentração nazistas, onde, apesar de ter perdido quase tudo, descobriu que o ser humano mantém a liberdade de escolher sua atitude diante das circunstâncias. Ele afirma que:

 “Tudo pode ser tirado de uma pessoa, exceto uma coisa: a última das liberdades humanas – escolher sua atitude em qualquer circunstância dada” (Frankl, 1946, p. 113).

Ao aplicar essa perspectiva à intervenção psicossocial, percebe-se que, embora as pessoas em situação de vulnerabilidade não possam mudar todas as condições ao seu redor, elas ainda têm a liberdade de se posicionar diante dessas circunstâncias. A intervenção psicossocial busca, então, ajudar essas populações a reconhecer e exercer essa liberdade, auxiliando-as a perceber que o contexto em que vivem não define quem elas são, e que é possível agir para transformar, dentro dos limites impostos, essas condições. O papel do psicólogo é orientar essas possibilidades de mudança (Sawaia, 2001).

A transcendência, outro conceito fundamental da logoterapia, também pode ser visualizado na intervenção psicossocial. Frankl define a transcendência como a capacidade do ser humano superar suas circunstâncias imediatas em busca de um significado maior, muitas vezes relacionado com os outros ou com algo maior do que ele mesmo (Frankl, 1946). Esse princípio é fundamental ao se pensar nas relações humanas em contextos de vulnerabilidade, pois a vinculação coletiva é um exercício de transcendência, em paralelo em intervenção psicossocial não se foca apenas na resolução de problemas individuais, mas também no fortalecimento do coletivo e das redes de apoio social, reconhecendo que o fortalecimento das relações interpessoais é uma forma poderosa de promover mudanças em contextos adversos (Costa, 2005).

Assim, embora as populações em situação de vulnerabilidade enfrentem desafios que muitas vezes não podem ser modificados, a aplicação da logoterapia na intervenção psicossocial reconhece a liberdade que essas pessoas têm de se posicionar diante de suas circunstâncias. Ao promover o fortalecimento das relações e contribuir para a transcendência dos indivíduos, facilita a luta por direitos, o fortalecimento do coletivo e o desenvolvimento de uma nova perspectiva sobre as condições de vida. Mesmo quando um estado de conformação se instala, cabe ao psicólogo lembrar que seu papel é combater injustiças e violências, conforme previsto no Código de Ética Profissional do Psicólogo (CFP, 2005), e auxiliar na construção de novos sentidos, dignos e possíveis para o ser humano. Como exemplificado pela logoterapia, o homem não busca apenas um estado de homeostase, mas sim está sempre propenso a experimentar novas possibilidades e atualizar seus sentidos (Frankl, 1946).

Referências

CFP – Conselho Federal de Psicologia. Código de Ética Profissional do Psicólogo. 2005. 

Costa, L. Abordagem Clínica no contexto comunitário: uma perspectiva integradora. Psicologia & Sociedade; 17 (2): 33-41, 2005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/psoc/a/XCMYYfqY9phRXsBSkJSPfyB/?format=pdf&lang=pt.

Frankl, Viktor Emil. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. Editora Vozes, 1946.

Nery, A. A vida sempre tem um sentido? Como encontrar significado nos altos e baixos da sua jornada. Paidós, 2023.

Santos, B. A difícil construção do social. Cortez, 2018.

Sawaia, B. As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Editora Vozes. 2001.

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A jornada do sentido da vida

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O que é o sentido da vida? Uma pergunta tão antiga, que ecoa pelas eras, o homem perpassa sua existência buscando essa resposta, para que ela o guie em seu viver. Encontrar significado, propósito e razão para existência é uma busca que atravessa gerações e culturas. Existe alguém que não apenas explorou essa questão, mas também a viveu de maneira intensa, e sua vivência foi como um farol de esperança nas sombras mais profundas da história, e essa luz permanece resplandecente até os dias de hoje.

Viktor Frankl, renomado psiquiatra e neurologista austríaco, não só entendeu o que é o sentido da vida, mas também dedicou sua vida a estudar essa questão. Sua jornada extraordinária nos leva das páginas de livros de Psicologia às atrocidades dos campos de concentração nazistas, onde a busca pelo sentido se tornou uma batalha pela própria sobrevivência.

De origem judaica e nascido em Viena em 1905, Frankl mergulhou nas profundezas da psique humana desde cedo, questionando o que impulsiona nossas ações e molda nossas vidas. Seus questionamentos eram tão proeminentes que, enquanto ainda era adolescente, ele
trocava correspondências com o próprio Freud. Sua busca pelo significado o levou a explorar as complexidades da mente e da espiritualidade, preparando-o para os desafios que estavam por vir.

