Meritocracia e consumismo: exercendo o capitalismo nas entrelinhas

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Segundo Catani (2017), o capitalismo pode ser considerado um sistema em que a força de trabalho serve como mercadoria de troca e produz também outras mercadorias de trocas. Esse sistema então se estabelece através da divisão social em classes, em que uma parte da população se encontra como detentora dos meios de produção, e outra grande parte que é responsável pela venda da sua força de trabalho. Mas como aumentar os ganhos dos detentores dos meios de produção e aumentar a produtividade dos trabalhadores? Surge então a meritocracia.

A meritocracia é caracterizada pela ideia de que a posição de um indivíduo na sociedade sofre influência de seu esforço, sendo então suas conquistas obtidas pelo mérito individual. Nessa perspectiva, são ignoradas então questões como posição social, acesso a privilégios hereditários e corporativos, renegando a importância de biografias e trajetórias sociais. As discriminações sociais então saem de cena, e são possibilitadas novas formas de obter mudanças de status sociais (BARBOZA, 2010).

O capitalismo então se fortalece e desenvolve a ideia de que uma pessoa pode obter maior poder aquisitivo, e melhoria de vida a partir da compra de itens materiais. Surge então a relação entre consumo e a meritocracia. Os indivíduos como forma de demonstrar que estão conquistando uma melhoria de vida pelo seu mérito, buscam aumentar seu poder de compra e consumir cada vez mais em pequenas ou grandes escalas.

O consumo passa a ser almejado e movimenta grande parte da população, são desenvolvidas ideias e sensações, a partir do simples ato de poder comprar qualquer item de consumo. A possibilidade de poder comer em um estabelecimento externo aos finais de semana, presentear alguém especial, obter um aparelho eletrônico de última geração e assim por diante, movimenta e impulsiona os trabalhadores a permanecerem em sua rotina. O consumo passa a estar relacionado ao sentimento de prazer, poder e muitas vezes compensação pelo trabalho exercido.

Fonte: l1nq.com/9reDq

Porém em situações em que os indivíduos se veem seduzidos pelas sensações e emoções da compra, ou consomem com o objetivo de preencher algum vazio causado por diversos fatores, o consumismo pode ser estabelecido, e causar problemas como ansiedade, depressão, compulsão por compras etc. O ato de consumir exageradamente, muitas vezes se desenvolve como forma de mascarar os problemas derivados da exagerada busca pela melhoria de vida (SILVA, 2014).

A sociedade na contemporaneidade, busca ser mais produtiva e os integrantes desta passam a se ver envoltos por cobranças individuais cada vez mais exigentes. A meritocracia então age de forma a impulsionar os indivíduos ou a produzir mais para que consigam cada vez mais demonstrar seu poder aquisitivo e suas conquistas elevando seus status sociais, ao mesmo tempo que pode gerar sentimento de culpa, baixa autoestima, estresse etc. De ambas as formas impulsionando o consumismo, e desenvolvendo o capitalismo ao ponto que a produtividade aumenta a cada vez que ocorre o desejo de consumo por um item e mantem a divisão de classes na perspectiva em que o trabalhador cada vez precisa trabalhar mais para obter uma falsa sentimento de melhoria.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, L. Igualdade e meritocracia: a ética do desempenho nas sociedades modernas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.

CATANI, A.M. O que é capitalismo. Brasiliense, 2017.

SILVA, A.B.B. Mentes consumistas: do consumismo à compulsão por compras. Globo Livros, 2014.

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O espaço do negro no mercado de trabalho

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É comum as pessoas usarem a seguinte frase: “somos todos iguais e todos temos as mesmas oportunidades.” Depende de como e de que lado você está fazendo esta análise. Vamos refletir um pouco mais sobre a questão do negro no mercado de trabalho e academicamente. Essa é uma discussão necessária. Nós, negros, precisamos ter nossa história validada e dita por nós. Esse é o lugar de fala do negro. Em alguns processos seletivos de empresas, há códigos que a empresa cria, por exemplo, um código de inscrição para indicar uma pessoa negra, pois pode ser que o cliente que deseja aquele novo colaborador não queira uma pessoa negra no seu local de trabalho.

