Nunca esqueça: Mãe, você nasceu perfeita!

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A seguir, apresento um poema que reflete minha vivência como mãe solo, estudante e profissional de recursos humanos, inspirada pelas inúmeras mães que conheci ao longo da minha carreira. O poema aborda os desafios da maternidade conciliar, trabalho e estudos.

O despertador toca às 06:00h 

E o dia inicia 

Acordar, amamentar, trocar e para o berçário levar

Afinal, você precisa trabalhar

Ao longo do dia irá chorar

Sabe que seu filho bem cuidado estará 

Mas a meta é se culpar! 

Como ousa maternar, trabalhar e estudar? 

Quanta coragem! 

haja ânimo!

E no mercado de trabalho, intimidada será 

logo dizem: sua produtividade reduzirá 

por fim: estudar

Você precisa se qualificar!

Ahhh

que saudade!

saudade da facilidade 

espontaneidade 

é… junto vem as responsabilidades! 

você precisa ser assídua 

A assiduidade é pré-requisito!

assídua no trabalho 

assídua na criação 

assídua nos estudos 

assídua nos seus cuidados pessoais

e sem reclamar, nem pestanejar!

você precisa saber!

compreender 

Que julgada será

Pela pressa em ir para casa

Pelo cansaço que te arrasa

Pela empresa por chegar atrasada 

e muitos vão dizer: antes de ser mãe sonhava com tantas realizações 

Mas você tem outras preocupações:

O menino? Precisa ser bem criado! 

Os estudos? Precisam estar afiados!

O trabalho? Precisa ser acabado! 

o que ninguém espera é a ação

ou melhor: reação

E então acontece!

Maternar, trabalhar e estudar vai te ensinar

seja paciente, não subserviente 

resiliente!

O mundo precisa entender: mãe você é uma potência! 

tem a impertinência 

de mesmo que com experiência 

não se curvar

a garra

a força

a vontade 

mesmo sabendo da missa muito mais que a metade

para você: reverência 

Se aflige, mas não desiste

mulher tinhosa!

majestosa!

Parafraseando música:

Aproveita! E nunca esqueça que você nasceu perfeita.

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Duas mães

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Nunca acreditei no significado tradicional, quase dogmático, de família. Papai, mamãe, filhinhos. Se fosse assim, pensava eu, quando esse grupo de pessoas se desfazia, não se chamaria mais de família?

Há pessoas que, por questões sociais, e mais profundamente por sangue, acabam por conviver para sempre ou por um determinado momento de suas vidas. Suas existências se entrelaçam ou seguem uma jornada paralelamente. Mas e o que dizer daquelas que se escolhem, sem as relações sociais ou a definições genéticas?

Eu tenho duas mães. Uma a qual estou ligado há 42 anos e nove meses e amo, e outra há 42 anos, e amo. Essa dupla maternidade, unicamente explicada pelo afeto de duas mulheres por mim desfez, pelo menos em minha jornada de autoconhecimento a ideia obrigatória de família do sentido literal, religioso ou mesmo legal.

Uma, Francisca me gerou e escolheu a maternidade. A outra, Cecília, me escolheu. E posso dizer que, entre as poucas certezas que tenho da vida, seu amor é o mais generoso que uma pessoa pode ter pela outra, porque nunca houve uma obrigação moral, genética ou legal dela para comigo. Nossa relação é do mais puro amor.

Era de se esperar, por Francisca ser a pessoa que é, que amasse todos os filhos que viesse a ter. Mas Cecília não gerou filho algum, não planejou ser mãe, não casou, não pensou em ser mãe solo. Nossas existências se encontraram em um determinado ponto, no caso, o meu nascimento, e de lá pra cá, mais de quatro décadas ela provou ter por mim, um amor daqueles raros, de tamanha generosidade e dedicação que conceito algum conhecido de família poderia definir.

Quando criança, falavam “a sua mãe e a sua tia”. Por mais novo que fosse eu dizia “não, ela não é minha tia. É minha mãe”. As pessoas tentam se enquadrar e enquadrar as situações suas e dos outros em estereótipos, arquétipos, caixinhas. Elas fazem isso porque para muitos a vida só tem sentido se explicada dentro de uma lógica social matemática, que é cruel para quem está à margem desse comportamento esperado.

Mas como explicar o amor de mãe que Cecília nutriu, mostrou e prova todos os dias por mim? Eu mesmo nunca tentei explicar porque não vou racionalizar algo que só me fez bem e, acredito, faz bem a ela. E o mais curioso de tudo isso é que meus pais nunca, em momento algum, se enciumaram, ou tentaram tolher essa relação. Muito pelo contrário. Passei a vida tendo duas casas, dois quartos, duas mães e um pai, e isso é máximo de matemática que posso lhes dar, meus caros.

No último dia das mães, liguei para Francisca para dizer que a amo. Ela terminou dizendo algo que jamais esquecerei. “Marcos, eu te amo, você é meu filho. Eu tenho três filhos e, talvez, a Cecília seja até mais mãe sua do que eu, porque eu acolheria você de qualquer forma, mas ela escolheu você unicamente por se sentir sua mãe. Jamais se esqueça disso”.

Sendo assim, eu retiro o conceito ordinário, comum, de família e adoto o de pessoas que se aceitam, se agregam sem explicar suas relações, unidas apenas pelo tipo de amor generoso que não cobra da vida nada além da felicidade do outro.

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Mães que fazem mal: o mais recente livro da psicanalista Silvia Lobo

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O livro “Mães que fazem mal” é uma obra escrita pela psiquiatra e socióloga Silvia Lobo, em uma visão em estudo psicanalítico, tendo como alicerce para sua pesquisa, análise dos relatos de casos acompanhados por ela em seu consultório, sendo os fragmentos apontados na obra, reais, os quais ocorreram na clínica psicanalítica, oriundos das relações entre mães e filhos, sob seu olhar perscrutador e o trabalho do também psicanalista Donald Winnicott.

No primeiro momento, o título causa impacto. E, muitos leitores por certo dirão: Como assim, mães que fazem mal? Sim, a autora em suas observações, percebera que as genitoras, muitas vezes, causaram mal aos seus rebentos, mães que fazem mal, não as definem como ser mães más. Silvia define-as:

“Mães más? O aprofundamento desta reflexão sobre as mães exige cuidado na discriminação entre “fazer mal” e “ser má”. Maldade faz pensar em mulheres intencionalmente cruéis, com comprometimento moral de caráter ou perversas nas relações de afeto. A mãe que faz mal não é a morta, não é a perversa, nem tampouco a insuficientemente boa. Não é má em função da crueldade premeditada ou assumida. Não é má tampouco por ocupar o lugar de objeto mau, fruto da projeção das fantasias ou transformações filiais. É má porque causa mal, faz mal, mesmo sem saber” (pag.14).

             https://www.google.com/search?q=fotos+de+dominio+publcio+da+psicanalista+silvia+lobo

Essa massa materna é razoavelmente bem mais avolumada do que possamos imaginar. A maternidade, culturalmente, é o alvo para toda mulher. Em tempos não tão longínquos, a figura feminina nascia predestinada ao casamento e consequentemente, à maternidade.

As decepções nas uniões maritais, nas relações familiares, ou mesmo por não desejar ser mãe, e não poder externar essa ideia em virtude da manutenção da figura “santificada” da mãe perante a sociedade, podem ser a raiz dos conflitos existenciais. Mães, são mulheres antes de serem mães e, diante das corriqueiras e recorrentes decepções, estão com a sua lotação existencial completa, procurando olhar em qual desses caminhos percorridos se perderam.

Caminham para esse reencontro, e deparam-se diante de um vazio, por não encontrarem o acalento no/do prêmio “ser mãe é padecer no paraíso”, sentem-se enganadas, pois, abdicaram de si pela promessa que receberiam um prêmio, que não sabem de quem, por quem, nem quando. E, nesse labirinto em espiral, evidencia-se robustos e conflitantes sentimentos, de inconformismo, arrependimentos de terem consorciado, da maternidade prematura e/ou tardia, da perda de sua jovialidade que não volta mais.

