20 de março de 2022 Sandra Aparecida Lopes Ramalho
Filme
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O filme Beleza Oculta do diretor David Frankel, estreou no Brasil no ano de 2017, e sua história traz uma reflexão profunda questões que são fundamentais para a vida humana tais como: vida, amor e tempo.
O filme narra a estória de Howard, personagem de Will Smith, um profissional que exerce função de líder de motivacional para seus funcionários em sua empresa de publicidade. Uma das cenas iniciais do filme, Howard verbaliza a seguinte “ansiamos pelo amor, gostaríamos de ter mais tempo, e tememos a morte”.
Após a cena inicial, o filme mostra Horward em um momento de vida totalmente diferente, demonstrando-se desconectado da realidade que vive, aparentando uma certa desordem, tanto em relação ao profissional quanto pessoal, devido a perda de sua filha (Olívia) com 6 anos em consequência de uma doença rara.
A trama traz também outros personagens além de Howard, os 3 (três) amigos e sócios da agência de publicidade Claire (Kate Winslet), Simon (Michael Peña) e Whit (Edward Norton) que passam por dificuldades financeiras, em consequência da gestão de Howard após a perda da filha. O enredo conta ainda com Madeline (Naomi Harris) a ex-esposa de Howart, todos os personagens possuem uma singularidade com relação as questões do amor, tempo e morte.
Certamente amor, tempo e morte são os temas que permeiam o enredo do filme, tais abstrações são destacadas no filme como sendo as que conectam todos os seres humanos. Cabe aqui destacar o tema da morte que enquanto finitude está presente na morte de Olivia, na possibilidade de morte de Simon em decorrência da doença que o acometia, é presente ainda na possibilidade de falência da empresa de Howart, a morte está presente ainda na finitude da carreira da atriz que sonhava estrelar um grande papel e não conseguia mais visualizar esta oportunidade com o passar dos anos de sua vida.
A morte que faz com que Howard e Madelaine fiquem imersos a grande sofrimento em consequência da perda da filha (Olivia), no entanto, cada um deste vivencia o acontecimento de maneira singular, a mãe (Madeline) buscar participar de eventos com outras pessoas que passam por momentos de perdas, e esta consegue falar sobre sua perda, o pai (Howard) por sua vez, encara com o fechamento para o mundo. Diante dessa cena retratada no filme, infere-se que “a disposição intima corresponde, pois, a complexo funcional tão definido quanto a disposição externa” (STEIN, p. 119). Ainda de acordo com o autor citado, da mesma forma que “se nota a falta de uma disposição intima típica nos casos em quem os processos interiores são negligenciados, também uma disposição típica externa faz falta nos que constantemente ignoram o objeto exterior, as realidades dos fatos”.
Aos poucos e com a ajuda da ex-esposa Howard consegue falar sobre sua perda, mas segundo ele, ainda é difícil falar sobre o que passou. Assim como é difícil participar de grupos de apoio, pois ele simplesmente não quer verbalizar sua grande perda. É emocionante as falas do personagem. E quanto mais os amigos, a esposa, Amor, Tempo e Morte, se ocupavam e interagiam com ele, Howard pôde deixar seu estado de solidão e apatia para trás. Ele passou a frequentar o grupo terapêutico, interagir novamente com Madeline, expressar seus sentimentos reprimidos por Amor, Tempo e Morte, lidar com as responsabilidades de seu trabalho. E tudo isso permitiu-lhe atravessar os estágios do luto, encontrando uma nova forma de viver mais conectado ao mundo, contemplando a Beleza Oculta.
O filme “beleza oculta”, é uma obra riquíssima em detalhes que pode ser analisada de diversas perspectivas, pois aborda questões da vida humana que são tidas como centrais em diversas ciências, principalmente a filosofia que tem profunda influência nas demais ciências incluindo a psicologia.
Neste livro fantástico da Ana Claudia Quintana Arantes, médica geriatra, pós graduada em psicologia com intervenções em luto e especializada em cuidados paliativos, a autora tem a coragem de lidar com um tema que é ainda um tabu, a morte. Me deparei com a sua palestra em um TED TALK (que teve quase 3 milhões de visualizações) e fiquei impactada! Soube que tinha que ler o livro também. Ela traz reflexões sobre o sofrimento, sobre a vida, sobre fazer valer.
Fonte: encurtador.com.br/tvLTX
Nos primeiros capítulos do livro, que foi publicado pela Editora Sextante, Ana Claudia conta sua trajetória de escolha profissional, e compartilha com o leitor a dificuldade que foi de assumir publicamente o seu propósito: o de cuidar de pessoas que morrem. São 26 capítulos no total, onde ela inicia contando como foram difíceis as decisões que a levaram escolher este caminho, pois a sociedade não está preparada para falar ou pensar no fim da vida. Tudo o que se faz é para a perpetuação da vida, a medicina, a estética, com intervenções, técnicas, procedimentos para o prolongamento desta existência que, por certo, terá dia e hora para acabar.
No quarto capítulo do livro “Cuidar de quem cuida”, ela diz de como sua vida ficou plena de sentido quando ela descobriu que tão importante quanto cuidar do outro é cuidar de si mesmo, e como muitos profissionais de saúde, principalmente os médicos, ela não deu importância para essa informação. Como soa bem socialmente muitas vezes dizer que você não teve tempo de almoçar, não teve tempo de dormir, de rir, chorar, não teve tempo de viver. Ela fala como a dedicação ao trabalho parece estar ligada a um reconhecimento social, a uma forma torta de se sentir importante e valorizada e como por um bom tempo negligenciou isso e acabou adoecendo. E como nessa busca por aliviar o sofrimento do outro, em lidar com a dor alheia com uma pergunta: Como lidar com a dor do outro sem tomá-la para si?
E com psicoterapia ela busca aliviar esse sofrimento e trazer sentido no que faz. Trago um trecho do livro aqui muito bacana sobre a complexidade da mente do ser humano.
“Sempre digo que a medicina é fácil. Chega até a ser simples demais perto da complexidade do mundo da psicologia. No exame físico, consigo avaliar quase todos os órgãos internos de um paciente. Com alguns exames laboratoriais e de imagem, posso deduzir com muita precisão o funcionamento dos sistemas vitais. Mas, observando um ser humano, seja ele quem for, não consigo saber onde fica a sua paz. Ou quanta culpa corre em suas veias, junto com o seu colesterol. Ou quanto medo há em seus pensamentos, ou mesmo se estão intoxicados de solidão e abandono.”
Fonte: encurtador.com.br/abcuS
Uma pesquisa realizada em 2010 pela publicação britânica “The Economist” avaliou a qualidade de morte em 40 países. O Brasil ficou em 3º lugar como pior país do mundo para se morrer, ficando à frente somente (e por muito pouco) da Uganda e da Índia, e o quanto isso demonstra o quanto nossa sociedade não está preparada e o quanto a medicina no nosso país não está preparada para conduzir o processo de morte de seus pacientes. Sua reflexão diz respeito sobre como falta mesmo esse cuidado em aliviar o sofrimento físico, e também ajudar o paciente a lidar com o sofrimento natural que este momento final traz que é o sofrimento emocional e o espiritual. Nestes momentos finais da existência humana, a pessoa se questiona, se ela viveu realmente com sentido e significado, ou se neste momento ela está ainda cheia de “pendências”.
Um médico ao buscar o alívio do sofrimento físico, muitas vezes se dá por satisfeito, porque entende que os cuidados paliativos é sedar o paciente e esperar a morte chegar. Muitos ainda pensam que é apoiar a eutanásia ou acelerar a morte, mas isso é um imenso engano. A autora acredita que a vida vivida com dignidade, sentido e valor, em todas as suas dimensões, facilitam muito esse processo de morrer em paz. Porque não auxiliar as pessoas a morrerem bem também? E não só a viverem bem? Cuidar do bem estar físico, emocional, familiar, social e espiritual dessa pessoa e das famílias no processo da despedida?
