Facetas da liberdade em “Adoráveis mulheres”

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Concorre com 6 indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Atriz, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Figurino.

O filme Adoráveis mulheres apresenta de forma sutil o preconceito de gênero no século XIX, e que, infelizmente, continua sendo um tema atual.

Adoráveis mulheres (2019), filme dirigido por Greta Gerwig (anteriormente indicada ao Oscar com Lady Bird – A Hora de Voar), foi baseado no romance de Louisa May Alcott chamado As mulherzinhas, sendo uma autobiografia escrita em 1868. Nesses 150 anos, a história foi traduzida para 55 línguas, virou peça de teatro, ópera, musical, e possui algumas adaptações cinematográficas.

Visto que já teve vários formatos, Greta não deixa a história cair na mesmice, a adaptação mais atual conta com transições entre passado e presente, utilizando diferentes paletas de cores, o passado é composto por cores vibrantes, deixando um sentimento saudosista em quem assiste, enquanto o presente é composto por tons mais frios, carregado de tensão e melancolia, tal alteração de tempo deixa o filme dinâmico e intrigante.

Fonte: encurtador.com.br/xzA14

Enquanto o pai da família March serve na Guerra civil americana no século XIX, suas quatro filhas, sob cuidados da mãe, vivenciam a ausência paterna, dificuldade financeira, preconceito de gênero, embates pessoais como não se sentir pertencente a sociedade e discussões familiares, ao longo da transição da adolescência para a fase adulta. Sendo um leve clichê com sensação de fim de tarde, mas que levanta dilemas sociais atemporais, expõe a interdependência positiva e negativa do sistema familiar, e retrata mulheres que estão longe de serem perfeitas, o que foge do padrão feminino da época em que a história foi escrita.

Jo March (Saoirse Ronan), a que recebe mais foco entre as quatros irmãs (Louisa se representa nela), aspira ser escritora, inicialmente produzindo textos de “sangue e trovão” com protagonistas femininas, contudo, os jornais se recusavam a publicar histórias nas quais as mulheres não se casavam, como disse o chefe da editora: “Moral não vende. Se a personagem principal é moça, ela deve se casar ao final, ou morrer”. Após idas e vindas no decorrer do filme, Jo decide escrever suas histórias e de suas irmãs em um livro, que futuramente se tornou “Adoráveis mulheres”.

Fonte encurtador.com.br/bmT25

“Mulheres têm mentes e almas, além de corações. Temos ambições e talentos, além de só beleza. Cansei de ouvir que uma mulher só serve para o amor. ”  – Jo March

Jovem independente e de personalidade marcante, Jo March rompe primeiramente o papel secundário reservado as mulheres ao ser protagonista, ao buscar espaço no mundo editorial predominantemente masculino. Em seguida, ela vive uma crença autolimitante em que para alcançar autonomia é necessário abrir mão do amor romântico, pois sua ideia de liberdade se distancia do habitual feminino pautado na educação de mulheres para condutas “adequadas” para o mundo social da época, como servir somente ao lar.

Tal pensamento é oriundo da associação das conquistas femininas ao homem, considerado o ser possuidor de todos os feitos, assim, criando uma relação dicotômica entre realização profissional e emocional, pois enquanto ela estiver ligada ao amor, seu valor se refere unicamente a isso. Tal joguinho é um clássico da ficção: enquanto a mocinha tem que escolher entre seu sonho e a paixão, os personagens masculinos são heróis e amantes ao mesmo tempo.

Exemplificado em sua irmã mais velha, Meg March (Emma Watson), que desiste de ser atriz, profissão taxada como vulgar, para se unir em matrimônio por amor. Atitude incialmente reprovada por Jo, mas que logo Meg justifica: “Se meus sonhos são diferentes dos seus, não significa que são ruins”. Ou seja, cada uma das irmãs possui perspectiva própria do conceito de liberdade e felicidade.

Fonte: encurtador.com.br/sENV5

A terceira irmã, Beth (Eliza Scalen), era considerada a melhor das irmãs March, por ser gentil, amável, sendo também a mais introvertida. Seu contentamento se encontrava em tocar piano, a liberdade mais peculiar. Beth tem um destino óbvio após adoecer, em vista disso, mesmo com menos tempo de tela, ela exerce o papel propulsor da personagem principal, demonstrando como o todo é maior que a soma das partes.

