Projeto Flórida: o mundo mágico da infância

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Concorre com 1 indicação ao Oscar:

Melhor ator coadjuvante (Willem Dafoe)

Verdadeiro e de partir o coração” foi como o crítico Tim Grierson definiu a mais nova obra do ousado Sean Baker, diretor de Tangerine, este conhecido por ter sido produzido em um aparelho celular. Agora, com mais recursos, Baker volta com Projeto Flórida, simples, mas cheio de detalhes que se complementam e prendem o espectador na trama, que com sua sequência cotidiana, denota um aspecto quase documental ao filme.

Situado na cidade de Orlando, na Flórida, o hotel Magic Castle é o pano de fundo principal do filme. Próximo ao parque Disney World, o hotel (barato) foi praticamente transformado em um conjunto habitacional por pessoas que não têm as melhores condições financeiras. Isso ocorre a contragosto do gerente Bobby (Willem Dafoe), que deseja alavancar seu negócio, mas também se mostra um homem compassivo e generoso com todos no estabelecimento, transmitindo um clima de vida em comunidade.

Fonte: https://goo.gl/RyBJny

Nesse ambiente (que Baker faz questão de atenuar cada detalhe, principalmente as cores vibrantes do hotel) logo nos deparamos com a sapeca Moonee (Brooklynn Prince), uma garotinha de seis anos que, junto de seus amigos Scooty (Christopher Rivera) e Jancey (Valeria Cotto) faz traquinagens deliberadamente pelo hotel, pelas ruas, pela sorveteria e em outro hotel abandonado (que de alguma forma acaba sendo incendiado…).

Ao conhecermos a mãe de Moonee, a jovem Halley (Bria Vinaite) logo percebemos que somente amor e carinho não são suficientes para uma boa educação de uma criança. Sem emprego e sem perspectivas para o futuro, Halley trata Moonee como irmã, sem impor limites em suas travessuras, o que certamente reflete na personalidade e atitudes da garota, que faz coisas como colocar um peixe morto na piscina e desligar o registro de energia do hotel só para ver o que acontece, tal como agir com certa petulância e desrespeito com as pessoas ao seu redor.

Fonte: https://goo.gl/2ky24q

Entretanto, essa liberdade e essa curiosidade de Moonee demonstram um aspecto inocente que encontramos apenas na infância, que fazem das crianças “pequenos cientistas” no intento de descobrir o que o mundo tem a oferecer. Jostein Gaarder, em seu livro “O mundo de Sofia” (1995), diz que para nos tornarmos bons filósofos precisamos unicamente da capacidade de nos surpreender, e atribui essa capacidade às crianças. A pequena Moonee representa muito bem esse trecho, sendo capaz de transformar coisas que geralmente passam despercebidas aos olhos de adultos em grandes acontecimentos por meio da imaginação, inclusive influenciando sua amiga Jancey a buscar o novo e o desconhecido.

Segundo Girardello (2011), a imaginação é para a criança um espaço de liberdade e de decolagem em direção ao possível, quer realizável ou não. A imaginação da criança move-se junto — comove-se — com o novo que ela vê por todo o lado no mundo. Sensível ao novo, a imaginação é também uma dimensão em que a criança vislumbra coisas novas, pressente ou esboça futuros possíveis.

Fonte: https://goo.gl/3MjuFs

Com isso, percebemos a importância em se preservar esse aspecto da infância. No que tange à situação de Moonee, a imaginação, a inocência e a curiosidade de sua tenra idade parecem lhe conferir um arsenal de defesas para as coisas “adultificadas” demais, como os problemas financeiros, a falta de moradia fixa e o desemprego da mãe, que para conseguir o mínimo de dinheiro, finda-se por se prostituir em seu quarto no Magic Castle, o que leva a assistência social a visita-las a fim de levar Moonee para novas e melhores condições.

Em um ímpeto de desespero, Moonee se desvencilha da assistência social e foge para a casa de Jancey, dando início a uma das cenas mais marcantes do filme, na qual Moonee apenas chora na frente de sua amiga (a pequena atriz foi brilhante e muito autêntica) e essa entende que ambas precisam fugir. E fogem para onde? Para Disney World, o mundo da magia.

