Em sua obra mais íntima, Colleen Hoover tece palavras com cuidado e empatia, explorando de maneira sensível a realidade vivenciada por muitas mulheres brasileiras.
O livro “É Assim que Acaba” de Colleen Hoover, publicado em 2018, ganhou destaque graças às tendências no aplicativo TikTok, tornando-o o livro mais vendido no Brasil em 2022. Essa popularidade renovada pode ser atribuída à maneira sensível e direta em que a autora aborda questões como violência doméstica e relacionamentos abusivos, temas que são muito presentes na realidade brasileira. De acordo com a 10ª Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, feita pelo Instituto DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), 3 a cada 10 brasileiras já foram vítimas de violência doméstica
Na narrativa, somos apresentados a Lily Bloom, uma mulher que está lidando com a recente perda de seu pai. Ao contrário do sentimento de luto, Lily experimenta um sentimento de alívio. Isso se deve ao fato de que, ao longo de sua vida, ela testemunhou a relação violenta entre seu pai e sua mãe, presenciando gritos, golpes, tentativas de estupro e agressões. Por isso, Lily faz a si mesma uma promessa: nunca permitirá entrar em um relacionamento abusivo, nunca permitirá que sua vida siga o mesmo caminho que a de sua mãe.
Apesar de ter sido criada em um ambiente que a preparou para reconhecer comportamentos abusivos e ter a certeza de que não se tornaria vítima de violência doméstica, Lily começa a experimentar essa mesma violência. Os chamados “acidentes”, nos quais seu namorado perde o controle durante acessos de raiva, explodindo, mas alegando não ter a intenção de machucá-la, acontecem rapidamente e sem aviso prévio. Assim, Lily se vê testando seus próprios limites, convencendo-se de que ele é uma pessoa boa, mesmo sabendo que talvez esteja trilhando o mesmo caminho que sua mãe.
Porém, Lily tem apoio de diversas pessoas como sua cunhada e um amor de infância que a auxiliam a ter forças para sair desse cenário repleto de violência. E é neste ponto que se separa a ficção da realidade: muitas vezes a rede de apoio para as vítimas de violência doméstica é frágil, falha ou simplesmente inexistente. Neste sentido, urge-se um maior conhecimento acerca de como ocorre a violência doméstica e a quem recorrer.
Apesar de a violência doméstica ter várias faces e especificidades, a psicóloga norte-americana Lenore Walker (1979) identificou que as agressões cometidas em um contexto conjugal ocorrem dentro de um ciclo que é constantemente repetido. Ele é composto por três etapas: a fase da tensão (quando começam os momentos de raiva, insultos e ameaças, deixando o relacionamento instável), a fase da agressão (quando o agressor se descontrola e explode violentamente, liberando a tensão acumulada) e a fase da lua de mel (o agressor pede perdão e tenta mostrar arrependimento, prometendo mudar suas ações). Esse ciclo se repete, diminuindo o tempo entre as agressões e tornando-se torna sempre mais violento. E estas fases podem ser muito bem identificadas ao longo da obra desde o primeiro “acidente” com Ryle, conforme no trecho:
“- me desculpe mesmo. Foi só que… Eu queimei minha mão. Entrei em pânico. Você estava rindo e…me desculpe mesmo, Lily, aconteceu muito rápido. Eu não queria te empurrar, Lily, me desculpe.
Dessa vez, não escuto a voz de Riley. Tudo que ouço é a voz do meu pai.
‘Desculpe Jenny. Foi um acidente. Me desculpe mesmo.’
[…]
Estou morrendo de raiva, mas de algum modo ainda consigo ficar preocupada.” (P.186)
As razões pelas quais as mulheres vítimas de violência guardam silêncio sobre o abuso são diversas e complexas, incluindo sentimentos como vergonha, medo e constrangimento. Por outro lado, os agressores muitas vezes procuram construir uma imagem de si mesmos como parceiros ideais e pais exemplares, o que dificulta ainda mais para a mulher revelar a violência. Portanto, é absurdo sugerir que uma mulher permanece em um relacionamento abusivo por opção. À medida que o tempo avança, os períodos entre as fases diminuem, e as agressões podem ocorrer sem seguir uma ordem definida. Em certos casos, o ciclo de violência culmina no feminicídio. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Brasil registrou 1.463 casos de mulheres que foram vítimas de feminicídio em 2023. Ou seja, cerca de 1 caso a cada 6 horas, sendo o maior número registrado desde que a lei contra feminicídio foi criada, em 2015.
No dia 7 de agosto de 2006, foi promulgada a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340), uma peça fundamental no combate à violência contra a mulher. Elaborada com o intuito de responsabilizar os agressores no ambiente familiar e, consequentemente, dissuadir futuros atos violentos, esta legislação estabeleceu novos fundamentos jurídicos para enfrentar esse tipo de crime e aumentou a severidade das punições. Doze anos após sua promulgação, em 2018, apesar do aumento nas denúncias e condenações, a violência doméstica ainda era uma triste realidade para muitas mulheres no Brasil. Nesse contexto, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) firmaram um protocolo de intenções com o objetivo de facilitar o acesso a um atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e seus dependentes em situação de violência doméstica e familiar.
Ainda assim, dada a complexidade dos casos, há mulheres que não conseguem realizar a denúncia. Uma das razões que justifica essa relutância em fazer uma denúncia é a dependência econômica, como explicou a delegada e presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, Ione Barbosa. “Tal situação se agrava ainda mais quando o casal tem filhos menores, o que torna a mulher resistente a fazer a denúncia, já que, em tal circunstância, esse ato os colocaria em risco”, afirma. (2021) E é nesse viés que a autora retorna à realidade: Lily nunca chega a fazer nenhum tipo de denúncia de suas violências e, mesmo com testemunhas e inúmeras provas físicas das agressões que sofreu, Ryle nunca encara a justiça acerca de suas ações.
Ao menos, a personagem principal, Lily, consegue se desvencilhar dos ciclos de violência que permearam sua vida e se permite experienciar um relacionamento saudável com Atlas, seu amor de infância que a auxilia durante todo o processo de separação.
O cerne deste protocolo é garantir que as mulheres vítimas de violência sejam assistidas sob uma perspectiva psicológica, sem culpabilização, buscando promover sua autonomia e fortalecer seus laços sociais e comunitários. Para tanto, pretende-se estabelecer parcerias entre os tribunais de Justiça, os Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs) e as universidades, a fim de viabilizar esse atendimento integral. Além disso, ao trabalhar na área da formação, o protocolo visa formar uma nova geração de profissionais familiarizados com essa temática, aproveitando a função dupla dos serviços-escola de Psicologia, que além de oferecer atendimento à população, também proporcionam condições para o treinamento dos estudantes de Psicologia.
Além disso, partir da Pesquisa sobre as Práticas da(o) Psicóloga(o) em Programas de Atenção às Mulheres em Situação de Violência, conduzida pelo Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP) em 2008, observou-se que, de maneira geral, os participantes dos grupos nas diferentes unidades regionais descreveram as intervenções da Psicologia como centradas principalmente no acolhimento, na avaliação, na elaboração de laudos e pareceres, nos atendimentos individuais e em grupo, e no encaminhamento das mulheres aos serviços complementares da rede. Esses profissionais prestam assistência a mulheres em diversas situações de violência, como violência sexual, doméstica, física e psicológica, por exemplo. Em alguns casos, também oferecem atendimento ao agressor, dependendo da especificidade dos serviços prestados no local onde atuam
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Qualquer pessoa pode fazer uma denúncia (anônima ou não) pela Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180): é um serviço gratuito, que funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. A denúncia será encaminhada aos órgãos competentes. A ligação não substitui a ida da vítima à delegacia, pois não abre um boletim de ocorrência.
Título: É assim que acaba Autor: Colleen Hoover Editora: GALERA RECORD Número de Páginas: 368 Ano de Publicação: 2018
Referências
HOOVER, Colleen. É Assim que Acaba. 32 Edição. Galera, 2018
BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em <: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm. >. Acessado em 12 mar. 2024.
WALKER, Lenore. The battered woman. New York: Harper and How, 1979.
PENHA, Maria da. Sobrevivi… posso contar. 2. ed. Fortaleza: Armazém da Cultura, 2012.
Os benefícios do grupo terapêutico para mulheres privadas de liberdade
7 de setembro de 2022 Barbara Silva Galvão
Insight
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O grupo terapêutico pode ajudar mulheres privadas de liberdade e beneficiá-las na redução do sofrimento e dos danos psicológicos causados pelo encarceramento, fortalecendo o vínculo consigo mesmas e com as integrantes do grupo e, de forma natural, recompor as bases da autoestima e autoconfiança, muitas vezes perdidas ao longo da privação de liberdade.
A dinâmica de grupos tem comprovado efeito terapêutico para pessoas que passam por crises ou ameaças em seu curso de vida, proporcionam benefícios para a saúde coletiva, aprendizagem, bem-estar, desenvolvimento de equipes e desenvolvimento pessoal. Além disso, a intervenção em grupo auxilia pessoas que passam por crises no desenvolvimento do ciclo vital ou crises decorrentes de situações que possam ameaçar sua existência, tem um comprovado efeito terapêutico, conforme retrata a literatura especializada. Mas, independentemente do efeito terapêutico já mencionado, o trabalho com grupos também propicia outros benefícios, como a prevenção primária, aprendizagem no meio escolar, ações de formação para adultos, promoção de coesão em equipes de empresas ou equipes esportivas (GUERRA; LIMA; TORRES, 2014, p.16).