                                  https://br.freepik.com/fotos-vetores-gratis/mae-depressao/30

Diante dessas emoções controversas e silenciosas, eivadas da culpa, do pesar em pensarem contrariando a cultura, associados às dificuldades na estreiteza dos relacionamentos afetivos, levam algumas genitoras e, não são números irrisórios, a romperem com a ideia de beatitude, da satisfação plena diante da sagrada maternidade e evidenciam-se como seres comuns, com capacidade de fazer o mal, embora muitas vezes sem perceber, sem a sua vontade deliberada e/ou inconscientemente, perceptíveis nos traços das transferências de suas frustrações, nos excessos dos zelos, cuidados, limitação, dominação, castração, pelo puro desejo (imposto) de serem boas, fizeram mal aos seus rebentos.

E, nesse emaranhado de sentimentos e “dessentimentos”, irrefutável que a maternidade se coloca de forma impar para cada mulher. Mães que fazem mal, são àquelas que foram mães sem o desejo genuíno de sê-lo, tornaram-se mães pela falta de opção de evitarem a pressão do seu entorno, vinda pais, amigos, do próprio companheiro, sucumbiram às regras e exigências da sociedade e a obrigatoriedade irresistível, que mulheres tem que ter filhos.

No livro, as “vítimas” das mães que fazem mal, são os filhos, estes sofrem e não percebem o impacto das frustações e dos desejos não experienciados e recalcados pela figura materna, eventualmente, descortinam- os quando já adultos, ao buscarem ajuda terapêutica.

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A autora, declina as várias modalidades de mães que fazem mal, com exemplos, tais como:

A higiênica: “A mãe higiênica traz, muitas vezes, como marca, o ataque à sexualidade.” é aquela mãe correta, que exibe com galhardia o cartão de vacina de seus pequenos como prova de excelência. É asseada, dedicada, aquela que abdica de sua vida em prol dos filhos, muitas vezes, esquecem de sua sexualidade. Porém, com seu olhar proibitivo, inibidor e esterilizador, por vezes acaba por atacar a sexualidade da criança.

Ex.: “ (…)Marina entra para a sessão e encontra a terapeuta usando brincos coloridos, em forma de flor, e olha para eles encantada. Sem hesitação, pede para segurá-los, pega-os na mão e brinca como se fossem animados, até que, em dado momento, interrompe os movimentos e muito séria pergunta:

Silvia, sua mãe morreu?

Como se, na sua experiência, a vaidade e o desejo do feminino só pudessem se instaurar em seu ser quando órfã, sem o olhar materno proibitivo, inibidor, esterilizador (…).”

 

A executiva: “A mãe executiva traz como marca o ataque à competência”. Abandona o trabalho, transferindo-o para a maternidade, sendo esta seu ofício, sua  meta a ser executada com primazia. E não raro, as técnicas laborais são implantadas na criação de seus rebentos, sendo o corpo o meio para o contato físico, sem a presença da emoção, é um comportamento mecanizado, tornando a criança totalmente dependente.

Ex.: “  (…)Renata, mãe de uma menina de oito anos, deixou o trabalho em uma grande empresa para cuidar dos filhos. Sua filha deveria chamar-se Vitória, pois foi, de fato, uma vitória tirar o trabalho da sua vida. Dirige a casa como executiva. Criar os filhos é sua nova função. Enfeitar a filha, vesti-la, arrumar seu cabelo, fazem parte de um serviço, sua rotina diária. Comanda-a nos aspectos mais básicos Desenvolveu um ritual que repete ao chegar ao consultório da terapeuta, antes das sessões: Filha, beber água! Fazer xixi!”(…).

A imobilizadora:” A mãe imobilizadora traz como marca o ataque à alegria”. É aquela que repreende com severidade, quando pensam que o riso o tom de voz, ou a espontaneidade estão além. Cooperar e obedecer, são os verbos mais usados à serviço dos adultos.

Ex.: “(…) Um dia, durante a sessão de análise, lembra-se de um episódio que ocorreu com ela mais crescida, talvez com dez anos, quando ajudava a mãe a limpar a garagem. Ambas se depararam com a varinha de madeira caída atrás de um armário e, surpresa, viu sua mãe atirando-a no lixo. Maura, sem nenhuma hesitação a recolhe e pede à mãe que a guarde, pois poderia precisar usá-la, quando ela chorasse.

Com o tempo, passou a ser vista como uma menina muito boazinha, ainda que silenciosa e tristonha. Maura incorporou a varinha contensora dentro de si.(…)”.

A sofredora: “A mãe sofredora traz como marca o ataque ao prazer e à felicidade.”  É a madre que possui o condão em mostrar que sofre e pontua seu sofrimento de forma taxativa, pois, alardeia que, tanto a maternidade quanto o casamento, não são gratificantes. Buscam em outrem o motivo de suas frustações;

Ex.: “(…) A mãe de Iolanda culpou primeiramente o marido por seu engravidamento – por nove meses não lhe dirigiu a palavra – e, com o tempo, culpou a filha por ter nascido. Iolanda entendeu através do que lhe foi explicado, que nascera porque abortar se mostrou impossível e aprendeu com a mãe que ter filhos implicava em um grande sacrifício, assim como sacrifício também era cuidar da casa e ter um marido”(…).

A litigiosa: “A mãe litigiosa traz como marca o ataque à segurança do ser”.  É aquela que busca rascunhar -se na figura de seu descendente, castrando sua individualidade, impedindo-o de SER. Crer na justeza de seus atos, pois, filhos nascem para ser serem corrigidos, modificados. Fazer deles sua versão renovada, é a prova de sua eficiência perante ao mundo.

Ex.: “Foram incontáveis as vezes em que Rita ouviu da mãe que teria uma roupa bonita para ir à festa se emagrecesse, pois, gordinha como estava tudo que vestisse ficaria feio; que se prosseguisse comendo como o fazia não seria ninguém na vida: sem profissão, sem respeito, sem marido, mas se seguisse o exemplo da mãe estaria salva(…)”.

A eliminadora: “A mãe eliminadora traz como marca o ataque à diferença”. É a mãe em que seu ponto de vista não merece contradição, é único e absoluto e, aquele que ousar a discordar, será eliminado. Posiciona-se dessa forma pela dificuldade em reconhecer que o outro também existe.  Assim agindo, acaba por expulsar, excluir e extinguir, o ser que ela pariu, de seu “ninho”, sendo preterida na relação familiar.

EX.: Ana não era “quem deveria ser” – aos olhos da mãe – logo não era. O único problema foi que, por anos, Ana acreditou nisso. Com o tempo, aprendeu a não mais se importar e se acostumou. Contudo, o costume não a impediu – certo dia, já adulta – de ser surpreendida ao entrar no apartamento novo da mãe e se deparar com uma exposição de fotos nas paredes de filhos, filhas, noras, genros, netos, com a exceção de fotos dela. Não havia uma foto dela sequer, nem de seus filhos, de seu marido. Sua família não figurava naquela galeria, não existia naquela tribo. E foi somente neste momento que pôde pôr em palavras, para si, o que por anos não entendeu (…)”.

A pragmática: “A mãe pragmática traz como marca o ataque à sensibilidade.  É a mãe que invalida as manifestações afetivas de seus rebentos. Pois, crer que a vida sentimental é um empecilho para o curso da vida. Ignorá-la é o ideal que ela aguarda como resposta.

Ex.: “(…) João chega ao consultório com a queixa de estar vivendo uma crise conjugal e não ter repertório cognitivo, nem emocional, para entender as queixas de insensibilidade que recaem sobre ele… Lembra-se com nitidez, em pequeno, voltando da escola, aborrecido com alguma desavença com os colegas ou alguma rejeição, e contando suas desventuras para a mãe, que inconformada, com as duas mãos na cabeça, repetidamente, exclamava: “mas que bobagem! Que bobagem!”. Também se lembra de ouvir a mesma coisa quando chegou a casa entristecido pelo “fora” da primeira namorada… a lembrança delas o atinge, o mobiliza e o conduz a um lugar antigo, dentro de si, onde deixa de se importar. Por isso, fica sem entender o que vive na família e o que a mulher e os filhos lhe cobram. “Não faz sentido”, diz ele (…)”

 A invasiva: “A mãe invasiva traz como marca o ataque à sensualidade”.  É a mãe que, em sua fantasia, crer seja o filho parte de si, são juntos e misturados, um único corpo, a sua extensão e, sem preservar-lhes a intimidade e a privacidade, onde, sem rodeios, não se dá ao trabalho de escusar-se e, sem cerimônia abre, vasculha, apalpa e aperta. Contudo, esse toque, para quem o recebe, apresenta-se como violência, invasão do outro.