Fica a cargo da caçula, Amy March (Florence Pug) salvar a condição financeira da família se casando com um homem rico. Com isso, Amy coloca em segundo plano sua aspiração a pintura, e mesmo sabendo que o casamento é um tratado econômico para as mulheres, pois seu dinheiro e filhos pertenceriam ao seu esposo, ela se dispõe a aceitá-lo. Ao meu ver, Amy é uma das personagens mais cativantes de todo o filme devido sua postura imprevisível com adição de um quê de vilã, a rixa na adolescência com Jo depois se torna um triângulo amoroso na vida adulta, sendo resolvido ao colocar a irmandade em primeiro lugar.

Fonte: encurtador.com.br/bil58

            “Quando as mulheres são aceitas no clube dos gênios, de qualquer forma? ”Theodore ‘Laurie‘ Laurence

Os meios midiáticos são uma forma acessível de propagar reflexões sobre a ética e a moral. O filme Adoráveis mulheres apresenta de forma sutil o preconceito de gênero no século XIX, e que, infelizmente, continua sendo um tema atual, mostrando os diferentes impactos em uma única família. A escritora, Louisa May Alcott, após anos escrevendo essa história relata: “Foi agradável fazê-lo. Estou cansada de fornecer papinha moral aos jovens”, e, ironicamente, o fim das “mulherzinhas” foi o clichê que criticou durante toda a obra.

FICHA TÉCNICA:

Fonte: encurtador.com.br/yGHR0

Título original: Little Woman
Direção: Greta Gerwig
Elenco: Saoirse Ronan, Emma Watson, Florence Pugh, Eliza Scanlen, Meryl Streep, Timothée Chalamet
Ano: 2019
País: EUA
Gênero: Romance/Drama

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A beleza da simplicidade em Cora Coralina

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Não é difícil se encantar com tanta beleza e simplicidade, até Carlos Drummond de Andrade se rendeu ao talento de Cora

 “Mulher da roça eu o sou, sou semente, sou pedra. Pela minha voz cantam todos os pássaros do mundo”

Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, conhecida como Cora Coralina, publicou o seu primeiro livro ‘Poemas dos becos de Goiás e estórias mais’, em 1965, sendo um compilado de histórias que viveu e sentimentos que sentiu. E quem diria que uma humilde mulher de cabelos brancos aos 75 anos pôde ressignificar sua vida e marcar para sempre o universo literário.

Adepta da linguagem simples e verso livre, devido à crença que o prazer da leitura deve ser disponível a todos (e também por sua baixa escolaridade), Cora Coralina, com extrema sensibilidade ao falar de sua terra Goiás, cotidiano e afazeres, deixou de lado as utopias de um eu lírico irreal que costumava ser o foco dos poemas daquela época. De modo original, ela incentiva a reflexão e revela a alma delicada que iria se tornar uma das maiores poetisas do século XX.

Fonte: https://is.gd/U0IFOV

Mãe dedicada e doceira de mão cheia, começou a vender doces para sustentar os quatro filhos após ficar viúva, achou entre receitas a doçura das palavras. Grande pensadora desde nova, aos 14 anos começou a ter seus textos publicados nos jornais locais e nacionais, aos 20 anos já era considerada a maior escritora do Centro-Oeste. Em 1984 recebeu da Universidade Federal de Goiás o título de Doutora Honoris Causa devido ao seu destaque e importância. Em 1985 recebeu o título de intelectual do ano e o troféu Juca Pato pela União Brasileira de Escritores (UBE).

“Não morre aquele que deixou na terra a melodia de seu cântico na música de seus versos. ”

Não é difícil se encantar com tanta beleza e simplicidade, até Carlos Drummond de Andrade se rendeu ao talento de Cora; em suas palavras: “Minha querida amiga Cora Coralina: Seu Vintém de Cobre é, para mim, moeda de ouro, e de um ouro que não sofre as oscilações do mercado. É poesia das mais diretas e comunicativas que já tenho lido e amado. Que riqueza de experiência humana, que sensibilidade especial e que lirismo identificado com as fontes da vida! ( …).”

Fonte: https://is.gd/mxMRNN

Muito mais que ter seu nome registrado no mundo literário, Cora Coralina é referência de coragem e dedicação ao seguir seu sonho independentemente da idade, processo chamado na Psicologia Junguiana como Individuação, onde o ser se dá conta que negligenciou algumas vontades no decorrer da vida e se volta a elas, a fim de aprimorar seu Self.

