Stuart Hall: nascimento e morte do sujeito moderno

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Na pós-modernidade há diversos questionamentos sobre uma chamada crise de identidade, que pode ser caracterizada por uma fragmentação das partes de um sujeito, que antes era unificada e dava uma base sólida para os indivíduos no mundo social. No livro de Stuart Hall (2006), “A identidade cultural da pós-modernidade”, o referido autor faz menção sobre as identidades culturais, sendo elas aspectos ligados ao nosso ambiente social como: etnias, raças, línguas, religião, etc e como ela nasceu na idade moderna e seu decorrer até a pós-modernidade que ele descreveria como a morte.

O escritor argumenta o quanto a identidade é algo mutável, sendo suscetível a mudanças, também pode ocorrer de decair a morte. Na modernidade surge a individualidade que é vivida agora de forma diferente dos tempos anteriores, pois o sujeito já não se apoiava mais em tradições ou posições estabelecidas divinamente da qual não se podia romper. Segundo Hall, isto se deve às influências dos movimentos do Humanismo Renascentista e do Iluminismo, entre os séculos XVI e XVIII, e também do protestantismo. Estes movimentos trouxeram consigo a libertação da visão dominante da Igreja Católica, o entendimento de que o homem era um ser capaz e centro de tudo e o pensamento racional e científico.

Fonte: http://zip.net/bhtNyr

Esta identidade poderia ser caracterizada segundo Willians (1976, p. 133-5), como indivisível, singular, distintiva, e única, mas pelo fato de o ceticismo metafísico estar presente na modernidade, Hall faz uma ressalva e nos lembra que ele pode não ser assim tão unificada como parece quando descrita. Quem demonstrou isto bem foi Descartes que em seus estudos colocou o sujeito individual e com capacidade de pensar e raciocinar no centro da mente, esta é então a concepção de sujeito racional ou digamos sujeito cartesiano.

O autor também traz a contribuição de John Locke (1967, p. 212, 213), que acreditava que a identidade estava diretamente ligada à proporção que a consciência da pessoa queria alcançar para suas ações. Então este indivíduo soberano era dividido em dois aspectos: o “sujeito da razão, do conhecimento e da prática e aquele que sofria as consequências dessa prática” (HALL, 2005, p. 28).

No século XVIII os grandes processos da vida moderna eram ainda vistos tendo como centro o indivíduo “sujeito-da-razão”. Mas essa concepção mudou a partir do momento em que se percebeu que as sociedades modernas estavam se tornando cada vez mais complexas, então foi adquirida uma forma não somente individual, mas social e coletiva. Emergindo uma concepção mais social do sujeito. A biologia darwiniana e o surgimento de novas ciências sociais foram dois grandes eventos que contribuíram para que fosse articulado um conjunto amplo de fundamentos conceptuais para o sujeito moderno.

Descentrando o sujeito

Aqui o autor argumenta sobre as mudanças sociais que afetaram diretamente a forma de agir das pessoas, reformulando como a individualidade se potencializou na era da  pós-modernidade. E neste contexto é apresentado concepções de cinco visões diferentes que vieram a influenciar nessa descentralização.

Marx é o autor do primeiro ponto sobre a descentralização do sujeito. O mesmo afirma que o homem é o responsável por fazer sua história, porém, deve submeter-se às condições que lhes são dadas. Em sua teoria ele visualizava o ser humano em dois pontos chaves. Uma é a essência universal do homem, e a outra é que essa essência é atributo de cada indivíduo singular, o qual é sujeito real. Embora sejam postulados que se complementam, Marx foi fortemente criticado por seu trabalho “anti-humanista”, trabalho este que influenciou fortemente o pensamento moderno.