Sua carreira foi marcada por uma dedicação incomparável ao estudo do ser humano e à busca pelo sentido da vida. Graduou-se em Medicina pela Universidade de Viena em 1930 e especializou-se em Neurologia e Psiquiatria. Entretanto, foi durante um dos períodos mais obscuros da história que Frankl enfrentou seu maior desafio: sua deportação para os campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial.

Sua experiência nos campos, principalmente em Auschwitz, foi um período de sofrimento indescritível, onde Frankl testemunhou a perda da dignidade e da liberdade, diante da brutalidade e da desumanidade, ele foi confrontado com o verdadeiro teste de suas convicções. E foi nesse contexto de extrema adversidade que ele fortaleceu sua compreensão do sentido da existência.

Enquanto outros sucumbiam ao desespero e à resignação, Frankl percebeu que, mesmo nas circunstâncias mais adversas, os seres humanos têm a capacidade de encontrar significado e propósito. Ele observou que diante daquele contexto, o natural seria se render ao sofrimento, e assim como muitos já faziam, dar fim à própria existência, se atirando na grade eletrificada que rodeava o campo de concentração. Porém ele notou que as pessoas que permaneciam vivas por vontade própria, eram agarradas a um sentido, a um significado, como reencontrar familiares (que era o próprio caso de Frankl, que ansiava rever seus pais e sua esposa). Quem se agarrava a um propósito, estava disposto a sobreviver na hostilidade. Foi essa percepção profunda que o inspirou a desenvolver sua teoria, a Logoterapia e Análise Existencial,
uma abordagem psicoterapêutica centrada na busca pelo sentido da existência.

Logoterapia significa terapia do sentido, do significado. O nome de sua abordagem reflete plenamente do que ela se trata. A busca por sentido é uma força que impulsiona a existência humana. Somos seres em busca de significado, constantemente buscando propósito e direção em nossas vidas. Essa busca não se limita à procura de prazer imediato, mas sim à necessidade profunda de compreender nossa existência e nosso papel no mundo. No entanto, quando nos deparamos com a falta desse significado, surge o vazio existencial, uma sensação
de desorientação e falta de propósito que pode levar ao sofrimento psíquico.

Para Frankl, superar esse vazio existencial envolve encontrar significado mesmo nas circunstâncias mais desafiadoras. Isso requer um compromisso com atividades e valores que deem sentido à nossa vida, como o amor pelo próximo, o trabalho dedicado ou a adesão a princípios mais elevados. Ao fazê-lo, transcendemos o vazio existencial e encontramos uma sensação de plenitude e significado que vai além das circunstâncias externas.

Seu livro “Em Busca de Sentido” publicado em 1946, não é apenas um relato de suas experiências nos campos de concentração, mas também uma exploração profunda sobre a natureza do sofrimento humano e a busca pelo sentido da vida. Frankl nos leva em uma jornada emocionante através das profundezas da alma humana.

Mesmo diante do sofrimento e da adversidade, a capacidade de encontrar um propósito mais elevado pode fornecer uma fonte de esperança e resiliência. Sua teoria elenca também a ideia de que os sentidos da vida podem ser encontrados em até mesmo coisas do cotidiano, como por meio do trabalho, família, hobbies, ações que podem parecer pequenas, mas que enchem a existência de significado.

Os ensinamentos de Frankl sobre a importância do sentido da vida transcenderam as fronteiras da Psicologia, influenciando pessoas em todo o mundo. Seu pensamento sistêmico e sua abordagem humanista e esperançosa oferecem um farol de esperança em tempos de adversidade, lembrando-nos da resiliência do ser humano e do poder transformador de encontrar significado mesmo nas circunstâncias mais sombrias.

A vida e obra de Viktor Frankl são um lembrete de que, mesmo em meio ao caos e à desolação, podemos encontrar significado e propósito. Para o professor Johannes B. Torelló:

“Viktor E. Frankl ficará, na história da psiquiatria, como o médico da «doença do século XX»; como defensor corajoso da liberdade humana contra todo e qualquer determinismo científico-naturalista cego; como o admirável fenomenólogo do amor; como aquele que, cheio de otimismo, desvenda no homem uma abertura para a transcendência: com efeito, quem chega a compreender a existência humana como uma «missão» encontrará, mais cedo ou mais tarde, «Aquele que confia ao homem tal missão»”.

Atualmente, em meio ao turbilhão de desafios e incertezas que caracterizam o mundo moderno como a pandemia, guerras, crises econômicas e sociais, a Logoterapia se mostra como uma possibilidade de orientação. Em um contexto onde muitos se sentem perdidos ou desorientados, a ideia de buscar sentido pode fornecer um caminho para lidar com as adversidades da vida. A Logoterapia nos lembra que, mesmo nos momentos mais árduos, sempre há a possibilidade de encontrar significado e propósito, ela nos convida a refletir sobre nossos valores e a encontrar maneiras de viver de acordo com eles, mesmo em meio ao caos e à incerteza. A busca pelo sentido pode nos capacitar a encontrar significado, fornecendo força e resiliência diante das adversidades.