“Não sei se a vida é curta ou longa demais para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas”. Além de expressar cultura, a poetisa mostra que a alma da poesia está na vida, na beleza e lutas do dia a dia. Cora faleceu em 1985, foram 95 anos tocando o coração das pessoas em vida. A partir de então, suas palavras fazem essa função.

Fonte: https://is.gd/v11SuJ

Referências

AMABILE, Luís Roberto. O dia em que Drummond descobriu Cora Coralina. Disponível em  http://biblioteca.pucrs.br/curiosidades-literarias/o-dia-em-que-drummond-descobriu-cora-coralina/ . Acesso em 14/03/2019.

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A esposa: o retrato da desvalorização do feminino

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Concorre com 1 indicação ao Oscar:

Melhor Atriz

‘A esposa’ é um filme de drama, lançado em 2017, dirigido por Björ Runge, estrelado por Jonathan Pryce e Glenn Close. O longa foi indicado ao Globo de Ouro na categoria melhor atriz em filme de drama, pela interpretação de Glenn Close.

Joan Castleman e Joe Castleman são casados a mais de 30 anos, e em um dia comum, enquanto dormiam, recebem uma ligação para avisar o senhor Joe que ele era o escolhido do prêmio Nobel de Literatura daquele ano. A felicidade é imensa para Joe, que comemora aos pulos em cima da cama juntamente com sua esposa.

Joe era professor de universidade antes de casar-se com Joan, e foi na universidade que eles se conheceram, quando ela mostrou a ele um de seus escritos na tentativa de futuramente publicá-lo. Na época da academia Joan escrevia muito, no entanto, ela sabia que uma mulher não faria sucesso como escritora naquele período onde apenas os homens tinham créditos por escreverem, e eram os seus livros que saíam das prateleiras para as mãos dos leitores.

Casados, Joe e Joan precisavam arranjar seu sustento, e apostaram na escrita de Joe para a produção de livros. Joan trabalhava em uma editora e ouvindo seu chefe dizer que precisa de um escritor judeu, ofereceu a obra de seu marido. Ao chegar em casa Joan passa a notícia para o esposo, e ele pede que ela dê uma olhada nos seus escritos . E é aqui onde toda a magia acontece!

Fonte: encurtador.com.br/kqKNX

A primeira obra de Joe Castleman é publicada e alcança um grande sucesso! O casal então consegue ganhar dinheiro para comprar uma casa a beira do mar e suas vidas deslancham. Em seguida, eles têm dois filhos, e aparentemente parece ser essa a história comum que o filme irá retratar ao telespectador. Mas não se engane, porque o sucesso que se sucede a partir daqui é fruto de grandes injustiças e humilhações resultantes do machismo e opressão que Joan Castleman sofre por parte do seu esposo.

A personagem Joan interpretada pela atriz Glenn Close, é a chave central do filme e é ao seu entorno que o enredo circula. Joan é a verdadeira escritora de todas as obras de sucesso de seu marido, e nunca recebeu os créditos por elas porque não fariam sucesso usando o nome de uma mulher. Então, a verdadeira história é que era ela quem sentava todos os dias, 8h por dia, em frente a máquina de escrever, e usava o seu “toque de ouro” e transformava as palavras em obra de arte.

Quem dera fosse apenas essa injustiça, mas não. Joe traía Joan com outras mulheres, incluindo as babás dos seus filhos, e quando ela descobria as traições ele aos prantos pedia desculpa e dizia “Use isso Joan, use isso!”, o que significava usar suas traições como inspiração para os personagens dos próximos livros.

Joan permaneceu nesse casamento até o dia da notícia do prêmio Nobel, e é no caminho para Estocolmo que a escritora inicia sua jornada de reflexão e melancolia sobre quem era ela, e o que deixou de ser, por causa do seu casamento e das estruturas do patriarcado e do machismo que a amedrontaram e fizeram desistir do sonho de ser uma escritora reconhecida.

Fonte: encurtador.com.br/ioy45

É angustiante e revoltante ver a atuação de Glenn Close, porque ela leva você a experimentar o sentimento de desvalorização e exclusão apenas por ser mulher, de forma muito autêntica. O desejo que a telespectadora sente a todo tempo é o de livrá-la daquele sofrimento e tirá-la de dentro do filme, e ao mesmo tempo de dizer a cada homem e mulher presente na premiação do Nobel, que ela, Joan Castleman, é a verdadeira escritora e vencedora daquele prêmio. A maneira como a personagem lida com todos os acontecimentos é assustadoramente calma, mantendo uma aparência de serenidade intensa a todos os que a cercam, mas o telespectador consegue ver o grito de sofrimento que se esconde dentro de sua alma.

