Blink, de Olhos Bem Fechados

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O filme Blink, de Olhos Bem Fechados, de Stanley Kubrick, trata sobre a vida do médico Bill Harford (Tom Cruise) e sua esposa Alice (Nicole Kidman), curadora de arte. O casal vive o casamento perfeito até que, logo após a festa, Alice confessa que sentiu atração por outro homem e que seria capaz de deixar Bill e sua filha por ele.

O filme começa com uma cena bem peculiar: casal está se arrumando para uma festa e a câmera foca em Alice levantando do vaso e se limpando, enquanto o marido Bill se olha no espelho. A cena mostra como a relação do casal se tornou banal e carente de erotismo.

Em seguida, o casal vai a uma festa onde só há estranhos e Alice questiona o motivo de estarem ali e de serem convidados para aquele lugar anualmente. Visivelmente entediada, Alice sai de perto de Bill e embebeda-se. Um Húngaro se aproxima dela e desde o início dá indícios de seu interesse sexual por Alice. Ela aproveita, brinca e entrega-se ao jogo do flerte em que nada acontece, mas tudo é possível. O mesmo acontece com Bill, que flerta com duas modelos. Essas mesmas modelos convidam Bill para ir “onde o arco-íris termina”.

É importante observar que em uma conversa entre eles, no quarto do casal, ao ser questionado se sentia desejo sexual por suas pacientes, Bill demonstra, de forma pretensiosa, sua opinião sobe as mulheres, dando a entender que a natureza das mulheres faz com que elas não traiam ou sintam desejo fora do casamento. Alice fica ofendida por essa convicção do marido e tem uma crise de riso. Embora Alice pareça chocada com a própria revelação ao contar para Bill sobre seu desejo por outro homem, é como se ela desafiasse a constatação do marido, mostrando a ignorância dos homens ao acreditar que sabem como as mulheres pensam.

Quando Alice admite ter fantasias sexuais com um homem que conheceu ao acaso, Bill fica desnorteado e sai pelas ruas de Nova York assombrado com a imagem da mulher nos braços de outro. Ele encontra um velho amigo de faculdade que se tornou pianista e descobre uma sociedade secreta que pratica cultos sexuais. Ele iria tocar numa festa orgiástica, no entanto, teria que usar uma venda nos olhos, para não saber onde essa festa ocorreria.

Fonte: encurtador.com.br/ilBE0

Ele mostra a senha fornecida para adentrar o local ao colega e Bill acaba comparecendo a um dos encontros, em uma mansão afastada da cidade, e se envolvendo naquela trama mais do que esperava.

Há algo de ritualístico no baile. Algumas mulheres estão nuas, mas mascaradas, e se juntam aos homens, que estão fantasiados. Bill fica deslumbrado, ao mesmo tempo em que vê aquilo como uma brincadeira. Por algum motivo, logo ele se torna o centro das atenções.

Na cena, todos os personagens estão usando máscaras, mulheres nuas correm pela mansão, ao mesmo tempo em que os participantes se escondem uns dos outros para instigar ainda mais o prazer.

Durante o ritual, Bill se depara com uma série de situações peculiares na tentativa de atender a seus desejos de forma inconsequente, mas sua presença nos espaços acaba sendo sempre de um espectador deslocado que não consegue se entregar-se às experiências e afeta a vida de pessoas desconhecidas que buscam protegê-lo de suas próprias atitudes.

Na frente de todos os convidados, ele é exposto como um intruso. Os demais mascarados se colocam em volta dele, as portas de ambos lados se fecham e Bill é obrigado a tirar a máscara. Uma mulher se ofereceu em “sacrifício” para poupar o protagonista, entretanto, não é possível saber o que realmente houve com ela. O sacerdote então diz para Bill nunca mais voltar e nem falar nada a ninguém sobre o estranho evento. Caso contrário, as consequências seriam terríveis para ele e sua família.

Fonte: encurtador.com.br/oFHS8

No dia seguinte, ao ler o jornal, Bill se depara com a notícia da morte de uma mulher e descobre mais tarde que ela é a prostituta a quem ele prestou atendimento médico após ela ter uma overdose na casa do seu amigo Victor, a mesma que arriscou sua vida para salvar a pele do protagonista.

Bill estranha a situação e começa a achar que aquilo tem algo a ver com o episódio da noite anterior e tenta encontrar o amigo músico em sua pobre pensão, mas o recepcionista diz que ele chegou de manhã com dois senhores, fez as malas e se dirigiu à estação de trem e que parecia estar sendo vigiado pelos homens.

Ele tenta ir à casa onde tudo aconteceu, mas é impedido pelo porteiro com uma carta, avisando que, caso ele persista com a investigação, coisas ruins podem acontecer.

Confuso, ele volta para casa e encontra a máscara que estava usando na noite anterior ao lado de Alice, em seu travesseiro. Ele conta com remorso sobre os eventos da noite passada. Ela diz que os dois finalmente acordaram de um sonho.

Nesse sentido, é como se a memória e o sonho que Alice conta a Bill se afigurasse de forma mais real do que a experiência real de Bill, que acontece diante de nossos olhos. O que Bill vê com os olhos bem abertos é mais fantasioso do que o que Alice vê de olhos bem fechados. Enquanto Alice confessa abertamente seu desejo, Bill está mergulhado na sua confusão sexual. Alice tem desejos reais e está consciente deles, ao passo que Bill não sabe muito bem o que sente, a não ser a certeza de que ele, como homem, tem direito a estes desejos.