Ex.: “(…) Na casa de Celina as portas não eram fechadas. Entreabertas, deixavam quase à vista a movimentação das pessoas nos quartos e nos banheiros. O tempo da higiene corporal era controlado e o contato físico entre as pessoas da família devia ser evitado. O silêncio fazia barulho na medida em que, com presteza, atraía a investigação do olhar materno, desconfiado e perscrutador… Com os anos, Celina descobriu na retenção da urina um modo eficaz de usufruir sensações prazerosas… Adulta descobriu que o prazer sexual só era possível solitariamente, sem a presença de outro, que independente de quem fosse, apresentava-se como temível, bloqueador.”

A sexuada: A mãe sexuada traz como marca o ataque à discriminação.  A autora aduz que esta modalidade de mãe, seja aquela destituída de decência. Esta também, vislumbra nos filhos, sua extensão, expõe-se, desnecessariamente o seu corpo a todo o momento, neutralizando os desejos de sua prole, como se eles não ficassem constrangidos diante de sua nudeza, da sexualidade, dos carinhos e de um ambiente eivado de erotismo para olhos pueris, que por certo, confundem-se entre a excitação e a repressão dos afetos.

Ex.: (…) entrevista inicial a mãe de Pedro relata que fora criada em uma família numerosa onde não havia o proibido, nada a ser vivido com privacidade. Cresceu muito bem assim, com pais e irmãos, todos tomando banho juntos, e por isso sentia-se à vontade andando nua pela casa. Conta, porém, que Pedro padecia de uma permanente agitação, que prosseguia durante o sono e só se aquietava quando entrava com ela na banheira, em água quente, e brincavam por cerca de duas horas. A terapeuta pergunta se cabiam ambos na banheira, sendo ela uma mulher bem encorpada e Pedro um menino forte de cinco anos. Ao que responde rindo que “ficava bem apertado, mas juntinhos, cabiam”. (…) Pedro usa fralda, não dorme fora de casa, recorre à cama dos pais à noite, usa chupeta, mama na mamadeira antes de adormecer e ora mostra-se doce, ora bastante agressivo na relação com os colegas da escola e os professores. Quase na despedida a mãe retoma o tema da banheira e pergunta à terapeuta se vê algum problema na forma como está agindo. E diante de tantas intervenções que se fariam necessárias a terapeuta adia esse manejo e reconhece o prazer evidente que mãe e filho desfrutam nessa brincadeira, mas assinala que a mãe fique atenta à possibilidade de Pedro passar a ter ereção no banho. Esta seria a hora de pararem de brincar juntos na banheira. E assim termina a entrevista… mais tarde, a mãe de Pedro liga e, após uma pausa, disse que não contou no consultório, mas que sim, Pedro já tem ereções há alguns meses, em todos os banhos, e que ela até se divertia com isso, fazia brincadeiras.(…)”.

A “adultizadora”: A mãe adultizadora traz como marca o ataque à afetividade”. A mãe adultizadora, é aquela que ignora a hierarquia familiar, lidando com os filhos como parceiros, tratando-os como seres já crescidos e capazes de digerir suas confidências. Relata-lhes desde os conflitos conjugais aos familiares mais complexos, problemas financeiros, trabalho. Trás à baila o universo conturbado do adulto, lançando os pequenos nos assuntos em que ainda não compreendem e confundem -se. É uma agressão à criança, exposição desarrazoada, quando esta deveria ser envolvida em um ambiente de trocas afetivas e proteção de sua saúde mental.

Ex.: “(…)Antônio, que aos dez anos, passa a estranhar a frequência com que ao voltar da escola encontra sua mãe na casa do vizinho, viúvo e dono de dois cachorros. Desconfia de traição, sofre por meses com esse pensamento que a ninguém pode ser revelado; sente culpa e temor de acerto em sua suspeita. Por fim, resolve falar com a mãe e recebe dela a confirmação como resposta. Recebe também a descrição da vida conjugal de seus pais e da insatisfação sexual e afetiva vivida pela mãe na relação com seu pai… vê-se compelido a entender as razões apresentadas pela mãe. Acredita poder manter-se neutro nessa história sem precisar tomar partido, mas curiosamente passa a ter dificuldade em olhar seu pai de frente, passa a ter crise de vômitos – às vezes sem nada ter comido – e, por fim, o sono fica intermitente, interrompido por sonhos, nos quais bichos sobem pelas paredes de seu quarto ameaçando seu corpo indefeso. Antônio desassossegado paga alto preço por ter abrigado o segredo da mãe”.

A desafetada: “A mãe desafetada traz como marca o ataque à individualidade”. É a mãe que proporciona trocas afetivas como o abraço, o beijo, o contato corporal, como carícia, são inexistentes, só aparecem quando necessário aos cuidados para com a saúde ou perante uma hostilidade, quando o toque faz -se imperioso.

Ex.: “(…) Lembro-me de Dulce, amiga adolescente, quarta filha de nove irmãos, criada em uma família na qual a afetividade não se expressava, na urgência dos irmãos mais velhos cuidarem dos mais novos e a mãe exaurida sempre às voltas com algum novo recém-nascido. Não havia tempo para afeto. Chamava minha atenção a frequência com que nas relações de namoro Dulce ostentava marcas de violência na forma de hematomas, cortes na pele provindos de relações sexuais onde ela solicitava apertos, tapas e xingamentos para sentir um envolvimento amoroso. Prova sensorial equivocada para acreditar na intensidade do vínculo”.

A mãe misturada. A mãe misturada traz como marca o ataque à percepção. Essa modalidade de mãe, acha que os pimpolhos são de sua propriedade, “não conseguem tomar distância da realidade dos filhos, interferem, invadem, desapropriam e se apropriam do que não lhes diz respeito, convictas de que fazem o bem”. São mães e filhos que coabitam o mesmo teto, porém, não se (re)conhecem, vivem isolados no mesmo espaço.

Ex.: “Foi assim com Paula, que com catorze anos viu a festa de seu aniversário invadida por caixas e mais caixas de cerveja. Surpresa preparada pela mãe como presente. Paula, porém, não tomava cerveja, seus amigos tampouco e nada havia sido comprado de suco, refrigerante ou água. Na queixa de Paula, sua mãe a vê mal-agradecida, ingrata, do contra. Não há espaço para se questionar sobre o que fez.( …) também aconteceu com Pedro quando convidado por sua mãe para jantar. O convite incluía apenas a ele, nem o pai, nem a irmã. Era seu aniversário. Orgulhoso, vestiu sua melhor camisa e amarrou o cadarço do tênis que usava solto todo o tempo. No restaurante, para sua surpresa, os esperava um homem que lhe foi apresentado como sendo aquele por quem sua mãe se apaixonara. Nas palavras dela, ele não deveria se preocupar com o pai, pois ela prosseguia gostando dele e não deixaria nunca a família para ficar com o amante… agora que já era um rapaz em seus treze anos, como a vida era complexa e cheia de desafios. Pedro teve vontade de chorar, mas conseguiu se conter, também não protestou. Tentou, sinceramente, entender e se portar crescido, mas foi demais, pois em dado momento foi acometido por uma crise de tosse, seguida de um grande mal-estar e o jantar teve que ser interrompido. Nunca mais viu aquele homem. Teria sua mãe entendido a violência daquele encontro? Pedro nunca soube, não perguntou, não falaram nunca mais sobre o fato, como se aquela noite não tivesse acontecido”.

A mulher tem sido tratada ao longo da história, como ser um secundário. Nascera para ser manejada, ultrajada, vilipendiada. Para romper com essa visão, ainda recorrente e resistente e, alçar o patamar o qual galga hoje, lutas muitas acirradas aconteceram e ainda continuam para que seus direitos, desejos e vontades sejam respeitados.

O objetivo do livro, é convidar e instigar o leitor a uma reflexão, como aduz Silvia lobo: “ o olhar sobre o novo poder das crianças e o desamparo de todos nos tempos atuais, a idealização da maternidade, a função da mulher na sociedade brasileira e a recriação da figura materna, entre outros temas relativos à maternidade”. Tendo como ponto de partida, a história de lutas da figura feminina, em busca de “convencer” a sociedade, que são dotadas de desejos, vontades e defeitos como um ser normal e, que a maternidade, não as tonam um ser dadivoso e celestial.