Na prática dos cuidados paliativos, ela sonha em presenciar nas pessoas não só a ortotanásia (a morte no seu tempo certo), mas também a kalotanásia: a morte “bela”.
Fonte: encurtador.com.br/hkqPU
Ela traz no livro uma mensagem de agradecimento deixada por uma filha que acompanhou a morte do pai: “Cuidados Paliativos é tratar e escutar o paciente e a família, é dizer – SIM, sempre há algo que pode ser feito – da forma mais sublime e amorosa que pode existir. É um avanço da medicina.”
A terminalidade é a consequência do curso natural da vida, o que ela produz é o sofrimento, como ela diz, é uma melodia única. Cada um sofre de uma forma. E não faz diferença se somos pessoas boas ou não: vamos morrer. A única coisa que não temos opção é a morte. Para todo o resto na vida, há opções: podemos fazer ou não, podemos querer ou não. Mas morrer ou não, isso não existe.
Gostei muito do livro. Finalizando aqui as minhas considerações, acredito que a consciência da finitude é angustiante, mas nos oferece uma perspectiva mais apurada sobre como deveríamos viver esta vida. É um convite a uma reflexão pessoal. Se alguém quer pensar sobre a vida, deveria começar meditando sobre como ela é um recurso limitado e temporário.
A autora nos faz pensar que não nos preparar para a morte não ajuda a evitar esse processo, mas auxilia evitar o medo deste encontro e a transformá-lo em respeito. Muitas vezes é só com a consciência da morte que nos apressamos em construir o ser humano que deveríamos e gostaríamos de ser.
FICHA TÉCNICA DO LIVRO
Fonte: encurtador.com.br/jrABO
Título: A morte é um dia que vale a pena viver Autor: Ana Claudia Quintana Arantes Editora: Sextante Páginas: 192 Ano: 2019
REFERÊNCIAS:
ARANTES, Ana Claudia Quintana. A morte é um dia que vale a pena viver – E um excelente motivo para se buscar um novo olhar para a vida. Sextante,2019.
“Acho que só outra mulher conseguiria entender o sofrimento de uma mulher que está na linha de frente contra o COVID, é o medo de perder a família medo de contaminar a família, e se identificar com os pacientes, com as famílias dos pacientes e de se esquecer toda a vaidade de ser mulher para garantir a segurança de não transmitir a doença”
Susana Bernardes da Silva
Como podemos pensar a saúde mental das mulheres que lideram a linha de frente contra a COVID 19? O Portal (En)Cena conversa com a médica Susana Bernardes da Silva, chefe da UTI COVID da Unimed de Palmas-TO, para entender sua perspectiva acerca dos desafios de ser mulher, no Brasil da pandemia.
Susana Bernardes da Silva – Foto: arquivo pessoal
A entrevistada apresenta os sacrifícios diários do bem-estar e da vaidade como parte da dura rotina na linha de frente do combate ao coronavírus. Além disso, retoma as dificuldades enfrentadas usualmente pelas mulheres para serem reconhecidas como sujeitos capazes pela família e pela sociedade. Por fim, a médica destaca como soluções para as mulheres no pós-pandemia: a importância de ter foco e de manter a capacidade de crescer; apesar das inegáveis marcas que o sofrimento psíquico causado pela atual situação de calamidade deixará em profissionais da linha de frente, pacientes e cuidadoras.
(En)Cena – Considerando o seu lugar de fala de: mulher, médica, profissional da linha de frente na luta contra a COVID 19, líder de equipe e usuária ativa das redes sociais: o que é ser mulher no Brasil, durante a pandemia da COVID 19?
Dra Susana Bernardes da Silva – O que é ser mulher durante essa pandemia? Para mim, ser mulher sempre foi se desafiar, sempre foi tentar vencer uma luta todos os dias. Então nessa pandemia me sinto exercendo com mais vigor e com mais força aquilo que sempre vivenciei. Se desafiar a encontrar um lugar melhor para si e para todos que te cercam, mostrar para si e para os outros que você é capaz. Capaz de unir forças para vencer a dor, o medo, o pavor e cuidar e recuperar a vida das pessoas.
(En)Cena – Na sua opinião, como podemos compreender o sofrimento emocional das mulheres que estão na linha de frente da luta conta a pandemia no Brasil?
Dra Susana Bernardes da Silva – Acho que só outra mulher conseguiria entender o sofrimento de uma mulher que está na linha de frente contra o COVID. Em resumo: é o medo! Medo de perder a família, medo de contaminar a família. É se identificar com os pacientes, com as famílias dos pacientes e se esquecer de toda a vaidade de ser mulher para garantir a segurança de não transmitir a doença. Eu tendo que tomar vários banhos por dia e lavar o cabelo duas ou três vezes ao dia, não posso usar maquiagem ou joias e preciso manter o uso de várias roupas que dificultam ir ao banheiro. É também anular a vaidade e até seu bem-estar para garantir a segurança de quem você ama. Sacrifícios que as mulheres são mais acostumadas a suportar.
Fonte: encurtador.com.br/prBPY
(En)Cena – Quais são os maiores desafios e quais são os maiores aprendizados da sua experiência como médica coordenadora da uti da Unimed-Palmas durante a pandemia?
Dra Susana Bernardes da Silva – Acredito que o maior desafio e aprendizado nesta pandemia é a resiliência, é como se Deus estivesse testando nossa capacidade de resistir, enviando em forma de ondas de mortes o recado para continuarmos focados em ficarmos mais voltados para nossas próprias famílias. No entanto, nós da saúde precisamos nos dividir entre cuidar das nossas e das outras famílias.
Fonte: encurtador.com.br/acjJP
(En)Cena – Segundo seu conhecimento profissional, como a experiência da COVID pode afetar a saúde mental das mulheres enquanto pacientes? E enquanto cuidadoras?
Dra Susana Bernardes da Silva – Acho que todos ficaremos afetados pelo terror e pavor de estar muito próximos da morte. As pacientes que cuidamos na UTI, acredito que passam por uma sensação de ter renascido e uma eterna gratidão, muitos terão crises de ansiedade. As cuidadoras também sofrem com ansiedade por exaustão, tanto física como mental.
Fonte: encurtador.com.br/kuDNY
(En)Cena – Na sua opinião, qual seria o caminho para as mulheres no pós-pandemia?
Dra Susana Bernardes da Silva – O caminho para as mulheres pós pandemia é manter a capacidade de crescer e manter o foco, mesmo em momentos de extrema adversidade. Não creio que seja algo novo para as mulheres. Como disse no início, sempre vivemos em adversidades e crescemos cada vez mais, dentro da sociedade e da família.
É a forma de lidar com o real do Covid-19 – pela rejeição da nossa limitação e finitude – que mais nos coloca em risco de morte.
A questão da morte é um tema muito presente no consultório dos psicólogos e psicanalistas. Os analisandos falam muito do medo da morte, mas vou ousar afirmar que eles falam muito mais sobre uma certa aposta na morte, como uma das saídas possíveis para escapar das angústias da vida. A morte como uma espécie de abertura para uma outra vida, não necessariamente transcendente.
Minha experiência como analista me ensinou que, na imensa maioria das vezes, quando as pessoas falam sobre o desejo de morrer ou do impulso para a morte, elas não estão falando necessariamente em suicídio. O que elas estão dizendo é que, de algum modo aparentemente contraditório, só é suportável viver e passar por determinadas situações em vida, se tivermos como horizonte a morte, incluindo a possibilidade de dar fim à própria vida, mesmo que a maioria das pessoas nunca chegue a tal ponto.
