Pensando fora da caixa: breve reflexão acerca da maternidade

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A sociedade na qual vivemos se constituiu permeada pelo patriarcalismo, que historicamente, posiciona a figura feminina em submissão a masculina, transpassada por papéis de gêneros, onde cada indivíduo deve desempenhar sua função pré-estabelecida. Para as mulheres, a maternidade por muito tempo foi classificada como uma questão necessária e obrigatória, julgava-se que, enquanto mulher, existe o dever em ter filhos, a atribuição fundamental que a vida lhe concedeu. De acordo com Caporal et al (2017), verifica-se que existe uma romantização  da  maternidade, colocando-a como realização da mulher, invalidando suas subjetividades e as opressões por eles experienciadas, sendo assim, mulheres que tomam a decisão de não serem mães, são pressionadas pela maternidade  compulsória,  considerada como  o propósito inato feminino, outro fator relevante a ser citado é extrema romatização da maternidade.  

Romantizar quer dizer tornar o fato mais romântico, doce ou agradável. No universo feminino, podemos perceber falas como “parem de romantizar a mulher”, abrindo discussão para o fato de que não somos diferentes dos homens: podemos falar alto, podemos não querer vivenciar o casamento e a maternidade. Então, ouvimos muito a frase: “Parem de romantizar a maternidade” como um pedido para que a sociedade mude o foco das matérias a esse respeito, ou que, pelo menos, admita que exista outro lado da maternidade que não aparece com frequência nas capas de revista. (SILVA; ARANHA, 2020, p.68).

Atualmente, mulheres ainda são cobradas, seja pela família ou amigos, com apontamentos sobre o ideal de felicidade, e que, enquanto mulher, ela só será completa quando for mãe, não é incomum que em conversas cotidianas, em que uma mulher expresse verbalmente o seu desejo de não ter filhos que frase como: “você vai mudar de ideia com o tempo”, “eu também pensava assim e hoje amo o meu filho”, “você vai se arrepender quando for mais velha”, “quem vai cuidar de você na velhice?”, “tomara que você tenha vários filhos”, entre outras frases que soam como uma maldição lançada contra aquela pessoa que escolheu não maternar. 

Fonte: Alleksana/Pexels.

Outro ponto importante para se pensar é, para os homens a perspectiva é o total oposto, sempre são considerados novos demais para analisar a possibilidade de paternidade e quando eles se deparam com tal responsabilidade, grande parte a rejeita, não sendo surpreendente os inúmeros casos de abandono paterno, que mesmo sendo muito numerosos, a importância que dão para rejeição de tal comportamento  não chega aos pés do mínimo da cobrança que as mulheres recebem. E além dos homens não receberem condenação familiar e social, muitas vezes ainda ouvimos discursos de defesa em relação a sua negligência.

O fato de homens mal participarem das discussões relativas à maternidade (ou mesmo à paternidade) já demonstra que não possui grande peso em suas vidas. Os raros que se apresentam como responsáveis pela maior parte da maternagem dos filhos expõem justamente a diferença na forma como são reconhecidos e tratados pela sociedade em comparação com mulheres que demonstram o mesmo envolvimento na criação dos filhos. Não relatam se sentirem oprimidos, mesmo que suas ações se distingam das de boa parte dos pais ou do que socialmente se espera que um homem faça em relação àqueles que concebe ou adota. (SOUZA, 2019, p. 66).

Quando uma mulher apresenta pensamentos relacionados a não maternidade, esses têm a tendência de incomodar, quando se adota uma postura, e um estilo de vida que não é composto por esses padrões definidos previamente. Em concordância com Rios e Gomes (2009), quando não se decidem pela maternidade, a mulher é vista socialmente com contestação, pois essa atitude vai na direção oposta ao papel social designado a mulher, dessa forma, mulheres que escolhem não ter filhos são classificadas como pessoas egoístas, entre outros atributos negativos, pelo simples fato de não quererem ser mães. 

Fonte: Kassandre Pedro/Pexels.