Pode-se afirmar ainda, que a presente obra, acresce, a partir do título, a curiosidade da figura materna em buscar (re)conhecer-se em qual conceito se enquadra como mãe e como mulher.

 

 

Minibiografia sobre a autora do livro:

Silvia Lobo é psicanalista, socióloga e docente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, membro do Espaço Potencial Winnicott-SP, autora de diversos artigos publicados em revistas especializadas, no Brasil e no exterior. Em 2016 publicou em coautoria com Cris Bassi (uma de suas pacientes) o livro A paciente, a analista e o Dr. Green: uma aventura psicanalítica, livro finalista do Prêmio Jabuti.

 

Referência

LOBO, Silvia. Mães que fazem mal. São Paulo: Editora Pasavento, 2020.

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MOM – A determinação de uma mãe

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Nunca subestime o amor de uma mãe

Fonte: encr.pw/lQdby

Devkay (Sridevi Kapoor), está brilhante neste papel de mãe absolutamente apaixonada pelos filhos. Sua filha Arya (Sajal Aly), vai a uma festa e na saída é estuprada por quatro criminosos, levando-a quase à morte. Por não conseguirem justiça Devkay começa a urdir uma vingança, pois sua alma ferida de morte não aceita que a filha seja injustiçada. Por si só esta narrativa seria muito interessante de discorrer, pelos seus altos e baixos, pela dor da filha agredida, a dor dos pais pela impotência, os vários desdobramentos psicológicos aos quais à família passa a viver. O filme chama a atenção do público para o problema social em que vivem as mulheres na índia, deixando em evidência os estupros coletivos, segundo Fundação Thomson Reuters, a Índia liderou o ranking de violência contra a mulher e foi considerado o país mais perigoso do mundo para elas viverem.  Segundo a entidade, os estupros registrados pela polícia aumentaram em 83% entre 2007 e 2016, entre muitos outros fatores sociais. Mas vamos nos ater à vingança. Depois do episódio ocorrido, gera na família uma grande angústia deixando os dias serem arrastados num conflito interior que chega ser visível aos olhos de quem assiste. Teríamos material para discorrer também neste tocante por várias laudas, mas o que desejo tratar aqui é sobre a vingança, articulada, planejada e executada. 

Devkay se une ao detetive particular Daya Shankar (Nawazuddin Siddiqui), em sua vingança
Fonte: encr.pw/w6XTl

Pois bem, ao ver que a justiça não será feita e que os algozes sairão pela porta da frente dos tribunais tendo uma vida normal, e que sua filha talvez nunca mais se recuperasse dos danos físicos e morais a que foi exposta, Devkay resolve fazer justiça com as próprias mãos.  Talvez nem ela soubesse a força que teria para pouco a pouco ir dizimando os culpados pelos padecimentos que ora passa sua família. O mais atraente nesta película é que não se trata de uma vingança qualquer, a mãe articula seus passos de uma forma organizada, pensada, coloca todo o peso de seu coração, da sua emoção esmagada pelo constrangimento do ocorrido. Devkay sem cismar assumiu dentro de si a síndrome de Dr. Jekyll e Mr. Hyde”, bastava saber qual deles ela alimentaria mais. Podemos até vislumbrar Devkay em sua luta, pensando encimesmada como o Mr.Hyde, ou nós apenas supomos que ela teria esta luta moral dentro de si e por isso pensaria após cada ato de vingança: vi-me diante da encruzilhada fatal, poderia ter me tornado um anjo, ao invés de um monstro, doravante terei duas personalidades. Não me pareceu que ela hesitasse.

Primeiramente Devkay se une a Daya, detetive particular que a ajudou investigando os passos dos meliantes, pois a polícia nada pôde fazer diante do poderio dos acusados. A vingança começa. O primeiro estando muito bêbado foi atraído por uma mulher em um bar, e ao acordar, se viu sem seu pênis, havia literalmente sido castrado; horrorizado com o acontecido, entrou em desespero, caiu no banheiro e veio a óbito. Por sua vez, ela mantém suas funções normais de mãe, dona de casa e professora, se mantém impassível, como se existisse ela, a família e o drama particular que os acometia. Como Devkay era bióloga tinha grandes conhecimentos nesta área e usou disso para sua segunda vingança que alcançaria dois acusados, ela fez cianeto de sementes de maça na casa do acusado, colocou em seu suplemento alimentar e fez parecer que tinha sido o amigo. Ele não morreu, mas se tornou incapaz, e o outro foi preso suspeito de cometer o ato criminoso. Segundo estudiosos do assunto, ingerir duas chávenas de sementes de maçã moídas pode ser fatal. Um grama de sementes de maçã finamente esmagadas ou mastigadas pode fornecer até 0,06-0,24 mg de cianeto, alerta um nutricionista.

A máxima da época da babilônia “olho por olho, dente por dente” estava prevalecendo na trama. Esta máxima servia para descrever a lei de talião (ou lei da “retaliação”) como maneiras de “acerto de contas, o agressor sendo punido em igual medida do delito cometido. A mãe não se dava por vencida, cada vez mais seus esforços se multiplicavam em prol da punição dos malfeitores, não ficamos felizes quando descobrem que é ela e ainda por cima , ainda matam seu marido; embora no final o último acusado tenha sido morto por suas mãos. A vingança como povoa nosso imaginário, pensar nela como uma forma de restabelecimento de danos que ficaram com as aparas soltas, assim como se fosse um equilíbrio morno dos danos sofridos. Como nossa mente vagueia junto a esta mãe, como se estivéssemos dando-lhe asas, infringindo-lhe forças para que continue, para que não pare, sentimos juntos a sua dor, sua revolta e queremos junto a ela que se faça justiça.  E junto a ela assumimos também nossa porção Mr. Hyde.

Mom no auge de seus pensamentos de vingança.
Fonte: encr.pw/lQdby

É um filme notável e instigante do começo ao fim, nos coloca dentro da trama, nos coloca sendo essa mesma mãe querendo vingança, é inteligente com atuações dignas de nota. Pelo lado da vingança em si, notamos que a medida que trama e a vingança vai acontecendo,  Dvekay vai se tornando arredia, triste, nada abala seus propósitos, mas seu viço aos poucos vai sumindo, se extinguindo, talvez pela  sombra que já ameaça extinguir com sua luz interna, que se perdeu naquele fatídico dia nos tribunais. Segundo a dra. Gwen Adshead (2022, s.p.) “todos nós temos a capacidade de produzir muita maldade, embora a maioria de nós felizmente nunca o fará, a maioria de nós temos demônios que precisam ser explorados”. Será que foram estes demônios que sobrepujaram o raciocínio de Devkay, ou o nosso quando nos sentimos impelidos a desejar o mau do outro? Ou foi realmente só o amor pura e simplesmente, querendo reparos para suprir a dor da pessoa amada que foi atingida, são tantos questionamentos, acerca do filme e de nós mesmos.

Podemos crer também em alguns estudiosos que nos garantem que somos ao mesmo tempo luz e sombra, e que quando nos deixamos levar por nossas emoções em descontrole a sombra prevalece. É assustador pensar que existe tanta sombra dentro de nós que nos faça ser maus, mas deixando a moral estética de lado, por que nos sentimos tão fascinados com filmes como este, qual a mola que nos movimenta quando torcemos por Devkay, será que nossas sombras, ou seja, tudo que nós negamos ou reprimimos pode se expressar de forma negativa? A psicanalista Andréa Ladislau salienta que “A sombra é um ‘eu escondido’ cujas manifestações são rejeitadas por nós a todo o tempo”. será que se tivéssemos condições que favorecem maus comportamentos, usaríamos a barra da moral como intervenção como cura interna?  é melhor que saibamos, pois de uma coisa temos certeza, de médicos e monstros todos temos um pouco. Assistam, super recomendo, e questionem-se, quem é você diante desta história?

DETALHES TÉCNICOS                      

Nacionalidade Índia

Ano de produção 2017

Tipo de filme longa-metragem

Idiomas Hindi.