Fonte: encurtador.com.br/rwY57

Apesar da atitude ousada de Alice no início da narrativa, vemos muito presente a culpa católica, quando, perturbada, ela relata ao marido um sonho em que ela estava nua cercada por muitas pessoas e todos riem dela. Ela se sente invadida e tenta fugir, quando o tal húngaro sai sem roupa de uma floresta e o marido a encontra e diz que vai buscar suas roupas, momento em que ela se sente reconfortada. É importante observar que esse mal-estar, expresso pelo choro da personagem, está relacionado ao fato de o sujeito desejante buscar liberdade, ao mesmo tempo em que precisa abrir mão do seu desejo para manter seu casamento e a vida estável.

A fala de Bill também reflete uma culpa pelo que teria acontecido com ele diante dessa busca de atender aos seus desejos sexuais e o castigo iminente. Ele passa a ser perseguido por investigar a morte da moça que aceitou ser punida pela aventura na qual ele se envolve, a prostituta com quem ele não chega a manter contato sexual morre de aids, seu amigo é levado embora por pessoas que ele desconhece, sua vida é posta em perigo e ele se arrepende de ter adentrado um mundo que “não lhe pertence”.

Ao final do filme, ele conta à esposa os eventos da noite passada e eles se reconciliam, o desfecho dá a entender que a respectiva busca caminho do erotismo e do desejo pode provocar um movimento de purificação.

O filme Blink, de Olhos Bem Fechados, é baseado no livro Breve romance de Sonho, de Arthur Schinitzler, autor que teve forte influência de Freud, Lacan e Nietzsche.  O vazio da sociedade contemporânea, a solidão existencial e a interdição do desejo estão fortemente presentes na última obra de Stanley Kubrick.

FICHA TÉCNICA

Título: De Olhos Bem Fechados

Título Original: Eyes Wide Shut

Diretor: Stanley Kubrick

Roteiro: Stanley Kubrick e Frederic Raphael baseado em “Dream Story” de Arthur Schnitzler

Elenco: Tom Cruise, Nicole Kidman, Todd Field, Sydney Pollack

Produção: Stanley Kubrick Productions, Warner Bros., Hobby Films

Distribuição: Warner Bros.

Ano: 1999

País: Reino Unido, EUA

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Qual a natureza do homem: emoção ou razão?

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Nietzsche acredita que a nossa natureza é uma só: crescer, aumentar, expandir e se fortalecer. O que faz que tenhamos um objetivo universal e inevitável: a vontade de potência.

Você já se perguntou qual o sentido da sua vida? O que te move? Emoção ou razão? Emoção ou motivação? Qual o teu propósito? Você acredita que cada ser humano contém um propósito individual? Qual o valor da vida? Nietzsche diz que o valor da vida não pode ser avaliado, para isto precisaríamos estar mortos. E como sabemos, nenhum morto pode nos declarar qual o valor da vida, ao menos para os que acreditam em metafísica. Mas isto não nos impede em alguma medida, avaliar a nossa vida, assim como conferir sentido, apreciar, depreciar e interpretar (THOMASS, 2019).

Nietzsche acredita que a nossa natureza é uma só: crescer, aumentar, expandir e se fortalecer. O que faz que tenhamos um objetivo universal e inevitável: a vontade de potência. Assim como Nietzsche, Baba (Mestre espiritual) também acredita que temos um objetivo universal, que ele dá o nome de expansão de consciência e faz uma analogia com a árvore: a semente é o ego, e tem o objetivo de se desenvolver, amadurecer e gerar frutos. A raiz representa nossas memórias, nos mantém de pé. O tronco representa nossos valores e virtudes, quanto mais consolidadas, mais longe poderemos chegar. Os galhos são os desdobramentos de nossas virtudes e dons. As folhas são nosso impulso de vida e capacidade de renovação, e por fim, as flores e os frutos representam o que viemos fazer aqui.

Rogers (1947) diz que o sujeito tem uma Tendência Atualizante, condizente com a teoria de ´´vontade de potência“ de Nietzsche. Para Rogers, “descobrimos, dentro da pessoa, sob certas condições, uma capacidade para a reestruturação e reorganização do self, e, consequentemente, a reorganização do comportamento, o que tem profundas implicações sociais” (Rogers, 1947, p. 368). Ou seja, o indivíduo tem a capacidade se organizar e reestruturar de acordo com as limitações do meio. Ainda sobre a tendência atualizante, Rogers & Kinget (1965/1979) pontuaram:

(…) a tendência à atualização é a mais fundamental do organismo em sua totalidade. Preside o exercício de todas as funções, tanto físicas quanto experienciais. E visa constantemente desenvolver as potencialidades do indivíduo para assegurar sua conservação e seu enriquecimento, levando-se em conta as possibilidades e limites do meio (p. 41).

Fonte: encurtador.com.br/cGPQ4

Se for da nossa natureza a vontade de potência, expansão de consciência e tendência atualizante, o que nos limita? Seria o meio em que vivemos? Afinal influenciamos e somos influenciados pelo meio. Muitos teóricos da psicologia sustentam que a personalidade se fundamentada até os 7 anos de idade, ou seja, crenças instaladas podem permanecer por toda vida. Logo, se reproduzimos ignorância, procriamos ignorância. E muitas vezes as crenças que protegem, são as mesmas que isolam e causam maior distanciamento do ´´verdadeiro eu“ (que Jung chama de Self ou Si-mesmo), o que dificulta a evolução.