Ainda que seja possível observar que o feminino é rotineiramente rotulado, e designada para diversos papéis ao qual a mulher é “destinada”, ao longo dos anos também é viável apontar que essa formatação vem se alterando por meio de lutas sociais relevantes lideradas por mulheres em busca de equidade e autonomia, principalmente em relação ao próprio corpo, consoante com Araújo (2014), é necessário entender a maternidade enquanto processo natural vivenciado durante a vida de uma mulher, mas não colocar esse fator como parte essencial da identidade feminina, eliminando essa ideia de que é uma parte indispensável que deve ser experienciado por todas as mulheres. A maternidade compulsória estabelece que toda mulher foi criada para ser mãe, tal ideia foi naturalizada e pouco questionada, no livro “O Segundo Sexo” Simone de Beauvoir afirma que: 

(…) Não há nisso nenhum ‘instinto materno’ inato e misterioso. A menina constata que o cuidado das crianças cabe à mãe, é o que lhes ensinam; relatos ouvidos, livros lidos, toda a sua pequena experiência o confirma; encorajam-na a encantar-se com essas riquezas futuras, dão-lhe bonecas para que tais riquezas assumam desde logo um aspecto tangível. Sua ‘vocação’ é imperiosamente ditada a ela”.  

Ser mãe deveria ser resultado de uma decisão individual, não uma obrigação coletiva, principalmente quando a maternidade é imposta a todas as mulheres, e é colocada como algo idealizado, e uma função essencial para completar a vida feminina, porém isso é baseada em estereótipos que não levam em conta a subjetividade e individualidade de cada pessoa, além de excluir e ignorar os inúmeros desafios que ter um filho de forma não pensada podem gerar, sustentada por essa pressão social. A maternidade deve ser realocada como um caminho possível para aquelas que querem seguir nessa direção, e as mulheres que seguirem para outros lugares não deveriam ser julgadas, cobradas ou amaldiçoadas por isso, pois a natureza de uma mulher é complexa demais para ser restrita unicamente a ser mãe, para finalizar, é sempre importante ressaltar que, as mulheres deveriam ter suas escolhas respeitadas, optando ou não pela maternidade. 

 

Referências

ARAÚJO, Elisângela Lima. Representações Sociais da Maternidade Por Mulheres Adolescentes. Recife, 2014. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/10302. Acesso em: 07/06/2023. 

CAPORAL, B. R. et.al. Romantização da maternidade: reflexões sobre gênero. XXII Seminário Institucional de Ensino Pesquisa e Extensão [Anais], 2017. Disponível em: https://home.unicruz.edu.br/seminario/anais/anais-2017.pdf. Acesso em 17/05/2023.

RIOS, M. G.;GOMES, I. C. Casamento contemporâneo: revisão de literatura acerca da opção por não ter filhos. Estudos de Psicologia, v. 26, n. 2, p. 215-225, 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/estpsi/a/88yxf5HcJdYKY7DZv6ZmhDf/#. Acesso em: 27/05/2023. 

SILVA; Janaina, ARANHA, Maria de Fátima. Pode uma mãe não gostar de ser mãe? as controvérsias acerca do feminino. 1. ed. Curitiba: Appris, 2020.

SOUZA, A.L.F. “Me deixem decidir se quero ou não ser mãe!”: narrativas pessoais de mulheres sobre a maternidade nas mídias sociais. Disponível em: https://app.uff.br/riuff/handle/1/14957. Acesso em: 09/06/2023. 

BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Venda Nova: Bertrand, 1976.

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Por que as mulheres não estão querendo maternar?

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Reflexões sobre a mudança de paradigma acerca da maternidade.

Uma pesquisa recente da empresa farmacêutica Bayer trouxe que 37% das mulheres brasileiras não querem ser mãe. Esse dado pode ser ainda maior, visto que as mulheres ainda sentem vergonha de assumir essa posição, ou de pelo menos apontar que sim, questionam ser. Essas mulheres são denominadas geração NoMo – Não Mães, na tradução. Aqui vamos tentar elencar algumas questões que afastam das mulheres o desejo de maternar. 

A psicanalista Maria Homem disse em uma entrevista que “O que o senso comum espera da maternidade é muito duro com as mulheres”. O papel da maternidade é uma construção social que dita de quem é a responsabilidade de criar os filhos. As mulheres são ensinadas a pensar que existe o instinto materno, que a maternidade é algo natural. Ainda na mesma entrevista, Maria Homem, traz que não há como definir se existe ou não esse instinto, mas que ele como é dado hoje é sim reflexo do comportamento social moderno. A questão das mulheres não é com ‘ser mãe’, mas com a maternidade.