MOM

Diretor: Ravi Udyawar

Elenco: Sajal Aly, Sridevi Kapoor, Nawazuddin Siddiqui

Referências

Biblioteca Pública do ParanáCândido 134 — janeiro de 2023. Romance gráfico – O médico e o monstro. Disponível em: https://www.bpp.pr.gov.br/Candido/Pagina/Romance-Grafico-O-Medico-e-o-monstro#:~:text=Jekyll%2C%20um%20respeitado%20m%C3%A9dico%20ingl%C3%AAs,XIX%2C%20um%20amigo%20do%20Dr.. Acesso em 28/02/2023

CANDIDO, Isabella. 2020. Disponível em: https://contrapontodigital.pucsp.br/noticias/onda-de-estupros-coletivos-faz-da-india-o-pais-mais-perigoso-para-mulheres-viverem. Acesso em 28/02/2023

Como extrair o cianeto da maçã? 2020/2023. Disponível em: https://treinamento24.com/library/lecture/read/702069-como-extrair-o-cianeto-da-maca. Acesso em 28/02/2023.

NABUCO, Cristiano. 2019. A psicologia da vingança: o outro lado da moeda. Disponível em: https://www.fasdapsicanalise.com.br/a-psicologia-da-vinganca-o-outro-lado-da-moeda/. Acesso em 27/02/2023

SERRANO, Carlos. 2022. ‘Todos temos potencial para virar monstros’, diz especialista em serial killers. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-61310756. Acesso em 27/02/2023

Todos temos um “lado sombra” da personalidade: o que é e como lidar com ele. Portal de Divulgação Científica do IPUSP-Instituto de Psicologia da USP. Disponível em: https://sites.usp.br/psicousp/todos-temos-um-lado-sombra-da-personalidade-o-que-e-e-como-lidar-com-ele/. Acesso em 28/02/2023

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Relato de uma mãe solo – quando decidi que meu limite é o céu

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Desde tenra idade tinha o desejo de ser mãe, pois venho de uma família de classe baixa e por ser a primeira filha, foi me dada a responsabilidade de ajudar a cuidar dos demais irmãos. Isso aguçou em mim o instinto maternal. Ainda muito nova me apaixonei e me deixei levar por essa paixão que levou a um relacionamento sério, depois de alguns anos tive o privilégio de gerar e dar à luz a um filho. Desde a gestação foi muito amado por mim. 

Nos primeiros anos de vida dele tive que ter muito manejo e destreza com as contas, pois meu orçamento era muito apertado. Esse foi um dos motivos pelo qual eu me submeti a viver em um relacionamento abusivo por quase sete anos, já tinha uma profissão, pedagoga, e decidi que durante as séries iniciais iria trabalhar em escolas particulares para dar ao meu filho uma educação melhor que a que tive. Porém, salário de professor, principalmente de ensino fundamental, não era tão bom, e isso era um dos motivos. Eu tinha medo de não dar conta de cuidar do meu filho e no fundo eu amava mais o “traste do ex-marido” que a minha própria vida.

Depois de ser traída por muito tempo, e por não ter mais harmonia em casa, eu chorava frequentemente porque eu via o meu “sonho de criança” de ter uma família carinhosa e presente, estava de fato só no sonho. Até que num belo dia cheguei no trabalho às sete da manhã destruída por dentro, mas estava lá para trabalhar e com o rosto inchado de chorar, uma colega conversou comigo de uma maneira que me fez perceber que eu tinha valor e que eu precisava tomar uma atitude. 

Fonte: Imagem de Dércio Comuana por Pixabay

Foi quando decidi que mudaria de cidade para tentar viver uma nova história. Quando falei para o meu filho, que desde muito cedo aprendeu a cuidar de mim (pois criança só é criança, mas percebe tudo à sua volta), ouvi desse menino de apenas 6 anos: “Mamãe não chora, vai ser melhor nós dois”. Essa era de fato a folha que eu precisava para escrever uma nova fase da minha vida. 

Foi então em julho de 2012 que vim para Palmas, onde não conhecia nada, mas Deus providenciou tudo para mim neste lugar. No mesmo mês que cheguei já encontrei trabalho. Minha rotina era puxada, andava de coletivo com uma criança, a mochila e uma bolsinha com a comida e lanche do dia, pois só voltávamos à noite para casa. Depois de um ano só com meu filho, consegui fazer coisas que antes eram quase impossíveis, pois sempre que eu compartilhava com o ex algo que queria conquistar, recebia um balde de água frio e o sonho era deixado de lado. 

A partir do momento que tomei as rédeas da minha vida me vi como um “cavalo selvagem” com um enorme campo para desbravar. Decidi que meu limite é o Céu: tirei minha habilitação, meses depois consegui comprar um carro, voltei a estudar e desde então nunca mais parei. Posso dizer sem medo de errar meu filho estava certo, até aqui foi muito melhor nós dois. Ficamos ainda mais unidos, pois, sempre procurei dar a ele mais presença que presente, mais amor e carinho e recebo isso de forma recíproca. 

Hoje tenho um adolescente de quase 17 anos, obediente, educado, inteligente. Está no 2º ano do ensino médio em mecatrônica, e sabe qual o sentimento que ele apresenta pelo pai? Medo, receio, e evita visitá-lo. E eu que enquanto estive casada não tinha nem habilitação, hoje sou totalmente independente e serei uma eterna estudante, pois não sou inteligente, mas sou esforçada e determinada e por meio do conhecimento procuro ser uma pessoa melhor a cada dia e consigo proporcionar a mim e ao meu filho uma qualidade de vida e saúde mental. 

E confesso, isso não tem preço.

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Como mães feministas têm criado/educado seus filhos?

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O curso de Psicologia conta, em sua grade curricular, com o Estágio Específico em Processos institucionais e de Saúde, contexto em que o portal (EN)Cena é um dos cenários de prática. Durante o estágio foi percebido o quanto questões culturais afetam a saúde mental das pessoas, e com intuito de estudar e aprofundar esses aspectos no que tange principalmente a saúde mental da mulher, propusemos essa roda de conversa com a intenção de conhecer e entender como mães feministas têm criado/educado seus filhos (meninos).

O bate papo foi mediado pelas estagiárias, Bárbara Fronza e Mayara Bezerra e pela supervisora de campo Mayelle Batista da Silva. As participantes do bate papo foram escolhidas e convidadas a partir de indicações das estagiárias, sendo A. mãe de dois meninos de idades 6 e 9, M. mãe de dois meninos com idade 6 e 8, e R. mãe de dois meninos com idades de 2 e 7 anos.

O bate papo ocorreu virtualmente na plataforma Google Meet, o formato foi diretivo, porém livre para assuntos e temas fora das questões estruturadas, que apesar de não atuarem diretamente no tema proposto, acabam por entrar no cotidiano das mães, suas famílias e rotinas. 

Foram apresentadas algumas questões disparadoras para promover as discussões, conforme apresentado a seguir:

(En)Cena: Como vocês se descobriram feministas?

  1. sic [quando eu descobri que o meu segundo menino era menino, eu falei graças a Deus, eu já entrei nessa loucura, vamos endoidar de vez, a casa vai ser barulhenta e pendurada, do jeito que já era o primeiro. Não que a menina não pudesse né, mas que eu já estava acostumada naquele ritmo e eu sempre falei tenho medo de ter filha mulher porque eu não sou delicada e não sei ser delicada, fui criada em um meio muito conservador, então naquele momento da minha vida tudo isso representava uma quebra muito grande da imagem que a gente tem de que uma menina tem que ser assim].
  2. sic [sempre fui muito contestadora, meus pais sempre foram muito machistas, criaram eu e minha irmã de forma muito machista, do tipo ‘tem que casar virgem meninas são pra casar’, mas eu só queria saber de estudar. Me assumir feminista foi um processo natural, eu já era feminista antes de ser mãe, ser mãe de menino só reforçou minha preocupação, a partir do momento que fiquei grávida e vi que era um menino, pensei “e agora, como vou criar esse menino diferente dos homens que eu conheço?”, “como vou fazer isso em mundo extremamente machista?”, a gente tá cercado o tempo todo de atitudes machistas e muitas vezes as pessoas nem se dão conta que alguns comportamentos são comportamentos machistas].
  3. sic [eu sempre fui a ovelha negra da família, tenho quatro irmãos, tem a minha irmã, ela é mais velha e temos a diferença de 10 anos e no meio de nós tem três homens então praticamente fui criada com eles, sempre vivi no meio de homens, meus pais não eram preconceituosos,  mas também não entendiam, não incentivavam, tinham atitudes diferentes, era o que é sociedade achava e colocava como normal para eles né então tem muitas coisas do tipo de dormir na casa de amiga, viajar sozinha escolher que faculdade queria fazer, colocavam barreiras, não eram explícito o que eu não poderia fazer mas eles também não gostavam e não incentivaram, mas enfim, eu sempre quis fazer minhas coisas].