De acordo com John Locke o homem é uma tábula rasa, ou seja, se constitui por meio das experiências. Logo, uma criança nasce pura e sem máscaras, e a partir das normativas sociais, ela vai se moldando, se corrompendo ou se desenvolvendo. Desta forma, é preciso iniciar uma reforma pelos adultos, de maneira que estes curem suas mazelas e não transfiram as mesmas para os filhos, sobrinhos, alunos etc., a partir do que Freud chama de projeção narcísica. Antes de ter um filho é preciso ter autorresponsabilidade. Você tem vontade de ter um filho para cumprir um programa social, suprir a própria carência ou é algo que vem do coração? Quem em você quer ter um filho?

Tal cenário resulta em uma sociedade doente, dependente de medicamento e terapia. Afinal, se dinheiro, fama, poder e beleza fossem sinônimos felicidade não teríamos tantos famosos adoecidos mentalmente. Whindersson Nunes, que passou por um processo depressivo se questionou em entrevista ao fantástico: “Eu virei um cara que tenho as minhas coisinhas e tudo mais. Mas você chega naquele momento e fica: e aí? Dinheiro, dinheiro, dinheiro e aí?”.

Fonte: encurtador.com.br/orE36

Ainda para suprir o vazio, acabamos nos tornando carentes do outro, mendigando atenção.  Baba diz que não somos carentes de nada, mas crenças nos condicionam e acabamos a achar que somos mendigos de atenção. Logo, muitas vezes fingimos o que não somos, visando receber atenção/carinho. O que resulta em uma vida desperdiçada, baseada na tentativa de forçar o amor do outro. Este estado provoca raiva, e esta raiva volta a si próprio, pois de maneira clara ou não, a pessoa sabe que está a se ´prostituir`. Algumas vezes, para chamar a total atenção de uma pessoa em específico, o indivíduoaz papel de vítima com intuito de conquistar, dominar e manipular o outro. Sendo característica da necessidade de amor exclusivo. Mas de acordo com Sartre: inferno são os outros. Vale ressaltar, também, que se o inferno são os outros, nós também somos o outro (e o inferno) na vida de alguém.

Como você tem agido? De forma racional ou instintiva? Você é uma pessoa que usa a mente para entender o mundo ou apenas para justificar suas opiniões através da emoção? Me atrevo a dizer que pensar no outro, saindo da nossa zona de conforto é uma maneira de praticar sentimento, desta forma, enquanto procuramos a nós mesmos dentro de uma multidão, sigamos a filosofia de Mahatma Gandhi: Seja a mudança que você quer ver no mundo.

Referências

BABA,S. Propósito: a coragem de ser quem somos. Editora Sextante, 1ª edição, 2016.

FREUD, S. [1914]. Sobre o narcisismo: uma introdução. In:____. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. 1. ed. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1974, v. XIV, p. 85-119.

Globo. Whindersson Nunes sobre tratamento contra a depressão: ‘Hoje eu me sinto bem para falar’. https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2019/07/14/whindersson-nunes-sobre-tratamento-contra-a-depressao-hoje-eu-me-sinto-bem-para-falar.ghtml

THOMASS. B. Afirmar-se com Nietzsche. Vozes Nobilis; Edição: 1 (2010)

SALATIE, J. John Locke e o empirismo britânico – Todo conhecimento provém da experiência. Acessado em < https://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/john-locke-e-o-empirismo-britanico-todo-conhecimento-provem-da-experiencia.htm?cmpid=copiaecola > no dia 09/08/19.

RAMOS, J. Os  tesouros da saúde. Acessado em < https://www.nova-acropole.pt/a_tesouros_saude.html  > no dia 09/08/19.

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São as nossas doenças que nos curam?

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Diante da dor, o indivíduo pode se rebelar e finalmente “acordar” para a vida. A dor faz o homem sentir-se vivo.

Quem quer ficar doente? Eu acredito que ninguém. É comum em nossa cultura sempre felicitarmos o outro com saúde em abundância. Mas qual o significado de saúde e qual o significado de doença? É melhor viver uma vida monótona de 100 anos ou viver uma vida de emoção de 50 anos? Quais vantagens pode-se tirar ao ser acometido por uma doença?

Um dos primeiros benefícios da doença pode ser a ruptura, seja de hábitos, crenças, cultura, quotidiano ou modo de pensar. Nietzsche (2008), em seu livro Ecce homo, relata que a doença o libertou lentamente. Pois através da doença o filósofo declara que passou por uma transformação, já que mudou todos os seus hábitos, pois lhe ordenou o esquecimento, lhe presenteou com a obrigação de sossego, lazer, espera e paciência.

Definitivamente a doença muda a realidade do homem, pois tudo é visto com mais objetividade, precisão e clareza. A partir disto, muda-se então as prioridades, já que o homem analisa o que funcionava, o que funciona e o que pode funcionar. Um exemplo é Nietzsche (2008) que, devido a doença, se mudou de local, para respirar novos ares e apreciar novas paisagens, com o objetivo de ter uma melhor qualidade de vida (THOMASS, 2010).

Fonte: encurtador.com.br/bems2

Diante da dor, o indivíduo pode se rebelar e finalmente “acordar” para a vida. A dor faz o homem sentir-se vivo. Com a correria do cotidiano não paramos para apreciar as coisas simples. Às vezes o respirar passa despercebido, mas o indivíduo acometido por uma asma encontra felicidade e gratidão em cada movimento de inspirar e expirar. Thomas (2010, p. 21) declara que “somos forçados a provar os mínimos detalhes para não sucumbir ao fatalismo”.