A maternidade, como conhecemos hoje, nasceu no século XVIII, herança da sociedade pós Revolução Industrial, que passou a colocar a maternidade no centro da vida das mulheres, exigindo com que elas abdicassem de outros sonhos e desejos. A psicóloga Juliana Matos detalha em um post que antes da Revolução Industrial mulheres maternavam com total apoio da comunidade ao seu redor. Na idade média, por exemplo, após o parto os recém-nascidos de famílias mais abastadas, eram afastados das mães e levados para casa de criados para que cuidassem deles até por volta dos seus quatro anos. Isso se dava para proteger a criança de possível morte, pois a mãe estaria se recuperando do parto, e de inimigos que poderiam querer matar o futuro herdeiro. Em populações tradicionais, como as indígenas, até hoje as crianças são responsabilidade de toda a aldeia, não apenas da mãe.

Porém, o pós Revolução Industrial trouxe consigo as grandes cidades, o êxodo rural e o  afastamento das famílias. Foi aí que a mulher perdeu a sua, hoje nomeada de, rede de apoio, se tornando exclusivamente responsável pelas crias, enquanto os pais se tornaram os únicos responsáveis pela manutenção financeira do lar. 

Numa análise mais sociológica, homens e mulheres saiam para trabalhar nas fábricas e levavam as crianças junto. Com isso o número de crianças que morriam nesses locais era muito alto. Então, as mulheres passaram a se afastar do trabalho externo, ficando responsáveis pelo trabalho interno de dona de casa e mãe. Com a Primeira Grande Guerra, muitos homens jovens perderam suas vidas em batalha, numa idade de pleno vigor. Assim as mulheres retornam ao mercado de trabalho, deixando as crianças sob o cuidado de vizinhos ou até dos irmãos, não muito mais velhos. Isso culminou em um aumento da mortalidade antes do primeiro ano de vida. Numa situação de terra arrasada pelas guerras e milhões de mortes, essas crianças eram o futuro da nação. Como países que pretendiam crescer e se tornar os mais ricos do mundo iria se sustentar assim? O economista norte-americano, James Hackmann, disse que cada dólar investido na primeira infância retorna sete dólares para a sociedade e nenhum outro investimento é tão rentável.

Daqui surgem as primeiras discussões sobre a Licença Maternidade, com interesse em proteger os recém-nascidos de morrer engasgados, de frio, ou fome. Assim passou-se a interpretar que o cuidado das crianças era restrito à mãe, tornando-as as únicas responsáveis pelas crias. 

Portanto, não há como falar de maternidade sem falar de paternidade. É comum entrevistas com pais que não se lembram das datas de aniversário dos filhos, nome do médico, nome da escola, da professora, isso se dá porque não é exigido dos pais o mesmo empenho das mães. Recentemente foi amplamente divulgado na mídia o caso de um ator da Globo que decidiu deixar a esposa com dois filhos, um de quatro anos e outro de dois meses, por se sentir sem espaço para pensar, para criar. A história viralizou justamente pelo questionamento que, se fosse o contrário, se fosse essa mulher abandonando o lar com dois filhos tão pequenos, o julgamento seria diferente.  A diferença na cobrança de entrega de pais e mães na criação dos filhos é a de maior peso na decisão de maternar ou não. 

Há também o questionamento atrelado à questão financeira. Nós estamos vivendo uma das maiores crises de desemprego que o Brasil já enfrentou desde a constituinte pra cá e isso reflete em como a sociedade expressa interesse em ter filhos. Já tivemos a redução do número de filhos de 24,6% só de 2000 para 2020, e agora muitas mulheres estão verbalizando que não desejam a maternidade devido ao impacto que ela leva pra vida delas. 