Referências:
FRANKL, V. Em Busca de Sentido: Um psicólogo no campo de concentração. Editora Vozes, 1946.
FRANKL, V. Psicoterapia e sentido da vida: fundamentos da logoterapia e análise existencial; tradução de Alípio Maia de Castro – 7ª ed. – São Paulo: Quadrante, 2019.
NERY, A. A vida sempre tem um sentido? Como encontrar significado nos altos e baixos da sua jornada. Paidós, 2023.

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Viktor Emil Frankl: uma biografia em busca de sentido

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Viktor Frankl nasceu em Viena (Áustria), no dia 26 de março de 1905, em berço judaico, sua família já contava com duas irmãs, seu pai era funcionário público, classe média alta, família vivia uma vida confortável até a chegada da Primeira Guerra Mundial, em 1914, que, assim como outras famílias judias mergulharam na pobreza e passaram depender de esmolas.

Aos 16 anos, enquanto fazia o ensino médio, em meados de 1920, Frankl se mostrava interessado nos estudos da Filosofia e Psicologia ministrou sua primeira palestra com o tema “O sentido da Vida” para o partido socialidade na Universidade Popular de Viena. Nessa mesma época, escreveu seu trabalho de conclusão de ensino médio, sobre a Psicologia do Pensamento Filosófico, publicado em 1923, nisso, começa a se corresponder com o famoso psicanalista Sigmund Freud que não só gosta muito do que lê, como o encoraja a continuar suas pesquisas e estudos.  

Em 1924, cursando o curso de medicina foi presidente do Partido Jovem Trabalhadores Comunistas, onde era membro ainda no ensino médio. Por seu envolvimento político, optou em ficar na Áustria mesmo com a invasão alemã na Segunda Guerra. Aos 19 (dezenove) anos, como estudante de medicina começa a estudar sobre casos de depressão e suicídio, com isso, publica seu primeiro artigo científico na revista International Journal of Individual Psychology. 

Fonte: encurtador.com.br/dopxF

Durante o seu egresso na Medicina desenvolvia lado a lado projetos como a prevenção ao suicídio para jovens estudantes e sempre ligando a filosofia e a psicologia, relacionando-os a vida e seus valores. Em 1926, em um congresso, fala pela primeira vez sobre Logoterapia, que segundo Frankl, seria a terapia focada em buscar o sentido da vida. Em seu livro “Em busca de Sentido” diz que: a logoterapia se concentra mais no futuro, ou seja, nos sentidos a serem realizados pelo paciente em seu futuro. (A logoterapia é, de fato, uma psicoterapia centrada no sentido.) Ao mesmo tempo a logoterapia tira do foco de atenção todas aquelas formações tipo círculo vicioso e mecanismos retro-alimentadores que desempenham papel tão importante na criação de neuroses. Assim é quebrado o autocentrismo (self center edness) típico do neurótico, ao invés de se fomentá-lo e reforçá-lo constantemente. Obviamente esta formulação simplifica demais as coisas; mesmo assim a logoterapia de fato confronta o paciente com o sentido de sua vida e o reorienta para o mesmo. E torná-lo consciente desse sentido pode contribuir em muito para a sua capacidade de superar a neurose (FRANKL, 1985, p. 68).

Para Viktor Frankl, o homem fica de forma centralizada, podendo ser interpretado como o resultado de um conjunto entre o corpóreo, o psíquico e o espiritual, tendo como impulso primário aquilo que chamou de “vontade de sentido”, ou seja, uma disposição a descobrir o sentido da vida, podendo ser encontrado em diversos campos como: a finalização de um trabalho/obra, no amor a si mesmo ou ao outro, na fé, enfim, sentidos diversos e singulares.

Sobre a Vontade de Sentindo, Frankl diz: a busca do indivíduo por um sentido é a motivação primária em sua vida, e não uma “racionalização secundária” de impulsos instintivos. Esse sentido é exclusivo e específico, uma vez que precisa e pode ser cumprido somente por aquela determinada pessoa. Somente então esse sentido assume uma importância que satisfará sua própria vontade de sentido. Alguns autores sustentam que sentidos e valores são “nada mais que mecanismos de defesa, formações reativas e sublimações”. Mas, pelo que toca a mim, eu não estaria disposto a viver em função dos meus “mecanismos de defesa”. Nem tampouco estaria pronto a morrer simplesmente por amor às minhas “formações reativas”. O que acontece, porém, é que o ser humano é capaz de viver e até de morrer por seus ideais e valores! (FRANKL,1985, p. 69).

Fonte: encurtador.com.br/cfFY8

Viktor Frankl fala sobre a Frustração Existencial: a vontade de sentido também pode ser frustrada; neste caso a logoterapia fala de “frustração existencial”. O termo “existencial” pode ser usado de três maneiras: referindo-se (1) à existência em si mesma, isto é, ao modo especificamente humano de ser; (2) ao sentido da existência; (3) à busca por um sentido concreto na existência pessoal, ou seja, à vontade de sentido (FRANKL,1985, p. 70).