A doença também pode ser a cura contra o pessimismo. Nietzsche (2008) declara que por meio da sua doença pôde experimentar coisas boas, e com facilidade conseguiu formular sua filosofia de vida através da sua vontade de viver e ter saúde. O filósofo afirma: não é porque sofremos que temos direito ao pessimismo.

Um homem que já passou pelo pior, tem maior chance de aprender a apreciar o melhor. É como um regenerar-se, com sensibilidade na alegria, cuidado nas palavras e leveza nos atos. Thomass (2010, p. 22) afirma que “somente quando adoecemos descobrimos nossa saúde”. Pois, de acordo com sua linha de pensamento, somente através do adoecimento temos razão para mobilizar nossos instintos de defesa e de cura.

Fonte: encurtador.com.br/fikns

Ainda de acordo com o autor, a saúde não é um estado estático e universal. Não há diferença de natureza entre saúde e doença, mas há diferença de grau. A saúde não é a ausência da doença, mas sim a capacidade de defesa instintiva contra a doença.  Logo, há diversos tipos de saúde, e é desafio de cada um descobrir a sua “própria saúde”.

É importante frisar que o indivíduo é subjetivo. Diante disto, Nietzsche formulou o conceito “grande saúde”, que se refere a particularidade de cada pessoa diante de iguais ou diferentes tipos de doenças.

Desse modo a apresenta, pois entende ser a maior mobilização de impulsos na luta, o ensaio de diferentes perspectivas, o que fomenta a exploração e a descoberta de diferentes ópticas e pontos de vista. A seu ver, é esse dinamismo, assemelhado a uma dança de impulsos, o que promove a experimentação de pensamentos e valores, sentimentos e quereres outros. Por esse viés, mesmo a doença, como mobilização do corpo, pode dar oportunidade para experimentações de muitos e opostos modos de pensar (MOREIRA, 2016, P. 44).

A doença gera autoconhecimento, pois temos a oportunidade entender o funcionamento do nosso corpo e capacidade de se reciclar, de modo biopsicossocial. Na literatura existe casos conhecidos de grandes mentes pensantes que fizeram uso de sua doença para potencializar suas habilidades. Francisco Goya, após adoecer, passou a deixar suas obras mais escuras e sombrias. Ludwig van Beethoven sofria de depressão e transtorno bipolar, o que pode ter dado intensidade as suas notas musicais. Machado de Assis sofreu de depressão, e passou a abordar o assunto em suas obras. Edvard Munch  sofria de depressão e agorafobia, e a partir de seus delírios supõe que ele criou a obra  “O Grito”, em 1893.

No entanto, Nietzsche frisa: “A doença é um poderoso estimulante. Mas é preciso ser suficientemente saudável para este estimulante”. E para isto precisamos estar dispostos a sair da zona de conforto do adoecimento. Como você tem lidado com a sua doença? Como forma de se potencializar para florescer ou como forma de se exaurir?

Referências

DENCK, D. 9 gênios que sofreram com doenças mentais. Acessado em https://www.megacurioso.com.br/medicina-e-psicologia/75260-9-genios-que-sofreram-com-doencas-mentais.htm > no dia 06/07/9.

MOREIRA, A. Nietzsche e a grande saúde: O uso do diagnóstico tipológico contra a metafísica. Estudos Nietzsche, Espírito Santo, v. 7, n. 1, p. 31-55, jan./jun. 2016.

NIETZSCHE, Friedrich. Ecce homo: como alguém se torna o que é. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

THOMASS. B. Afirmar-se com Nietzsche. Vozes Nobilis; Edição: 1 (22 de julho de 2019)

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A necessidade de um herói e o problema da projeção do Self

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Quando acolhemos uma pessoa como “herói”, existe uma idéia de depositar uma esperança de salvação e que todos os atos do mesmo são justificáveis e seguidos às cegas. Isso, no final das contas, é uma projeção do Self

A onda de nomear “heróis” não vem de hoje, e há a necessidade de sentir o seu ideal defendido por um ser acima de todos, que detém um nível de poder – seja imaginário ou real – para concretizar os desejos daquele que projeta. Isto é o que Carl Jung classifica como projeção do Self (por inabilidade em se autodesenvolver, o sujeito passa a apostar as suas fichas em terceiros, na vã esperança de se redimir do processo de transformação interior).

É importante diferenciar, no entanto, a Jornada do Herói Mitológico,  que é o caminho de autodesenvolvimento que cada um de nós está “condenado” a realizar, e a projeção do Self, quando recusamos fazer nosso próprio percurso, terceirizando-o (que é o que pretendo abordar neste texto). Sobre o mito do herói, pode ser visto na vida cotidiana (quando dona Maria incorpora o papel de líder de seu bairro), nas grandes estruturas arquetípicas da mitologia e nas histórias em quadrinhos (que são uma espécie de mitologia atualizada do mundo).

Atualmente, as projeções do Self (que podem bem ser confundidas com a Jornada do Herói), se replicam no meio político (aliás, onde há configuração social, eis lá a eclosão de estruturas arquetípicas). Campbell (2007) afirma que a tarefa do herói de hoje em dia não é a mesma de antigamente onde se lutava explicitamente contra as trevas (muito embora, metaforicamente, as trevas significam as limitações impostas pela Sombra, que deve ser integrada para ser potencializadora), e sim aquele disposto a restaurar a ordem, corrigir um erro que seria o início da sua jornada. Neste caso, é necessário observar qual de fato é o arquétipo que opera no político. Pois, em muitos casos, o que pode ocorrer em tais personagens é a ação a partir do princípio do poder, como já explicitou Adler.