Dados da empresa Catho em 2018 trouxeram que 30% das mulheres abriram mão de seus empregos ao se tornarem mães, número quatro vezes maior que ao de pais. As mulheres abdicam mais de seus empregos quando se tornam mães, além da maternidade dificultar que uma mulher chegue a um cargo de liderança. A pergunta “você tem filhos ou pretende engravidar” é constante no roteiro de entrevistas de emprego para mulheres, fato que não se repete aos homens. 

Após 24 meses, quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade está fora do mercado de trabalho (Cecilia Machado, V. Pinho Neto; 2016.).

O Brasil é o sétimo país do mundo em número de mulheres empreendedoras e tem 48% dos lares brasileiros chefiados por mulheres. Nessa prática, elas saem do mercado convencional e passam a empreender como meio de ganhar dinheiro. Muitas vão para o mercado informal.  

Além da questão financeira, há também o abandono intelectual. Dados do IBGE de 2014 indicam que 90% das mulheres jovens com filhos deixam de estudar. É recorrente o discurso daquelas que abandonaram carreiras acadêmicas de mestrado e doutorado devido à maternidade, assim, só se sentem capazes de enfrentar esses desafios desvinculadas do desafio de ser mãe. 

Outro fato é que a maternidade afasta as mulheres não só do emprego, mas também da vida social. É recorrente a reclamação de mulheres que perdem o contato com amigos após se tornarem mães, que são excluídas dos eventos que anteriormente iam. A sociedade não está preparada para lidar com mães que vão a um teatro, a um barzinho, a um show. É raro ver locais com espaço para criança, isso afasta essas mulheres desses lugares. Cabe a nós, como sociedade, questionar se isso não é pensado. Com isso, as mulheres ficam ilhadas na maternidade e muitas vezes veem nas crias a única fonte de convivência. Ou seja, fica nas mulheres a percepção de que ser mãe é abdicar da sua carreira, dos seus amigos e da sua vida.

Impactos psicológicos

A gravidez não planejada é um medo enraizado nas mulheres. Um estudo da empresa farmacêutica Bayer em parceria com a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) aponta que 62% das mulheres brasileiras já tiveram pelo menos uma gravidez não planejada. Numa geração como a nossa, que espera o momento ideal para engravidar, que precisa ter o emprego perfeito, o salário perfeito, a casa perfeita, morar na cidade perfeita, a família perfeita, esse dado assusta. Então as mulheres têm esperado esse status de “perfeição” chegar para maternar, sem perceber que é uma utopia se tornando grande potencial de frustração da mulher com a maternidade.

Sendo assim, temos mulheres que desenvolvem depressão com a gravidez. Toda a insegurança de não estar no momento perfeito, de não ser a pessoa perfeita, explode. Um estudo da Fiocruz de 2016 traz que uma em quatro mulheres apresentam sintomas de depressão ou baby blues. Esse é outro medo muito presente na fala das mulheres que questionam a maternidade. Sabe aquela fala de que quando nasce um filho nasce uma mãe? Então, não é bem assim que as coisas se dão. A relação mãe e filho é como qualquer outra relação da vida, ela se dá e se transforma a cada dia, sofre impactos do cotidiano, é mutável. Se essa relação ainda é atravessada por um processo depressivo é ainda mais complicado. O vínculo entre mãe e filho sofre perdas, por muitas vezes, irreparáveis.

Além das questões próprias, as mulheres têm questionado os parceiros. Percebendo que a paternidade não é exercida da forma da maternidade, as mulheres têm demorado mais na escolha do parceiro.

Portanto, boa parte dos argumentos que fazem as mulheres repensarem ter filhos está na construção da maternidade e o peso que ela traz consigo. É sobre o que é cobrado dessa mulher que vira mãe. Por isso urge que a sociedade repense a forma com a qual julga a maternidade e condena mulheres que não respondem exatamente ao que ela espera do que seja a função de mãe. Também é preciso que nós apaguemos a ideia de que toda mulher tem o desejo de ser mãe pelo simples fato de poder ser.  

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Relato de uma mulher que encarou uma nova graduação com 4 filhos

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Quando me tornei mãe, ganhei um título de muita responsabilidade, e aquele pequeno ser também me encheu de coragem para ir atrás dos meus sonhos. Eu olhava para ele, sentia tanto amor, tanta vontade de ser alguém melhor para ele, e pensava: “ – não dá para continuar vivendo da forma como vivo: imatura, amedrontada diante da vida, procrastinadora e iludida que eu tinha todo o tempo do mundo”. Foi aí o start que eu precisava para colocar para rodar tudo o que eu sonhava para a minha vida e viver de um modo que fizesse sentido pra mim. Um desses sonhos foi a graduação em psicologia.