Durante o bate papo as convidadas trouxeram assuntos que são relevantes, mas que na prática acontecem diferentemente de como são abordados na teoria tipo: inclusão social, sentimentos, tarefas domésticas e divisão de afazeres, machismo e diversidade de gêneros.

(En)Cena:  Qual é a maior dificuldade em educar meninos sendo uma mãe feminista?

  1. sic [os meninos são ensinados a não chorar, aqui em casa fazemos diferente, os meninos choram, demonstram fragilidade, mas a minha maior dificuldade é ensinar eles a expressarem sentimentos e ao mesmo tempo serem fortes.]

O assunto “expressão de sentimentos” foi muito explorado durante o bate papo, e elas trouxeram questões sobre o quanto abordar esse assunto é relevante, tal como uma das convidadas aponta:

  1. sic [tratar de sentimentos é muito importante, principalmente porque hoje existe muito o fato de inclusão social e meu filho estuda com um colega especial (autista) por isso tento explicar que existe uma diferença, mas as vezes fico em dúvida se é bom falar mesmo sobre essa diferença ou não, por causa de brincadeiras que podem não ser interpretadas da mesma forma, mas eu tento explicar.]

Do mesmo modo, elas trouxeram a questão da diversidade em várias perspectivas, incluindo assuntos sobre gênero e família:

  1. sic [existem diversos formatos de família e fazer ele entender isso com naturalidade é a melhor coisa, achamos que não vamos dar conta, mas sendo mãe a gente dá. É responder apenas o que é perguntado e eles vão entendendo de forma natural e sem preconceitos.]
  2. sic [como não convivemos com nenhum casal homoafetivo, fico pensando que se eles não conviveram não vão entender, e por isso tenho exposto eles a conteúdos que tratam sobre esse assunto, para que eles aprendam de forma natural sem que eu tenha que sentar e conversar sobre esse assunto.] 

(En)Cena: Sobre a afirmação “ser mãe é sinônimo de culpa!”, vocês sentem esse sentimento?

  1. sic [a culpa é uma coisa que me acompanha em todos os aspectos da minha vida, com os meus filhos ela é terrível, então assim, se não tá comendo a quantidade de vegetais que eu queria, é minha culpa e aí eu me sinto mal por causa disso, eu me culpo e acho que a culpa acaba atrapalhando a gente de prosseguir, não é uma definição ou uma estratégia ela só é um peso, não é nada que ajuda em muita coisa mas eu me sinto culpada em tudo e em todos os aspectos da vida deles.]
  2. sic [nunca tive, sempre quis ser mãe, desde pequena essa foi a única decisão que tive e não mudei ao longo da vida, que quando veio para mim foi muito resolvido, outra questão que sempre tive é que eu teria uma profissão e iria exercer essa profissão, que eu não renunciaria a ela por nada e nem por ninguém.]
  3. sic [essa questão de mãe que abre mão é algo que queria fazer se tivesse disponibilidade financeira, mas não, também nunca tive aspiração de ser só dona de casa, a maioria das mulheres que conheço e que fizeram isso, hoje são mulheres de meia idade e são frustradas, pois deixaram de viver a vida delas para viver a da família.] 
  4. sic [sou bem resolvida nessa questão da minha vida, graças a Deus cheguei nela pelos caminhos que foram me levando, trazendo onde estou, tanto é que tive filho mais velha, fiz minhas coisas, quando chegou a maternidade eu estava mais madura, então a maternidade veio realmente para somar no meu relacionamento e na minha vida, então em relação a ter tido essa escolha de ficar em casa e cuidar dos meninos foi uma escolha minha mesmo, sempre tive uma rede de apoio muito boa, de mãe, sogra, pai, irmãos e condições financeiras também, mas comigo já foi o contrário quando eu estava no meu trabalho eu não estava completa eu ficava só pensando no meu filho, então quando resolvi sair do emprego e fui para dentro de casa cuidar 24 horas, ficar por conta  de ensinar e participar e está ali junto isso me completou  e me deixou bastante feliz.]

Além desses assuntos, foram abordadas outras temáticas relevantes associadas ao modo de como a cultura influencia na educação e no modo de como essas mães se posicionam em relação ao ambiente e a cultura que elas estão inseridas, mas isso será assunto de outra produção, considerando a relevância que esses temas têm para a sociedade em geral, bem como em relação a saúde mental da mulher.

As mães participaram de forma muito ativa e descontraída, trazendo relatos e experiências pessoais e familiares, com exemplos de como ensinam os seus filhos assuntos como: divisão de papéis, tolerância à frustração e como naturalizam isso, instruindo eles a demonstrarem sentimentos e ao mesmo tempo se defenderem, respeitando as diversidades mesmo quando essas não são do convívio deles, tornando assim, esses assuntos mais naturais construindo novos repertórios comportamentais numa direção muito mais diversa e de aceitação.

Embora as convidadas tenham relatado sobre essas experiências, ainda assim, estas são passivas de generalidade, considerando que são muitos os fatores que influenciam na realidade social e cultural de cada indivíduo e família.

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Textão anti-mães para o dia das mães

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O bom é entender que não escolhemos nossos pais, que eles não são perfeitos e nem temos como determinar como deveriam agir conosco. Eles fazem suas escolhas, com as ferramentas que possuem e vão até onde estão autorizados a ir

Suponho que não haja nada mais idealizado que a maternidade. Idealizamos e também naturalizamos, como se ela fosse resultante de uma maravilhosidade própria da mulher e não algo que muitas vezes é imposto como via régia do feminino. Como se uma mulher que não se torna mãe fosse incompleta e imperfeita.

As mães exaltadas nutrem, cuidam, se dedicam, amam incondicionalmente, acalentam, e são até mesmo capazes de abdicar de si mesmas e de suas próprias vidas em prol do filho. Tanto que um abandono de pai é aceito e até esperado, mas abandono de mãe revolta, é algo realmente inaceitável.

No meu campo de trabalho lido cotidianamente com as mães de pessoas com problemas mentais de toda ordem. Na infinita maioria dos casos, são elas que se responsabilizam pelo cuidado do filho, enquanto que o número de pais que abandonam a família com o aparecimento da doença é enorme.

Fonte: encurtador.com.br/jtPX9

Vendo essas mães, muitas delas solitárias e completamente anuladas na vida pela condição de cuidadoras, sempre me pergunto:

Será que elas não teriam escapado da maternidade se tal saída fosse mais acessível e aceitável? Será que o que chamamos de amor incondicional de mãe – esse que faz a mulher anular a si mesma pelos filhos – não é apenas efeito de um ideal de maternidade por meio do qual valorizamos a mulher, mas também a aprisionamos? Será quantas vezes essas mães também já tiveram vontade de abandonar tudo para viver uma vida própria, que não fosse a dos filhos? Será que elas não cederam a tal desejo, simplesmente, porque seria considerado um pecado imperdoável para elas? Será mesmo as mães seriam tão boas, dedicadas e perfeitas se a sociedade não fosse tão dura e cruel em cobrar isso delas?

Fonte: encurtador.com.br/lqvB8

Questões aos filhos:

Você acha mesmo que é tão especial e maravilhoso a ponto de pensar que ser sua mãe seria suficiente para satisfaze-la, e que faria ela não desejar mais nada além disso? Você acha mesmo que sua mãe não seria capaz, e até gostaria muito, de se ausentar mais vezes das suas responsabilidades como mãe se isso não fosse tão interditado para ela? Você acredita que não houve nenhum momento em que sua mãe se assustou com a maternidade, se sentiu impotente ou odiou ter que cuidar de você, e sentiu vontade de abandonar tudo? Você acha que ela não teria partido se a culpa não fosse tão pesada para ela?