Com isso, aprendi a escutar com mais tranquilidade o tema do desejo pela morte, sem a todo momento identificar suicidas em potencial. Ou, dito de outro modo, entender que, em última análise, todos somos suicidas em potencial, simplesmente porque a vida contém em si a morte.
Fonte: encurtador.com.br/diLU7
Nesses tempos de pandemia por Covid-19, a questão da morte se faz extremamente próxima e presente, e dessa vez como uma experiência do real. Deixa de ser uma promessa, uma saída idealizada ou fantasiada, para ser uma realidade, e, nesse caso, uma realidade compartilhada por todos.
Mas, diante do real que invadiu nosso cotidiano nos últimos tempos, é interessante perceber como muitos analisandos vêm ressignificando a posição diante da própria finitude. Como se a possibilidade real de experimentar a morte – a própria ou a de um outro próximo – os tivesse levado a apostar na vida de um modo novo, a lutar por ela e a compreender que, no final das contas, desejam viver. Que talvez o que não desejavam ou desejam mais, é a vida que vinham ou vem vivendo.
Diante da morte, e de uma política que aposta na morte, tenho escutado no meu consultório afirmação da vida e desejo de viver. Mesmo que venham com modos obsessivos e neuróticos de cuidar de si e dos seus, é pulsão de vida, o que eu vejo.
Fonte: encurtador.com.br/nyEIN
Por outro lado, temos visto vários discursos e manifestações que negam a pandemia e seus riscos. Entendo que também não deixa de ser uma tentativa de apostar na vida, só que um modo débil, delirante e equivocado; negando a morte. E é exatamente essa forma de lidar com o real do Covid-19 – pela rejeição da nossa limitação e finitude – que mais nos coloca em risco de morte. Ou seja, muito pior do que pensar na morte como saída possível para a vida, é negar que que a morte exista. Desdenhar da morte é se deixar arrastar por ela. Não acredito que seja necessário ter medo da morte, mas é preciso sim, ter respeito e cuidado ao lidar com ela.
O verdadeiro suicida não é aquele que pensa na morte, mas aquele que a nega.
Admitir, assumir a morte como destino é a única via possível para quem deseja viver.
A ligação (2020), estreia da Netflix deste ano, figura no Top 10 dos assistidos e por uma boa razão. Seo-yeon, uma das personagens principais, retorna para a casa que morou quando criança e recebe ligações estranhas de uma desconhecida pedindo por ajuda. Após descobrir o diário da mulher que lhe ligou numa espécie de porão da residência, acaba por descobrir que as duas estão na mesma casa, só que em tempos diferentes.
O jogo de passado e futuro influenciando um ao outro é uma das marcas do filme, que lançam as duas personagens, Seo-yeon e Oh Young-sook, em uma narrativa muito interessante sobre doença mental, luto e até onde as pessoas vão em nome dos próprios interesses. Seo-yeon e Oh Young-sook se tornam muito próximas através das ligações cotidianas, contando sobre suas famílias, como vivem e as diferenças existentes em cada época.
Foto: filme A ligação (2020)
Assim, ficamos cientes de que Seo-yeon mora sozinha, sua mãe está internada em um hospital em quadro aparentemente crítico e que seu pai morreu em um acidente doméstico quando ela era criança. Sobre Oh Young-sook, de que vive com sua madrasta que a tortura constantemente pois acredita que ela esteja possuída por demônios, além de enclausurá-la dentro de casa e manter sua rotina rigidamente.
Em dado momento, após Oh Young-sook encontrar no passado Seo-yeon ainda criança, procuram realizar a tentativa de evitar o acidente ocorrido com o pai de Seo-yeon e assim, consequentemente, evitar sua morte. A experiência tem sucesso e numa cena que lembra Matrix (1999) ou A Origem (2010), o presente de Seo-yeon é completamente alterado, mediante a mudança no passado.
Foto: filme A ligação (2020)
Nesse presente, seu pai está vivo e sua mãe não está doente, alterando também outras questões de ambiente, como a casa que vivem, como se comportam e outros. A relação das duas é equilibrada até o momento que Oh Young-sook percebe que a amiga está ignorando-a em nome de ter momentos com a família e sua madrasta descobrir que ela está falando com alguém ao telefone. Após mais uma sessão de tortura, Oh Young-sook retorna para a amiga, que lhe informa que ela será assassinada pela madrasta num ritual de exorcismo para “cura da doença mental”. Depois disso, fica claro que o futuro tem o benefício do conhecimento, pois tudo o que já passou foi documentado de alguma forma e pode ser utilizado pelas duas.
Foto: filme A ligação (2020)
Depois do assassinato e de finalmente se ver livre, Oh Young-sook sai às ruas, faz compras e experienta o que já desejava: um pouco de vida “normal”. A personagem não aparenta remorso em nenhum momento pelo o que fez, nem sequer no assassinato seguinte, quando mata um fazendeiro que a visita, por ter encontrado o corpo de sua madrasta na geladeira.
Quando observada a ausência repentina do fazendeiro que era amigo de sua família, Seo-yeon descobre através de relatórios policiais que Oh Young-sook foi acusada pelo homicídio das duas pessoas e condenada à prisão perpétua. A partir de então, a trama muda de direção e o que era amizade se torna hostilidade e ameaças, pois Oh Young-sook deseja saber qual prova a incriminou e assim evitar de ser presa, informação da qual apenas Seo-yeon pode lhe dar.
Na sequência, a história se dedica ao jogo de passado-futuro entre as duas personagens, com muitas reviravoltas, mortes e violência envolvida no processo. Até onde ir para evitar a morte de um familiar? Como processar o luto, quando ele ocorre mais de uma vez pela mesma pessoa? Quais os limites de comportamento em pessoas diagnosticadas com transtornos mentais? O filme é muito bem produzido e apesar da impossibilidade da trama, é interessante pensar o que faríamos se pudéssemos alterar nosso passado, presente e futuro. Ao final, resta a impressão de confusão, ao percebermos que as influências entre os tempos eram maiores do que inicialmente inferido.
Título Original: Call Ano de produção: 2020 Dirigido por: Lee Chung-hyun Gênero: Suspense, Terror Países de Origem: Coreia do Sul Duração: 112 minutos
A forma de lidar com a morte no Ocidente modificou-se na modernidade, ocasionando cada vez mais o distanciamento deste tema das grandes pautas da sociedade. Segundo Iraha, Silva e Paula (2017), o espaçamento entre mortos e vivos ocorre devido a ascensão do capitalismo, quando os corpos passaram a ser caracterizados como instrumentos de produção tornando a morte um novo sinônimo para fracasso. Também houve o avanço da medicina, pois foi quando a morte passou a ser vista como uma fonte de contaminação, perigo e doença, e todos esses aspectos interferem no modo como os coveiros são vistos na sociedade.
Há um paralelo de conceitos que se cruzam no trabalho nos cemitérios: de um lado observamos o modo como o trabalho faz parte do processo sócio-histórico da sociedade, visto permitir com que o sujeito se afirme em relação a si e aos outros, pois promove a interação do indivíduo com o meio em que está inserido e também é uma fonte de realização, uma atividade transformadora e colaborativa, criado e moldado de acordo com a perspectiva da sociedade; por outro lado, encontra-se o cemitério, não apenas o local físico em si, assim como os símbolos que esse carrega de luto e perda, mesmo a morte sendo uma etapa da vida em que independe do social, crenças ou de qualquer outra coisa, nesse intermédio entre a vida e a chegada da morte há todos os trabalhadores do cemitério que lidam diariamente com esse cenário atípico.