O sentido da vida é algo a ser descoberto por cada indivíduo com impulsos primários ao longo da sua jornada, buscando encontrar respostas a suas vivencias diárias e colocando significados norteadores profundos. A Logoteria tem como tarefa ou objetivo principal ajudar o paciente a encontrar sentido em sua vida.

Em 1930, Viktor Frankl começou a ser conhecido e reconhecido em toda Europa como um homem à frente do seu tempo com 25 anos, no corrente ano, resolve fazer residência em neurologia e psiquiatria, nisso, assume uma ala conhecida por pavilhão do suicídio num hospital psiquiátrico em Viena (entre 1933 e 1937), ajudando a prevenir casos de suicídio feminino.

Em 1938, atendia em seu consultório de neurologia e psiquiatria era reconhecido como o criador do novo método de tratamento terapêutico, baseado em preencher o vazio existencial, mas teve que fechar depois do exército nazista anexar a Áustria. Nessa época, tornou-se chefe do Vienna’s Rothschild Hospital e Salva milhares de judeus da morte recusando-se a recomendar eutanásia aos pacientes com doenças mentais.

Fonte: encurtador.com.br/egKU2

Tilly Grosser, recém esposa de Viktor Frankl é obrigada a abortar o seu primeiro filho pelas tropas nazistas. Em 1942, seus pais, irmãs, esposa e ele próprio são encaminhados aos campos de concentração Theresienstadt e Auschwitz. Morrem: o pai e a esposa de exaustão, a mãe enviada à câmara de gás. A irmã sobrevive e foi refugiada na Itália.

Em 1945, acaba a Segunda Guerra e Viktor é libertado após três anos de trabalho forçado e condições sub-humanas. No mesmo ano, retornou para Viena e se tornou o chefe do departamento de Neurologia da General Polyclinic Hospital, escreveu suas ideias no livro “Em Busca de Sentido” em nove dias e lança em 1946. Casou-se novamente, teve uma filha, obteve o título de doutor em filosofia, tornou-se professor na Universidade de Viena (na qual permaneceu até 1990) e em outras universidades americanas, fundou e presidiu a Sociedade Austríaca de Medicina Psicoterapêutica.

Em 1992 foi fundado um instituto em Viena que carrega o seu nome (The Viktor Frankl Institute), considerada a terceira escola vienense, depois de Sigmund Freud e Alfred Adler e recebeu mais de 25 títulos honorários pelas suas ideias inovadoras e legado eterno transmitido em suas obras: Um sentido para a vida: Psicoterapia e humanismo, A vontade de sentido: fundamentos e aplicações da logoterapia, entre outros.

Em 02 de setembro de 1997, faleceu aos 92 anos, sendo vítima de colapso cardíaco.

REFERÊNCIAS

AQUINO, T. A. V. Viktor Frankl: Para Além de suas memórias. Rev. abordagem gestalt. [online]. 2020, vol.26, n.2, pp. 232-240. ISSN 1809-6867. Disponível em: http://dx.doi.org/10.18065/2020v26n2.10. Acesso em: 22 de abril de 2021.

FRANKL. V. E. Em Busca de Sentido. Edição Norte Americana – de 1985. Disponível em: < https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/58/o/Em_Busca_de_Sentido_-_Viktor_Frankl.pdf>  Acesso em: 20 de abril de 2021.

OLIVEIRA, K. G. O sentido da vida, a religiosidade e os valores na cultura surda. (Dissertação de Mestrado). João Pessoa-PB, 2013. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/tede/4239/1/arquivototal.pdf Acesso em: 23 de abril de 2021.

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Pessoas excessivamente voltadas para si mesmas tornam-se frias, diz Alberto Nery

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Psicólogo referência em Logoterapia também alerta que universidades devem ampliar os campos teóricos, hoje focado na Psicanálise ou nas linhas comportamentais

O (En)Cena entrevista o professor da Faculdade de Psicologia do Centro Universitário Adventista de São Paulo – UNASP, Alberto Domeniconi Nery, que vem desenvolvendo um profícuo trabalho de divulgação da Logoterapia, abordagem de base humanista e fenomenológica ainda pouco explorada nas universidades brasileiras.

Na entrevista, Alberto Nery chama a atenção para a retomada do processo de ‘coisificação’ do ser humano, como se o mesmo fosse um homem-máquina. Além disso, alerta para os riscos do fim das utopias, o que acaba gerando um cenário de desesperança e medo. No mais, dentre outros aspectos, Nery destaca a importância de o psicólogo dialogar com várias áreas do conhecimento, como religião, filosofia e sociologia, processo que só enriquece a atuação profissional.