A segunda teoria de grande impacto foi a de Freud, o qual afirma que a identidade, a sexualidade e todas as suas formas de desejo são processado pelo psiquismo de maneira inconsciente, que é o controlador e que não há conhecimento deste pelo indivíduo, pois todo o processo ocorre de maneira inconsciente. A teoria do inconsciente foi impactante, pois era muito diferente da forma que se tinha sobre o indivíduo até aquela época, dominando até a pós-modernidade com fonte principal do conhecer um indivíduo, que se constroi através das relações com outros, especialmente nas negociações psíquicas inconscientes, que a atribuída na infância com suas figuras paternas e maternas. E outro autor da visão psicanalítica foi Lacan, que potencializa esta teoria.

Fonte: http://zip.net/bttNpn

Enquanto que para Freud, tudo acontece por um processo inconsciente, Lacan traz a ideia de que a criança em sua formação depende ainda da convivência com outras pessoas para que assim possa se desenvolver. Lacan ilustra essa fase de desenvolvimento com a metáfora do espelho, onde a criança começa a se perceber no mundo através dos olhos dos outros, gerando assim um processo de desenvolvimento. 

O terceiro descentramento citado pelo autor foi retirado do trabalho de Ferdinand de Saussure, o qual argumenta que não somos autores do que falamos, pois a língua é preexistente a nós, e apenas nos expressamos através da fala. Diz ainda que, o ato falar de uma língua não representa somente a  expressão dos nossos pensamentos interiores, mas também ativa todo um acervo de significados inseridos em nossos sistemas culturais. Desta forma não temos controle sobre os significados que produzimos, pois em cada cultura há seus próprios significados.

Fonte: http://zip.net/bttN4d

O quarto descentramento é baseado na visão de Michel Foucault, que formula um novo poder sendo um poder disciplinar o qual se preocupa na regulação e vigilância da espécie humana. O objetivo desse poder disciplinar é basicamente produzir um ser humano que possa ser tratado como um corpo dócil. Assim os órgãos de poder têm mais facilidade para manter a vida de todos sob seu controle. Os locais de controle são as instituições, que visa o controle social, também conhecidas como “instituições de sequestro”, estas instituições são hospitais escolas quarteis, prisões e assim por diante.

O quinto descentralizamento foi o impacto do feminismo. O feminismo surgiu em paralelo a outros movimentos libertários. Esses movimentos se opunham politicamente tanto ao capitalismo ocidental quanto a política estalinista do Oriente. Tinham uma forma cultural forte. O feminismo questionou a distinção entre público e privado, trouxe para a política assuntos como família, a sexualidade, o trabalho doméstico etc. Defendiam não apenas os direitos da mulher na sociedade, mas também dos gays, lésbicas e outros movimentos, e assim surgiu a política da identidade.

Fonte: http://zip.net/bctNlR

Nos pontos acima foi mostrada a argumentação do autor sobre o descentramento do sujeito na modernidade. O qual antes de sofrer um bombardeio de informações e influências tinha identidade fixa estável, e a partir da era moderna, cercado por tantas influências sociais, culturais e políticas  adquiriu uma identidade fragmentada.

Foi sintetizado o percurso trilhado desde o Iluminismo e denotado as suas influências sobre os aspectos do sujeito moderno. Essas influências estão diretamente ligadas a forma como os sujeitos da contemporaneidade vivem, a forma da liberdade desprendida das tradições, crendices e dogmas. A subjetividade hoje é experimentada sobre outras perspectivas, sobre outra óptica, sem modelos estruturais previamente prontos a serem seguidos, porém é importante ressaltar alguns aspectos dessa “liberdade” que em alguns casos pode tornar-se uma falácia, pois a liberdade que  acredita-se possuir, não é de fato inteiramente liberta, ou seja, há restrições, há regras e privações mesmo dentro do discurso “sou liberto”.

O principal intuito das presentes explanações sobre a problemática é de esclarecer mesmo que de forma sintetizada sobre a gênese do que é vivenciado hoje nos contextos atuais, pois o sujeito do Iluminismo (indivíduo humano, centrado), sujeito sociológico (indivíduo complexo) constituíram, definiram, alimentaram e fizeram surgir o sujeito moderno.