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Ademais, o trabalho traz consigo não apenas uma busca por satisfações materiais e físicas, como também a satisfação pessoal, de ser um agente transformador, sendo a primeira atividade humana que o sujeito modifica o ambiente e a si mesmo para sobreviver. Contudo, a nova morfologia do trabalho trouxe consigo um impacto que se expressa pela precarização do trabalho, impostas pelo capital. Parafraseando Antunes (2009), essa situação contraditória do trabalho humaniza e degrada, liberta e aliena, colocando o trabalho humano como molde em nossas vidas, pois, perpassa não só o meio econômico, mas também os meios sociais, psicológicos e simbólicos que determinam tanto as relações sociais como o desenvolvimento da sociedade.
No cruzamento entre esses conceitos há os coveiros que ficam encarregados do trabalho estigmatizado como ‘’sujo’’, pois a morte não é vista com naturalidade pela sociedade em geral, conferindo à profissão um desprestígio por lidarem com esse fenômeno cotidianamente, além de terem um papel de extrema importância na organização e administração dos serviços fúnebres. Ocorre o contato direto com cadáveres/restos mortais, a realização de exumação, cavar as sepulturas, em virtude disso, esses trabalhadores estão alheios a exposição de sua saúde física; o coveiro precisa cuidados diferenciados em suas atividades, além de ficarem expostos a intempéries climáticas e a fatores estressantes que prejudicam sua saúde mental. Não há chuva ou sol que pare o trabalho deles, muitas vezes ficam expostos ao sol durante muitas horas, assim como não há hora para as atividades realizadas.
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Predominantemente realizada por homens, grande parte desses atuam na área por falta de oportunidades de emprego e baixa qualificação profissional, acarretando na precarização do trabalho, em que seus direitos são violados, como os baixos salários e condições ambientais inadequadas, que comprometem o desenvolvimento social dos trabalhadores. Essa profissão é reconhecida pela Legislação Trabalhista Brasileira através do Código Brasileiro de Ocupações (CBO-2002), registrada no Grande grupo 5- Trabalhadores dos serviços, vendedores do comercio em lojas ou mercados, as famílias 5165 referem-se a trabalhadores de serviços funerários e 5166 se refere aos trabalhadores auxiliares dos serviços funerários. Nesta última localiza-se a ocupação de coveiros, registrada sob o número 5166-10, modificada em 2002 com a revisão do CBO.
O reconhecimento tardio da profissão ressalta a condição de vulnerabilidade e falta de reconhecimento desses trabalhadores, a CBO sinaliza que as principais atividades desenvolvidas por esses trabalhadores são: constroem, preparam, limpam, abrem e fecham sepulturas. Realizam sepultamento, exumam e cremam cadáveres, trasladam corpos e despojos. Além de também serem responsáveis pela “conservação dos cemitérios, máquinas e ferramentas de trabalho. Zelam pela segurança do cemitério” (MTE/CBO, 2002). Como citado anteriormente, o trabalho é uma condição da própria existência do trabalhador, nesse contexto que os sepultadores ocupam tal função, sendo empurrados para ela por causa da própria organização/estrutura social. Ressalta-se também que em virtude da baixa escolaridade dos coveiros, faz com que esses não saibam ou tenham ciência de seus direitos e acabam por se submeterem a condições precárias de trabalho.
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Como diria Rabelo (2014), um dos elementos associados à profissão do coveiro é o preconceito social, que os veem como estranhos ou não os veem (invisibilizando-os), ocorre uma desvalorização desses trabalhadores, olhados com repulsa por trabalharem com a morte, a terra, o autor afirma também que os vivos e os mortos estão ligados por um sistema de crenças, construídos a partir das características socioculturais, que nesse caso olha a morte com horror e repulsa. Além disso, o trabalho com mortos envolve também riscos à saúde, uma vez que, esses trabalhadores estão expostos diariamente ao contato com bactérias de decomposição de corpos e aos desgastes psicológicos fruto do contato frequente com a morte.
No artigo “O trabalho com a morte: saúde e acesso aos direitos sociais dos trabalhadores de cemitérios” realizado em Florianópolis no cemitério de Parintins em 2015, os coveiros relatam a desvalorização e a falta de estrutura que enfrentam no seu dia-a-dia. Por falta de opção, esses trabalhadores vivenciam uma rotina de trabalho exaustiva embaixo de sol e chuva, sem roupas de proteção necessárias o que acarreta na exposição constante a bactérias de decomposição dos corpos e aos riscos de doenças. O presente artigo mostra também que ocorre um grande desamparo de seus direitos sociais garantidos pela Constituição de 1988, uma vez que, há uma ausência de informação sobre seus direitos trabalhistas, seus vínculos empregatícios com a prefeitura e muitos afirmam que suas carteiras de trabalho nunca foram assinadas.
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Uma reportagem feita pelo jornal Edição do Brasil no final de 2019 mostra o preconceito e a invisibilidade que os coveiros sofrem perante a sociedade. Nos relatos trazidos na reportagem, é colocado que a profissão é vista como “ruim” mesmo tendo como uma de suas funções possibilitar para à família uma despedida digna do falecido. Outra reportagem realizada pela UOL em maio de 2020, é mostrado como se encontra a saúde mental dos coveiros em tempos de pandemia. O aumento das mortes causadas pelo covid-19 mais que triplicaram a quantidade de sepultamentos realizados por dia, um dos coveiros na reportagem descreve que, antigamente ele realizava em média 3 a 4 enterros por dia, hoje chega a acontecer 32 no dia e em dias atípicos chegam a ocorrer mais de 60 sepultamentos.
O ritmo de trabalho durante a pandemia não diminui, não há tempo para descanso, emoções ou pensamentos. Na matéria feita pela UOL, os funcionários contam sobre como a rotina de trabalho encontra-se pesada e com poucas horas de descanso, o cansaço físico associa-se com o cansaço mental, pois, encontram-se sempre nervosos e tristes. A angústia causada pelo trabalho, acaba por refletir no âmbito familiar e acrescentam ainda que na pandemia as noites de sono vem piorando e a insônia faz cada vez mais parte de sua rotina, e outra coisa que preocupa os coveiros é o medo frequente de ser contaminado pelo vírus no trabalho e acabar por contaminar suas famílias. Na reportagem mostra ainda que, a prefeitura de São Paulo informa que o Serviço Funerário oferece encontros semanais gratuitos, realizados por estudantes de psicologia, que visa oferecer acompanhamento psicológico aos trabalhadores do cemitério.
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Para enfrentar as dificuldades no trabalho Iraha, Silva e Paula (2017) coloca que esses trabalhadores desenvolvem estratégias como mecanismos de defesa, sendo uma delas, a busca por afastar-se emocionalmente, tratando a morte com atitudes impessoais, muitas vezes diminuindo os corpos a partes de órgãos a procura de não enxergar o corpo como um todo. Outro modo de proteger-se do sofrimento fruto do trabalho colocado por Iraha, Silva e Paula (2017), são as estratégias de defesas coletivas que acontecem por meio da colaboração dos trabalhadores visando trazer uma modificação e transformação da concepção da realidade do sofrimento e outros mecanismos de defesa presentes são a religião e o uso constante e abusivo de bebidas alcoólicas.
Silva (2018) mostra que o consumo do álcool pode estar relacionado a indisciplina e ao absenteísmo e também como um meio de aliviar o mal-estar causado pelo trabalho. Outro modo de defender-se da desvalorização da profissão apresentado por Monteiro et al (2017) é a preferência dos coveiros por serem denominados como trabalhadores braçais, pois, ser visto como trabalhador braçal é mais satisfatório do que ser visto como coveiro, uma vez que, o termo coveiro socialmente é desmoralizado e desprestigiado, e vale ressaltar também que os mecanismos de defesa são utilizados como modo de lidar com as possíveis causas dos danos à saúde dos trabalhados, mas, não os isentam de um possível adoecimento psíquico.