Alberto Nery é mestre em Psicologia Social e do Trabalho pela USP (2014), possui graduação em Teologia pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (1999) e graduação em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2005). Atualmente cursa o Doutorado em Psicologia Social na Universidade de São Paulo, atua como Psicólogo Clínico e professor na Faculdade de Psicologia do Centro Universitário Adventista de São Paulo – UNASP, além de ter experiência de atuação como professor, capelão e pastor em igrejas e instituições da Igreja Adventista do Sétimo Dia.

(En)Cena – Qual o panorama do ensino da Logoterapia nas universidades brasileiras?

Alberto Nery – Na verdade, a presença da Logoterapia nas universidades brasileiras ainda é muito pequena. A maior parte das pessoas com as quais converso, tanto aquelas que já conhecem a teoria, quanto aquelas que estão conhecendo através de uma aula, palestra ou conteúdo que postei nas redes sociais, acabam me falando a mesma coisa: que durante a graduação nunca ouviram falar da Logo. Esse foi o meu caso, por exemplo. Então o que acaba acontecendo é que depende muito do professor, principalmente os de teorias humanistas-existenciais, teorias da personalidade, história da psicologia… Se eles não falam, a Logo não aparece. É uma pena.

As universidades brasileiras em geral preferem ensinar psicanálise e psicologia experimental e suas variantes. Mesmo a psicologia humanista-existencial tem pouco espaço. No Unasp-SP, onde leciono, não temos uma disciplina específica de Logoterapia, mas em todas as disciplinas que ministro, faço questão de mostrar a teoria. Além disso, oferecemos a prática clínica de Logoterapia nos últimos semestres.

A partir das minhas experiências, entendo que deveria haver mais espaço para Logoterapia na Universidade, pois o interesse dos alunos é enorme. As supervisões ficam sempre cheias e com lista de espera… Há um desejo dos estudantes de Psicologia em conhecer outras teorias e assuntos, e a Logoterapia atende essa necessidade, principalmente pela sua perspectiva holística, que abre espaço para um olhar positivo sobre a espiritualidade humana.

(En)Cena – Viktor Frankl foi um grande exemplo de fé no futuro e de resiliência… estes conceitos estão em xeque, na contemporaneidade. Quais as consequências psicológicas decorrentes da degradação das utopias?

Alberto Nery – A consequência direta é uma vida voltada apenas para si mesmo e para o momento que a pessoa vive. As pessoas se tornam mais frias. A perda da esperança no futuro é um dos piores golpes que a sociedade recebe, pois prejudica o desenvolvimento de projetos de vida que envolvem o que está por vir. Essa aliás é uma das características mais fortes da contemporaneidade.

(En)Cena – Há um aspecto transcendente na obra de Frankl. Isso se coaduna com a noção de lançar-se para o futuro. Seria uma boa alternativa para uma sociedade excessivamente imediatista?

Alberto Nery – Totalmente. A Logoterapia incentiva o indivíduo a viver de forma responsável no presente, compreendendo que aquilo que faz hoje irá se refletir no seu futuro. Além disso, apresenta a noção de transitoriedade da vida, o que nos leva a entender que o presente, seja ele bom ou ruim, vai passar, por isso precisamos nos planejar para o que está por vir também.

(En)Cena – Ao que parece, uma das bases epistemológicas da Logoterapia é a Fenomenologia, que faz uma forte crítica ao positivismo ou a ‘coisificação’ do ser humano – a partir do conceito de homem máquina. Parte da Psicologia flerta com esta ideia. Qual a sua opinião sobre o assunto?

Alberto Nery – Pois é, parece que vivemos uma espécie de “revival” das tendências reducionistas e deterministas da passagem do séc 19-20. As mesmas que Frankl e os representantes da Psiquiatria Existencial tanto criticaram. Dessa vez, no entanto, elas se apresentam sob a bandeira da Psicologia Evolutiva e das Neurociências. A meu ver, os efeitos diretos disso são os mesmos que Frankl já apontou no passado. A tendência de olhar para o ser humano como uma “máquina que precisa ser consertada”, e a falta de expectativas positivas em relação ao ser humano. O que prejudica o processo de evolução do mesmo. Mais uma vez, citando Frankl: “se olhamos para o ser humano como ele é, fazemos dele alguém pior. Precisamos olhar o seu potencial, para que ele seja o que pode vir a ser…”

(En)Cena – Atualmente, quais teóricos do cenário internacional vem tocando os estudos em Logoterapia?

Alberto Nery – Estive no último Congresso Mundial de Logoterapia em Moscou, e fiquei animado com o que vi. Muitos teóricos ao redor do mundo levando a Logoterapia adiante. Não daria para citar todos aqui, mas os que me chamaram mais a atenção foram: Dr. Carl Becker (um americano radicado no Japão), Dr. Haddon Klingberg (EUA), Dr. Geronimo Acevedo (um dos pioneiros na América Latina) e o Dr. Marshall Lewis (EUA). Fora isso temos o Dr. Alexander Bathyanny que dirige o Instituto Viktor Frankl de Viena. Mas obviamente estou simplificando aqui, pois há muitas pessoas desenvolvendo a Logoterapia no mundo atualmente.