Fonte: https://goo.gl/nNbpjL

Baker genialmente finaliza o filme dessa forma, com as duas crianças correndo em direção ao parque mais representativo da infância, o que pode levar o espectador a ter vários insights, mas, principalmente, entender ou até mesmo se lembrar da própria infância, período em que coisas simples são incríveis, em que o impossível não existe e em que correr para um mundo de magia e/ou imaginação é a solução para tudo.

FICHA TÉCNICA

PROJETO FLÓRIDA

Diretor: Sean Baker
Elenco: Brooklynn Prince, Willem Dafoe, Bria Vinaite
Gênero: Drama
Ano: 2018

Referências:

GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia. São Paulo; Cia. Das Letras, 1995. GILES, Thomas Ransom.

GIRARDELLO, Gilka. Imaginação: arte e ciência na infância. Pro-Posições, Campinas, v. 22, n. 2 (65), p. 75-92, maio/ago. 2011.

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Doutor Estranho: elementos místico-gnósticos no clichê da quebra e retorno à ordem

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Indicado ao OSCAR:

Melhores Efeitos Visuais (Stephane Ceretti, Richard Bluff, Vincent Cirelli e Paul Corbould )

Banner Série Oscar 2017

Por um lado, “Doutor Estranho” é uma evolução no universo Marvel: no lugar de super-soldados e playboys tecnológicos, a magia e a inteligência. Mas do outro, a magia (com referencias gnósticas e budistas) não é libertária mas destinada a manter a “ordem natural”: a seta do Tempo, a entropia e a morte – justamente as falhas cósmicas que o Gnosticismo de produções como “Matrix” ou “Sense8” e o budismo tibetano (uma fonte de inspiração do personagem) denunciam como prisões na “Roda do Samsara” – ciclo vicioso da morte/reencarnação. Em “Doutor Estranho” quem pretende romper com a ilusão são os vilões (a “Dimensão Negra”) e os heróis são aqueles que punem quem pretende quebrar a Ordem. “Doutor Estranho” explicita o clichê narrativo hollywoodiano que é o cerne ideológico do entretenimento comercial: “quebra-da-ordem-e-retorno-à-ordem” – a luta para que a ordem seja mantida. Mas o que realmente fascina o público no filme é o show da possibilidade de que a ordem será toda mandada pelos ares. Até a magia colocar tudo no lugar.

A virtude de Doutor Estranho é levar o universo cinemático da Marvel para uma nova direção: das histórias sobre playboys dotados de genialidade tecnológica e super-soldados nobres e heroicos, passamos para um mundo dominado pela magia e inteligência. Além de uma eletrizante utilização dos efeitos digitais para criar um universo bem diferente de qualquer outra coisa que vimos em adaptações cinematográficas recentes sobre super-heróis – multi-universos, loop temporais, portais interdimensionais e a desconstrução do Tempo.

Mas tudo isso é apenas a superfície. Para além desse avanço evolutivo da Marvel, Doutor Estranho explicita clichês do entretenimento hollywoodiano. Mas principalmente, um clichê narrativo que é, na verdade, o cerne ideológico do entretenimento comercial: quebra-da-ordem-e-retorno-à-ordem – protagonistas que lutam para que uma ordem seja mantida, mas o que realmente fascina o espectador é o show da possibilidade de que a ordem será toda mandada para os ares. Até que a magia coloque tudo no lugar.

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O personagem Doutor Estranho faz parte do desenvolvimento de um sub-zeitgeist místico, religioso e sobrenatural formado nos EUA por toda uma literatura de HQs, magazines, pulp ficctions e filmes B sci-fi, horror e fantasia no Pós-Guerra. Enquanto na Europa o misticismo gnóstico e o Fantástico sempre esteve associado à literatura e movimentos artísticos de vanguarda (Romantismo, Gótico, Expressionismo etc.), ao contrário, nos EUA associou-se à subliteratura e entretenimento de massas.

Essa “nova religião americana” (na expressão de Harold Bloom) tornou-se um gnosticismo de massas. Porém, associado a uma indústria de entretenimento no qual o místico e o sagrado é estetizado e neutralizado, convivendo confortavelmente com hábitos ritualizados de consumo. Se os quadrinhos de Stan Lee ainda criavam a mitologia dos super-heróis associada à autodivinização (o que sempre indignou os fundamentalistas religiosos), nas adaptações cinematográficas as mitologias mística e gnóstica serão enquadradas nos clichês hollywoodianos de entretenimento – super-heróis amorais e a neurótica quebra e retorno à ordem: função ideológica do cinema de massas para criar resignação e conformismo no público.