REFERÊNCIAS:

HALL, Stuart. Nascimento e morte do sujeito moderno. In: Hall, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Guaraeira Lopes Louro – 11. Ed. – Rio de Janeiro: DP&A, 2006. Disponível em: <file:///C:/Users/psipa/Downloads/Stuart%20Hall%20A%20identidade%20cultural%20na%20po%CC%81s-modernidade%20(1).pdf>. Acesso em: 22 de Maio de 2017.

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Bauman: vida de constantes incertezas

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Fonte: www.tumblr.com

O livro Vida Líquida, do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, traz provocações interessantes acerca da contemporaneidade. No capítulo 1, o autor nos fala sobre a necessidade infundada que as empresas – assim, como as pessoas também – têm de estar em constante mudança. Adotam um espírito sem constância e procuram ferozmente “motivos” nos outros para mudarem. A mesmice é vista como um erro fatal para todos os jogadores do Mundo Capitalista. A perpetuação do que é concreto agora é uma ameaça para os seres humanos dessa sociedade que visam que as raízes devem ser cortadas e trocadas por próteses que podem ser retiradas a qualquer momento sem aviso prévio, assim eliminando os “fracos” da jogatina dos “Poderosos”.

O capítulo 2 traz como assunto principal a formação dos Heróis. Há alguns séculos, os heróis eram as pessoas que tinham ideais puros e lutavam por alguma causa nobre e morriam para ajudar as minorias, além de ser quase santificados pelo povo. Na sociedade consumista, os heróis perderam sua “eternidade” e se tornaram Celebridades. Não carregam em suas falas e discursos lemas igualitários ou praticam boas ações. Apenas tem rosto bonito, estão na mídia constantemente, tem seus cabelos copiados por multidões, suas vidas são vigiadas 24hs por dia. A individualidade e a futilidade tornam-se o glamour dos heróis do século XXI. A morte por alguma causa é vista como loucura ou fanatismo.

[…] a sociedade de consumo líquido-moderna despreza os ideais do “longo prazo” e da “totalidade”.

No capítulo 3 temos como abordagem principal a formação da cultura. Na sociedade líquido-moderna não são os marcos históricos, lembranças, memórias ou glórias passadas que fazem de algo um “produto cultural”, mas seu valor no mercado. Se as pessoas querem consumir determinado lugar ou coisa, aí sim teremos um produto comerciável e não uma Utopia. São os mercados que ditam o que é “essencial” para a cultura e não o inverso. No século XXI não há espaço para valorização nacional e sequer regional. A globalização vem para derrubar barreias não só geográficas, mas ideológicas, econômicas, educacionais e até culturais. Há uma necessidade de uma “cultura global” que seja identificada como um produto pronto para consumo e preparado para ser jogado “no lixo” quando se torna obsoleto.

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Fonte: http://www.cienciahoje.org.br/revista/materia/id/834/n/lixo_eletroeletronico

Um mercado de consumo propaga a circulação rápida, a menor distância do uso ao detrito e ao depósito de lixo, e a substituição imediata dos bens que não sejam mais lucrativos”.

O capítulo 4 abre alas com o assunto construções modernas, ou seja, a vida urbana atual. Bauman nos traz vários dados que confirmam suas suposições e estudiosos que analisam a fundo esse problema que afetado toda a população do século XXI: O Medo Onipresente.

Percebemos que as arquiteturas atuais trabalham em prol do isolamento social. Não proporcionam convívio com os demais vizinhos. As residências tornaram-se fortalezas humanas e preparadas para “guerras” invisíveis e irreais. A maior guerra não se encontra nas ruas ou nos campos de concentração do século XX, mas em nossas mentes. Formos dominados pelo estado permanente de Insegurança e nosso “sensor-aranha” a todo o momento detecta algo inimigo inventado pelo Estado e o Mercado.

A vida urbana se transforma num estado de natureza caracterizado pelo domínio do terror, acompanhado pelo medo onipresente”.