(En)Cena –  Por que muitos psicólogos ainda não conseguem compreender a interface entre a Psicologia e a Espiritualidade? Há uma diferença substancial entre Espiritualidade e Religião, sim?

Alberto Nery – Eu diria que o problema é que os psicólogos, de maneira geral, sequer têm a oportunidade de estudar o tema nos diferentes programas de graduação e pós-graduação. Como não há espaço para este assunto, então a maioria dos psicólogos não está preparada para lidar com o mesmo. Em alguns casos ainda se ensina que espiritualidade ou religiosidade não é um assunto que deva ser tratado na clínica, isso é um absurdo dado que mais de 90% da população brasileira se classifica como religiosa em algum grau.

Então o que temos na verdade, é uma falta de oportunidades para se ensinar e discutir o assunto. Por outro lado, sempre que o tema é trazido à tona, pelo menos da parte dos estudantes em psicologia, o interesse é grande. Na Universidade de São Paulo, por exemplo, nós temos vários grupos de estudos voltados para essa psicologia religião espiritualidade. Há mais de 30 anos o professor Geraldo Paiva desenvolve essa área, e mais recentemente o professor Wellington Zangari tem promovido o estudo da psicologia da religião e espiritualidade e liderado esses grupos.

Meu orientador, o Dr. Esdras Vasconcellos, pioneiro no estudo e ensino do stress no Brasil, é outro representante da Psicologia na USP que abre o caminho para o estudo da Religiosidade e da Espiritualidade sob a perspectiva da Psicologia da Saúde, tanto em suas aulas como nas dissertações e teses que orienta. Além disso temos a presença do Professor Francisco Lotufo, uma das referências na área, lecionando regularmente no Instituo de Psicologia da USP.

Certamente, hoje no Brasil, a Universidade de São Paulo é um dos lugares mais abertos a esse tipo de estudo. Mesmo sendo uma universidade laica. Creio que isso já está ajudando a mudar esse cenário. Quanto a diferença entre religiosidade e espiritualidade, entendemos que sim, ela existe. E de maneira bem simplificada diríamos que a religião é um sistema de crenças e práticas mais formalizado, ela é a forma, é como a religiosidade se mostra em boa parte dos casos. Já a espiritualidade, tem mais a ver com o conteúdo, com a atitude daquele que crê em algo ou alguém. Não é necessariamente formalizada ou institucionalizada. A espiritualidade pode acontecer na religião ou fora dela basicamente. Essa seria uma das diferenças fundamentais.

(En)Cena –  Quase sempre um bom profissional de Psicologia não fica circunscrito apenas a esta área de saber. É comum ter psicólogos que também se graduam e/ou se especializam em Filosofia, Sociologia, Teologia, Pedagogia e Neurociência, só para citar alguns exemplos. Quais suas outras áreas de interesse/pesquisa? Por quê?

Alberto Nery – No meu caso as áreas de interesse são múltiplas. Minha primeira formação foi em teologia e trabalhei dentro dessa área por quase 15 anos. Ainda hoje é um dos meus grandes interesses em termos de leituras e estudos pessoais. No entanto filosofia também ocupa um lugar importante.  Até porque, a meu ver, é impossível compreendermos o indivíduo contemporâneo sem estudar filosofia e também a sociologia.

Como estou na área do ensino, a pedagogia também faz parte dos meus interesses, não tem como fugir. E das Neurociências nós não podemos escapar, uma vez que ela é parte importante da psicologia. Enfim acho que eu me enquadro no cenário que você descreveu… Assim como muitos outros psicólogos. Nós pertencemos a uma área que nos permite esse olhar múltiplo e colocar isso em prática é essencial. Em termos práticos e de pesquisa tenho estudado principalmente a psicologia da religião, a psicologia da saúde e a psicologia clínica. Minhas pesquisas e estudos estão praticamente todos dentro dessas áreas de abrangência e principalmente, nas zonas de intersecção entre elas.

(En)Cena – O senhor está à frente do Instituto de Psicologia e Logoterapia, em São Paulo, e tem uma forte presença nas redes sociais, com a divulgação das ideias de Frankl. Já há formação on-line oferecida pelo instituto? Em que pé se encontra?

Alberto Nery – O IPLOGO (Instituto de Psicologia e Logoterapia) é o Instituto que eu criei. É uma ideia relativamente nova, que surgiu com o primeiro curso livre de Logoterapia que ministrei em 2017. Desde 2018, iniciei um curso de formação presencial com duas turmas. Na medida em que comecei a divulgar o meu curso e o trabalho do meu Instituto, principalmente através do meu Instagram @logoterapiabr, foi surpreendente o fato de que a grande maioria das pessoas que me procuravam e procuram, são de outros lugares e apresentam uma demanda de uma formação em cursos on-line.