Fonte: encurtador.com.br/yDKMR

Em continuação, nota-se que desde tempos anteriores, há uma repetição de padrões em pessoas reconhecidas como “heróis/heroínas”. Alguns exemplos são Getúlio Vargas, que é conhecido ainda hoje como pai dos pobres e primeiro político a lançar sua força sobre a classe operária estabelecendo a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT); Lula, um espelho da classe metalúrgica refletida na Presidência da República, a personificação do poder de ascender e ocupar o lugar da elite burguesa e, hoje, está preso e é réu em terceira instância; Newton Hidenori (japonês da Federal) que ficou conhecido por conduzir presos da Operação Lava Jato e foi preso por facilitar contrabando; Moro, que foi eleito herói do povo, atualmente é Ministro da justiça com várias provas que ele não é quem parecia ser e, finalmente, o presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, que podemos deixar suas atitudes diante da mídia falar por si só.

Quando acolhemos uma pessoa como “herói”, existe uma idéia de depositar uma esperança de salvação e que todos os atos do mesmo são justificáveis e seguidos às cegas. Então defender o oposto de uma opinião te caracteriza como um vilão, alguém que está atacando diretamente o outro lado e se aliando ao inimigo. Como dizia Nietzsche em um de seus aforismos, “um político divide os seres humanos em duas classes: instrumentos e inimigos”. Ora, certamente não é deste herói arquetípico que a Psicologia Analítica se debruça, pois para que ocorra de modo consistente a Jornada, é necessário iniciar o processo de Individuação (normalmente, depois da Metanóia, que é a grande crise existencial que, acredita-se, todos terão de passar). E a Individuação não coaduna com projetos pessoais escusos, muito menos com o princípio do Poder. Basta lembrar uma célebre frase de Jung, para quem “onde há poder, não há amor. Ambos se excluem mutuamente”.

Fonte: encurtador.com.br/jkRW9

No cenário político e num clima de polarização de narrativas, ignorar determinados comportamentos dessas pessoas reconhecidas como “heróis” vai de encontro com o que Freud (1990) define como idealização, onde uma pessoa adquire uma perfeição total que não pode ser contestada. Existe então a idealização de uma pessoa que detenha algum tipo de poder e um inimigo em comum que será combatido, onde os meios justificam os fins.

Deste modo, enquanto se mantiver essa idéia de uma luta contra a fonte de todo o mal a história se repetirá e uma possível melhoria real não será alcançada. Assim se faz necessário uma reavaliação dos fatores que levam a determinadas escolhas dos representantes em todas as áreas. Só assim para que ocorra a chamada função transcendente, quando há a síntese das ações numinosas com as sombrias, num movimento de crescimento interior que desencoraja a criação de discursos rasteiros e polarizados.

REFERÊNCIAS:

CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Ed Pensamento, 2007.

FREUD, S. Sobre o narcisismo: uma introdução. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. 14. Rio de Janeiro: Imago, 1990.

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Tempestade

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Eu poderia dormir mais meia hora. Existe algum toque de despertador que não seja extremamente irritante? Eles soam como tias avós.

Tateio meu celular em algum lugar da cama. A luz da tela ajuda a corroer o sono dos meus olhos que parecem estar cheios de terra.

Uma vez eu ouvi dizer que pessoas que fantasiam muito deveriam pensar com os pés tocando o chão. Desde então, sento à beira da cama antes de ter coragem para levantar. Meu humor está entre Nietzsche e Schopenhauer, como se isso fizesse algum sentido. Se eu dormisse mais meia hora, não estaria pensando em nenhuma existência além da minha.

Uma xícara de café me motiva a começar. Tudo. Mas está muito escuro aqui dentro, como se já fosse noite. Algo estranho me faz temer outra tempestade, como a de ontem. Por que eu estou assim? Eu adoro a chuva. Uma das poucas coisas que alivia esses dias sôfregos e tórridos, e essas palavras nem combinam juntas.

Eu abro a porta e olho para o céu. O vento que carrega com facilidade o ar pesado e úmido, dança com meus cabelos. O céu está tão escuro.

Não era temor, era algo como respeito.

Entro em casa. Pego meu café. Sento à mesa. Olho dentro da xícara. Um tom entre preto e marrom.

“A tempestade que chega é da cor dos teus olhos
Castanhos”

Renato estava em um dia como o meu.

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Zaratustra: cantos de amor e solidão

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Esse artigo tem como objetivo discorrer uma análise sobre os cantos do livro “Assim falava Zaratustra”, que é um livro marcado pela musicalidade, poesia e autocrítica de Nietzsche, elementos que não se fazem presentes em suas outras obras.

Zaratustra encontra algumas jovens dançando e ao reconhecerem Zaratustra elas param de dançar. Ele então pede pra que elas não parem de dançar, pois ele não é o inimigo das jovens. O que revela o sentimento de solidão de Nietzsche, que não era bem quisto e amado por estar sempre em busca da sabedoria, de tudo aquilo que era visto como insondável ou até mesmo perigoso; Nietzsche queria que as pessoas amassem o conhecimento e soubessem enxergar que mesmo ele sendo por muitas vezes tenebroso, ele era maravilhoso e amava a vida e a alegria.