O termo ‘dinâmica de grupos’ foi trazido ao vocabulário científico por Kurt Lewin, que pesquisou não só as influências poderosas nos indivíduos em situação de grupo, como os processos desenvolvidos. Para Kurt Lewin, no campo da dinâmica de grupo, a teoria e a prática estão conectadas metodologicamente de uma forma que, se propriamente conduzidas, podem fornecer respostas para problemas sociais práticos (GUERRA; LIMA; TORRES, 2014, p.18).
Na teoria desenvolvida por Kurt Lewin, estamos diante de um grupo quando há interdependência entre seus membros, mesmo que não existam similitudes entre eles. Podemos acrescentar a essa definição de grupos, que a interdependência entre os membros busca a realização de objetivos comuns e visa um relacionamento interpessoal satisfatório (GUERRA; LIMA; TORRES, 2014, p.21).
Fonte: Imagem por wirestock no Freepik
Mindfulness
O termo Mindfulness faz referência a um conjunto de ferramentas terapêuticas baseadas em meditação, utilizadas na psicologia e na medicina. Podemos relacionar três significados para Mindfulness: uma teoria, uma prática para desenvolver as habilidades de atenção plena e um processo psicológico (que envolve a atenção consciente e a atitude de presença). O interesse em Mindfulness e suas aplicações está presente nas neurociências, medicina, psicologia, assistência social e psicoterapia (MORETTI, 2018).
Mindfulness é a tradução para o inglês do termo sati, em páli, que faz referência ao mesmo tempo aos termos consciência, atenção e memória. Segundo Moretti (2018), as ferramentas clínicas utilizadas são adaptações ocidentais de práticas ancestrais já documentadas no budismo teravada, incluindo as práticas meditativas. Além disso, as práticas meditativas remontam à uma época ainda mais antiga, tendo suas origens no Vale do Indo, há cerca de 5000 anos.
Essas práticas incluem a focalização da atenção e a auto-observação das próprias vivências, incluindo a percepção das sensações proprioceptivas, de pensamentos e de estados emocionais. A psicologia ocidental adaptou essas práticas meditativas excluindo seus elementos religiosos e místicos, podendo assim, incorporá-las em programas e terapias baseadas em Mindfulness (MORETTI, 2018).
A partir do surgimento desses programas de mindfulness ocidentais, o movimento ganhou destaque no contexto clínico da psicologia e na promoção da saúde mental, sendo associados a diversas escolas psicoterápicas. Kabat- Zinn foi pioneiro na estruturação de um programa em 1979, que utilizava adaptações de práticas budistas e yoguicas em pacientes com dores crônicas, visando a diminuição do estresse gerado pelo quadro de saúde (PEREIRA; DALGOLBO; SILVA, 2021).
O programa denominado Mindfulness Based Stress Reduction (MBSR) foi implantado na Universidade de Massachusetts. O MBSR foi aplicado como o principal programa de treinamento para pesquisas psicológicas e a sua inovação consistia em ensinar que sensações e emoções negativas não deveriam ser combatidas, e sim acolhidas e aceitas, a partir de uma nova perspectiva. Estudos desenvolvidos com diversas pesquisas sugerem a eficácia do MBSR em pessoas com depressão, ansiedade e dor crônica (PEREIRA; DALGOLBO; SILVA, 2021).
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Terapia Focada na Compaixão
A Terapia Focada na Compaixão (TFC) foi desenvolvida por Paul Gilbert, professor de psicologia clínica da Universidade de Derby, com o objetivo de criar autocompaixão e reduzir o sentimento de vergonha, através do desenvolvimento de um sistema de suporte interno que antecede o envolvimento com o conteúdo interno doloroso. A TFC surge como uma abordagem de tratamento transdiagnóstico fundamentada na psicoeducação da perspectiva neurocientífica e evolutiva da mente (ALMEIDA; REBESSI; SKYPSZNSKI; NEUFELD, 2021).
Entre os benefícios do desenvolvimento da autocompaixão para o bem-estar do indivíduo estão maior felicidade, satisfação com a vida e motivação, melhores relacionamento e saúde física e menos ansiedade e depressão. Pessoas autocompassivas também têm mais resiliência para enfrentar momentos de estresse na vida, como por exemplo crises de saúde e traumas de combate (NEFF; GERMER, 2019, p.1).
A autocompaixão compreende tratar a si mesmo da forma como você trataria um amigo que está com dificuldades, uma vez que mesmo que o amigo tenha cometido erros ou esteja se sentindo inadequado, a cultura ocidental enfatiza a gentileza com amigos, familiares e vizinhos. O indivíduo autocompassivo mobiliza três elementos quando está em sofrimento: autobondade, humanidade compartilhada e Mindfulness (NEFF; GERMER, 2019, p.7).
A autobondade consiste em sermos apoiadores e encorajadores quando notamos falhas pessoais. Já a humanidade compartilhada traz um senso de interconectividade, fazendo com que reconheçamos que a vida envolve sofrimento para todos, ou seja, a dor faz parte da experiência humana compartilhada. O terceiro elemento é o Mindfulness que implica em estar consciente das experiências momento a momento, sem resistência ou esquiva (NEFF; GERMER, 2019, p.8-9)
Portanto, a autocompaixão surge no cerne do Mindfulness quando o indivíduo passa por sofrimento na vida. A atenção plena incentiva que a pessoa se “abra” ao sofrimento com ampla consciência amorosa. Já a autocompaixão traz a necessidade de ser gentil consigo mesmo em meio ao sofrimento. Assim, Mindfulness e autocompaixão formam juntos um estado de presença calorosa e conectada para atravessar momentos difíceis (NEFF; GERMER, 2019, p.1).
Fonte: Imagem de James Chan por Pixabay
Dialética
A Dialética tem origem nas palavras dialectica do latim e dialektike do grego, que podem ser traduzidas como discussão. O prefixo “dia” indica reciprocidade, e “lêgein” ou “logos” indicam o verbo e o substantivo do discurso da razão. Dessa forma, a Dialética surgiu com o intuito de incorporar as razões do outro, através do diálogo. O termo foi empregado na Grécia antiga no sentido de arte do diálogo, que seria a capacidade de demonstrar uma tese por meio da argumentação (PEREIRA, 2013).
Atualmente, a Dialética pode ser compreendida como o modo de pensar as contradições da realidade, ou seja, compreender o real como permanentemente em transformação e, em essência, contraditório. O conhecimento é sempre a busca da totalização. Qualquer objeto que se possa perceber ou criar é sempre parte de um todo e interligado a outros objetos, fatos ou problemas (PEREIRA, 2013).
Portanto, para que possamos nos apropriar da realidade, através do uso da Dialética, é necessário buscar uma visão de conjunto, colocando a compreensão da realidade numa constante que gera teses e antíteses, que por sua vez geram sínteses que geram outras teses e assim por diante. A técnica busca uma totalização que nunca é alcançada ou definitiva (PEREIRA, 2013).
Sistema Prisional Brasileiro
O sistema prisional do Brasil, em termos de população carcerária, é um dos maiores do mundo. Isso faz com que se evidencie um antigo problema enfrentado por ele, a superlotação. Além das vagas não corresponderem a volumosa demanda de atendimento, existem ainda outras complicações enfrentadas pelo sistema prisional brasileiro. Desses, podemos citar três que julgamos serem os mais relevantes: a falta de infraestrutura predial somada à sua escassa manutenção, acesso precário aos serviços de saúde e número de funcionários e agentes prisionais insuficientes para suprir todas as demandas de serviço.
No que diz respeito ao Sistema Prisional Feminino a situação tende a ser pior. As condições físicas estruturais dos presídios apresentam maior precariedade, alguns, inclusive, não possuem uma infraestrutura mínima que garanta a dignidade da pessoa humana. Em 2019, por exemplo, a Unidade Prisional Feminina de Palmas-TO recebeu inúmeros apontamentos do Ministério Público do Tocantins (MPTO), por apresentar uma série de irregularidades de “infraestrutura, abastecimento de materiais e insumos”. Além dessas, “falta de uniformes, ausência de kits de higiene pessoal em quantidade suficiente, instalações elétricas precárias, caixa d’água com tampa sem vedação, falta de salas específicas para atendimento de advogados, ausência de berçário e creche” (PORTAL DO MPTO, 2019), na época também foram assinaladas pelo promotor, resultando em uma ação civil pública.
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Assistência à saúde nos sistemas prisionais
É preciso enxergar o indivíduo antes de ver seu crime, como afirma Foucault (1987). Apesar das Pessoas Privadas de Liberdade (PPL) terem por pena a privação do seu direito de ir e vir temporariamente, se conserva constitucionalmente os demais direitos inclusive o direito ao acesso à saúde, conforme a portaria 1.777/2003 que institui o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP). Este plano prevê no âmbito prisional a presença dos profissionais da atenção básica de saúde composta ao menos por médico, enfermeiros, assistente social, psicólogo, auxiliar de enfermagem e dentista.