Em função disso no momento estou trabalhando para dar o curso presencial ao modelo Ead. Em agosto abrirei inscrições para a primeira turma de formação em Logoterapia on-line do Brasil. A expectativa que tenho é a de conseguir atingir um número de pessoas que não teria acesso a uma formação em Logoterapia de outra forma. Vale lembrar que iniciativas dessa natureza já são realizadas com sucesso nos Estados Unidos e na Austrália.

(En)Cena –  O senhor também tem uma carreira na docência do ensino superior. Como é conciliar a clínica com a docência?

Alberto Nery – Sim, eu também leciono em um curso de graduação em psicologia no Unasp-SP, e realmente a conciliação da clínica com a docência é um desafio, uma vez que ambas exigem bastante da gente. Por outro lado, a docência nos obriga a estarmos em constante atualização e estudando sempre, o que acaba tendo um impacto positivo na clínica, uma vez que estamos sempre bem preparados. Mas o grande desafio, creio que seja a questão do tempo disponível. Então acabamos fazendo alguns malabarismos para dar conta de ambas as atividades

(En)Cena –  O que mais gostaria de destacar?

Alberto Nery – Gostaria de destacar, que a meu ver, embora com algumas décadas de atraso, finalmente a Logoterapia está encontrando seu lugar na psicologia brasileira. Vejo iniciativas em diferentes lugares, e vejo principalmente o grande interesse dos psicólogos no assunto. Isso é muito importante, porque trata-se, a meu ver, da teoria mais adequada para compreensão do indivíduo contemporâneo.

E, além disso, é uma teoria que pode ser estudada em conjunto, em paralelo com outras. Sendo assim, o conhecimento da Logoterapia só acrescenta em termos de teoria e prática para os psicólogos, ainda que eles sejam de diferentes abordagens. Então, creio que nos próximos anos, ouviremos falar cada vez mais sobre a Logoterapia e teremos cada vez mais logoterapeutas atuando no Brasil. Particularmente, tomei isso como uma missão pessoal e tenho me esforçado para que o cenário mude. Não tenho dúvidas de que isso irá acontecer. Obrigado pela oportunidade de falar da Logoterapia aos alunos da ULBRA.

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Ninfomaníaca I e a Terapia de Sentido

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Ninfomaníaca (2013), de Lars Von Trier, é sem dúvidas um filme perturbador. Uma característica marcante é a sexualidade explícita: nudez, masturbação, orgasmo, excitação, penetração, sexo oral, etc. O filme se inicia com Joe (Charlotte Gainsbourg) abandonada em um beco escuro, inconsciente, cheia de hematomas. Ao vê-la, um homem chamado Seligman (Stellan Skarsgard) a conduz para sua casa, onde presta assistência e, assim, começam a dialogar.

Joe então narra, repleta de culpa, a relação que desenvolveu com o sexo. Sua primeira experiência de descoberta com seu corpo foi aos 2 anos, quando conheceu sua vagina; depois, esfregou sua genitália no chão do banheiro; aos 15 anos, tinha um só objetivo: perder a virgindade. E o fez, com um mecânico, Jerônimo. Depois da experiência considerada por ela humilhante, jurou a si que nunca mais transaria com ninguém – o que durou pouco tempo. Numa viagem de metrô, competiu com sua amiga para ver quem faria sexo com o maior número de homens. O prêmio seria uma caixa de chocolate. Joe perdeu. Todavia, a partir dali, percebeu o poder de atração e/ou sedução que, como mulher, possuía.

Fonte: http://zip.net/bltCjL
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Não tinha habilidades nem experiência profissional (trabalhou, inadequadamente, como secretária), a relação com a mãe era conflitante e, aparentemente, seu pai era a sua fonte de vínculo afetivo com a família. Passou a fazer parte de um grupo feminino, regido por regras claras: “não transe com um cara por mais de uma vez”. O lema era a luta contra o amor, que para elas, não passava de nada além da luxúria. Só que um ideal como esse era difícil de ser seguido para sempre.

Algumas se apegaram aos parceiros sexuais, chegaram a dizer que “o ingrediente secreto para o sexo é o amor”. Todo esse contexto de desconfiança amorosa e de afastamento familiar favoreceu seu investimento libidinal na única origem de satisfação/prazer por ela conhecida: o sexo. E não somente. Passou a ser uma via de fuga, escape, novidade, desespero, exploração. O que pode ser corroborado no fato de Joe ter relações com vários homens num só dia, chegando a 10 (dez) ou 15 (quinze).