Zaratustra

Fonte: https://goo.gl/qxBpbB

 Assim que as jovens voltam a dançar com o cupido, Zaratustra canta uma canção em que ele conversa com a vida e com a sabedoria, nessa conversa a vida ri de Zaratustra e diz ser “mutável e cruel, mulher em tudo, e não virtuosa” e ele diz que não crê mais na vida quando ela ri e fala mal de si mesma pois quando ele conversou com sua sabedoria ela o disse: “Tu queres, tu desejas, tu amas, por isso cantas louvores à vida” e ele chegou a uma revelação de que ele ama a vida, e a odeia na mesma proporção e, se ele é compreensivo com a sabedoria é porque ela o lembra muito a vida. Estabelece então nessa canção um diálogo entre a vida e a sabedoria, tendo em vista que ambas são insondáveis e inalcançáveis, de tal forma que ele não consegue por muitas vezes distinguir uma da outra.

Canto Sepulcral – Sobre o querer eterno

Esse canto é um canto de lamento, onde Zaratustra fala aos bons momentos de sua juventude, os “olhares de amor e instantes divinos”, se lamentando por eles os terem abandonado sendo que eles foram feitos para viver juntos e, meio a esse lamento ele diz que “a malignidade atirou flechas” para atingir o seu coração, e essas coisas boas e ternas da juventude acabaram morrendo por serem frágeis. Em dado momento a malignidade é personificada na figura dos seus inimigos, que lhe tiraram sua eternidade no momento em que lhe tiraram os pensamentos puros de que todos os seres eram divinos, tiraram-lhe a alegre sabedoria e lhe deixaram monstros, insônia e desgostos. Nessa parte pode-se perceber a solidão em que Zaratustra se encontra por consequência desse conhecimento que adquiriu, o conhecimento que matou sua juventude e inocência.

Nessa revolta ele acaba por encontrar o que o fez superar toda essa perda e se resignar, que seria uma “força invulnerável, incoercível”: o querer. Ele toma esse querer imutável como o sobrevivente que carrega tudo aquilo que ele viveu na sua juventude e o chama de “destruidor de todos os túmulos” e termina o capítulo compreendendo que a morte da sua inocência foi necessária para que houvesse uma ressurreição da sabedoria.

Outra canção para dançar – Ainda sobre a vida e a sabedoria

Nessa canção Zaratustra descreve a sua relação com a vida como se fosse uma dança em que a vida o leva aos mais belos e aos mais tortuosos caminhos, como numa harmonia calcada em sensações e atitudes conflituosas que o fazem amá-la e odiá-la. Em determinado ponto ele diz que quer dar coisas maravilhosas à vida e ela não quer receber e também o quanto ela não dá a ele o que ele quer.

Então a vida responde Zaratustra e clama para que ele não a torture com pensamentos tão rudes sendo que ela tem pensamentos tão ternos. Questiona Zaratustra quanto a essa dualidade, que não é porque não amamos a todo o tempo que devemos odiar. E a vida diz a Zaratustra que ele não é totalmente fiel a ela pois está dividido entre ela e a sabedoria, e ele tem pensado em deixá-la em breve. Então Zaratustra revela algo que sabe, algo que tanto ele quanto a vida temem e eles choram juntos.

O capítulo termina com um canto em que se conta do um ao doze na qual se fala sobre a profundidade da dor, que por mais que seja profunda não é tão profunda quanto a alegria, pois a dor passa e a alegria quer eternidade.

O Canto de Embriaguez – A inalcançável felicidade

O canto da embriaguez começa com Zaratustra levando os homens em sua companhia para o ar livre e para “a noite acolhedora e fresca”, carregando particularmente o homem mais feio em suas mãos. A noite acalentou os corações dos homens e deu uma sensação de estarem se sentindo bem na terra ao mesmo tempo em que o mistério da noite adentrava em seus corações. Após o mais feio dos homens fazer um testemunho dizendo que a vida teria valido a pena pela simples companhia de Zaratustra naquele dia, todos os outros homens se regozijaram de felicidade concordando com o feio e agradecendo Zaratustra. Não se sabia se essa felicidade vinda do vinho ou da embriaguez de vida, mas isso pouco importava. Após isso, à medida que se aproximava a meia noite, Zaratustra em ar misterioso se pôs a chamar os homens para a noite. Zaratustra clama pelos homens porque sabe que a meia noite está à porta.

A meia noite significa o fim daquele momento prazeroso, e tudo iria voltar ao normal. Por isso, ele se desespera, pois não quer voltar ao mundo normal, ele gostaria de ficar com os homens, e não solitário. Com isso, Zaratustra se queixa para com o mundo, pois não quer que o mundo cobre tanto dele, pois ele se julga demasiado mundano, e o mundo, necessita de alguém perfeito. Após isso, Zaratustra discorre sobre a felicidade, dizendo que ela deseja a eternidade, e nada mais, e por isso, ela é inalcançável, pois nada é eterno, e nesse ponto, ela se compara com todas as outras coisas, como a tristeza, angústia, e enfim, como a noite, que há de acabar.

Logo, no “O Canto da Embriaguez”, Nietzsche exprime que a felicidade é de certa forma inalcançável, pois ela sempre deseja a eternidade, porém é impossível, pois ela anda lado a lado com os outros sentimentos, que a substituirão hora ou outra, e compara-a com a noite de embriaguez, que uma hora acaba.