Dez anos depois da publicação desta portaria, que visou aproximar as PPL ao direito de acesso aos serviços do SUS, verificou-se que de 2003 a 2013 houve um aumento de 120% da população encarcerada, dificultando a execução do PNSSP pelas superlotações e poucos profissionais disponíveis para essa assistência. Avaliando e reformulando o modo de atuação nesse sentido foi elaborada a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), contendo o direito ao acesso aos mesmos profissionais contidos no PNSSP, porém com equipes subdivididas pelo: “Número de pessoas privadas de liberdade por unidade prisional, vinculação dos serviços de saúde a uma unidade básica de saúde no território e existência de demandas referentes à saúde mental.” (BRASIL, 2014, p.21)
A cartilha reforça como objetivos específicos da atuação das equipes:
Promover o acesso das pessoas privadas de liberdade à Rede de Atenção à Saúde, visando ao cuidado integral;
Garantir a autonomia dos profissionais de saúde para a realização do cuidado integral das pessoas privadas de liberdade;
Qualificar e humanizar a atenção à saúde no sistema prisional por meio de ações conjuntas das áreas da saúde e da justiça;
Promover relações intersetoriais com as políticas de direitos humanos, afirmativas e sociais básicas, bem como com as da Justiça Criminal;
Fomentar e fortalecer a participação e o controle social. (BRASIL, 2014, p. 11)
Dessa forma, com equipes estruturadas o psicólogo tem oportunidade de atuar para além das avaliações psicológicas e confecção de laudos.
O cárcere, como dito anteriormente, desperta nas reeducandas a sensação de solidão. Assim, ao formar um grupo terapêutico para e com esse público podemos, de certo modo, amenizar esse sentimento. Dessa forma, compreender melhor a dinâmica cotidiana das mulheres em privação de liberdade e, através da Terapia Focada na Compaixão, do Mindfulness e da Dialética, mostrando o benefício da prática autoconhecimento, da compassividade e do foco no momento presente. Inspirar um ambiente de confiança no grupo, sigiloso e seguro, respeitoso e acolhedor. Por fim, entendendo os benefícios do foco da atenção no momento presente, aprendam a lidar melhor com seus sentimentos, com mais controle emocional e a ter atitude compassiva e de autocompaixão enquanto estiverem privadas de liberdade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, N.; REBESSI, I. P.; SZYPSZNSKI, K. P. D. R.; NEUFELD C. B. Uma intervenção de Terapia Focada na Compaixão em grupos online no contexto da pandemia por COVID-19. Psico, v. 52, n. 3, p. e41526, 2021. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/revistapsico/article/view/41526. Acesso em 06/06/2022;
Ministério da Saúde. Ministério da Justiça. Portaria Interministerial nº 1777 de 9 de setembro de 2003. Aprova o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário. Brasília (DF): Brasil; 2003. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2003/pri1777_09_09_2003.html. Acesso em 06/06/2022;
MORETTI, L. Mindfulness na construção terapêutica do espaço comunicativo baseado na atenção conjunta ao corpo. São Paulo: Nova perspect. sist., v. 27, n. 60, p. 87-99, abr. 2018. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-78412018000100007&lng=pt&nrm=iso>. acesso em 06 jun. 2022.
NEFF, K.; GERMER, C. Manual de mindfulness e autocompaixão: um guia para construir forças internas e prosperar na arte de ser seu melhor amigo. Porto Alegre: Artmed, 2019.
PEREIRA, F. N.; DALGOLBO, C. G.; SILVA, M. O. Revolução budista ou apocalipse zumbi? Discussões sobre mindfulness a partir de uma perspectiva gestáltica. Psicologia USP: 2021, volume 32, e200146. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pusp/a/x9JLCdgmWdXwrStgpBvCZPk/?format=pdf&lang=pt. Acesso em 06/06/2022.
PEREIRA, T. T. S. O. Pichon-Rivière, a dialética e os grupos operativos: implicações para pesquisa e intervenção. Rev. SPAGESP, Ribeirão Preto, v. 14, n. 1, p. 21-29, 2013. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-29702013000100004&lng=pt&nrm=iso. Acesso em 13/06/2022.
Conforme Stela Cavalcanti (2005), a violência doméstica é um dos mais graves problemas a serem enfrentados pela sociedade contemporânea. É uma forma de violência que não obedece a fronteiras, princípios ou leis. Ocorre diariamente no Brasil e em outros países mesmo existindo vários mecanismos constitucionais de proteção aos direitos humanos. De acordo com o art. 5º da Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.
Segundo Saffioti (2004) a violência se caracteriza pela “ruptura de qualquer forma de integridade da vítima: integridade física, integridade psíquica, integridade sexual, integridade moral.” (p. 17).
REFERENCIAL TEÓRICO
Entende-se que a violência contra a mulher inclui violência física, sexual e psicológica, quer a que tenha ocorrido na esfera privada – dentro da família ou unidade doméstica 2 ou em qualquer outra relação interpessoal em que o agressor conviva ou tenha convivido no mesmo domicílio que a mulher vitimizada, estando ligados por laços de consanguinidade ou de convivência, quer a que tenha ocorrido na esfera pública, compreendendo, entre outros, os maus tratos, a violação, o abuso sexual. (GUERRA et al., 2016)
Vítimas e agressores são provenientes de qualquer estrato socioeconómico – a VD/VC é transversal aos diferentes padrões culturais, religiosos, econômicos, profissionais etc. Algo diferente é a constatação comum a diferentes estudos e estatísticas de que ela ocorrerá mais frequentemente nos estratos socioeconómicos mais desfavorecidos – o que pode ser um efeito de fatores culturais educacionais mais fortemente legitimadores da violência presentes nestes estratos socioculturais ou, simplesmente, um efeito da maior visibilidade que vítimas e agressores destes estratos têm, dado que, por falta de alternativas económicas e sociais, tenderão a recorrer mais às instâncias públicas de apoio a vítimas, às instâncias oficiais de controlo social e a escapar menos à vigilância das instâncias de regulação judicial e apoio social. (GUERRA et al., 2016)
A lei Maria da Penha (2006) cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, ressaltando a responsabilidade da família, da sociedade e do poder público para que todas as mulheres tenham o exercício pleno dos seus direitos; configurando os espaços em que as agressões são qualificadas como violência doméstica, traz as definições de todas as formas de violência (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral); tem-se a questão da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, com destaque para as medidas integradas de prevenção, atendimento pela autoridade policial e assistência social às vítimas; trata da assistência jurídica, atuação do Ministério Público e se dedica às medidas protetivas de urgência; prevê a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, podendo estes contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar e determina que a instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher pode ser integrada a outros equipamentos em âmbito nacional, estadual e municipal.
A violência doméstica é a forma mais frequente de violência sofrida pelas mulheres. São atos e comportamentos dirigidos contra a mulher que correspondem a agressões físicas ou sua ameaça, a maus tratos psicológicos e emocionais, a intimidação e a coação, a abusos ou assédios sexuais, ao desrespeito dos seus direitos na esfera da vida reprodutiva ou da cidadania social. (GUERRA et al., 2020)
Interferir nas situações de VD/VC; combater ativamente estas práticas; denunciar casos de que se tenha conhecimento; lutar por uma sociedade de igualdade e sem violência; educar as crianças e os adultos para a não violência, para a igualdade de géneros e para igualdade de direitos; exercer e estimular o exercício da cidadania ativa, são obrigações sociais e, por vezes, legais de todos os cidadãos e, por maioria de razões, dos profissionais que contactam com vítimas e/ou agressores. (GUERRA et al., 2016)
Uma das grandes inovações trazidas pela Lei nº 11.340/2006 foram as medidas protetivas de urgência a favor da vítima e que obrigam o agressor, além de dispor sobre prevenção e educação para evitar a reprodução social da violência de gênero. Essas medidas objetivam dar efetividade à Lei, assegurando à mulher que se encontra dentro de uma situação de violência, a possibilidade de se proteger contra novas violências.
Consiste em medidas cujo intuito é expandir o círculo de proteção da mulher, ampliando o sistema de prevenção e combate. A margem dada ao juiz é ampla, visto que as medidas protetivas possuem instrumentos de caráter civil, trabalhista, previdenciário, administrativo, processual e penal, considerando assim que a Lei Maria da Penha seja ―heterotópica, ou seja, prevê em seu bojo dispositivos de diversas naturezas jurídicas” (BIANCHINI, 2014, p. 179).
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TIPOS DE VIOLÊNCIA
Estão previstos cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher na Lei Maria da Penha: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial − Capítulo II, art. 7º, incisos I, II, III, IV e V. (PENHA, 2018)
Violência Física: Entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher. (PENHA, 2018)
Violência Psicológica: É considerada qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima; prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento da mulher; ou vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões. (PENHA, 2018)
Violência Sexual: Trata-se de qualquer conduta que constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força. (PENHA, 2018)
Violência Patrimonial: Entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. (PENHA, 2018)
Violência Moral: É considerada qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (PENHA, 2018)
O feminicídio representa a última etapa de um continuum de violência que leva à morte. Precedido por outros eventos, tais como abusos físicos e psicológicos, que tentam submeter as mulheres a uma lógica de dominação masculina e a um padrão cultural que subordina a mulher e que foi aprendido ao longo de gerações, trata-se, portanto, de parte de um sistema de dominação patriarcal e misógino. (2013, online)
Feminicídio é o assassinato de mulheres única e exclusivamente pela condição de ser mulher, sendo frequente como motivação o ódio, desprezo, sentimento de perda e controle sobre as mulheres, ligado ao sentimento de posse sobre o corpo feminino. Considera-se uma forma de misoginia, uma vez que representa a repulsa às mulheres, assim como tudo relacionado ao sexo feminino. Foi incluído no rol dos crimes hediondos através da Lei 13.105, sancionada no ano 2015, que modificou o Artigo 121, do Código Penal, ao introduzir a qualificadora no inciso VI, assim como também incluindo o § 2º-A, de forma a explicar quando esta deverá ser aplicada.