Doutor Estranho explora os elementos mais críticos do questionamento ontológico que o Gnosticismo faz à Ordem: multi-universos, a realidade como um constructo e, principalmente, o Tempo como a principal falha cósmica que aprisiona a humanidade. Mas ao contrário do universo Matrix no qual o protagonista luta para desligar a ilusão e quebrar a prisão do Tempo, em Doutor Estranho (e de resto, em todo universo Marvel no cinema), os super-heróis lutam pela manutenção da Ordem – mortais vivem na realidade ilusória prisioneiros da seta do Tempo (entropia e morte) enquanto os heróis (magos supremos e mestres da magia) lutam para que a ilusão seja mantida.

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O Filme

Dr. Stephen Strange (Benedict Cumberbatch) é um gênio da Medicina: um rico neurocirurgião com ego tão inflado como o do Homem de Ferro Tony Stark. Trata com desdém os profissionais aos eu redor e escolhe a dedo apenas os casos médicos mais desafiadores para ele. Guiando velozmente o seu carro esporte ao som de Interestellar Overdrive, música do primeiro disco do Pink Floyd (sutil referencia ao psicodelismo dos anos 1960, década na qual Doutor Estranho estreou nos quadrinhos da Marvel), simultaneamente olha para relatórios médicos (Strange pode ser inteligente, mas seu ego o faz parecer invulnerável) quando sofre um brutal acidente com o carro devido a uma momentânea distração no volante.

Suas mãos são as mais atingidas no acidente, o que é fatal para um neurocirurgião: cheias de cicatrizes e sem mais precisão e firmeza, são agora uma pálida lembrança do profissional de sucesso que era. Mas isso não faz repensar sua vida. Após sucessivos fracassos em cirurgias, torna-se cada vez mais agressivo e retraído, a ponto de bater em sua ex-amante e colega de trabalho Christine Palmer (Rachael McAdams), a única pessoa em quem poderá confiar. Strange vê todas as soluções da Ciência e da Medicina falharem, ao mesmo tempo que conhece um ex-paciente, recusado por ele, chamado Jonathan Pangborn. Um paraplégico que voltou a andar após um período sob a tutela da Anciã (Tilda Swinton) no Nepal, onde aprendeu o controle do corpo através da mente.

Falido e carregando no pulso o último relógio da sua cara coleção (simbolismo importante no filme), Strange junta o pouco de dinheiro que sobrou e viaja ao Nepal para encontrar a cura. Mas lá encontrará muito mais: um novo mundo se abrirá (literalmente, para outras dimensões) com ajuda não só da Anciã, mas também de Mordo (Chiwetel Ejiofor). Acabará aprendendo como a magia é utilizada para proteger o planeta de “fanáticos” como Kaecilius (Mads Mikkelsen), um ex-discípulo da Anciã que abandonou o Templo para se associar a Dormammu, Deus da Dimensão Negra cujo propósito é a de consumir a nossa.

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Tempo e Imortalidade

Toda a narrativa gira em torno do tema do Tempo e da Imortalidade. Para a maga suprema, a Anciã, proteger o planeta é lutar pela manutenção a ordem da Natureza, que a Dimensão Negra pretende quebrar. “O mundo não é o que deveria ser. A humanidade anseia pela vida eterna. Um mundo além do tempo, pois o tempo nos escraviza. O Tempo é um insulto. Não queremos governar esse mundo, queremos salvá-lo”, diz a certa altura Kaecilius na primeira luta com Doutor Estranho.

Aqui temos nessa linha de diálogo uma síntese da crítica Gnóstica à falha fundamental da imperfeição do nosso Cosmos – cópia imperfeita da Plenitude, o chamado “Pleroma” para os gnósticos. A combinação dessa crítica ao Tempo com o toque místico budista da Anciã do Nepal, converge à própria visão da mortalidade/reencarnação como a essência da prisão em que se torna esse mundo, capturando as almas e obrigando-as à reencarnação (a Lei da Repetição) até que conseguam “fugir” por meio da iluminação espiritual – escapar da “Roda do Samsara”, para o Budismo Tântrico.