Referências:
ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2009.
CATIVO, Cassia Karimi Vieira; WEIL, Andreza Gomes. O trabalho com a morte: saúde e acesso aos direitos sociais dos trabalhadores de cemitérios. Santa Catarina, 2015.
IRAHA, Isabel de Santana; SILVA, Stéfany Cruz; PAULA, Patrícia Pinto de. Sentidos do trabalho dos coveiros: um estudo exploratório. Minas Gerais, 2017.
MONTEIRO, D.F.B. et al. O trabalho sujo com a morte: o estigma e a identidade no ofício de coveiro. Minas Gerais, 2017.
RABELO, E. A. Morte e mundo-da-vida: análise fenomenológica de experiências de coveiros no cemitério do Bonfim. Minas Gerais, 2014.
SILVA, José Miguel Rosalvo da. Sepulta-a-dor: reflexões sobre os possíveis efeitos do trabalho como coveiro. Campina Grande, 2018.
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Retrato do artista quando velho: a literatura do desespero
Joseph Heller (1923-1999) nasceu em Nova York e teve o início de sua vida literária na escrita de contos. É reconhecido pelo livro Ardil-22, seu primeiro romance publicado em 1961, premiado e adaptado para o cinema. Retrato do Artista quando Velho foi publicado postumamente em 2000, no ano posterior à morte do autor, e procura contar sobre o processo de escrita na velhice.
Inicialmente, o romance parece um retalho de outros romances, como se estivéssemos lendo um livro dentro um livro. Através de uma narrativa em terceira pessoa conhecemos Eugene Pota, um escritor septuagenário de renome que reflete com amargura dos tempos de juventude em que as ideias lhe surgiam com mais facilidade, como lampejos prolíficos cheios de possibilidade. O protagonista busca, entre passeios lentos e vista para o mar, evocar uma ideia que lhe pareça digna de ser escrita.
A história que lhe parece mais acertada e genial tem o título “Uma Biografia Sexual de Minha Mulher”, que possui aprovação de seus editores e amigos, sem no entanto agradar sua esposa que precisa explicar a todo tempo que a história não se trata sobre ela. Pota pensa que livros sobre injustiça social e outros temas que perpassam as mazelas da sociedade são coisas então do passado, nada que fosse “motivo de escândalo” (HELLER, 2002, p. 29), que dirá tema merecedor de seu novo grande romance. Mas escrever um livro sobre sexo lhe provoca uma boa sensação.
É diante de um cenário de angústia e percepção desacelerada do tempo que observamos Pota em suas tentativas de escrita. Na idade em que se encontra e considerando que já escreveu livros considerados best-sellers, compreende que não pode escrever nada que esteja abaixo disso, o que nos promove uma ideia inicial que posteriormente é confirmada por ele de que há uma cobrança excessiva sobre o sucesso que lhe deixa paralisado, sem criatividade e com sentimento de humilhação.
Foto: Gilstéfany Oliveira
“A maioria de nós esmorece com a idade, e também com a experiência. O trabalho não se torna mais fácil com a prática e, quando paramos, desaba subitamente sobre o nós o peso esmagador de todo o tempo livre que temos pela frente e que não estamos aptos a enfrentar.” p. 24
Durante o livro, o protagonista se dedica à enredos sobre personagens bíblicos, mitológicos, adaptações de grandes obras literárias e outros temas que sempre desembocam num tipo de fracasso ou pausa. O autor se reprime constantemente pelo ridículo do que escreve e a narrativa é ultrapassada por essas histórias e sua vida cotidiana.
Em sua história sobre Tom Sawyer, referência à obra literária de Mark Twain, Pota parece espelhar na narrativa do personagem certos aspectos de sua personalidade e preocupações que lhe rondam, apontando um declínio da força criativa dos autores do qual Tom Sawyer busca como inspiração para se tornar um bom escritor. Este momento parece nos dizer que a busca é vã, os bons escritores que conhecemos morreram na miséria, melancólicos, sofrendo de solidão ou de doenças implacáveis e algumas vezes os dois ao mesmo tempo.
Ao final da busca infrutífera, Pota nos informa, através de Tom Sawyer, do banal da vida dos escritores: “tratava-se apenas de seres humanos apaixonados, com intenções elevadas, que queriam ser escritores e que, na maioria dos outros aspectos, pareciam mais sensíveis, neuróticos, confusos e infelizes que o normal.” (HELLER, 2002, p. 218). A normalidade possui uma característica cultural muito explícita, uma vez que seus limites variam de acordo com o padrão esperado de comportamento inseridos num contexto sociocultural e familiar (APA, 2014). Quer escritores ou não, cabe refletir se a confusão, sensibilidade e infelicidade não são elas mesmas uma característica do gênero humano, muito além de normal e anormal, mas função inadiável da qualidade de viver.
Numa palestra ministrada por Pota próximo ao final do livro, ele nos traz de forma clara todas as inquietações que já estavam nas entrelinhas de suas outras histórias. Questões relacionadas à natureza do trabalho, desejo de fama e prestígio, cobiça, falta de ritmo e energia mental, angústia e depressão. Momentaneamente, o livro parece perder em matéria de desenvolvimento e aguçamento de curiosidade, pois todas as cartas são dadas, explicadas, esmiuçadas. Não há nada então que o leitor já não tenha antevisto. Parece vir carregado também de um esgotamento, numa narrativa arrastada, como se estivéssemos tão cansados quanto o protagonista, que o sente em tentar escrever algo que lhe seja realmente digno e do leitor em observar a falta de qualidade nos produtos de suas tentativas.
Foto: Gilstéfany Oliveira
“Poderia começar com praticamente qualquer civilização humana de que temos conhecimento, e eu nunca, nunca, conseguiria chegar ao fim, pois as coisas más, selvagens, que os homens e mulheres civilizados, perversos, fazem contra os outros homens e mulheres continuam a suplantar nossa capacidade de fazer um inventário completo de todas elas.” p. 150
Na palestra que tem como título “A literatura do desespero”, Pota procura analisar a obra de grandes autores quando sua vida pessoal está em foco, observando que elementos trágicos estiveram presentes, principalmente ao final de suas vidas. Para isso, utiliza Herman Melville, Joseph Conrad, Henry James, F. Scott Fitzgerald, Charles Dickens, Sylvia Plath e outros para exemplificar como terminam os escritores em situações angustiantes, vulneráveis e levando a uma morte que, muitas vezes, ocorre por motivos pífios. Ao mesmo passo que analisa a biografia desses autores, o protagonista pensa sobre sua própria vida, se visualiza sua morte como uma saída adequada, se é um indivíduo infeliz. As respostas são negativas e o são pois ele tem no outro sua baliza: enquanto sou visto, enquanto sou aceito, enquanto gostam de mim, então sou alguém e faz sentido que eu esteja aqui.
Transferindo-se constantemente de uma história para outra, podemos verificar o mecanismo de autossabotagem promovido pelo protagonista, que não se atém à história que acredita ter potencial e perde então seu tempo em outros relatos. Quando finalmente encontra-se firme em dar continuidade na escrita de um livro sobre sexo na perspectiva de uma mulher, percebe que não as conhece o suficiente. Logo parte em viagens e reencontros de antigos amores na esperança de que lhe surja material suficiente para o livro.
Se Pota alcança seu objetivo ao final deixaremos à descoberta do leitor, na promessa de uma periência metalinguística presente no desfecho que dá ao romance um tom especial. Retrato do artista quando velho é uma elucubração de desespero, um retrato da velhice nos termos em que não existe mais correspondência entre o desejo e a ação, que ecoa sobre o implacável da vida: o tempo e a morte.