Quando iniciei minha segunda graduação, meu primeiro filho estava com 2 anos. Eu nem acreditava que estava começando a realizar meu adormecido sonho. Dei uma volta na faculdade, andei pelos corredores, fui até a biblioteca colocar a mão nos livros que eu ia estudar, cada título me fascinava. Eu ainda estava no início da caminhada,mas já me sentia realizada por estar ali. O primeiro ano de faculdade foi de adaptação e encantamento. Olhando para o passado com tudo o que aprendi hoje, era fichinha fazer faculdade com um filho. Segui animada e grata, afinal a chegada dela foi um trampolim para a minha vida.

No decorrer do curso, ganhei mais um bebê. Apesar do medo de achar que não daria conta, do cansaço de alguns dias, do sono que me amarrava na cama, das dores e incômodos, eu já estava na metade do caminho e não estava disposta a desistir. Segui com ele no meu colo. Levava para a sala de aula, amamentava, dava colo. Tudo debaixo da compreensão e empatia dos professores e colegas. Não faltava colo para segurá-lo. A Universidade também dispõe de um espaço Kids que por muitos dias me ajudou bastante quando eu precisava me concentrar nas aulas práticas. 

No intervalo das aulas eu buscava eles na brinquedoteca da Ulbra – que me salvou muitas vezes – para fazer um lanchinho

A pandemia chegou e a ocupação com meus filhos e com a faculdade me ajudaram a não sucumbir ao desespero do momento. Eles me apontavam um horizonte, que eu mesma tinha almejado chegar. Seguimos as aulas em formato online. O mundo inteiro passava por uma readaptação. Nesse período tive mais um bebê. Em cada gestação não há como negar que batia um medo. Ainda que seja uma experiência familiar para mim, cada filho é único e cada momento da vida é diferente do outro. Precisei me adaptar à nova rotina pessoal e ao novo formato de aulas que, para mim, não foi nada fácil, apesar de estar em casa. As crianças pequenas não entendiam muito bem aquele movimento todo e faziam barulho ao meu redor, enfiava o rostinho na câmera e se concentrava toda a aula com a fofurice deles, ninguém sabia direito a dimensão do problema, nem quando iria passar, como faríamos para nos formar. 

As circunstâncias foram melhorando, mas dias desafiadores existem e sempre existiram. Faz parte da vida. Passei por vários deles! Por vezes tinha muitas demandas da faculdade e não podia dedicar tanta atenção a eles. Deixei de sentar no chão para brincar, coisa que eles mais adoram fazer comigo, para poder terminar um capítulo do trabalho. Abri mão de atuar nos campos de estágio que eu preferia para poder levá-los ao médico, ensinar tarefas e educá-los. Eles adoeciam e eu tinha prazos de entrega na minha cola. Inúmeras vezes levei junto comigo para a sala de aula. Já precisei trocar fralda e dar almoço no carro. 


Foto: Arquivo Pessoal
Após almoçar e trocar a fralda no carro, meu filho acabava dormindo no carro também.

Em meio as ocorrências kids, tive a oportunidade de desenvolver as minhas habilidades de foco, organização de tempo, prazos de entrega e resiliência. Como eu não tinha tempo para enrolação, aprendi a focar e otimizar o tempo que eu tinha para o estudo. A vida deles veio me mostrar o tamanho da minha capacidade de amar, de gerir o meu tempo, de me dedicar com atenção a uma tarefa e, principalmente, de superar os percalços e imprevistos para não desistir. Aprendi a fazer o melhor possível, com o que tenho em mãos hoje. 