Diferentes termos têm sido usados para designar o impulso sexual aumentado, e os mais frequentes são: compulsão sexual, comportamento sexual compulsivo ou impulsivo, adição sexual, transtorno hipersexual e impulso sexual excessivo (SPIZZIRRI, 2015, p. 78).

Muitos estudiosos objetivam determinar os atributos que podem ser considerados para caracterizar o transtorno hipersexual e a maior parte dos teóricos testifica que há a possibilidade de a compulsão sexual ser detalhada pela complicação na regulagem dos pensamentos, ímpetos e ações sexuais que direcionam a uma dor individual relevante e, ainda, efeitos prejudiciais ao indivíduo e a outros (SPIZZIRRI, 2015).

Fonte: http://zip.net/bstC6P
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Descrição que se encaixa com a realidade de Joe. Pois, apesar de ter desejado e ter sido desejada por diversas pessoas, sua vida continuava vazia e monótona, como testificado por ela. Ajudou a desfazer casamento, trouxe dor, mas permanecia indiferente. A busca por sensações ainda não experimentadas continuava. Por diversas vezes resumiu: “talvez meu único pecado tenha sido querer mais do pôr do sol”.

Sob a ótica da logoterapia, uma possível explicação para a experiência supracitada seria o fenômeno do vazio existencial que pode ser compreendido a partir da sensação de tédio (FRANKL, 1984) e pela “’neurose dominical’, aquela espécie de depressão que acomete pessoas que se dão conta da falta de conteúdo de suas vidas quando passa o corre-corre da semana atarefada e o vazio dentro delas se torna manifesto” (FRANKL, 1984, p. 132). Neste caso, o corre-corre pode ser substituído pelo fim da relação sexual.

Para Viktor Frankl, fundador da terapia de sentido, (p. 124, 1984): “a busca do indivíduo por um sentido é a motivação primária em sua vida“, ou seja, “cada qual tem sua própria vocação ou missão específica na vida (…) Nisso a pessoa não pode ser substituída, nem sua vida ser repetida. ” (1984, p.133). Quando essa vontade de sentido não é satisfeita, consequências passam a existir. Um exemplo é a relação direta entre a falta de sentido e a energia direcionada a atividades prazerosas, visando a equivalência.

Fonte: http://zip.net/bktCWr
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Existem ainda diversas máscaras e disfarces sob os quais transparece o vazio existencial. Às vezes, a vontade de sentido frustrada é vicariamente compensada por uma vontade de poder, incluindo sua mais primitiva forma, que é a vontade de dinheiro. Em outros casos, o lugar da vontade de sentido frustrada é tomado pela vontade de prazer. É por isso que, muitas vezes, a frustração existencial acaba em compensação sexual. Podemos observar nesses casos que a libido sexual assume proporções descabidas no vazio existencial (FRANKL, p. 132, 1984).

Num de seus empregos, Joe trabalhou com Jerônimo (sim, o mesmo da primeira vez), alguém que quando reconheceu, desprezou-o. Porém, com o decorrer do tempo, passou a nutrir sentimentos por ele – ela considerava amor. Quando foi se declarar, descobriu que o mesmo havia ido embora. Ficou em estado de choque. Passou um tempo sem conseguir fazer sexo com mais ninguém. No final, ela o encontra no jardim que gostava de ir durante as tardes. Ali, eles se encontram e vão para a casa de Joe. Apesar do desejo satisfeito, no meio da transa, ela começa a chorar: “eu não sinto nada!”. O vazio continuou.

Fonte: http://zip.net/bbtCK7
Fonte: http://zip.net/bbtCK7

Cabe ressaltar que não ficou claro qual situação gerou nela tanto arrependimento. O anfitrião fica, na maior parte do tempo, tentando mostrar à ninfomaníaca que ela não é tão ruim assim, que não é uma pessoa má. A mulher se acusa. Não aceita o rumo que sua vida tomou. No entanto, apesar de Joe apresentar a Seligman um pedaço da sua história, sua expressão facial ainda assim transmite uma impenetrabilidade desconcertante. Trata-se, portanto, de um filme instigante e que vale cada minuto dispensado.

.REFERÊNCIAS:

FRANKL, Viktor Emil. Em busca de sentido. 37° ed. Petrópolis: Vozes, 1984.

SPIZZIRRI, Giancarlo. Compulsão sexual: O impulso sexual aumentado pode acarretar como consequência comportamentos e/ou práticas sexuais excessivas, tanto em homens como mulheres. Psique Ciência e Vida, São Paulo, ed. 127, p. 78, 2015.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

Ninfomaníaca-filme-

NINFOMANÍACA

Direção e Roteiro: Lars von Trier
Elenco: Charlotte Gainsbourg, Stacy Martin, Shia LaBeouf, Stellan Skarsgård, Uma Thurman
 Ano: 2013
Países: Dinamarca, Suécia, França, Alemanha e Reino Unido
Classificação: 18
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