FICHA TÉCNICA
RETRATO DO ARTISTA QUANDO VELHO
Editora: Cosac & Naify
Gênero: Romance
Autor: Joseph Heller
Ano de lançamento: 2000
Idioma: Português
Ano: 2002
Páginas: 320
REFERÊNCIAS
HELLER, Joseph. Retrato do artista quando velho. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. 320 p. Tradução de: Luciano Machado.
ASSOCIATION, American Psychiatric (APA). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
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A vida é feita de histórias, o que temos feito com a nossa?
Essa tem sido eu nos últimos três meses. Me encontro com a sombra da morte quase todos os dias passando por esses corredores, mas também com a intensidade da vida que pulsa em cada um, com a vontade de vida de cada um.
“A cabeça pensa onde os pés pisam”. Eu, psicóloga, 24 anos, negra, brasileira, proletária, trabalhando numa UTI pediátrica, num hospital público no norte do país, no meio de uma pandemia. Hoje estou em solo de guerra, é assim que sinto muitas vezes. Isso me faz valorizar e reconhecer a paz quando encontro.
Vida e morte intensamente ligadas. Me atravessam, mudam minhas perspectivas, minhas prioridades, meus argumentos.
Fiquei em silêncio desde então por aqui. Me deixei levar pelo não saber, não saber o que dizer. Também não sei se tenho dito algo com essas palavras, mas deixo sair porque hoje elas estão aí para sair.
Eu não tenho a pretensão de chegar em algum lugar com essas palavras. Elas são mais para mim do que para outro alguém. São um lembrete.
Quero dizer que ainda há esperança. Que relações significativas existem, que a paz vem de dentro. Que a vida vale a pena, mesmo quando não é fácil, até porque ela é mais difícil do que fácil. Que cada história importa, que cada pessoa que tocamos é o amor da vida de alguém. Que o solo do nosso coração precisa ser fértil para crescer afeto. Que a dureza da dor não precisa ser o que dita nossa postura.
A vida é feita de histórias, o que temos feito com a nossa?
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Implicações da Covid-19 na população negra brasileira
O novo coronavírus, denominado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) de SARS-CoV-2, responsável pela doença Covid-19, emergiu e foi identificada em Wuhan, na China, em dezembro de 2019 (LANA et al. 2020). Em 11 de março de 2020, em virtude ao acelerado ritmo de disseminação do vírus, a OMS declarou a pandemia de Covid-19. Conforme dados da Organização Pan-Americana de Saúde (2020), foram ratificados, em nível mundial, 789.197 óbitos até 21 de agosto de 2020, ademais 22.536.278 casos de infecção foram confirmados.
As dores e inquietações provenientes das epidemias, além de serem condições de saúde, também estão associadas a problemas políticos e culturais, pois essas experiências são contextuais e relacionais, visto que o ser humano compreende dimensões biológicas, psicológicas e sociais. Diante disso, à vista dos dados consolidados e expostos pelos veículos de imprensa e informação, constata-se que, conforme Cunha (2020), há populações que se encontram mais sujeitas a contaminação e, consequentemente, a letalidade do vírus. Haja vista que alguns indivíduos configuram maior exposição e, por esse motivo, estão mais suscetíveis a serem atingidos e vitimados em razão de suas circunstâncias sociais, econômicas e de saúde. No cenário brasileiro, a pandemia do novo coronavírus atinge e afeta de modo desigual a população negra, periférica e vulnerável (AMPARO, 2020).
Acontecimentos lastimáveis como esse, além de deixarem rastros de mortes, sofrimento e muita dor, evidenciam um enorme abismo social. A constância da desigualdade presente neste país produz, no imaginário social, uma naturalização da mesma, o que “resulta de um acordo social excludente, que não reconhece a cidadania para todos, onde a cidadania dos incluídos é distinta da dos excluídos e, em decorrência, também são distintos os direitos, as oportunidades e os horizontes.” (HENRIQUES, 2001, p. 1).
Fonte: encurtador.com.br/fESV7
Racismo individual, institucional, estrutural
Silvio de Almeida, grande intelectual jurista, filósofo e professor, evidencia, em seu livro denominado Racismo Estrutural, que o racismo é sempre estrutural. O movimento histórico que aconteceu no século XVI com a ampliação da economia mercantilista junto ao descobrimento do chamado novo mundo, e logo após o iluminismo que contribuiu de forma significativa e projetou ferramentas que se constituíam dos fatores biológicos, psicológico, econômico e linguístico, para classificar grupos de humanos, serviu basicamente de ponto de partida do que seria o modelo de “homem universal”, baseado no homem europeu.
O positivismo já no século XX, com suas técnicas mensuráveis, foi manejado de tal forma a contribuir com a disseminação do racismo científico. Através das concepções deterministas da época, defendeu-se então a superioridade do homem branco europeu sobre as demais raças, se utilizando de parâmetros da biologia e da física para afirmar que as características físicas, biológicas e ambientais eram capazes de explicitar “as diferenças morais, psicológicas e intelectuais entre as diferentes raças” (ALMEIDA, 2019, p. 25).
Numa perspectiva do racismo individual, o fenômeno é visto como um comportamento patologizado/anormal de um sujeito ou grupo isolado, assim, não havendo uma sociedade ou instituição racista, mas pessoas e grupos racistas. Este horizonte se mostra superficial sobre a análise de que o racismo não nasce e se desenvolve isoladamente, mas é um construto que a todo momento se modifica em prol de uma manutenção do poder de determinados grupos raciais em detrimento de outro, o que não quer dizer que sujeitos que cometem atos discriminatórios não devam ser julgados.
O termo racismo institucional traz em sua concepção que o racismo se reverbera da sociedade para as instituições e das instituições para a sociedade refletindo-se nas normas, padrões de funcionamento e comportamento, influenciando as nossas decisões, preferências e sentimentos. Portanto, levando em consideração que são os homens brancos que ocupam esse lugar de poder nas instituições, a manutenção e a formulação desses padrões sociais, são feitos para privilegiar pessoas brancas.
Este processo se configura sistematicamente, numa estrutura que acaba por normalizar o racismo no âmbito de esferas importantes e que norteiam a sociedade como nas áreas política, jurídica, econômica e social, ou seja, ele é estrutural. Portanto, é necessária uma agenda política que de fato trabalhe na desconstrução desse sistema, dessa estrutura que privilegia pessoas brancas em detrimento de pessoas negras.
Fonte: encurtador.com.br/iACIS
Racismo no Brasil
O Brasil, último país das Américas a abolir a escravidão, em 1888, não propiciou de nenhuma maneira aos negros que, supostamente, tinham recebido de volta sua liberdade após receberem as cartas de alforria, políticas que fizessem com que fossem inseridos socialmente e economicamente na sociedade. Além do governo brasileiro não construir estratégias de emancipação econômica para a população negra, promoveu a imigração europeia ao Brasil, com o intuito de embranquecer a população. A esse respeito tem-se que:
A desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou, no Brasil, sem que se cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e garantias que os protegessem na transição para o sistema de trabalho livre. Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos sem que o estado a igreja ou qualquer instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objetos prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho. O liberto se viu, sumária e abruptamente, em senhor de si mesmo, tornando-se responsável por sua pessoa e por seus dependentes, embora não dispusesse de meios materiais e morais para realizar essa proeza nos quadros de uma economia competitiva. (FERNANDES, 2008, p. 29).