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METODOLOGIA
A metodologia citada aqui é baseada na experiência obtida com o Centro de Referência da Mulher Flor de Lis em Palmas Tocantins, que é um espaço destinado a prestar acolhimento e atendimento humanizado às mulheres em situação de violência, proporcionando atendimento psicológico, social, orientação e encaminhamentos jurídicos necessários para a superação da situação de violência, contribuindo para o fortalecimento da mulher.
No primeiro contato com a vítima, seguimos um cronograma de ação e preenchimento de um questionário, onde poderíamos visualizar com mais clareza cada situação que nos fosse apresentada, nele tem perguntas que se referem tanto a vítima, quanto ao agressor e a agressão. Também recolhemos as informações necessárias para saber quais orientações e encaminhamentos devemos fazer.
O manejo no momento do acolhimento é de extrema importância, ali podemos criar vínculo de confiança com as mulheres que sofreram agressões, podendo lhes proporcionar o melhor apoio nas demandas que forem apresentadas e mostrá-las que elas não estão sozinhas, como também disponibilizar orientações jurídicas para futuras ações legais.
Cada caso é único, cada história é única, devemos proporcionar acolhimento em cada contato que tenhamos com as vítimas.
Assim como no atendimento terapêutico, nesse atendimento, também devemos seguir padrões de comportamento, onde há:
Escuta qualificada ativa
Ouvir o que está a ser dito e tentar perceber o ponto de vista do outro
Avaliar a forma como está a ser dito – sentimentos, conteúdo, intenção
Empatia
Centrar-se no que é dito; mostrar interesse, por exemplo, fazendo perguntas sobre o que a vítima acaba de dizer, ou através da postura corporal (inclinar-se um pouco, olhar nos olhos)
Evitar fazer juízos imediatos sobre a pessoa, não emitir juízos de valor
Reformular (ex: “fui claro?” “O que eu disse foi compreensível?”; em vez de “Compreendeu? ” Ou “Não percebeu?”)
Manter o contato visual com o emissor
Permanecer em silêncio enquanto o emissor fala, apenas emitindo interjeições de encorajamento (ex: “hum-hum”, sim, compreendo, …) e, quando necessário, interromper cordialmente
Responder, dar feedback
Não deixar transparecer as emoções pessoais
Observar as reações – fazer perguntas de controle para verificar se está a ser compreendido e a compreender adequadamente
Conseguir colocar-se no lugar do outro
Adaptar o discurso ao discurso da vítima
Mostrar interesse pelas suas necessidades
O critério principal para uma mulher ser desligada do serviço é o ciclo de violência ter sido rompido, mas se ela escolher não continuar com o serviço mesmo sem o ciclo ter sido rompido, ela poderá ser desligada. Algumas mulheres, dependendo da necessidade, são mantidas em listas de necessidade, como a lista de empregos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A fim de proporcionar atendimentos nas redes de apoio acerca da violência doméstica, visando inicialmente propor a psicoeducação para as usuárias de serviços do Centro de Referência Flor de Lis (CRM), para que possamos identificar todos os tipos de violência sofridas por ela.
A rede é apoio é ampla, nós como serviço, buscamos proporcionar todo o suporte necessário a vítima tenha interesse em aderir, podendo ser uma consulta médica, uma cesta básica, um pedido de medida protetiva e afins. O CRM em si, não possui todos esses atendimentos, mas temos sempre contato direto com os locais que proporcionam esse atendimento, sendo assim, auxiliamos nessa intermediação e acompanhamos, até que a usuária do sistema consiga o suporte que necessita.
É necessária muita coragem para buscar apoio e romper o ciclo de violência, coragem essa que vemos em cada atendimento prestado, mesmo que esteja camuflado em medo e vergonha. Está ali, contando sua história, é um ato de coragem, frente a isso, nós que estamos na linha de frente deste contato, precisamos estar preparadas para o acolhimento, demonstrando empatia e interesse em tudo que nos é relatado, para assim, estabelecer um ciclo de confiança e lhe proporcionar auxílio.
REFERÊNCIAS
ATENDIMENTO para mulheres vítimas de violência. Cidade de S. Paulo. Disponível em: https://www.capital.sp.gov.br/cidadao/familia-e-assistencia-social/servicos-de-direitos-humanos/atendimento-para-mulheres-vitimas-de-violencia. Acesso em: 21 de jul. de 2021.
BIANCHINI, Alice. Lei Maria da Penha: Lei 11.340/2006: aspectos assistenciais, protetivos e criminais da violência de gênero/Alice Bianchini. – 2. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.
BRASIL, Lei nº. 11.340, de 7 de agosto de 2006, (Lei Maria da Penha).
BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em: Acesso em: 25. Nov. 2017.
CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. A violência doméstica como violação dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 901, 21 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7753. Acesso em: 21 jul. 2021.
MONTEIRO, Fernanda. O papel do psicólogo no atendimento às vítimas e autores de violência doméstica, 2012, Monografia, Bacharelado, Psicologia, UniCEUB, Brasília, 2012. Disponível em: https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/123456789/2593/3/20820746.pdf. Acesso em: 11 de jul. 2021.
ONU: 25% das mulheres a partir de 15 anos são vítimas da violência de gênero. ONU News, 9 de mar. 2021. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2021/03/1743912. Acesso em: 10 de jul. 2021.
GUERRA, Paulo et al. Violência Doméstica: implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas no fenômeno. implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas no fenômeno. 2016. Disponível em: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/outros/Violencia-Domestica-CEJ_p02_rev2c-EBOOK_ver_final.pdf. Acesso em: 17 jun. 2021.
GUERRA, Paulo et al. Violência Doméstica: implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas no fenômeno. implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas no fenômeno. 2020. 2° edição. Disponível em: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/penal/eb_VD2ed.pdf. Acesso em: 10 jul. 2021.
BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm. Acesso em: 27 jul. 2021.
PENHA, Maria da. Sobrevivi… posso contar. 2. ed. Fortaleza: Armazém da Cultura, 2012.
PENHA, Maria da. Instituto Maria da Penha: violência doméstica. Fortaleza, 27 jul. 2018. Site criado apartir da lei 11.340. Instagram: Instituto Maria da Penha. Disponível em: https://www.institutomariadapenha.org.br/quem-somos.html. Acesso em: 20 jul. 2021.
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Ajude uma mulher vítima de violência doméstica: denuncie!!
Celebrado no dia 25 de novembro, o Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher, buscar incentivar o ato da denúncia, contra toda forma de violência a mulher, em todos os quatros cantos do mundo. De acordo com relatoria divulgado este ano, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada três mulheres são submetidas as violências física e sexual por parte do parceiro. Conforme a organização, ao todo são 736 milhões de mulheres vítimas de violência ao longo da vida.
Segundo a OMS, as mulheres na faixa de etária de 15 a 24 aos, são as que mais sofrem violência praticada pelo parceiro, sendo que com a pandemia da Covid-19, houve um aumento nos casos de violência doméstica, em todo mundo. Entre os motivos explica a organização internacional, estão as medidas de lockdown, em que a mulher passou a ficar mais tempo dentro de casa junto ao companheiro. No Brasil não foi diferente, dados divulgados pelo Ministério da Família e Direitos Humanos, em 2020, informa que houve mais de 100 mil denúncias relacionadas a violência doméstica, pelo canal de atendimento 180.
Vieira (2020) apontam que as restrições às redes institucionais e familiares de apoio à mulher, a diminuição da renda familiar, estão entre as causas de aumento da violência contra a mulher no período mais crítico da pandemia, no Brasil. “A ampliação da manipulação do agressor sobre a vítima em razão do maior tempo de convivência, aumento dos níveis de estresse e aumento do consumo de álcool”, são outros fatores também, acrescentam Vieira (2020).
Fonte: Freepick
Sobre o assunto, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) realizou, este ano, a 3ª edição do relatório denominado, A Vitimização das Mulheres do Brasil, o qual destacou que 24,4% das mulheres entrevistadas sofreram algum tipo de violência, na pandemia. Em primeiro lugar com 18,6% está insulto, humilhação ou xingamento, enquanto ameaça de apanhar, empurrar ou chutar corresponde ao segundo na pesquisa com 8,5%. Infelizmente a agressão ultrapassa a esfera psicológica, considerada violência também, já que 1,5% das mulheres foram esfaqueadas ou levaram tiro; 27% tiveram algum tipo de lesão provocada por algum tipo de objeto que lhe foi atirado.
Os dados são assustadores, por isso é preciso que exista o engajamento da sociedade civil, poder pública e privado para a elaboração de políticas públicas mais eficazes no combate a violência contra a mulher, no Brasil. Atualmente a Lei de Nº 11.340, conhecida como Maria da Penha, criminaliza a violência doméstica e familiar contra a mulher. A lei entrou em vigor, no ano de 2006, mas ainda sofre duras críticas pelo fato do agressor não respeitar as medidas restritivas contra a mulher, e em alguns casos com ocorrência ao feminicídio, crime de ódio contra a mulher.
Caso veja uma mulher sofrendo algum tipo de violência psicológica e física denuncie nos canais de atendimento, por meio do número 180, Central de Atendimento à Mulher. Incentive a mulher a realizar um boletim de ocorrência na delegacia especializada da Mulher, o boletim pode ser feito virtualmente também. O órgão de segurança oferece também o disque denúncia pelo 197. Juntos na luta contra a violência doméstica contra a mulher.
VIEIRA, P.R; GARCIA, L.P; MACIEL, E.L.N. Isolamento social e aumento da violência doméstica: o que isso nos revela? Revista Brasileira de Epidemiologia 2020; 23.