Talvez seja porque as inovações tecnológicas, os governos, a mídia e o mercado produziram um ambiente em que é cada vez mais fácil “apagar, desistir, substituir”. E a velocidade com que isso ocorre é que dá à vida esse caráter inconstante. É como se cada pessoa estivesse eternamente à procura de algo que possa ser seu novo objetivo ideal (uma espécie de Santo Graal), mesmo sem compreender porque havia buscado o já ultrapassado objetivo que ainda tem em mãos. Assim, a rapidez com que as variáveis mudam é condição necessária e, quem sabe, suficiente para a sobrevivência no mundo líquido-moderno.

No capítulo 5 Zygmunt trata sobre nós Consumidores. Nesse capítulo uma nova faceta nos é apresentada. Somos apenas peças no tabuleiro dos “Poderosos Chefões” do Mercado Global. O mercado não quer satisfação plena de seus consumidores. Ele quer o contrário. Geram constantemente produtos que criem mais insatisfação em seus clientes. A insatisfação é a válvula que move o mercado atual, sem isso tudo seria perdido. Todas nossas frustrações, dores, sofrimentos podem ser “curados” num shopping center, esse que é o símbolo máximo da nossa sociedade.

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Fonte: http://www.syhus.com.br/2015/09/24/duvida-7-quantos-socios-eu-posso-ter/

A sociedade de consumo consegue tornar permanente a insatisfação”

O capítulo 6 nos traz como tema central a Educação. Na sociedade de consumo o processo educacional tornou-se tão volúvel quanto seus atores principais. Todo o conhecimento parece ter virado um “produto” assim como alimentos, roupas e sapatos. Encontramos agora a Indústria do Conhecimento, que mostra que toda informação tem prazo de validade e as pessoas necessitam sempre estarem se atualizando. Nesse ritmo o termo APRENDIZAGEM tornou-se o sinônimo de Educação. Isso causa um desconforto nos educadores, pois apresenta o conhecimento como arma principal para o jogo dos “Chefões”, entretanto o conhecimento é tão obsoleto quanto um celular do ano passado, porque já foi lançado um da nova geração. Nesse diálogo antagônico, as pessoas pisam em um campo-minado e podem ser excluídas da guerra, simplesmente porque seu conhecimento tornou-se “ultrapassado”.

Aqui a educação das universidades não condiz com o que o MERCADO quer e o diálogo torna-se cada vez mais contraditório e caminha para um rumo que pode afetar os princípios conhecidos pelos educadores e apenas satisfazer o “Chefão”.

A velocidade com que o indivíduo transita entre o amor e o desapego, entre a relevância e o descaso, entre o moderno e o ultrapassado, entre o essencial e o desnecessário provoca um aumento exponencial do lixo. Cada pessoa carrega consigo seu lixo particular, que precisa ser despejado em algum lugar. E isso acontece através da ajuda dos mais diversos meios, desde terapias e pílulas mágicas até religião e sistemas educacionais.

A vida líquida, assim como outras obras de Bauman, traz uma reflexão apoiada na revisão de alguns conceitos (como cultura, progresso, amor, medo, consumo) presentes e em constante mutação na sociedade atual. São vários livros permeados pela mesma premissa: o mundo líquido-moderno.

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Fonte: http://concurseirosbr.com/7-maneiras-simples-de-estudar-informatica-para-concursos/

A mudança educacional está se tornando cada vez mais vinculada ao discurso da eficiência, da competitividade, da efetividade de custos e da contabilidade”.

No capítulo final da obra, Bauman fecha o livro com chave de ouro falando de todos os temas anteriores juntamente com a responsabilidade do Estado em influenciar nas escolhas das pessoas.

Para Bauman, “a vida líquida é uma vida precária, vivida em condições de incerteza constante”. Mas, parece-me que a vida sempre foi assim, uma série finita de incertezas permeada por artifícios capazes de produzir um sentimento relativo e breve de estabilidade.

As pessoas parecem querer ser enganadas. Sabem que estão sendo enganadas, mas deixam-se ser levadas pelo Mercado. Nisso entraria a ação do Estado na ajuda de “escolhas certas”, onde produtos e serviços realmente visassem a satisfação e a felicidade das pessoas e não alimentar um ciclo completamente vicioso.

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