Temos também outras descrições, como Cabelo Black ou não liso, nariz largo, lábios mais grossos, tonalidade de pele mais escura. Alguns podem perguntar: “Será que essa pessoa será uma boa recepcionista ou uma boa gerente de contratos para lidar com nossos clientes de outras empresas?”

Incrível essa pergunta e a colocação. Infelizmente, sinto em informar que é o que mais acontece no mercado de trabalho no Brasil. Pessoas são simplesmente julgadas por sua tonalidade de pele, por seu cabelo e seu tipo físico. Neste caso, falo de pessoas negras. Dessa dita “minoria” (em ocupação e mobilidade social), mas que na verdade é a maioria da população brasileira. Vai entender, não é?

Eu faço questão de conversar sobre isso. Critica-se a cota para negros em universidades. Podemos falar do Conceito da Equidade Aristotélica “Implica tratar desigualmente os desiguais para promover a efetiva igualdade” para falarmos de oportunidades. Mas para pensarmos em igualdade, precisamos investir em saúde, educação, saneamento básico e políticas públicas que realmente aconteçam. Isso só irá acontecer realmente se for de interesse da outra parte que é dita “maioria”.

 Hoje, há um movimento em que os negros estão realmente utilizando suas vozes para ter espaço de fala e contar a sua história como não foi contata nos livros de história, pois negro era mercadoria, escravo e ainda considerado preguiçoso. Ou seja, não tinha identidade. Quando vemos pessoas negras atingindo um lugar de gerência, diretoria, destaque, dizem que é sorte ou que teve um bom padrinho ou usam isso para afirmar que as oportunidades são iguais para todos. 

O pesquisador Milton Santos dizia o seguinte: “Nossos corpos falam”. Nosso corpo está tão ligado a imagem do negro preguiçoso (dito na época da escravidão) que não quer nada com nada. Constroem-se ainda mais estereótipos que os livros de história dizem por aí que a sociedade, como um todo, não coloca o negro em outro local. Apenas como inferior. Isso é algo sério, pois é passado por gerações. Estamos na luta incessante de desconstruir isso. Mas ainda vemos muita resistência, por parte de empresas, pessoas, grupos de classes sociais, escolas, salão de beleza, lojas e muitos outros.

O negro sofre psicologicamente com essas negativas. É um fato que vivemos na sociedade. Se está na hora de mudar? Mais que nunca essa é a hora. Por isso não deixem que a ideia de que o seu corpo fala por você e não o seu conteúdo, seja maior. Por isso, saiba que no caminho de todos nós há pedras, mas no nosso há pregos, cacos de vidros e o racismo. Se podemos? Sim. Por isso, que acredito que “Eu sou, porque nós somos.”

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Não temos direito a preguiça

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O trabalho, desde o início de suas configurações foi utilizado como forma de incitar o sentimento de pertencimento dos indivíduos. Tanto que diversas vezes as pessoas carregavam em seus próprios sobrenomes a profissão seguida por uma mesma família.  

O indivíduo acabou por se tornar resultante de uma relação indissociável entre o ser humano e o trabalho. Hoje em dia, ainda se carrega essa liga entre os termos; de forma que inconscientemente ao conhecer alguém, pergunta-se, “Qual seu nome? O que você faz? na busca de tentar classificar o indivíduo no meio social, associando-o de alguma maneira em uma hierarquia de acordo com suas respostas.  

Deduz-se e analisa-se todos que os cercam a partir do que é mostrado. Sabendo que o ser confere outros, também necessidade de ser conferido. E apesar de todo narcisismo voltado ao trabalho, com o objetivo do ter para que se possa ser, que as ações acabam por se verticalizarem. Sendo a necessidade do ter, uma criação conjunta, afinal, os indivíduos são sociais. Movimentação essa, que só faz sentido pois há alguém para ‘espetaculariza-la’.