O apoio do meu marido foi imprescindível para essa realização, do início até a conclusão. Ele ficava com as crianças, organizava as refeições deles para que eu pudesse finalizar minhas atividades. Levava eles ao parquinho para eu conseguisse participar de uma transmissão online. Organizava comidas e mochila e carrinho quando eu precisava levar para a faculdade comigo. Além dele, também foi essencial o apoio da minha mãe, irmã, fosse para dar uma atenção ou preparar um lanche quando eu precisava mergulhar nos livros. Hoje eu vejo que os três principais ingredientes foram compromisso com a solução, determinação e rede de apoio. Não batia aquela famosa culpa materna? Com certeza! Por muitas vezes me via no dilema: agora faço as atividades ou dou atenção às minhas crianças. Às vezes um ganha, às vezes o outro. Ainda assim eu afastava a culpa e seguia confiante, porque eu não queria me tornar aquela mãe que lá no futuro coloca a culpa do sonho não realizado nas crianças. Quero que eles sintam orgulho de mim pela minha determinação  em seguir junto com eles e que, eles não foram os empecilhos, foram então, os maiores motivos para eu seguir. 

Não só os familiares, mas muitos professores também acabam sendo nossa rede de apoio através da compreensão e empatia. Vários deles me permitiam entregar a atividade de sala no final do dia, pois eu estava com o braço ocupado amamentando. Me recebiam com largos sorrisos quando eu chegava com a criança, o que diminuía a minha preocupação de estar sendo inconveniente. Me permitiam fazer supervisões online, quando eu não podia ir até eles. Esse apoio dos professores ajudou, e muito, na realização do sonho de concluir esse curso.

Meu filhos e a faculdade me ensinaram demais. Talvez, sem eles eu não teria dado tanto de mim nessa formação, não conheceria o tamanho da minha capacidade. Minha circunstância de vida acabou virando matéria prima para o meu trabalho com a clínica infantil, já que precisei me aprofundar nos conhecimentos sobre o desenvolvimento humano. Os conhecimentos adquiridos na formação me guiaram para entender profundamente o que é uma criança, a importância de bons adultos na vida dela e todo o processo de formação de uma personalidade. Esses conhecimentos me foram úteis para exercer um maternar mais leve, perceber o quanto de mim há em cada filho, recolher as minhas projeções e saber que eles são como são, entender a minha função no desenvolvimento da personalidade de cada um deles. Como bem explica Calil Gilbran, eu sou “apenas o arco que lança as flechas”.

Foi uma jornada desafiadora e excitante para mim que sou movida a desafios. Em meio há inúmeras páginas, infindáveis artigos, pilha de livros, prazos apertados, eles me encheram de coragem para encarar os obstáculos. Pais felizes formam filhos felizes. E estudar sempre foi uma paixão para mim. Eu entendi que quando estamos realizadas isso se reflete na família. E é assim que eu concluo minha segunda graduação. Feliz e com a certeza de que filhos podem ser a desculpa ou o motivo. Eu tenho 4 fortes motivos! 

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Relato de uma mãe solo – quando decidi que meu limite é o céu

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Desde tenra idade tinha o desejo de ser mãe, pois venho de uma família de classe baixa e por ser a primeira filha, foi me dada a responsabilidade de ajudar a cuidar dos demais irmãos. Isso aguçou em mim o instinto maternal. Ainda muito nova me apaixonei e me deixei levar por essa paixão que levou a um relacionamento sério, depois de alguns anos tive o privilégio de gerar e dar à luz a um filho. Desde a gestação foi muito amado por mim. 

Nos primeiros anos de vida dele tive que ter muito manejo e destreza com as contas, pois meu orçamento era muito apertado. Esse foi um dos motivos pelo qual eu me submeti a viver em um relacionamento abusivo por quase sete anos, já tinha uma profissão, pedagoga, e decidi que durante as séries iniciais iria trabalhar em escolas particulares para dar ao meu filho uma educação melhor que a que tive. Porém, salário de professor, principalmente de ensino fundamental, não era tão bom, e isso era um dos motivos. Eu tinha medo de não dar conta de cuidar do meu filho e no fundo eu amava mais o “traste do ex-marido” que a minha própria vida.

Depois de ser traída por muito tempo, e por não ter mais harmonia em casa, eu chorava frequentemente porque eu via o meu “sonho de criança” de ter uma família carinhosa e presente, estava de fato só no sonho. Até que num belo dia cheguei no trabalho às sete da manhã destruída por dentro, mas estava lá para trabalhar e com o rosto inchado de chorar, uma colega conversou comigo de uma maneira que me fez perceber que eu tinha valor e que eu precisava tomar uma atitude. 