Você acha mesmo que sua mãe prefere cuidar de você e das responsabilidades maternais ao invés de se ocupar das coisas que realmente gosta de fazer sozinha ou com outras pessoas que não você? Você acha que ela não seria um pouco mais “egoísta” caso fosse autorizada a ser?

Fonte: encurtador.com.br/erxRY

Questões a nós mulheres:

Quem sabe nós mulheres não recuaríamos tanto quanto os homens quando o assunto é criar filhos, caso tivéssemos mais autorizadas a isso?

Quem sabe nosso sucesso como mulher esteja ligado à uma certa queda no ideal da maternidade?

Quem sabe teremos filhos mais maduros e responsáveis se estivermos mais dispostas a recuar e sem medo de errar como mães?

E quem sabe se nos autorizássemos mais a vacilar como mães teríamos mais pais se sentindo obrigados a sustentar sua função?

Eu tenho mais perguntas do que respostas para este tema, mas tendo a não comprar a ideia de que idealizar a maternidade seja boa uma estratégia para valorizar a mulher ou o feminino. Tendo a pensar que isso só tem nos aprisionado numa perfeição que não é natural, mas imposta. Há quem defenda que os homens devam ser como as mulheres no quesito cuidar da prole, eu proporia exatamente o contrário: que nós mulheres fôssemos mais autorizadas a fracassar, tal como os homens.

Fonte: encurtador.com.br/DJQ14

Ao que parece, estou fazendo um textão anti-mães para o dia das mães, O fato é que não é fácil ser pai e mãe, e que todos fracassamos em alguma medida, e a diferença pode ter sido apenas essa: SEU PAI FOI AUTORIZADO A FRACASSAR E SUA MÃE NÃO.

O bom é entender que não escolhemos nossos pais, que eles não são perfeitos e nem temos como determinar como deveriam agir conosco. Eles fazem suas escolhas, com as ferramentas que possuem e vão até onde estão autorizados a ir, cabe a nós como filhos, apenas decidir se vamos amá-los mesmo assim, ou não.

E o melhor de tudo é saber que amar não tem nada a ver com sucesso ou fracasso.

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Do querer que há e do que não há em mim

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Enquanto eu pensava o que escrever sobre esse 8 de março de 2019, recebi uma mensagem de meu pai no grupo da família com um acróstico com a palavra Mulher. No M duas outras palavras: mãe e mestra.

Na mesma hora, entrei em um looping e as conexões foram construindo imagens mentais que percorreram da minha infância a idade adulta em frações de segundos.

Quando eu era criança queria ser uma super mulher. Talvez por isso Diana seja uma inspiração tão forte. Talvez também por isso eu já tenha sido Change Mermaid e She-Ra muitas vezes no carnaval.

As princesas não me encantavam. Eu nunca quis ser bailarina nem sonhei em me vestir de noiva. Por algum tempo, eu me perguntei o que tinha de esquisito com o meu feminino que me colocava ao lado dos bonecos do Comando em Ação no lugar de ninar um Meu Bebê da Estrela.

Não era fofa para ser considerada uma doce e feminina princesa, mas não rompia padrões femininos estéticos para ser considerada uma ogra. Não sei se você compreendeu a analogia mas nem era “menininha” nem “mulher-macho”. Em resumo, eu preferia azul, mas gostava de rosa e minha bicicleta era vermelha.

Fonte: https://goo.gl/mTYz9B

Quando eu me descobri grávida aos 16 anos, recebi uma ligação de meu pai após minha mãe ter contado a ele a bomba do final do século XX. Tivemos uma conversa muito franca e amorosa, ele me falou coisas muito importantes naquele dia e, especialmente, uma que martelou na minha cabeça e foi objeto de terapia por longos anos (talvez, ele nem lembre): “eu esperava que qualquer menina engravidasse, menos você. Você nunca quis ser mãe”.

Eu percorri minha infância enquanto ele falava isso e até hoje eu ouço mentalmente sua fala e revisito tudo novamente. Até aquele dia, não me lembro de ter tido esse tipo de conversa com meus pais: ter ou não ter filhos.

Desde o dia que meu pai me “lembrou” ao telefone que eu não queria ser mãe que eu tento resgatar em que momento da minha vida eu falei sobre isso tão claramente a ponto dele assimilar para si essa informação.

Bom, por muito tempo, eu repeti a máxima de que “nunca quis ser mãe, mas o universo me mandou dois filhos que eu amo”. Muito tempo mesmo. Inúmeras vezes eu refiz minha trajetória, desejos, planos compartilhados e nada de encontrar o momento em que verbalizei ou dei indícios de minha repulsa à maternidade. Posso estar completamente enganada, mas não o identifiquei.

Fonte: https://goo.gl/qZZA31

No entanto, acessei outras informações e desejos que sempre foram exaustivamente repetidos por mim. São justamente os terceiro, quarto e quinto parágrafos deste texto.

Na fase de dizer o que queria ser na vida adulta, estavam na minha lista: ser escritora, conhecer o mundo, estudar em grandes universidades e não ter um casamento. Era isso que eu repetia. Talvez por tudo isso se tenha internalizado: ela não quer ser mãe. Talvez por muito mais.

Uma garota que não falava sobre ter filhos associado ao fato de que preferia brincar com as Barbies profissionais (Barbies não eram mães naquela época), que dirigiam e moravam sozinhas, no lugar de fingir trocar fraldas do Meu Bebê enquanto empurrava-o num carrinho de boneca, “obviamente” não vai querer ser mãe.

E, ainda hoje, no século XXI, soa estranho para a tradicional família brasileira uma mulher que não deseje parir ou criar filhos. É como se mulher e maternidade fossem peças que, obrigatoriamente, se completam num jogo. Como se nossos corpos não nos pertencessem, mas estivessem determinados a parir. Como se no nosso destino estivesse definido a obrigatoriedade da maternidade. A tal lei natural.

Fonte: https://goo.gl/zPq1Yx

Por outro lado, se não tens o comportamento padrão de fragilidade, cuidado, pureza e abdicação associados romanticamente à maternidade, ela não pode lhe pertencer.

E parece ser assim em tantas frentes em que a personagem central do enredo é uma mulher. Os softwares padrões são instalados no nosso hardware ainda na infância e deletá-los é uma hercúlea tarefa.

Talvez por isso tudo, a frase do meu pai me marcou tanto naquele papo em março de 1999. Aquela conversa, de alguns minutos por telefone, foi um gatilho importante para mim, mas que só o reconheci como tal muito tempo depois. A partir daquele verão eu comecei a me perguntar de forma consciente: que mulher eu quero ser? Onde residirão meus sonhos? O que eu posso ser e fazer sendo uma jovem mulher mãe? Quais são meus limites? Como abraçar todos os meus desejos de liberdade com a maternidade? Que mulher eu sou mesmo?

Muitas experiências, vivências, aprendizagens, sessões de análise e terapia depois, fico pensando na mulher que me forjei dentro do universo em que cresci, das expectativas não atingidas e das boas e más surpresas que promovi no meu entorno.

Encontrei o feminismo conceitualmente nos anos 2000. Quando o conheci, as peças do meu quebra-cabeça foram se encaixando e eu fui, além de me reconhecendo nesse lugar, entendendo os meus não-lugares. E o mais importante: fui acreditando que eu podia ser e fazer muitas coisas, ainda que elas parecessem não combinar na perspectiva dos padrões e amarras sociais.

Fui entendendo meu lugar de vulnerabilidade enquanto mulher negra numa sociedade machista, racista e patriarcal, mas também meu poder de revolução interior e mobilização coletiva.

Fonte: https://goo.gl/yhXLAQ

Comecei a olhar para mim mesma, distinguindo o que era puramente meu e o que foi socialmente construído ao longo da minha vida. Fui compreendendo o que eu queria e gostava de verdade e aquilo que me foi ensinado socialmente a gostar.

Nessa caminhada, talvez eu tenha, durante muito tempo, tentado provar que eu podia ser e fazer tudo que eu sempre disse que queria sem excluir todas as outras vivências ainda não verbalizadas, mas que podiam surgir como desejo ou necessidade.

Esse caleidoscópio de experiências e percepções me fez reconhecer o dia de hoje como um dia de luta, ativismo e militância pelo direito de existir e ser o que queremos e podemos ser. De gritar, se preciso for, que é possível mudar e ser dona “do querer que há e do que não há em mim” e que podemos ser metamorfoses ambulantes, ter outros sonhos, escolhas e caminhos.