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O Yantra Místico

Curiosamente, essa filosofia libertária (de filmes como Matrix ou séries como Sense8) é o propósito dos vilões da Dimensão Negra. Anciã, Doutor Estranho e Mordo travam batalhas invisíveis aos humanos no Universo Espelhado (que lembram bastante as sequências do filme A Origem – Inception, 2010) justamente para manter a Ordem. Ironicamente o design dos escudos energéticos manipulados tanto pela Anciã como pelo Doutor Estranho possuem uma gestalt semelhante ao dos manuscritos originais do Livro Tibetano dos Mortos, assim como do Yantra Místico, a representação simbólica do aspecto de uma divindade, inestimável para ajudar o caminho espiritual.

Na tradição tibetana são símbolos para alcançar a união com Deus e escapar da Roda do Samsara, encerrado o ciclo de mortes e renascimentos. Ao contrário, em Doutor Estranho ajudam a manter a “ordem natural” da seta do Tempo, a falha cósmica que mantém a lei da Repetição. E todas as lutas serão travadas em torno do hospital no qual Stephen Strange trabalhava – nada mais simbólico: é no hospital onde médicos travam a batalha contra a seta do Tempo, a entropia e a morte.

tibetanoYantra: Livro Tibetano do Mortos e no filme “Doutor Estranho”
Fonte: http://migre.me/vAdL6

Quebra e retorno à Ordem

Por isso, Doutor Estranho trabalha com uma clássica variação do clichê “quebra-da- ordem-retorno-à-ordem: quem quebra as regras deve ser punido, inclusive os próprios super-heróis. Em repetidas linhas de diálogo do filme repete-se o mantra: “Mas um dia é preciso pagar a conta”, diz Mordo seguidas vezes. Anciã salva a Terra por meio da própria quebra das regras pelas quais luta – drena a energia da Dimensão Negra para ter uma vida longa e fugir da morte. Enquanto Doutor Estranho, através da joia chamada “Olho de Agamotto”, manipula o Tempo – avança e retrocede os eventos de acordo com as necessidades das batalhas contra a Dimensão Negra.

Por isso, é simbólico o relógio quebrado no pulso de Doutor Estranho, a única coisa que restou da antiga vida: ele também deverá quebrar as regras do Tempo, assim como almeja a Dimensão Negra. E por que a ênfase na autodivinização nos HQs originais de Doutor Estranho é substituída pelo clichê da punição à quebra da ordem na adaptação cinematográfica? Para pesquisadores como o alemão Dieter Prokop, essa é a essência ideológica da linguagem do entretenimento para manter todos os espectadores na linha. Ao se divertir e, subliminarmente, receber essa mensagem sobre as consequências e punições sobre desobediências à Ordem (qualquer ordem), o espectador sai do cinema disposto à enfrentar, resignado, mais um dia seguinte de trabalho e disciplina – saiba mais sobre esse conceito.

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Narrativa inverossímil

Além disso, Doutor Estranho peca por outra velha narrativa clichê hollywoodiana que é totalmente inverossímil: a história de um homem branco que viaja para uma terra “exótica”, cuja cultura e pessoas não respeita, e muito menos conhece a língua. Apesar disso, de alguma forma, descobre que tem um dom natural pela magia e rapidamente fica bom o suficiente para bater os praticantes que têm vivido nisso há séculos! Na verdade, Stephen Strange não muda e o seu ego permanece tão inflado como no início: tudo deve acontecer de acordo com seus próprios termos.

Mas, apesar de tudo isso, Doutor Estranho tem um virtude irônica: pelo menos os civis inocentes estão à salvo das batalhas amorais dos super-heróis, capazes de realizar destruições em larga escala para derrotar inimigos que também querem destruir tudo. O que deixa duas opções para os pobres civis: ou são mortos pelos super-heróis como efeitos colaterais, ou mortos pelos vilões como vítimas de atentados terroristas. Em Doutor Estranho, as batalhas ocorrem no Universo Espelhado, plano dimensional invisível para os humanos – apesar de em alguns momentos sentirem alguns efeitos. Com exceção na batalha em Hong Kong na qual a Dimensão Negra destrói o prédio do Sanctum Sanctorum – um dos escudos etéricos que protegem a Terra das forças do mal.