Petrônio Domingues (2007) diz que ao longo do período republicano o movimento negro, por meio de diversas modalidades de protesto e mobilização, buscou a inclusão social do negro e a superação do racismo na sociedade brasileira. Seguindo essa mesma ideia Gay e Quintans (s/d) afirmam que durante a redemocratização do Brasil o movimento negro assume “novos contornos, e passa a reivindicar uma série de direitos e políticas públicas capazes de combater o racismo e reduzir as desigualdades” (GAY; QUINTAS, s/d, p. 3). Pode se dizer que estas lutas possibilitaram alguns progressos tais como: acesso à educação, à saúde, participação política, igualdade perante a lei conforme está garantido na Constituição Brasileira de 1988 inspirada na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Contudo, na prática muitos desafios ainda precisam ser superados.
Nesse sentido, para Silva (2013) a educação tem sido um trampolim de ascensão para que os negros consigam vencer os obstáculos impostos pelos dispositivos de poder e seleção para chegar ao ensino superior, embora ela sozinha não consiga vencer o racismo estrutural. De modo que, mesmo entre os negros com os melhores níveis de escolaridade, os salários são inferiores aos dos brancos. Nesse aspecto a mulher negra é a mais atingida, mesmo aquelas com mais anos de estudo ganham menos que os homens brancos, mulheres brancas e homens negros. Portanto, fica claro que “a desigualdade se mostra articulada não apenas com a categoria raça, mas também com a categoria gênero” (SILVA, 2013, p. 101).
Fonte: encurtador.com.br/hqFY3
Racismo no âmbito do mercado de trabalho
O racismo estrutural, faz parte de todas as esferas da sociedade de modo a impedir intergeracionalmente a ascensão econômica e social do povo negro de forma violenta e voraz. Nesse processo, a mulher negra foi estuprada cotidianamente, obrigada a trabalhar na cozinha da família branca, enquanto outras trabalhavam nas lavouras, executando o mesmo trabalho dos homens. Angela Davis (2016, p. 17), em seu livro intitulado Mulheres, raça e classe, explicita que as mulheres negras eram vistas apenas como “unidades de trabalho lucrativas, para os proprietários de escravos elas poderiam ser desprovidas de gênero.” Mesmo após a Lei Áurea a situação não mudou muito para a maioria, que continuou a trabalhar como empregada doméstica na casa das famílias aristocratas e burguesas, possibilitando a emancipação da mulher branca que pôde investir no campo intelectual e profissional.
“A história de privação das mulheres negras, se as tornam invisíveis também as desumaniza, daí a naturalização de sua pobreza e exploração, daí também a sua presença majoritária nas funções de pior remuneração”. (SILVA, 2013, p. 102). Exemplo disso é que um dos primeiros casos de coronavírus no país, no estado do Rio de Janeiro no Alto Leblon, um bairro da zona sul, foi o de uma empregada doméstica de 63 anos que trabalhava há dez anos na casa da família da patroa que a contaminou e que acabara de chegar da Itália, país que se mostrou um dos epicentros da doença no início da pandemia. A vítima veio a óbito no dia seguinte ao apresentar os sintomas da Covid-19.
Em depoimento ao site UOL (2020), a cunhada da vítima relatou que “ela era muito trabalhadora. Pegava três conduções para chegar ao trabalho. Para voltar, era a mesma coisa: dois ônibus e um trem. Ela saía de casa no domingo e só voltava na quinta”. Essa é a realidade de trabalho de muitos negros no Brasil, com jornada de trabalho extensa e com baixa remuneração, tendo que enfrentar as dificuldades de mobilidade, já que as cidades são projetadas para separar as classes mais “altas” de classes mais “baixas”. Muitas vezes, por não conseguirem trabalhos formais de carteira assinada, precisam trabalhar na informalidade para tentar garantir o mínimo para o sustento de suas famílias. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2003, 27% das mulheres negras trabalham como empregadas domésticas e apenas 23% possuem carteira assinada, enquanto 12% das mulheres brancas que são empregadas domésticas, 30% tem registro na carteira.
Este dado supramencionado mostra o impacto direto em questões como a aposentadoria, pois para receber o benefício é necessário um tempo de contribuição, sendo no caso das mulheres, 30 anos, e, dos homens, 35 anos, conforme evidencia o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em 2019. Devido ao processo histórico, conforme expõe Goes, Ramos e Ferreira (2020, p. 1), a população negra encontra-se, majoritariamente, presente nos indicadores negativos, tais como “atividade no mercado de trabalho informal, que limita o acesso a direitos básicos como a remuneração pelo salário mínimo e a aposentadoria.” Acresce-se ainda que a pandemia desvela a desigualdade do Brasil e salienta o quão pouco este país avançou na superação do racismo, dado que, como já supracitado, esta configura um dos fatores determinantes para este cenário de altas taxas de mortalidade.
Neste cenário atual de pandemia pode-se ressaltar também que atender a necessidade de exercer o isolamento social sem que haja comprometimento do trabalho de onde advém a renda, representa um grande desafio, tendo em vista que muitos ocupam cargos informais, ou ofícios considerados essenciais durante a pandemia, que demandam presença física e trabalho manual, e não estão amparados por benefícios ou direitos trabalhistas.
Fonte: encurtador.com.br/iCE56
Impacto do racismo na saúde dos negros
A saúde, conforme prevê a Constituição Federal de 1988, Art. 196, visa alcançar o bem-estar e a justiça social, além de ser reconhecida como direito de todos e dever do Estado, por intermédio de políticas públicas e econômicas que objetivem reduzir riscos e agravos, bem como acesso universal e igualitário às ações e serviços para prevenção, promoção, proteção e recuperação. Outrossim, a mesma ainda estatui a respeito de direitos sociais fundamentais como trabalho, segurança, lazer, previdência social e proteção à maternidade e à infância.
Nesta perspectiva, averígua-se que as desigualdades de saúde presentes nos países, bem como a maioria das enfermidades, decorrem de questões socioeconômicos, raciais, étnicas e de gênero, assim como circunstâncias de nascimento, moradia, trabalho e renda, isto é, Determinantes Sociais da Saúde (DDS), que, em um contexto racista, restringe o acesso à informações e serviços disponíveis, visto que as condições de vida dos indivíduos estão diretamente relacionadas a sua situação de saúde (BUSS; FILHO, 2017).
À vista disso, faz-se necessário ampliar debates sobre o fato de que o racismo se configura como determinante social da saúde, uma vez que grande parcela da comunidade negra está exposta e vulnerável a conjunturas de padecimento, violência, enfermidades e morte, em bairros excludentes, com maior poluição e sem acesso a serviços fundamentais. (GOES; RAMOS; FERREIRA, 2020).
Institucionalmente, as desigualdades e injustiças sociais estorvam e engendram o acesso a serviços essenciais, bem como a oportunidades, em consequência do racismo estruturado. Desta forma, verifica-se o intenso sofrimento, negligenciado pelo Estado, que negras e negros vivenciam em suas realidades, assim como o padecimento devido aos impactos da pandemia da Covid-19 e seus múltiplos desdobramentos negativos. No começo da pandemia os casos de infectados não eram divulgados por cor. Segundo o site globo.com (2020) “os boletins só passaram a incluir tais números a partir do dia 11 de abril, quase 1 mês e meio depois da confirmação do primeiro caso de Covid-19, e graças a pressão da coalizão negra por direitos”, dado este que demonstra a tentativa de invisibilização da população negra.
Neste ínterim, cabe ressaltar que, segundo Santos (2013), às condições insalubres de moradia, a falta ou precariedade na infraestrutura de saneamento básico historicamente negligenciada pelas políticas públicas à população negra submete-a a diversas mazelas socioambientais como: utilizar água não potável, conviver com lixo e esgoto a céu aberto, falta de limpeza urbana, enchentes, desmoronamentos de encostas, estas e outras situações causadoras de diversas doenças. Assim, a discriminação fundamentada em fatores raciais/étnicos, de gênero, socioeconômicos contribui decisivamente para dificultar o acesso dos negros a direitos básicos e os submete a um tratamento desigual geradores de condições de vida degradantes levando-os ao adoecimento físico e mental podendo chegar a comorbidades e mortalidade graves.