Você pode ser mulher e não querer ser mãe.
Você pode ser mulher e amar outra mulher.
Você pode ser mulher, ter cabelos curtos e odiar depilação.
Você pode ser mulher e adorar beber cerveja.
Você pode ser mulher e terminar uma relação afetiva.
Você pode ser mulher e detestar vestidos, saltos e maquiagem.
Você pode ser mulher e preferir jogar capoeira no lugar de aprender ballet.
Você pode ser mulher, falar pouco e não gostar de fofoca.
Você pode ser mulher, adorar viajar sozinha e transar no primeiro encontro.
Você pode ser mulher e odiar cozinhar.
Você pode ser mulher e adorar futebol.
Você pode ser mulher e dirigir com um homem no banco do carona.
Você pode ser, inclusive, o oposto disso tudo.
Você pode até repetir os padrões que nos ensinam.
Você pode. Nós podemos.

E não devemos ser violentadas ou mortas por podermos, querermos ou desejarmos.

Fonte: https://goo.gl/aj9rYS

Você e eu não podemos esquecer que milhares de mulheres acreditam que não é possível percorrer caminho diferente do que lhe foi desenhado. Não podemos esquecer que, diariamente, muitas são mortas e violentadas porque lhes dizem simplesmente que elas não podem querer, escolher, desejar…Apenas por sua condição de mulher.

Esse 8 de março existe para não esquecermos que muitas mulheres morreram e foram silenciadas para que pudéssemos hoje falar e ter direitos conquistados. A data é importante ainda para que reconheçamos que ainda há muito por trilhar e conquistar e lembrar que nossa contribuição ao mundo é fazer o mesmo pelas meninas que estão e chegarão nesse mundo desigual, misógino e machista.

Precisamos nos conectar com nós mesmas, com nossos femininos e feminismos. Não precisamos ser super-mulher nem sexo frágil. Mas se a gente quiser, a gente também pode. Contudo, é preciso ter consciência que é muito difícil distinguir o que é desejo do que é imposição social. É uma caminhada longa dura, por vezes solitária, mas necessária.

Continuemos na luta. Resistindo. Insistindo. Persistindo. E comemorando cada vitória pessoal e coletiva.

A mim, a você, a todas as

Marias, Luísas, Simones, Marielles, Evas, Joanas e Sabrinas, VIVA. Sigamos juntas até um 8 de março de igualdade e respeito reais e universais.

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‘Bao’ e o crescimento que se impõe com a força da vida

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Concorre com 1 indicação ao OSCAR:

Melhor animação.

Em situações recorrentes, os filhos são educados e preparados para experimentarem autonomia e, chegada a maturidade, saírem de casa e cuidarem de suas próprias vidas.

O curta metragem de animação Bao, vencedor do Oscar deste ano em sua categoria, é dirigido por Domee Shi e aborda de modo terno e emocionante o delicado tema da ‘Síndrome do Ninho Vazio’, problema psicológico que acomete inúmeros pais – sobretudo mães – ao redor do mundo.

Bao foi lançado pela Disney através da Pixar. A exibição, de modo inicial, ocorreu paralelamente aos ‘Incríveis 2’ e, de saída, já era o favorito para levar a estatueta mais cobiçada do cinema. Tem duração aproximada de 8 minutos e relata a estória de uma mãe que sofre com o ‘ninho vazio’ após seus filhos saírem de casa, num movimento natural rumo à independência.

De modo bastante criativo e com a assessoria de sua mãe, a diretora Domee Shi dá vida aos bolinhos artesanais produzidos pela mãe/personagem do curta. Neste sentido, quando a vida eclode em um dos bolinhos, a experiência da maternidade é colocada novamente diante da genitora e, similarmente ao que já havia ocorrido com os outros filhos, esta mãe é convidada a perceber que, no passar do tempo, a vida impõe o seu próprio ritmo e as ‘crias’ – mesmo as mais ‘doces’ e, eventualmente, apegadas – acabam por buscar a própria independência e identidade. Foi isso o que ocorreu com o bolinho artesanal. Ele cresce, se envolve com outras pessoas e não quer viver sob a influência exclusiva dos pais. Até desenvolve certa rejeição pela família nuclear – o que, em linhas gerais, ocorre com parte dos jovens em situação similar.

A mamãe da animação, então, vivencia e atualiza as mesmas frustrações e desencontros, o que causa profundo sofrimento psíquico. Este fenômeno abordado no curta metragem é a famosa ‘Síndrome do Ninho Vazio’, que em psicologia é caracterizada como um estado psicológico perturbador – patológico, quando associado a quadros depressivos –, marcada por sentimentos de tristeza e desânimo (sobretudo por parte da mãe) diante do processo de amadurecimento e independência dos filhos.

Foto: https://www.collater.al/en/bao-pixars-short/

Em situações recorrentes, os filhos são educados e preparados para experimentarem autonomia e, chegada a maturidade, saírem de casa e cuidarem de suas próprias vidas (conseguir emprego, relacionar-se afetivamente, constituir família, etc.). Alguns pais, no entanto, ao perceberem que dedicaram boa parte de suas vidas para os filhos, sem que tivessem a oportunidade de criar novos papeis para suas vidas, têm dificuldades de aceitar este processo de separação. Como já pontuado anteriormente, este movimento acomete, sobretudo, as mães, notadamente num cenário sociocultural de enfraquecimento da imago paterna, que pela Psicanálise edipiana é tradicionalmente vinculada a figura daquele que se responsabiliza por ‘acelerar’ a entrada dos filhos na dimensão pública (de enfrentamento do mundo).

Alguns dos desdobramentos da ‘Síndrome do Ninho Vazio’ abordados na animação e que, de fato, acometem muitas mulheres são distúrbios do sono, depressão, melancolia, raiva, distúrbios alimentares e diminuição da libido. Também há casos na literatura psicanalítica – no que se refere às fases do desenvolvimento humano e da psicologia das relações familiares – de pais que acabam por entrar num período de crise, após a saída dos filhos. Isso ocorre porque muitos casais giram em torno das demandas dos filhos e, na ausência destes, não conseguem reavaliar e ressignificar a própria relação. É neste momento que, em alguns casos, percebem não haver mais nenhum projeto em comum entre eles. É como se, inconscientemente, o vínculo marital só sobrevivesse à garantia da educação e independência dos filhos.

Para superar o ‘luto’ da saída dos filhos e a ‘Síndrome do Ninho Vazio’, a maioria das correntes teóricas da Psicologia prescrevem que é necessário reconhecer a naturalidade da saída dos filhos – isso pode ocorrer com a ajuda de um processo psicoterápico –, ao se debruçar sobre o fato de que a fase de proteção já passou. Algumas técnicas são aliadas poderosas deste processo, como a prática de atividades físicas, o engajamento no trabalho, em serviços comunitários e no próprio relacionamento afetivo, além da busca por atividades que reforcem o autodesenvolvimento e o desenvolvimento espiritual.

Fonte: https://goo.gl/NDmuu9

Os filhos de pais que desenvolvem a ‘Síndrome do Ninho Vazio’, de acordo com a literatura especializada, tendem a fazer um movimento de afastamento e de atrito em relação aos progenitores. Isto porque observam que o próprio princípio da liberdade está em crise, e em alguns casos passam a culpar os pais pelas suas demandas mais elementares, para a idade, como eventuais dificuldades para estabelecer vínculos e/ou outras inadequações que consideram ser fruto do processo de criação. Mais à frente, já como adultos, muito provavelmente estes filhos terão que se reconciliar com as imagos paternas e maternas, sob pena de carregarem um mal estar que pode interferir de modo negativo em suas ações cotidianas.

E é justamente neste cenário de resgate dos afetos que ocorre o desfecho de Bao, a partir de um enredo poético e emocionante em que mãe e filho se reconciliam, depois do tempo necessário para que a compreensão chegue e a cura se instale. O curta faz jus ao Oscar pela qualidade e função pedagógica que exerce. Um modo criativo de abordar um tema atual e desafiador.

FICHA TÉCNICA:

BAO

Título original: Bao
Direção:
Domee Shi
Elenco: Daniel Kailin – TV Son – e Sindy Lau – Mom
Ano: 2018
País: EUA
Gênero: Animação

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