Mas, prontamente Doutor Estranho gira o Olho de Agamotto retrocedendo o Tempo e reconstruindo tudo, o prédio e a vida das vítimas. Mais do que dinheiro, as adaptações cinematográficas do sub-zeitgeist gnóstico das HQs da Marvel parecem cumprir uma função místico-ideológica bem clara: no lugar da autodivinização libertária, super-heróis que lutam para que a Ordem seja mantida sob a ameaça da punição. Afinal, sempre chega o dia de “pagar a conta”.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

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DOUTOR ESTRANHO

Direção e Roteiro: Scott Derrickson
Elenco: Benedict Cumberbatch, Tilda Swinton, Chiwetel Ejiofor, Mads Mikkelsen
Ano: 2016
País: EUA
Classificação: 12
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Oz – Mágico e Poderoso

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Oz: Mágico e Poderoso é prelúdio do livro do escritor americano L. Frank Baum, publicado em 1900 e que foi adaptado para o cinema em 2013. O filme começa com um circo itinerante onde trabalha o fracassado mágico Oscar “Oz” Diggs.

Oscar é um sujeito arrogante, com mania de grandiosidade. Vive flertando com as mulheres sem estabelecer laço com nenhuma delas – nem mesmo com a mulher que ele gosta – e trata seu fiel assistente com desdém.

Pode-se observar nas atitudes de Oscar traços de um intuitivo. Como o fato de viver no mundo das possibilidades e de não se comprometer com a realidade. Oscar vive com seu pensamento no futuro (intuitivo) e pouco valoriza os relacionamentos. Mostrando que a função sentimento também é pouco trabalhada em sua personalidade.

As atitudes de Oscar criam vários problemas para ele. E um dia quando arranja confusão com um grandalhão, que o persegue por ter flertado com sua mulher, foge em um balão de ar quente. Porém é sugado por um tornado que o leva para a mágica terra de Oz.

Se analisarmos o filme de forma literal podemos dizer que o mágico morreu e foi para o mundo dos mortos. Entretanto, o filme é uma fantasia por isso tomo a liberdade de analisá-lo de forma simbólica. Além disso, a análise dos personagens será feita em relação ao mágico, uma vez que ele é o herói da saga.

O tornado é uma força da natureza que simboliza que Oscar foi alçado aos céus em uma inflação destrutiva.

O mundo de Oz pode ser considerado como símbolo do inconsciente coletivo e seus arquétipos. O ego do mágico foi derrotado, ele perdeu o controle naquele balão e agora terá que lidar com algo desconhecido e trabalhar aspectos de sua personalidade antes ignorado.

Nesse novo mundo ele conhece a bela e ingênua bruxa Theodora, que acredita que ele é o mágico da profecia que irá destruir a bruxa má que matou o rei de Oz. Seguindo em direção a cidade das Esmeraldas, Theodora se apaixona por Oscar, mas sem ser correspondida (o que trará sérias conseqüências para o herói).

No caminho eles encontram o macaco voador Finley, que promete uma dívida de vida a Oscar quando ele o salva de um leão.

O macaco como animal simboliza os instintos. Nas sociedades orientais simboliza a agilidade, a inteligência e o desprendimento. Vide que na Mitologia Hindu há um deus com cabeça de macaco Hanumam, que simboliza a devoção, a dedicação e a força.

Já na sociedade ocidental o macaco é visto de forma negativa sendo considerado símbolo do homem degradado pelos vícios da malícia e da luxúria. Essa discrepância ocorre devido à cristianização que passou a considerar os instintos como algo sujo e demoníaco.

Portanto, vemos no macaco dois aspectos: o da inteligência e o dos instintos. No caso do filme, ele possui asas e uma extrema dedicação ao seu mestre. As asas demonstram que os instintos estão sendo espiritualizados e alcançando um nível mais elevado.

Oscar possui a característica de querer levar vantagem em tudo, com uma boa dose de astucia, o que representa o lado sombrio do macaco. Entretanto, com o macaco Finley ele irá aprender a lição da gratidão e da dedicação a alguém.