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CAOS 2021: Violência doméstica e familiar durante na Covid-19
No dia 4 de novembro de 2021, às 19h, aconteceu o minicurso “Isolamento, distanciamento e impactos psicossociais – Violência doméstica e familiar na Covid-19: Realidade do município de Palmas-TO” que contou com a participação da psicóloga Fernanda Barreiro Brito e que foi mediado pela acadêmica do Ceulp/Ulbra Maria Isadora Dama Silva. A profissional possui experiência na área de acolhimento institucional e atualmente atua no Centro de Referência da Mulher Flor de Lis, onde as mulheres vítimas de violência são acolhidas e recebem orientação jurídica, atendimento psicológico e social.
Inicialmente, foi feita uma breve discussão acerca de gênero, papéis sociais e desigualdades entre homens e mulheres. A convidada destacou que a pandemia atingiu a todos, porém de forma desigual a depender dos marcadores sociais como gênero, cor da pele, etnia, faixa etária, renda e estrato social. Assim, pode-se dizer que mulheres em situação de violência doméstica também foram atingidas pela pandemia conforme as suas particularidades.
Fonte: Arquivo Pessoal
Além disso, com relação à violência doméstica, foi destacada que a atuação da rede se mostra necessária, com ações articuladas, com novas ferramentas estratégicas, ofertando serviços padronizados e que proporcionem segurança e confiança da mulher em buscar ajuda para romper com as violências sofridas.
Ao fazer uma análise dos dados, observa-se que o número de casos de violência contra a mulher obteve um pequeno aumento entre os anos de 2019 e 2020. A convidada destaca que os dados trazidos foram apenas do Centro de Referência da Mulher Flor de Lis, não podendo afirmar que se trata de uma realidade geral do município de Palmas-TO por existirem outras portas de entrada (serviços da saúde, assistência social, segurança pública, dentre outras) que as mulheres em situação de violência podem buscar. Dessa forma, é necessário maiores pesquisas e análises acerca dos dados do município para que se obtenha uma perspectiva mais geral dessa realidade.
Ao final do minicurso, alguns acadêmicos discutiram com a psicóloga sobre experiências próprias, alguns marcadores sociais que transpassam a violência contra a mulher e descontentamentos acerca dessa realidade que atinge muitas mulheres. A convidada destacou que a violência acontece na maioria das vezes no âmbito privado e que todos nós devemos estar atentos aos relatos de mulheres para termos uma postura mais acolhedora e lutar contra o machismo estrutural presente na sociedade.
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A importância da análise da obra “Relacionamentos Destrutivos- Se ele é tão bom assim, por que me sinto tão mal?”
E foram felizes para sempre… Essa frase curta e cheia de emoção foi o roteiro de muitas mulheres que cresceram com as narrativas vendidas pela indústria cinematográfica de Hollywood. Quem nunca suspirou com o filme Uma linda mulher, interpretada pela talentosa Julia Roberts, que fez um papel de garota de programa, até encontrar com o seu salvador e grande amor, Edward Lewis, personagem vivido pelo galã Richard Gere. Muitas mulheres cresceram com esse enredo, ao acreditar que depois de tanto sofrimento, será recompensada com um relacionamento cheio de amor.
Foi nesse contexto que muitas acreditaram no sonho do príncipe encantado, sujeitaram-se a vivenciar relacionamentos tóxicos, abusivos, acreditando que não encontrariam outra pessoa melhor. E para quebrar esse paradigma e resgatar a autoestima feminina, a escritora Avery Neal publicou a obra intitulada “Relacionamentos Destrutivos- Se ele é tão bom assim, por que me sinto tão mal?” (2018), no intuito de alertar o público feminino sobre os perigos e traumas de relacionar-se com pessoas manipuladoras.
Identificar situações de manipulação, reconhecer sinais de alerta sobre relacionamentos abusivos, bem como não entrar mais em uma relação desse tipo são algumas das abordagens do livro que pretende ajudar a trilhar um caminho feliz e saudável. A ideia da escritora é despertar a autoestima, bem como salvar vidas, haja vista que muitas mulheres são vítimas de violência doméstica. O Brasil está entre os países que mais matam mulheres, pelo crime de feminicídio, ódio e desprezo à figura feminina.
Fonte: Freepik
Os homens também passam por relacionamentos abusivos, mas as mulheres são as maiores vítimas. Somente no ano de 2020 foram feitas mais de 100 mil denúncias de violência doméstica contra a mulher, pela Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, pelo número 180. “Os padrões de qualquer tipo de abuso são semelhantes. Nunca vi um relacionamento fisicamente abusivo que também não o fosse verbal, emocional e psicologicamente” (Neal, 2018).
Neal (2018) aponta que pelo fato do homem ser fisicamente maior e mais forte que as mulheres, estabelece uma diferenciação de poder, “e as mulheres muitas vezes se sentem intimidadas em algum nível, mesmo que de maneira inconsciente.” Esse posicionamento explica porque as mulheres são vítimas de violência doméstica, e bem como os números são altos no Brasil.
Neal (2018) esclarece que existem diferentes tipos de abuso. “O abuso normalmente tende a acontecer de forma sutil e gradual, o que muitas vezes impossibilita a vítima em notar o comportamento abusivo do parceiro” (Neal, 2018). Por isso, a importância da construção de uma base solidificada de amor-próprio e uma alta estima saudável para pôr fim a esse ciclo abusivo. Por fim, “um relacionamento saudável é aquele que cura, é aquele em que os parceiros se respeitam, se amam, se apoiam e se encorajam” (Lauriano, 2020).
Fonte: Freepik
Referências
Lauriano, Paola. Entre os relacionamentos saudável e abusivo: e “corte de névoa e fúria” de Sarah j. Maas(2020) Disponível em < https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstream/ANIMA/16258/1/TCC-Letras-2020-Paola-Lauriano.pdf>
NEAL, A. Relações destrutivas: se ele é tão bom assim, por que eu me sinto tão mal? São Paulo, Editora Gente, 2018.
Revista Conexão e Literatura. Relacionamentos. Artigo sobre o livro Relacionamentos Destrutivos- Se ele é tão bom assim, por que me sinto tão mal?” Disponível em < http://www.revistaconexaoliteratura.com.br/2018/04/livro-relacoes-destrutivas-se-ele-e-tao.html>. Acesso: 29, de out, de 2021.
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Em Nome de Deus – dinheiro, armas, poder e dominação fálica: uma visão psicanalítica
O terceiro episódio da série documental Em nome de Deus traz depoimento de pessoas próximas a João Teixeira e informações judiciais sobre o que foi encontrado nos endereços pertencentes a ele, além de histórico de denúncias, ameaças e suspeita de envolvimento com organizações criminosas.
Reprodução: Globoplay
A sexualidade masculina é relacionada com armas, violência, dominação e agressividade quando existem indícios de uma psique em adoecimento. Freud (1923) faz uso do termo falo, fálico e pênis, onde ele afirma que: “o que está presente, portanto, não é uma primazia dos órgãos genitais, mas uma primazia do falo” (FREUD, 1923, p. 158). É válido lembrar que em psicanálise não podemos confundir falo com pênis, entretanto não devemos ignorar a relação entre os termos.
André (1998, p. 172) denota que Freud ao utilizar o termo falo, onde: “se o falo tem relação íntima com o órgão masculino, é na medida em que designa o pênis enquanto faltoso ou suscetível de vir faltar. Portanto, é a falta frequentemente presente como ameaça ou como fato, desse modo, o que corresponde ao elemento organizador da sexualidade não é o órgão genital masculino, mas a representação psíquica imaginária e simbólica que foi construída a partir desse órgão (COSTA; BONFIM, 2014).
Reprodução: Globoplay
Marcel Maior é jornalista especializado em espiritismo, e releva como João Teixeira era um homem ambicioso, bem articulado e que conseguiu construir um império a partir do exercício da espiritualidade. Marcel expõe detalhes sobre vendas e o comércio que existia dentro da Casa Dom Inácio, onde os pacientes atendidos recebiam receitas psicografadas por entidades médicas, indicações de água fluidificada, uso de cristais para limpeza e fortalecimento espiritual e outras práticas.
Reprodução: Globoplay
Os pacientes recebiam receitas médicas psicografadas durante os atendimentos realizados por João Teixeira, e em seguida eram orientados a procurar a farmácia da Casa, que fornecia o remédio prescrito. Entretanto, os remédios possuíam propriedades na composição que funcionava para fugir da vigilância sanitária, porém os pacientes acreditavam que cada receita era única.
Reprodução: Globoplay
A farmácia da Casa Dom Inácio vivia constantemente cheia, afinal, mais de 5 mil pessoas passavam pela casa todos os dias e buscavam a farmácia para comprarem os remédios que foram indicados. Os fiéis se organizavam em longas filas, aguardando pacientemente e em silêncio pela sua vez de ser atendido. Porém, muitas vezes as indicações e recomendações não se bastavam apenas em remédios, mas eram indicados cristais, água fluidificada, livros e outros objetos. Coincidentemente ou não, tudo isso era vendido dentro da Casa Dom Inácio.
Marcel relata sobre o grande comércio que existia na Casa, comércio que movimentava milhões, e era o que João Teixeira dizia que custeava o lugar, os funcionários e todos os gastos existentes. As receitas eram direcionadas apenas para os lugares existentes dentro da propriedade, não podendo sair de lá ou realizar as compras em outras instituições.