Fonte: Imagem de Dércio Comuana por Pixabay

Foi quando decidi que mudaria de cidade para tentar viver uma nova história. Quando falei para o meu filho, que desde muito cedo aprendeu a cuidar de mim (pois criança só é criança, mas percebe tudo à sua volta), ouvi desse menino de apenas 6 anos: “Mamãe não chora, vai ser melhor nós dois”. Essa era de fato a folha que eu precisava para escrever uma nova fase da minha vida. 

Foi então em julho de 2012 que vim para Palmas, onde não conhecia nada, mas Deus providenciou tudo para mim neste lugar. No mesmo mês que cheguei já encontrei trabalho. Minha rotina era puxada, andava de coletivo com uma criança, a mochila e uma bolsinha com a comida e lanche do dia, pois só voltávamos à noite para casa. Depois de um ano só com meu filho, consegui fazer coisas que antes eram quase impossíveis, pois sempre que eu compartilhava com o ex algo que queria conquistar, recebia um balde de água frio e o sonho era deixado de lado. 

A partir do momento que tomei as rédeas da minha vida me vi como um “cavalo selvagem” com um enorme campo para desbravar. Decidi que meu limite é o Céu: tirei minha habilitação, meses depois consegui comprar um carro, voltei a estudar e desde então nunca mais parei. Posso dizer sem medo de errar meu filho estava certo, até aqui foi muito melhor nós dois. Ficamos ainda mais unidos, pois, sempre procurei dar a ele mais presença que presente, mais amor e carinho e recebo isso de forma recíproca. 

Hoje tenho um adolescente de quase 17 anos, obediente, educado, inteligente. Está no 2º ano do ensino médio em mecatrônica, e sabe qual o sentimento que ele apresenta pelo pai? Medo, receio, e evita visitá-lo. E eu que enquanto estive casada não tinha nem habilitação, hoje sou totalmente independente e serei uma eterna estudante, pois não sou inteligente, mas sou esforçada e determinada e por meio do conhecimento procuro ser uma pessoa melhor a cada dia e consigo proporcionar a mim e ao meu filho uma qualidade de vida e saúde mental. 

E confesso, isso não tem preço.

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Exaustão e exclusão – (En)Cena entrevista a professora Dra Camila Craveiro

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A cada ano, no mês março, em que se comemora o “Dia da Mulher” em diversos países, é praticamente impossível não esbarrar em textos, frases de efeito e uma infinidade de produções na mídia e nas redes sociais que se propõem a discorrer sobre a dor e delícia de ser mulher. Em muitos casos, “A mulher” é retratada como a mãe devotada que se aproxima da uma figura sagrada da Virgem Maria. Ou ainda, aparece como a heroína dos filmes e quadrinhos criados por homens, que enfrenta suas batalhas sempre sorrindo e luta, habilmente, usando uma maquiagem perfeita e um salto agulha.

Entretanto, essa época do ano também convida a refletir sobre desafios tipicamente atribuídos ao feminino: feminicídio e violência doméstica; dupla ou tripla jornada de trabalho; equilíbrio entre maternagem e mercado de trabalho; indústria da moda e da beleza e outros temas. A partir de tais problemas, é preciso pensar: o que é ser mulher? Será possível reduzir e resumir toda pluralidade do feminino em um conjunto de palavras ou conceitos?

Lacan, psicanalista francês do século XX, afirma que “a mulher não existe”, por não haver um constructo que abarque todas as parcialidades do sujeito feminino. Existem muitas mulheres distintas e é preciso considerá-las uma a uma, em suas especificidades e nos seus lugares de fala. Com isso, diante da necessidade de saber sobre a saúde mental das mulheres, no Brasil e durante a pandemia, apresentam-se entrevistas com sujeitos femininos que falam de si e do seu lugar neste contexto plural.

Dra Camila Craveiro

Na primeira entrevista da “A mulher não existe! O que significa ser mulher, no Brasil, na pandemia?”, o Portal (En)Cena conversou com a professora Dra Camila Craveiro para entender mais sobre:  o que é ser mulher, no Brasil, durante a pandemia da COVID 19.