O Canto da melancolia – Sobre o isolamento

Neste canto, Zaratustra se sente envolvimento pelo ar livre, pela sensação de tranquilidade e plenitude que o envolvia. Deixa explícito sua preferência pela quietude de estar ao ar livre consigo mesmo e na presença de “animais” sendo esses os primitivos e puros sentimentos, a ter que conviver com “homens que superiores que cheiram mal”, ou fanáticos, que valorizam a ideia arcaica e imutável, pensamento contrário a o da progressão constante, pois progressão depende de mutação. Ele se sente melhor dentro do seu ego, que é representado pela águia como orgulho e pela cobra que representa a inteligência (animais). Esses dois animais tem essa representação por suas habilidades de mutação constante; a cobra troca de pele, identificando assim a refutação das ideias inteligíveis. E a águia representa o orgulho que nunca permanece o mesmo; sua percepção progride.

águia

Fonte: https://goo.gl/bjah3y

Os homens superiores que cheiram mal são ligados ao fanatismo, e o ar lá fora é mais puro pois os conhecimentos eram repletos por crenças fundamentadas na fé (certeza do não perceptível, do inalcançável) e não no fideísmo (que apesar de ser inalcançável e imperceptível, se legaliza através de evidências concretas, fazendo parte da história). O demônio da melancolia é quando ele se volta pra ele mesmo. Seria em vão lutar contra ele mesmo, contra os seus pensamentos. Mas é importante buscar esse caminho, para manter o movimento da vida e alimentar nossa existência mesmo que não cheguemos no destino, estamos constantemente rumo a ele e isso nos leva a evolução. O fato de falar que existe um deus e que é imutável, nos deixa estagnado e no mais extremo dos casos, alienado.

O pensamento que o demônio nos dá é extremamente atraente pois é fácil, extremamente didático, e nos leva a traduzir através de emoções (o que é perigoso, pois emoções variam de  acordo com o elemento que recebe o estímulo) seria mais fácil para justificarmos certas coisas. É tentador pois é confortável acreditar nisso. E ele apesar  de amar essa “realidade” é contra esse pensamento pois nos leva à inercia, o oposto de movimento.

A canção do sim e do amém

Nesse canto, Zaratustra identifica seus pensamentos como críticas perturbadoras porém libertadoras, trata o concreto e imanente como prioridade, porém sendo suas fontes, transcendentes. Permite-se da inspiração para chegar a temporárias conclusões, pois está sempre apto a refutar seus próprios conhecimentos. Em vários momentos Zaratustra nos relembra o quanto ama a eternidade, não por ela ser possível e perceptível, vivenciável, mas por também de lá virem as ideias (assim como a crença de que ideias vêm de um absoluto compartilhado). Relembra também das vezes em que voluntariamente transitou em conhecimentos por ele considerados mortos ou apodrecidos por serem absolutos, como a religião; admite que o prazer gerado por esses conhecimentos são inspiradores e geradores de novas idéias. E de quando se deixou levar pelos agradáveis estímulos gerados pelos conhecimentos fixos, ou mitos.

Compara a terra como uma mesa compartilhada por deuses, desses esses que tomam decisões através de aleatoriedades (simbolizado por dados) , daí vem a contradição, se somos frutos de aleatoriedades, somos criados?Então deuses são personificações de iniciativas naturais. Acredita na existência do “solvente” que abriga o bem e o mal, fazendo um ciclo. Volta a regozijar-se da eternidade, como uma meta inalcançável que gera nosso desenvolvimento e evolução, e não como uma realidade alcançável. Comparando o conhecimento com “maldade” nos leva ao pensamento de que o mal nos trás a sabedoria, e a sabedoria nos trás o mal, nos distanciando da contemplação da vida.

A poesia de Zaratustra – Uma análise de Márcio Mariguela

Em sua análise do livro Márcio Mariguela atenta à poesia e ao resgate da musicalidade do texto, algo que é constantemente buscado por Nietzsche na escrita da obra. E para explicar isso o autor usa a descrição que o próprio Nietzsche fez da obra em seu livro-testamento (Ecce Homo): “Talvez se possa ver o Zaratustra inteiro como uma música; certamente um renascimento da arte de ouvir era precondição para ele; entre minhas obras ele ocupa um lugar à parte; com ele fiz à humanidade o maior presente que até agora lhe foi feito.” Além da musicalidade Nietzsche expressa em uma carta a seu amigo Erwin Rohde que levou o idioma alemão a sua máxima perfeição. Ou seja, o  livro foi um resgate de Nietzsche às suas raízes linguísticas.

A complexidade e completude de Zaratustra – Uma análise de Manuel Sanchez

Nessa análise Manuel Sanchez discorre sobre a dificuldade de se ter o primeiro contato com a obra de Nietzsche através da leitura de “Assim falava Zaratustra”, tendo em vista que o entendimento da obra fica prejudicado pelo fato do mesmo ter uma linguagem muito metafórica, simbólica e rebuscada. Ressalta também que a obra é um compilado das ideias principais de Nietzsche, sendo que Zaratustra é o próprio Nietzsche e os conflitos que o personagem passa são os mesmos que o autor passou ao longo de sua vida como filósofo. Ao final da análise afirma que é uma leitura enriquecedora, mas que para ser aproveitada ao máximo é preciso um conhecimento prévio da ideologia Nietzschiana.

Nietzsche toma a persona de Zaratustra, exemplifica através de cantos e parábolas que o que torna a vida “importante” e sagrada é a própria finalidade, o entendimento de que sim, existe um fim, tal fim que dá reinício à um novo ciclo, miramos a felicidade, mas sabemos que nunca alcançaremos. A obra “Assim falou Zaratustra”, através de exemplos imanentes e transcendentes, nos convida a ver a vida valorizando o percurso, e não o destino.