Reprodução: Globoplay
Existia uma grande variedade de cristais e pedras na loja de cristais da Casa, que diziam que eram abençoados exclusivamente pelos espíritos que trabalhavam na Casa, ou seja, os espíritos dos médicos que realizavam os tratamentos espirituais. O preço dos cristais variava muito, podendo chegar a mais de 5 mil reais, de acordo com o tamanho e a indicação.
Reprodução: Globoplay
Além dos cristais e dos remédios, ainda era indicado que o paciente tomasse água fluidificada que era vendida dentro da Casa. Essa água era vendida como algo abençoado, com propriedades espirituais de limpeza e preparação espiritual. Marcel releva que a água não deveria ser compartilhada ou dividida com outras pessoas, pois era exclusivamente de consumo individual. O que levava os pacientes a comprarem suas garrafas separadamente, gerando mais vendas.
Reprodução: Globoplay
Além desses produtos, a Casa possuía uma livraria com todos os livros, DVD’s e outros materiais oficiais sobre o médium João de Deus. Marcel afirma que com tantas coisas dentro do local era fácil gastar 100 reais num piscar de olhos, o que reforça a ideia de como o comércio era forte e movimentado dentro da Casa Dom Inácio de Loyola.
Reprodução: Globoplay
Um ex funcionário da Casa fornece uma entrevista na série, onde ele afirma ser ex contador do local. Esse funcionário revela detalhes sobre como funcionava a contadoria da Casa, e pedidos de João Teixeira para burlar impostos e fugir da Receita Federal.
Reprodução: Globoplay
Clodoaldo Turcato releva informações sobre como João Teixeira era amado e odiado na cidade de Abadiânia, e como ele exercia o controle do comércio local através de ameaças e chantagem com os empresários locais. Turcato conta sobre no final da década de 1990, as pousadas e hotéis do lado da cidade “pertencente” a João, que era o lado onde o idolatrava, tinham que ter a autorização dele para abrirem as portas, além disso, era cobrado um valor mensal que os empresários deveriam pagar a João Teixeira através de seus capangas para que pudessem continuar funcionando e recebendo os turistas do mundo inteiro.
Reprodução: Globoplay
Clodoaldo conta sobre como o comércio local girava ao redor de João de Deus, e como ele ameaçava os comerciantes para exercer o poder. Não era permitido que qualquer tipo de comércio fosse aberto sem a autorização prévia de João Teixeira, e sem o pagamento dos valores estabelecidos.
João cobrava taxas de cada pousada, e as que não pagassem ou não fossem autorizadas por ele, eram fechadas e os proprietários eram ameaçados pelos seus capangas. João detinha o poder econômico da cidade e nada poderia acontecer sem a sua permissão.
Turcato relata que no final do dia quando ele realizava o fechamento os caixas da farmácia, água, lanchonete, livraria, loja de cristais e outras lojas dentro da Casa Dom Inácio, o volume de dinheiro era tanto que ele precisava de um saco de lixo para colocar todas as cédulas. Ele revela que levava esse saco para a sala particular de João Teixeira, e ele abria o teto e guardava o dinheiro nesse espaço escondido.
Clodoaldo revela que João Teixeira realizava pedidos a ele para que ele fizesse tudo o que tivesse que ser feito para que ele não pagasse impostos. João não gostava nem queria pagar impostos, então pressionava sua contadoria para que fugissem e burlassem o que fosse necessário. As vendas na casa eram realizadas em dinheiro, o que facilitava o processo de ocultação, desvio e lavagem.
Reprodução: Globoplay
Nos endereços de João de Deus foram encontrados cofres escondidos em fundos falsos e cômodos ocultos, e nesses cofres existiam quantidades exorbitantes de dinheiro em real, dólar e euro. Os dinheiros estavam escondidos em malas, e a polícia precisou recorrer a máquinas para poder contar tudo o que foi encontrado, que chegou a casa dos milhões.
Reprodução: Globoplay
As montanhas de dinheiro foram apreendidas, além disso, a Justiça decretou o bloqueio dos bens de João Teixeira, que chegava à casa dos quase 50 milhões de reais. O que a Justiça aponta é que João pode estar envolvido com o comando de uma organização criminosa.
Reprodução: Globoplay
Além do dinheiro, foram encontradas muitas armas nos endereços de João, e ele ao ser questionado sobre a origem das armas respondeu que eram de amigos que ele não se lembrava mais quem eram, e que ele estava apenas guardando as armas em sua casa a pedido deles. João Teixeira foi indiciado por porte ilegal de armas, visto que, as inúmeras armas encontradas não possuíam registro nem autorização.
Freud (1990) em A interpretação dos Sonhos, apresenta a arma de fogo como um dos símbolos masculinos, além de outros como o falo. O pênis é visto como símbolo de poder desde muito tempo em outras culturas, pois é capaz de perfurar, penetrar e dominar a genitália feminina, e religiões mais primitivas apontam que o poder agressivo do homem em relação a mulher possui características fálicas.
João Teixeira foi acusado de cometer abuso sexual contra mais de 500 mulheres, e em vários desses abusos houve o uso do pênis. O que aponta para essa relação entre a dominação fálica e a arma como símbolo de dominação, uma vez que as armas correspondem a capacidade de controlar o outro para aquele que porta a arma (CONELL, 1995).
Kimmel (1996) armas que são pensadas apenas para casos de legitima defesa dentro da masculinidade hegemônica possuem a função de suprir o medo de dominação por outro indivíduo, o que corresponde a masculinidade dominante: “a masculinidade tem menos a ver com a busca pela dominação, do que com o medo de sermos dominados por outros, e de vermos os outros com poder e controlo sobre nós” (KIMMEL, 1996, p. 6).
No que tange os sonhos, Ferenczi (1992) atribuía que em sonhos com armas emperradas, enferrujadas, que não acertavam o alvo, que a capacidade era curta e durava pouco tempo, possuía relação com o coito mal sucedido, incapacidade sexual e baixo desempenho sexual.
Dessa forma, Kimmel (2010) afirma que a utilização de armas de fogo ocorre como uma maneira de compensar a masculinidade hegemônica, onde o sujeito faz a equação com a perda da capacidade física em decorrência do envelhecimento e a resposta às tentativas de dominação por parte dos outros. Portanto, as armas de fogo possuem o papel simbólico de assunção da virilidade e como uma forma de recuperar a masculinidade reduzida.
FICHA TÉCNICA
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EM NOME DE DEUS
Argumento e criação:Pedro Bial Roteiro:Camila Appel e Ricardo Calil Produção musical:Dé Palmeira Direção de fotografia:Gian Carlo Bellotti e Dudu Levy Produção:Anelise Franco Direção de conteúdo:Fellipe Awi Direção:Gian Carlo Bellotti, Monica Almeida e Ricardo Calil Produção Executiva:Erick Brêtas e Mariano Boni
(A série documental está disponível para assinantes Globoplay).
REFERÊNCIAS
FERENCZI, Sandor. Interpretação e tratamento psicanalíticos da impotência psicossexual (1908). Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 25-38. (Obras completas, 1)
FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). In: __. Um caso de histeria, três ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros trabalhos (1901-1905). Direção geral da tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 119-229. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 7).
FREUD, Sigmund. (1900). A Interpretação de Sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 2001. Connell, R. W (1995), Masculinities. Cambridge, UK: Polity.
KIMMEL, Michael. Manhood in America: A Cultural History. 1996. New York: Free Press.
KIMMEL, Michael. “Masculinity as Homophobia: Fear, Shame, and Silence in the Construction of Gender Identity.”. 2010. in Michael S. Kimmel e Abby L. Ferber (orgs.), Privilege. Boulder: Westview.
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Em Nome de Deus: dominação masculina, abuso sexual intrafamiliar e relações de poder
Pierre Bourdieu (2002) em sua obra A dominação masculina aponta que a força masculina não necessita de justificativas, ela se apresenta como natural e não precisa ser legitimada. A ordem masculina é privilegiada pela forma como a sociedade se estrutura, que constrói o corpo como realidade sexuada, que segue fundamentos de divisão sexualizante, ou seja, que o corpo é construído de forma social, e a partir da visão sexuada do mundo que traz ao corpo a distinção entre os sexos, que fundamenta a separação entre os gêneros a partir da perspectiva mítica presente na dominação masculina sobre as mulheres.
De acordo com Saffioti (1992) o gênero se constrói através da dinâmica existente nas relações sociais, onde o indivíduo se constrói como é, conforme a relação com os outros, visto que, cada ser humano é aquilo que vive nas suas dinâmicas de relações sociais, que são atravessadas por contradições de gênero, raça e classe. Saffioti (1992, p. 45) defende que apesar das diferentes visões de feministas acerca do gênero e aspectos do mesmo, existe um consenso onde: “gênero é a construção social do masculino e do feminino”.
Reprodução: Globoplay
Diante dessa breve conceituação sobre gênero e dominação masculina, que será complementada ao longo do texto, iremos começar com a análise do segundo episódio da série documental Em nome de Deus, onde nos primeiros minutos aparecem alguns homens amigos e conhecidos de João Teixeira, que o defendem das acusações que são estão sendo feitas.
É interessante perceber que os homens que aparecem para defende-lo representam autoridade dentro da cidade, entre eles há um ex-prefeito da cidade de Itapaci, um empresário local e um amigo de infância, usam como argumento que se fossem só algumas mulheres tudo bem, mas desconfiam dos números alarmantes, tais como 50, 100, 200 mulheres. Como se caso fosse apenas 3 ou 4 estaria tudo bem. Eles se expressam como se o abuso pudesse ser visto como algo aceitável sim, o que tira a credibilidade são os números serem altos.