Sob essa luz se justifica a afirmação feita por Thiago Amparo no site Folha de São Paulo (2020): “Mede-se racismo por quão descartável é o corpo negro. Se a Covid-19 desnuda as feridas do racismo que estrutura nossa desigualdade, curar esta pandemia pressupõe, antes de tudo, expô-las.” À vista do que foi exposto, conclui-se que condições sociais possuem forte influência no processo saúde-doença e, posto isso, entende-se a necessidade de implementar-se ações que envolvam todos os setores visando a promoção do bem-estar. Destarte, observa-se que a atual esfera exige procedimentos específicos para o combate ao racismo e suas consequências.
Fonte: encurtador.com.br/rACG1
O papel da Psicologia frente ao racismo
A psicologia, enquanto ciência e profissão, tem sua ação fundamentada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, conforme explicita o Código de Ética Profissional de Psicologia. Além disso, é uma ciência aplicada nos processos coletivos e atua na “promoção, prevenção e reabilitação na esfera psíquica do ser humano. Portanto nas esferas social, econômica, política, cultural, biológica” (RIBEIRO, 2017, p.175). Nesse sentido, a psicologia social vislumbra o indivíduo como biopsicossocial, ou seja, considera-o de maneira integral tendo em vista sua história de vida.
O Conselho Federal de psicologia (CFP), lançou referências técnicas em torno da atuação dos psicólogos referentes a questões raciais. Neste documento, entre as várias pautas abordadas, a discussão sobre a formação do profissional de psicologia é necessária e urgente, visto que a grade curricular tem certa carência sobre racialidade. Assim o texto traz que
A formação da(o) psicóloga(o) é um momento privilegiado para a construção de conhecimento, de saberes e de práticas sobre diversos assuntos vividos no cotidiano dos sujeitos. Portanto, é nesse momento que se faz necessário apresentar aos estudantes temas relevantes, para despertar o interesse na busca do conhecimento e possibilitar o reconhecimento dos aspectos que envolvem as relações raciais e seus efeitos psíquicos presentes no cotidiano em nossa sociedade. (CFP, 2017, p. 105).
Portanto, os profissionais que se encontram no exercício da profissão, bem como os acadêmicos de Psicologia necessitam compreender a amplitude e especificidade de como se processam as relações raciais no contato social “e principalmente que há um sofrimento psíquico peculiar sutil ou explícito presentes no cotidiano das pessoas negras”, conforme apresenta a referência técnica (CFP, 2017, p. 107).
Na atuação deste profissional, é apropriado aplicar em seu cotidiano os princípios fundamentais propostos, visando extinguir quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão dos direitos, visto que é dever deste atuar com responsabilidade social de forma crítica, considerando as diversas realidades.
Dessa forma, o racismo deve ser um tema trabalhado não só pela Psicologia Social, mas também pelas outras abordagens de forma transversal para que as consequências psicossociais do racismo sejam entendidas como um aspecto que compõe a subjetividade dos sujeitos brancos e negros, indo para além de uma conceitualização superficial, reconhecendo, compreendendo, problematizando e combatendo ações racistas e suas diversas consequências, prevenindo e evitando sua eventualidade. Sendo assim, a Psicologia deve unir-se a outros campos do conhecimento, posto que o racismo ataca por múltiplas frentes (ESPINHA, 2017).
REFERÊNCIAS
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ALMEIDA, S. L. de. Racismo estrutural. 1 ed. São Paulo: Polén, 2019.
AMPARO, Thiago. Por que a Covid-19 é tão letal entre os negros? Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/colunas/thiago-amparo/2020/04/por-que-a-covid- 19-e-tao-letal-entre-os-negros.shtml>. Acesso em: 01 de jul. de 2020.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988, 292 p.
BUSS, P. M. ; PELLEGRINI FILHO, Alberto. A saúde e seus determinantes sociais. Physis: revista de saúde coletiva, v. 17, p. 77-93, 2007.
Código de Ética Profissional do Psicólogo. Conselho Federal de Psicologia, Brasília, agosto de 2005.
CUNHA, L. R. da. População negra como vítima da covid-19 e os deveres do estado, medidas necessárias e não efetivas. 2020
DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe.1 ed. São Paulo; tradução Heci Regina Candiani: Boitempo, 2016.
DOMINGUES, Petrônio. Movimento Negro brasileiro: alguns apontamentos históricos. In: Tempo, 2007.
FERNANDES, F. A integração do negro na sociedade de classes. 5. ed. São Paulo: Globo, 2008.
FOLHA informativa – COVID-19 (doença causada pelo novo coronavírus). Organização Pan-Americana de Saúde, 2020. Disponível em: <https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875>. Acesso em: 29 de jun. de 2020.
ESPINHA, T. G.. A temática racial na formação em psicologia a partir da análise de projetos político-pedagógicos: silêncio e ocupação. 2017.
GAY, Antonia, QUINTANS, Mariana Trotta Dallalana. Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos. Disponível em: <http://publicadireito.com.br/artigos/?cod=7d7733c8d01b7352>. Acesso em: 23 de ago. de 2020.
GOES, E. F.; RAMOS, Dandara de Oliveira; FERREIRA, Andrea Jacqueline Fortes. Desigualdades raciais em saúde e a pandemia da Covid-19. Trabalho, educação e saúde, Rio de Janeiro, v.18, n.3, 2020. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1981-77462020000300301#aff>.Acesso em: 03 de jul. de 2020.
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MELO, Maria Luisa de. UOL: Primeira vítima do RJ era doméstica e pegou coronavírus da patroa no Leblon, 2020. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/03/19/primeira-vitima-do-rj-era-domestica-e-pegou-coronavirus-da-patroa.htm>. Acesso em: 09 de jul. de 2020.
PEREIRA, Neuton Damásio. A trajetória histórica dos negros brasileiros: da escravidão a aplicação da lei 10.639 no espaço escolar. 109 f. (Especialização em educação das relações étnicos-raciais) Universidade Federal do Paraná, Paraná, 2015. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/52792/R%20-%20E%20-%20NEUTON%20DAMASIO%20PEREIRA.pdf?sequence=1&isAllowed=y Acesso em: 04 de jul. 2020.
REVISTA DE HISTÓRIA DA BIBLIOTECA NACIONAL. Quilombos: escravos desafiam o poder. Ano 3, n. 27, dezembro, 2007.
REVISTA DE HISTÓRIA DA BIBLIOTECA NACIONAL. Abolição: a ascensão dos negros antes da Lei Áurea. Ano 2, n. 19, maio, 2005.
RIBEIRO, Emanuele Oliveira. Psicologia, racismo e saúde mental: formas de intervenção no trabalho do psicólogo. Odeere: Revista do Programa de Pós-Graduação em Relações Étnicas e Contemporaneidade. Bahia, v. 2, n. 4, 2017.
SILVA, René Marc da Costa. História dos trabalhadores negros no Brasil e desigualdade racial. Universitas JUS, v 24, n. 3, p. 93-107, 2013. Disponível em: https://www.google.com/search?q=SILVA%2C+Ren%C3%A9+Marc+da+Costa.+Hist%C3%B3ria+dos+trabalhadores+negros+no+Brasil+e+desigualdade+racial.+Universitas+JUS%2C Acesso em: 09 jul. de 2020.
SONIA, Santos Beatriz. Famílias Negras, Desigualdade e Saneamento Básico no Brasil. Rev Tempus Actas Saúde Col, 2013. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/302452785_Familias_Negras_Desigualdades_Saude_e_Saneamento_Basico_no_Brasil Acesso em: 04 de jul. 2020.