O ápice do filme que se mostra já ao final da produção, que é marcado por uma cena em que Joan decide abandonar esse casamento que por tantos anos aprisionou a sua alma, e aqui ela diz para Joe tudo aquilo que abdicou e aceitou em prol desse casamento:

“Não, você teve casos. Isso, você chorava no meu colo, implorava por perdão, e eu sempre perdoava, porque, você sabe, de algum modo você me convencia que meu talento causava tudo. E quando estava com muita raiva, furiosa ou magoada para escrever, você largava a famosa mensagem “Use isso, Joan, use”. Por sorte eu achava um lugar para colocar, os críticos adoravam as imagens de Sylvia Fry, derramando lágrimas sobre seu vestido. Eles adoravam! “Outra obra-prima de Catleman”. Seu peito inflava quando lia aquelas resenhas. Inflava… E em vez de me sentir ultrajada, pensar no efeito sobre as crianças, eu observava e dizia: “Meu Deus, como posso captar esse comportamento? Como posso por isso em palavras?” Eu pus. Eu pus bem aqui. Outra obra-prima de Castleman. E…vamos ver. E este eu escrevi depois de você fuder…quem era? Já sei, nossa terceira babá. Minhas palavras, minha dor, horas sozinha naquela sala, transformando seu comportamento vil, literalmente em ouro.”

Fonte: encurtador.com.br/elqGK

A relação conjugal de Joe e Joan configura o típico casal que faz da esposa a cuidadora mor de todos os problemas e necessidades que perpassam a família (esposo e filhos). É ela quem assume o papel de apaziguadora de conflitos e estabelece formas de se relacionar que ajudem todos a conviverem bem. Diante disso, o esposo se isenta de qualquer tipo de postura de responsabilidade por si mesmo e por suas ações, assumindo o característico personagem do “homem isentão”.

Além disso, pode-se perceber a existência de um relacionamento abusivo, que apesar de não conter agressões físicas, existem agressões psicológicas e morais, levando em consideração os casos de traições de Joe que acabavam sendo delegados por ele como culpa de Joan, por causa do seu talento para escrever. Esse comportamento é muito citado entre as publicações feministas, como um meio que o homem encontra para assegurar sua masculinidade diante de uma mulher que é mais talentosa do que ele. Tais meios vão desde agressão física até tentativas de culpabilizar a mulher, humilhá-la, proibi-la em algumas coisas (CORTEZ e SOUZA, 2008).

Para tentar explicar o porquê do permanecimento de Joan nesse relacionamento amoroso que tanto lhe prejudicou Cortez e Souza (2008, p.) trazem que “(…) a figura da mulher heroína/sofredora imperou em relação à da mulher infeliz, prevalecendo o sacrifício pelo bem-estar dos filhos e pelo bem maior que a instituição familiar representa.” Ao final, a sensação que fica é de injustiça pela personagem, e é difícil para as telespectadoras que partem de um pressuposto feminino de igualdade, entenderem as escolhas feitas pela esposa.

Fonte: encurtador.com.br/jkAU0

A atriz Glenn Close foi indicada ao prêmio de melhor atriz em filme de Drama, e recebeu o Globo de Ouro em 2019, por sua interpretação no filme ‘A esposa’. Nada mais merecido…

FICHA TÉCNICA:

A ESPOSA

Título original: The Wife
Direção: Björn Runge
Elenco:
Glenn Close,Jonathan Pryce,Max Irons
Países: Suécia, EUA
Ano:
2017
Gênero: Drama

REFERÊNCIAS:

CATANI, Letícia Oliveira; SILVA, Juvêncio Borges. POLÍTICAS PÚBLICAS CONTRA O MACHISMO COMO INSTRUMENTO VIABILIZADOR DE RECONHECIMENTO E EFETIVAÇÃO DA CIDADANIA FEMININA. Revista Húmus, São Paulo, v. 7, n. 20, p.33-54, jan. 2017. Disponível em: <http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/revistahumus/article/view/6756/4835>. Acesso em: 10 jan. 2019.

CORTEZ, Mirian Béccheri; SOUZA, Lídio de. Mulheres (in)Subordinadas: o Empoderamento Feminino e suas Repercussões nas Ocorrências de Violência Conjugal. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Vitória, v. 24, n. 2, p.171-180, mar. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ptp/v24n2/05>. Acesso em: 10 jan. 2019.

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