Reprodução: Globoplay
Adedi Santana apresenta um argumento sobre a validação do homem poder ter muitas mulheres, e respalda seu posicionamento na história bíblica do Rei Salomão, que foi o terceiro rei de Israel, filho de David com Bate-Seba. Que segundo a Bíblia no livro de I Reis teve 700 esposas de classe principesca e 300 cuncubinas. Cuncubinas correspondiam às mulheres que estavam unidas a um homem, mas ocupavam um lugar inferior ao de esposa, apesar de desempenhar às funções desta.
Adedi ainda culpabiliza as mulheres pelo pecado do homem ao utilizar a frase: “a mulher é danada pra fazer o homem pecar”. A Bíblia no livro de I Reis quando denota sobre o número de mulheres do Rei Salomão, finaliza o versículo dizendo que essas mulheres perverteram o coração dele. A colocação de Adedi possui ligação direta com o trecho bíblico que ele mesmo citou, e que reforça, valida e legitima a ideia de que a mulher é culpada pelo que o homem faz de errado.
João Teixeira está sendo acusado de abuso sexual contra mais de 500 mulheres, mesmo assim ainda possui apoiadores e defensores que culpabilizam as vítimas e o inocentam. De acordo com Carloto (2001), o gênero demonstra a discrepância na repartição de responsabilidade na sociedade, pois a sociedade impõe a divisão de responsabilidades para além do desejo dos indivíduos, e essa distribuição é realizada com requisitos sexistas, racistas e classistas. Conforme a posição ocupada dentro da sociedade, o indivíduo poderá ou não ter acesso a meios de sobreviver segundo o sexo, raça e classe.
Seguindo essa linha de raciocínio, vemos como o a responsabilidade do homem é opcional e submetida ao viés do engano, enquanto a mulher mesmo em situação de violência é vista como culpada, ainda mais quando se trata de mulheres que não possuem o mesmo lugar de poder social que João Teixeira estava inserido. Ele era alguém influente dentro da sociedade, possuía prestígio social e espiritual dentro daqueles que eram detentores dos mais altos níveis de poder.
Para Davis (1975), a finalidade do estudo de gênero é compreender a dimensão que os papéis sexuais possuem e qual o espaço ocupado pelo simbolismo sexual ao longo das sociedades e diferentes épocas, de modo que seja possível encontrar como operavam para preservar a ordem social e para alterá-la. Conforme Zanello e Bukowitz (2011), os papéis de gênero e toda a abrangência que a categoria traz se complementam e fazem parte da mesma estrutura de funcionamento social.
O argumento de Adedi ao usar o número de mulheres que o Rei Salomão possuía está ligado também ao mito judaico-cristão responsável pela transição do matriarcado para o patriarcado, que é a história de Eva e Adão. Onde Eva é vista como inferior desde a sua criação e nascimento por ter sido formada a partir da costela de Adão, que reforça a ideia da necessidade masculina de não aceitar a igualdade de gêneros. Além disso, Eva é culpada por ter tentado Adão e pela expulsão que receberam do paraíso. Eva foi o exemplo de mulher trazido para o Ocidente, a mulher que não deveria ser tida como exemplo a ser seguido. Esse mito judaico-cristão implantou no imaginário coletivo que o feminino deve ser visto como subversivo, e não confiável (CABRAL, 1995).
Reprodução: Globoplay
O empresário Mauro, fala em tom sarcástico sobre a sua dúvida de que João Teixeira pudesse ter se relacionado sexualmente com mais de 300 mulheres, onde ele diz que “é muita potência”, como se João Teixeira não fosse capaz de cometer tantos abusos sexuais assim devido às suas condições físicas. Ele relata não acreditar que João fez isso, e manifesta sua dúvida em relação aos depoimentos e denúncias feitas pelas mulheres.
Reprodução: Globoplay
Juca Martins, amigo de infância de João Teixeira além de duvidar que ele cometeu abusos sexuais com todas essas mulheres, ainda retruca ao dizer que as vítimas retornaram “lá de novo”, se referindo à Casa Dom Inácio. Esse comportamento de Juca reforça a desmoralização das vítimas, visto que, elas perdem a razão quando apresentam qualquer aproximação ou inclinação ao seu abusador. Ameaças, chantagens e violências são desconsideradas, afinal, a vítima escolheu a reaproximação do abusador.
Bourdieu (2002) afirma que a dominação masculina nas formas de exploração e a expressão pura do masculino trazem honra ao homem, serve como uma maneira afirmativa de sua virilidade. Bourdieu aponta que o assédio sexual corresponde a uma maneira de afirmar a dominação masculina.
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João Teixeira recebeu o apoio não somente de pessoas próximas, mas de uma grande multidão que o esperava na porta da Casa Dom Inácio. Pessoas vindas de vários lugares, que já frequentavam a Casa, e que estava ali gritando a inocência de João Teixeira. As pessoas trajavam branco, assim como ele, e formaram um escudo ao redor dele afastando os jornalistas e pedindo que a imprensa deixasse o “pai” em paz.
João respondeu aos jornalistas apenas dizendo que era inocente, antes disso dentro das instalações da Casa, ele disse aos fiéis que continuava sendo o João de Deus, e que iria se entregar a Lei Brasileira, mas continuava sendo o João de Deus. Logo se despediu com palavras religiosas e declarou sua inocência aos jornalistas presentes que tentavam falar com ele.
Reprodução: Globoplay
A apresentadora Xuxa Meneghel foi a primeira pessoa famosa a se manifestar em relação ao caso de João de Deus estar sendo acusado de abuso sexual de mulheres. Ela se pronunciou numa rede social, onde pedia desculpas aos seus fãs e seguidores por já ter indicado e falado muito bem do trabalho espiritual desempenhado por João de Deus. Ela relata se sentir envergonhada por ter indicado alguém como ele, por ter colocado pessoas em risco sem saber.
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Xuxa relata sobre ter sido resistente no primeiro momento em relação às denúncias, mas ao entrar em contato com os relatos das mulheres releva ter se sentido conectada a elas por dividirem o mesmo trauma em comum: o abuso sexual. Ela fala sobre as semelhanças nos relatos, sobre o silêncio de tantos anos, sobre o medo e sobre a forma como as mulheres revelaram sobre os abusos sofridos.
De acordo com Chauí (1985), a violência corresponde a uma relação hierárquica de desigualdade, que possui a finalidade de dominação, exploração e opressão, que é efetivada no silêncio da vítima e na passividade. Além disso, a violência está ligada ao poder, ao passo que um dos lados é dominador, o outro é então dominado, violentado. Onde de um lado há a dominação e no outro a coisificação, entretanto a violência e o poder não correspondem a características intrínsecas e inatas do ser humano.
A apresentadora traz informações sobre quando João Teixeira acompanhou a mãe dela num período crítico de adoecimento decorrente da doença de Parkinson, e de como ela se encontrava fragilizada e qualquer coisa que ele dizia, ela se agarrava porque não havia mais nada que ela já não tivesse tentado. Xuxa conta sobre as ligações que ele fazia a ela, onde ele dizia que iria realizar uma cirurgia espiritual à distância enquanto a mãe dela estivesse dormindo, e que no outro dia ele sempre ligava para perguntar se ela havia melhorado. Xuxa embarga a voz ao relatar sobre como qualquer melhora que a mãe dela tinha, ela atribuía aos cuidados espirituais dele e qualquer coisa era devido ao trabalho dele.
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Os relatos começam a ficar mais pesados quando Dalva, filha de João Teixeira aparece e começa a relatar que foi vítima de abuso sexual dele desde os 10 anos de idade. Dalva traz informações muito fortes, e agora nessa parte do texto eu gostaria de informar sobre a densidade das informações que serão trazidas sobre abuso sexual infantil, violência física, violência patrimonial e violência psicológica. Além de abuso de álcool e outras drogas.
Se você não se sente confortável com os temas citados, peço que não veja a série documental e que não continue a leitura, visto que, os relatos são intensos, e para caso isso seja um gatilho emocional para você, por favor, não continue.
Dalva é filha biológica de João Teixeira de Faria, e relata ter sofrido abuso sexual por parte dele inicialmente aos 10 anos de idade, entretanto os abusos se estenderam até a vida adulta dela, e sempre envoltos de manipulação, chantagem e dominação de João Teixeira.
Ela conta que morava com sua mãe quando João Teixeira chegou para buscá-la, e ela não queria ir, mas foi forçada a ir com ele. João chegou até a fazenda onde Dalva residia dirigindo um carro importante e caro da época, o que demonstrava seu status de poder aquisitivo naquele momento. Dalva era uma criança e estava brincando na beira da estrada, relata que vivia uma vida simples e humilde, e que a partir daquele dia não teve mais tranquilidade. Ela usa a expressão de que é melhor ter pouco com Deus do que muito com o diabo ao se referir as posses que o pai estava começando a possuir devido a expansão de sua fama no Brasil e no mundo.
O relato sobre o primeiro abuso sofrido por ela ocorreu na casa de João Teixeira, quando ele se disse a ela que precisava fazer um trabalho com ela (se referindo a trabalho espiritual), ele então se deitou com ela e começou a acariciar o seu corpo. Ela diz que no momento se sentiu confusa, mas confiava nele, afinal, era o seu pai e aquilo não era nada que ela devesse se preocupar.
Para Morales e Schramm (2002), o abuso sexual intrafamiliar possui uma estrutura assimétrica, visto que, o abusador ocupa um lugar de vantagem por ser mais velho, por possuir autoridade e por impor de alguns meios, como chantagem emocional, intimidação e opressão.