Camila Craveiro é PhD em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho, em Portugal, coordenadora do curso de Publicidade da UNIGOIÁS, corresponsável pelo podcast Meia Taça e se dedica aos estudos descoloniais de gênero e migração.

(En)Cena – Camila, considerando o seu lugar de fala, de mulher, professora, publicitária, mãe e usuária ativa das redes sociais: o que é ser mulher no Brasil, durante a pandemia da COVID 19?

Dra Camila Craveiro – Quando falamos de mulheres, enquanto um grupo, essa necessariamente é uma superinclusão. Ainda que seja uma estratégia também de criar coletividade, uma ação grupal. Dentro do meu lugar de fala, da minha mulheridade, eu sinto um cansaço mental e psicológico muito grande durante a pandemia. Primeiro porque ela “starta” diferentes medos: da ausência, da morte, do desemprego, de não produzir a contento…E lidar com esse medo cotidianamente é muito complicado. Além disso, há os papéis sociais que eu desempenho enquanto mãe, professora, usuária das redes sociais e produtora de podcast. Tudo isso precisa ter minha atenção, dividida e focada ao mesmo tempo, algo que não é fácil. Mas eu sou uma mulher branca, de classe média alta, no Brasil, durante a pandemia e estou totalmente ciente dos privilégios dos quais eu gozo dentro dessas categorizações.

(En)Cena – Depois de ter estudado mulheres migrantes por 5 anos, na sua opinião, como podemos compreender o sofrimento emocional das venezuelanas que chegam ao Brasil, durante a pandemia?

Dra Camila Craveiro – Eu acho que a gente precisa rever algumas questões que são mesmo do campo da Sociologia das Migrações. A primeira delas diz respeito à dupla vulnerabilidade de ser migrante e ser mulher. Neste caso, destaca-se especialmente as migrantes econômicas.  Segundo Sassen (2003), a feminização das migrações, ou seja, a tendência de aumento da migração de mulheres em relação ao número de homens, deve-se, na verdade, à feminização da pobreza, à feminização da sobrevivência. Então, são mulheres que deixam as suas casas e, em alguns contextos, deixam suas famílias, para migrarem para países em que haveria maiores recursos de emprego e recursos materiais, para que elas possam também enviar dinheiro aos seus lares de origem. (…) À vulnerabilidade das venezuelanas, sexual e econômica, se soma o estereótipo negativo, pois criou-se no Brasil a ideia de uma invasão. Uma invasão de venezuelanos famintos, miseráveis e que aqui estão para concorrer pelos postos de trabalho e por alguns dos benefícios sociais dos quais gozamos.

No contexto de pandemia, as mulheres imigrantes encontram um país fechado em termos de oportunidades, especialmente, no caso das mulheres indocumentadas. Isso quer dizer de mais uma vulnerabilidade, ou seja, as assimetrias sociais que elas vivenciam as colocam numa posição de vulnerabilidade e de restrição do seu poder de margem de agência, de estratégia de sobrevivência, o que, sim, causa um dano emocional e uma subjetividade ferida.

Fonte: Arquivo Pessoal

(En)Cena – Na sua opinião, qual seria o caminho para as mulheres no pós-pandemia?

Dra Camila Craveiro – Eu torço, eu espero, eu anseio que o caminho pós-pandemia seja um caminho de ressurgimento. Ressurgimento da capacidade de mobilização, de estratégias de luta, da força que se perdeu ou que foi minada durante a pandemia. Essa exaustão que a gente falou anteriormente, foi uma exaustão sentida em todas as camadas sociais de mulheres. Eu espero que uma vez superado este contexto (quando estivermos todas vacinadas), que possamos retomar planos, sonhos e estratégias. Eu espero que a gente ressurja mais fortes, dispostas a lutar por aqueles que são nossos direitos, para garantir a promoção daquilo que já foi assegurado e pela conquista do que ainda está no nosso horizonte. Minha esperança é uma esperança de luta e de resiliência, para que a gente comece também a construção de uma sociedade que promova a igualdade de gêneros, ou seja, a igualdade de oportunidades.

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