 

Link: http://twixar.me/CnZ3

 

A dinâmica trabalhista acontece por conta da necessidade do outro, já que normalmente alguém se especializa, em suma, as relações interpessoais fazem dele algo possível e em eterna construção. Sabe-se também que é a partir da incapacidade alheia que há a exaltação de alguma área. É nesse contexto que nascem os competentes e vitoriosos, sobre as custas de outros não tão capacitados aos olhos de um todo. Mas esse, não existiria caso não houvesse uma base onde pudesse pousar tais privilegiados pés. 

 A ambiguidade pertinente no ato do trabalho ainda se insere na contemporaneidade, já que ao mesmo tempo que constrói o indivíduo e o dá a sensação de duo, também é visto como algo demasiadamente massivo.  

De forma sucinta e significativa, o termo trabalho é originário do latim tripalium: instrumento de tortura romano (no qual eram suplicados os escravos). Não se pode dizer que a era de exploração foi anulada, já que na formulação atual, não se tem senhores que prendem, mas vende-se a falsa ideia de liberdade.

 

Link: http://twixar.me/tnZ3

 

Um exemplo disso são as jornadas exaustivas, que roubam mais que às 8 horas de trabalho por dia, com auxílio da flexibilidade (que leva o trabalho até o lar). Ao passo que se tem o trabalho intensivo, no qual o ‘eu’ torna-se o próprio senhor, que se chicoteia sucessivamente para uma produção adoecera a custo de metas e uma felicidade futura que mal poderá ser vivida, pois todo o vigor está sendo gasto nessa corrida para o seu próprio abismo. A custa de que?

A terceirização do trabalho é uma nova forma de escravizar. O fato é demonstrado a partir das pessoas que tornaram-se descartáveis, sendo facilmente manipuladas pela recompensa da “liberdade” e o poder de suas próprias escolhas a partir da remuneração aquisitiva. Há uma grande demanda de pessoas capacitadas no mercado de trabalho, dessa forma, apenas o curso superior tornou-se supérfluo. A medida que a venda das capacitações dos indivíduos são compradas (por um valor mínimo) as custas de pessoas adoecidas, apáticas, desmotivadas, dentro da realidade vigente no mercado de trabalho, vemos que de fato: tornaram-se meras mercadorias substituíveis, onde sinais de fragilidade as torna dispensáveis sobre alguma medida. 

 

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As crianças desde o início da escolarização, são de alguma forma excitadas para a competitividade, pois é esta a realidade que as espera. Pequenas máquinas de trabalho que são aquecidas desde muito cedo para não questionarem esse formato de vida, tornando o ciclo vicioso entre os indivíduos. Afinal, ninguém quer o título de fracassado, é o poder que manda. Não é incitado o autoconhecimento. Se soubéssemos quem somos, qualquer resultante que fosse imposta não seria o suficiente, pois se traçaria um caminho alternativo a se seguir. 

 

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A consequência do indivíduo pouco crítico, diante dessa realidade, poderá causar uma culpabilização, pelo fato de não atingir o êxtase em alguma área da sua vida, pondo-se em comparação ao outro. Junto ao discurso da meritocracia vigente, que não analisa o ser e suas circunstâncias pouco favoráveis ao crescimento pessoal. Igualando todos, quando na verdade não existem circunstâncias igualitárias. 

 

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As pessoas estão cansadas e não podem dizer-se cansadas. Seria esse ato como assinar a própria incompetência, ou o momento oportuno para serem substituídas. Essa repressão de sentimentos, a falta de tempo para si, para as relações afetivas, o desequilíbrio, desregulam o psicológico, biológico e dificultam as relações sociais, tornando-as cada vez mais rasas, acompanhado do corpo cada dia mais adoecido.  

Estão todos prestes a infartos psíquicos.  “Ficou doido”, “muita frescura”, “preguiçoso demais”, “fracassado, levante-se”, são estes, indivíduos comuns que simplesmente adoeceram, ou permitiram-se enxergar, pois, a sociedade é doentia, e os sensatos são aqueles que não respondem bem a essa escravidão em massa. Tiram um tempo para falar de suas dores, para cuidar de algo palpável, para serem humanos e verem no outro tamanha desumanidade. Objetificaram seres, por notas. Mas fica o questionamento; quanto custa sua saúde? Será se coisas reais têm preço? Talvez, a preguiça não seja a vilã da história (…) 

 

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