Nos dias que seguiram ele começou a proibi-la de ter amigos e amigas, também a proibiu de namorar, de sair e de relações sociais. Ela relata que ele não deixava que ela se relacionasse ou se aproximasse de amigos. Entretanto, quando Dalva tinha por volta de 9 anos e 6 meses, João Teixeira, pai de Dalva, a levou para o quarto dele onde ocorreu o primeiro abuso. Dalva relata que ele arrancou toda a sua roupa e então começou a tocá-la, ele tentou penetrá-la, ela então disse que estava machucando e saiu correndo.
Dalva engravidou aos 14 anos de um rapaz, João Teixeira ao saber começou a agredi-la com ferramentas utilizadas em vaquejadas, ela ficou muito ferida e teve um aborto espontâneo. Dalva se casou aos 14 anos e permaneceu casada até os 20 anos, e relata que foi o único período que não sofreu abusos do pai. Ao se separar, ela foi morar próximo a rua onde ele morava, João então passou a frequentar a casa de Dalva e a tentar ter relações não consentidas com ela novamente.
João de Deus passou a proibir Dalva de ter amigos, de sair de casa e de se relacionar com outras pessoas. Ele passava na porta na casa dela ao longo do dia acompanhado de seus capangas, entrava na casa de Dalva pra verificar se ela estava lá, se havia alguém.
Dalva conta que foi abusada por João de Deus na Casa Dom Inácio também, e disse que naquele momento ele não tocaria nela de novo. João então disse que ele afirmou que tiraria os filhos dela, a casa, o carro, o dinheiro e tudo o que ela tinha, que ela iria ficar na lona, mas seria dele. Dalva concordou em ficar na lona, pois só queria ficar longe dele e livre dos abusos.
Ela procurou João Teixeira num momento onde não tinha nada para comer nem para dar para os filhos comerem, ele então responde que não tem nada a ver com isso, que ela deveria pedir para o pai das crianças e não para ele. Dalva perdeu a guarda dos filhos por não ter condições mínimas de cuidar deles, ela relata que quando isso aconteceu, ela começou a ter problemas com o abuso de álcool.
Segundo Papalia e Feldman (2013), as consequências dos maus-tratos em crianças podem ser físicas, emocionais, cognitivas e sociais, e essas consequência geralmente estão inter-relacionadas. De acordo com Zanello (2011), o sofrimento psíquico é construído socialmente, visto que o sofrimento acontece a partir dos valores de gênero. Nesse caso, o sofrimento de Dalva a deixou depressiva e em estado de desesperança, pois havia perdido tudo. Ainda conforme Araújo (2002), a violência consiste na violação do direito de liberdade e de poder ser dono da própria história, que contém todas as formas de opressão, maus-tratos e agressão, tanto físicas como emocionais, pois provocam sofrimento.
Num momento onde Dalva visitou a sua família, João Teixeira se aproximou dela e pediu para levá-la em casa, naquele momento Dalva residia em Goiânia. Ele a levou num apartamento novo, perguntou a ela se ela gostaria de morar ali e de ter os filhos de volta. Em seguida mostrou o quarto que nomeou como sendo dos filhos, e o outro como sendo “deles”.
João impôs a condição de tê-la para que ela pudesse ter a moradia e a guarda dos filhos. Dalva encontrava-se muito fragilizada devido a ausência dos filhos, e aceitou. Ela foi em busca dos filhos e os levou para morar com ela, João aparecia no apartamento poucas vezes na semana, mas queria exclusividade, ele havia proibido Dalva de namorar com outros homens. Ele diz que pode ter qualquer mulher do mundo, mas que ele quer tê-la. A submissão da mulher estava contraposta as noções de autonomia do sujeito dentro da esfera pública e capitalista, e o que a vida doméstica possui objetivos contrários a liberdade (KEHL, 2007).
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O filho de Dalva, Paulo Henrique, explana sobre a boa convivência que tinha com João Teixeira, que ele era generoso e dava muitos presentes, e que naquele momento ele não suspeitava de nada, mas achava estranho. Até que um dia, João ficou furioso com o irmão de Paulo Henrique, e enfiou a cabeça do garoto dentro do vaso sanitário e deu descarga várias e várias vezes.
O medo e o pânico tomaram conta de Paulo Henrique, ele passou a desconfiar de João de Deus, e se escondeu dentro do quarto da mãe. Paulo Henrique presenciou a mãe sendo abusada sexualmente e ser agredida fisicamente. Ele relata que ele bateu nela e que tiveram relações sexuais.
Paulo Henrique diz que João era apaixonado por Dalva, e diz sobre ter percebido que as visitas se tornavam cada vez mais frequentes, que o clima ficava ainda mais estranho. Ele relata sobre ouvir as ameaças que a mãe sofria, e que ele apesar da pouca idade começou a entender as coisas, entender o motivo da mãe não poder ter namorado e por isso namorar escondido.
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O filho mais velho de João, João Augusto de Faria, diz que nunca sofreu nenhum tipo de abuso do pai, e que até que Dalva falasse sobre isso, ele era muito próximo dela. João relata que seu pai era generoso, que tudo o que ele tem hoje ele não precisou trabalhar para conseguir porque foi dado pelo seu pai. Ele diz ainda, que Dalva está motivada pelo dinheiro, e que ela e os filhos dela estão mentindo para conseguir dinheiro.
Quando houve a denúncia de Dalva sobre os abusos sofridos, João Teixeira divulgou um vídeo onde ela aparece acariciando sua cabeça e dizendo que nunca foi abusada por ele, que sempre foi amada e cuidada.
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Dalva diz que foi coagida a gravar o vídeo ao lado de João Teixeira e na presença dos advogados e comparsas dele. Ela estava sendo ameaçada e teve medo, então resolveu gravar o vídeo fazendo o que eles estavam pedindo. O roteiro foi pré-estabelecido e a gesticulação também. Ela seguia às ordens que estavam sendo dadas para que pudesse ser liberada em segurança, e ter a segurança dos filhos.
Ela afirma que rompeu o contato com todos os irmãos porque eles não acreditaram nela, que nunca acreditaram que ela foi abusada pelo pai. Ela diz que nunca mais teve contato nem proximidade com nenhum dos irmãos desde que teve coragem de expor toda a situação, mas que se sente bem e em paz por não estar próxima de pessoas que não acreditam em algo tão grave.
O episódio termina com Dalva dizendo que após as denúncias e a prisão de João Teixeira, ela passou a andar de cabeça erguida, que não sente mais medo ao andar pelas ruas da cidade.
FICHA TÉCNICA
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EM NOME DE DEUS
Argumento e criação:Pedro Bial Roteiro:Camila Appel e Ricardo Calil Produção musical:Dé Palmeira Direção de fotografia:Gian Carlo Bellotti e Dudu Levy Produção:Anelise Franco Direção de conteúdo:Fellipe Awi Direção:Gian Carlo Bellotti, Monica Almeida e Ricardo Calil Produção Executiva:Erick Brêtas e Mariano Boni
(A série documental está disponível para assinantes Globoplay).
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, M. F. Violência e abuso sexual na família. Psicologia em Estudo, 7(2), 3-11. 2002.
AZEVEDO, M. A., & Guerra, V. N. A. Infância e violência doméstica: fronteiras do conhecimento. 2. ed. São Paulo: Cortez. 1993
BOURDIEU, P. A dominação masculina. 2.ed. Trad. de Maria Helena Kühner. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
CABRAL, J. T. A sexualidade no mundo ocidental. 2.ed. Campinas: Papirus, 1995.
CHAUÍ, M. (Participando do debate sobre mulher e violência. In Cavalcanti, M. L. V. C.; Franchetto, B., & Heilborn, M. L. (Orgs.) Perspectivas Antropológicas da mulher (pp. 25-62). Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
MORALES, Á. E; SCHRAMM, F. R. A moralidade do abuso sexual intrafamiliar em menores. Ciência & Saúde coletiva, 7(2). 265-273. 2002
SAFFIOTI, H.I.B. Rearticulando gênero e classe social. In: COSTA, A.O.; BRUSCHINI, C. (Orgs.) Uma Questão de gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992
______. Violência de gênero: lugar da práxis na construção da subjetividade. Revista Lutas Sociais, São Paulo, n. 2, 1997
KEHL, M. R. Deslocamentos do feminino. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 2007
PAPALIA, Diane E. Desenvolvimento humano [recurso eletrônico] / Diane E. Papalia, Ruth Duskin Feldman, com Gabriela Martorell; tradução: Carla Filomena Marques Pinto Vercesi… [et al.]; [revisão técnica: Maria Cecília de Vilhena Moraes Silva et al.]. – 12. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre: AMGH, 2013.
ZANELLO, Valeska; FIUZA, Gabriela; COSTA, Humberto Soares. Saúde mental e gênero: facetas gendradas do sofrimento psíquico. Fractal: Revista de Psicologia, [s.l.], v. 27, n. 3, p.238-246, dez. 2015.
ZANELLO, Valeska.; BUKOWITZ, B. Loucura e cultura: uma escuta das relações de gênero nas falas de pacientes psiquiatrizados. Revista Labrys Estudos Feministas. v. 20-21, 2011.
ZANELLO, Valeska. A saúde mental sob o viés do gênero: uma releitura gendrada da epidemiologia, da semiologia e da interpretação diagnóstica. In: ZANELLO, V.; ANDRADE, A. P. M. (Org.). Saúde mental e gênero: diálogos, práticas e interdisciplinaridade. Curitiba: Appris, 2014ª