Na cidade das Esmeraldas, Oscar conhece irmã de Theodora; Evanora, que lhe diz que a bruxa má, Glinda, reside na floresta negra e pode ser morta, destruindo sua varinha, a fonte de seus poderes. Mas na verdade é Evanora que é a bruxa má e matou o rei, pai de Glinda.

Theodora, Evanora e Glinda formam uma tríade feminina, sendo respectivamente: A Bruxa Malvada do Oeste, A Bruxa Malvada do Leste e A Bruxa Boa do Sul.

Sobre Theodora é importante falar que inicialmente ela é boa, entretanto devido à manipulação de Evanora ela descobre que não é correspondida em seu amor por Oscar. Com isso ela se transforma em uma bruxa má com a pele verde.

Esse aspecto da mulher rejeitada que busca a vingança é um tema conhecido dos contos de fadas e dos mitos. Vemos esse tema na Bela Adormecida, onde a fada rejeitada busca vingança contra a princesa recém nascida. Deusas da mitologia grega como Hera, Afrodite e Artemistambém se vingavam quando eram traídas ou esquecidas em suas reverencias.

Nesse caso, percebemos uma predominância do elemento feminino no mundo de Oz e a ausência do elemento masculino que foi eliminado, mas que será compensado com a chegada de Oscar, o quarto elemento.

Mas antes disso, o mágico tem uma jornada onde deverá se transformar, principalmente em relação à função sentimento e o respeito pela força do feminino.

Oscar e Finley, então são unidos no caminho para a floresta a China Girl, uma pequena boneca de porcelana, cuja aldeia e família foram destruídas por Evanora.

A boneca é um brinquedo tipicamente feminino que geralmente recebe as projeções dos fantasmas da maternidade da menina, onde ela imita em suas brincadeiras sua relação com a mãe.

Mas no filme é o herói que terá que se envolver com essa figura. Nesse caso podemos, de forma criteriosa, dizer que a boneca de porcelana mostra a anima ainda em estado primitivo e frágil de Oscar. Porém, é por meio do relacionamento com ela que o mágico irá desenvolver seu sentimento e o cuidado que não havia nele antes.

A bruxa boa Glinda, então leva o grupo para o seu castelo onde ela confessa que sabe que Oscar não é um verdadeiro mago. Entretanto, a força da profecia pode fazer com que o povo lute ao lado dele, o que o força a superar sua ética duvidosa para convencer o povo de que ele é o herói necessário para libertar Oz.

Dessa forma, ele usa todo o seu conhecimento em ilusionismo para derrotar as duas bruxas.

É importante atentar que ele não mata nenhuma das duas, elas apenas são banidas, mostrando que o aspecto sombrio do feminino é necessário para o desenvolvimento da psique e não deve ser negligenciado. Sua força impulsiona o indivíduo para o processo de individuação, pois é nesse aspecto que o indivíduo é expulso do paraíso materno.

Para finalizar, Oscar após desenvolver uma ética interna e seu sentimento se torna rei, trazendo a renovação ao reino de Oz e o equilíbrio com o feminino por meio de sua união com Glinda.

O filme então nos mostra que cada um de nós tem um destino a cumprir e que ninguém deve seguir o de outro, mesmo com o medo e a insegurança advindo daquilo que nos é designado pelo inconsciente.

 

 

FICHA TÉCNICA

OZ: MÁGICO E PODEROSO

DireçãoSam Raimi
Música composta porDanny Elfman
ContinuaçãoThe Wizard of Oz
RoteiroMitchell Kapner, David Lindsay-Abaire
País de Origem: EUA
Ano: 2014

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A Canoa e o Rio – Eu e a Vida

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Em frente ao espelho me deparo com as mil faces que sou…
A cada instante uma nova personagem surge e me pergunto quem será?
Não sou humana, sou poeta.
E as mil faces em frente ao espelho demonstra exatamente
a contradição que somos dentro de nós mesmos.
Eu sou só eu.
Loucura? Obsessão? Como Shakespeare disse:
“Ser ou não ser, eis a questão”.

Foto: Rosely Camargo

“Eu acredito e sempre acreditei na vida
De uma maneira muito forte muito intensa
É que é difícil a gente ouvir de nosso próprio coração
Que ele só pulsa, bate, chora, mas não pensa”.

Me encontrava sozinha sentada a beira de um rio e ao olhar a paisagem à minha frente não deixei de perceber toda magia e beleza que me rodeava. Ao olhar as águas turvas do rio, as árvores na margem dele, os galhos secos em meio ao seu leito e uma canoa ancorada em sua margem, percebi que estava diante do inexplicável.

Olhei aquelas águas escuras como se fossem a vida. Não sabemos o que encontraremos nela, não sabemos para onde ela nos levará, não sabemos o que iremos encontrar mais adiante. Assim como aquelas águas que eu olhava…

Pude ver naquela canoa ancorada a margem do leito do rio o ser humano. Em contato com a vida que te leva – as águas – ao mesmo tempo preso com medo de percorrer a vida que está a sua frente.

A corda segurava a canoa em um pedaço de tronco que não a deixava seguir sem rumo ou sem destino. As pessoas a quem amamos são esses troncos que ao longo da vida nos fazem parar e esperar a hora certa de navegar pela vida.

Naquela canoa ancorada refiz meu caminho diante da vida…

Percebi que posso carregar muitos comigo e juntos podemos perceber que a vida mesmo sendo indefinida surge a todo momento com coisas belas diante de nós. Eu me vi ancorada e feliz por perceber que quem me segura nesse momento da vida são pessoas a quem amo e a quem espero para mais tarde navegarmos nas águas turvas da vida a nossa frente.

Senti a brisa leve tocar meu rosto e balançar meus cabelos e nesse momento foi como se meu corpo se esvaziasse de tudo o que carrego e somente consegui ver o rio e a canoa. Eu e a Vida. Um galho que pendia do tronco em que estava ancorada balançou e nesse balançar senti uma paz infinita penetrar meu ser…

Os peixes ao longo do rio me faziam percebê-los quando se debatiam na água turva, dizendo assim que ali continha muita vida e esperança. E assim é importante que nós possamos sentir esse chamado mesmo diante do desconhecido que encontramos ao longo do caminho, pois a vida segue… Pede passagem, abre caminhos e nos convida a nos deliciarmos do que de bom ela tem.

No farfalhar das folhas secas nas margens do rio vi as rodas de amigos no fervilhar das conversas diárias dos botequins, vi a alegria das crianças ao se encontrarem em uma festa de aniversário, vi as risadas da família em torno da mesa, vi a alegria de um casal enamorado ao se reencontrarem depois de um tempo longe um do outro…

O remo deitado ao longo da canoa representava naquele instante os abraços que damos e recebemos nas pessoas com quem convivemos. Muito mais que o abraço ele representa a segurança que temos para que possamos desbravar o rio que nos é colocado a frente. O remo representava naquele instante, a segurança que recebemos das pessoas que nos rodeiam para prosseguirmos navegando nas águas profundas que nos esperam.

Mesmo com toda escuridão das águas podia ver nelas refletidas as árvores que de sua margem pendiam. Nesse reflexo via a imensidão que clareava o que escuro parecia.

Nesse turbilhão de imagens e sentimentos lembrei-me então dos versos da música de Fábio Júnior em que diz:

“Estou tentando resolver esse problema
onde uma cena cresce mais que seu autor
Se estava escrito que haveria outra pessoa
Rio e Canoa sabem mais que pescador.”

Naquele instante o Rio e a Canoa sabiam mais que qualquer outra coisa. A cena era maior que o descanso que eu ali procurava, maior que as pessoas que perto de mim se encontravam…

Pessoas passavam para lá e para cá e não conseguiam ver o que eu via. Não sentiam o que eu sentia…

Em meio aquela maravilhosa paisagem era como se aquelas águas servissem apenas para dar a eles os peixes que desejavam comer e a canoa fosse apenas o meio de locomoção sobre as águas.

E assim, em uma tarde quente de agosto, às margens de um rio, senti a minha vida ali refletida. Sem meias palavras, percebi que como a canoa ancorada e que velha parecia, era eu quem estava com muita vida percorrida…

Com a certeza de que mais perto do fim do leito que me é dado eu me via. No entanto, com muita alegria, pois o que é efêmero dentro de mim naquele instante morria.

Agosto de 2012

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