FICHA TÉCNICA:

ASSIM FALAVA ZARATUSTRA

Título Original: Also sprach Zarathustra
Autor: Friedrich Nietzsche
Tradução: Mario Ferreira dos Santos
Editora: Editora Vozes
Páginas: 400
Ano: 2008

 

Bibliografia

NIETZSCHE, Friedrich. Assim falava Zaratustra. Editora Vozes: Petrópolis, 2007.

ROCHA, Fábio. Filosofando. Disponível em <http://filosofando-fabio-rocha.blogspot.com.br>. Acesso em 25/09/2017.

SANCHEZ, Manuel. Resenha Assim falou Zaratustra. Disponível em <https://opiniaocentral.wordpress.com/2017/03/12/resenha-assim-falou-zaratustra-nietzsche/>.Acesso em 25/09/2017.

MARIGUELA, Márcio. Zaratustra, o canto trágico de Nietzsche. Disponível em  <https://marciomariguela.com.br/zaratustra-o-canto-tragico-de-nietzsche/>.  Acesso em 25/09/2017.

PINHO, Celso Luís. A metáfora da águia com a serpente em Assim Falou Zaratustra: um desafio ao pensar e ao viver. Disponível em <http://www.academia.edu/1118354/_Amet%C3%A1fora_DA_%C3%81GUIA_COM_A_SERPENTE_EM_ASSIM_FALOU_ZARATUSTRA_UM_DESAFIO_AO_PENSAR_E_AO_VIVER_>. Acesso em 25/09/2017.


Nota: Texto produzido para a disciplina de Filosofia, ministrada pelo professor Sonielson Luciano de Sousa.

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A origem da tragédia em Nietzsche

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O Filósofo Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu em Rocken, Alemanha, no ano de 1844. Suas principais obras são: O nascimento da tragédia; Assim falou Zaratustra; Para além do bem e do mal; Crepúsculo dos ídolos. A Origem da Tragédia – Proveniente do Espirito da Música, foi influenciada pelo compositor Richard Wagner e o filósofo Immanuel Kant, com a sua crítica da razão pura, que foram cruciais na compreensão da filosofia que se encontra por trás da obra de Nietzsche. Ademais, Arthur Schopenhauer e Platão estão entre as fortes referências que guiaram grande parte das obras do filósofo, filólogo, professor, crítico cultural, poeta e compositor alemão do século XIX.

Com o objetivo de empreender pela filosofia de Nietzsche, já nas primeiras páginas, a descrição dessa obra, segundo o prefácio do título, seria a que melhor descreve e explica a “essência do autor”, na qual se proclama como resultante de sentidos sobre “estados de dor e alegria”, tendo como pano de fundo uma filosofia em alusão a arte; o que explica a forte influência Wagneriana. Desde 1869, Nietzsche estava preocupado com a obra e em suas conferências desse mesmo ano e no ano subsequente, no Museu da Basiléia, em o “Drama Musical Grego” e “Sócrates e a Tragédia”, visualizava, referenciando o que seria a representação ainda que provisória das ideias do que se tornaria essa célebre obra “A Origem da Tragédia”, publicada no ano de 1872.

Nietzsche inicialmente desejou fazer um extenso estudo sobre os gregos, embora por outras razões, termina por mudar seus planos originais sobre esse trabalho na qual traz uma apologia do compositor Wagner. Porém, demonstrando o que viria a ser sua próxima filosofia; em que seria uma tentativa de segundo o próprio autor: “arrancar o homem da aparência”, e que mesmo sob o risco de vida, nada de sentir medo. Uma espécie de convite aos sentidos do viver e a própria experiência dolorosa da existência.

Fonte: http://zip.net/bdtKKT

O Filósofo traz em A Origem da Tragédia, a dualidade dos impulsos que são representados por divindades do mundo grego – Apolo e Dionísio; ambos se apresentam, cita o autor (NIETZSCHE, 1948), “como mundo de arte separados do sonho e da embriaguez; fenômenos fisiológicos entre os quais é possível notar uma contradição como a existente entre os apolíneos e o dionisíaco”. Assim, o autor encontra nessa oposição de instintos, as características essenciais da antiguidade clássica que eram dotadas de enorme sensibilidade para o sofrimento e também para a arte. Assim, a arte assume uma característica própria do homem e que o transcende, e o mundo seria tão somente, como o autor o define “um fenômeno artístico”.

Com o questionamento acerca da divindade sobre o que é o dionisíaco, Nietzsche afirma que no livro encontrará a resposta, ao que ele talvez “discorresse” com cuidado, porém com pouca certeza diante de um tema árduo e psicologicamente complicado como o da origem da tragédia grega (NIETZSCHE, 1948). Assim, a arte grega se expressa na religião e nos deuses olímpicos, buscando uma vida mais favorável. Em contrapartida, o autor aponta que Apolo é a figura que representa todo o mundo Olímpico, entendendo que ele se expressa pelas artes, assim como o povo grego sofredor que buscava na existência com os deuses uma fuga contra os horrores impostos nessa convivência, na qual a arte Apolínea seria uma reação, e assim a vida se tornaria mais fácil através da beleza artística. Uma obra intensa que dentro da concepção filosófica de Nietzsche abordará questões existenciais que visam a uma compreensão do percurso do homem pelo mundo e essa complexa busca pela felicidade.

O livro “A Origem da Tragédia” de Nietzsche abre uma forte crítica a cultura artística moderna, ele traz como discussão a forma estética da arte relacionando a forma e o processo artístico de Apolo e Dionísio (apolíneos e dionisíacos), uma oposição dualista. Para ele, a evolução no campo da arte está ligada diretamente com a dualidade. Não se preocupando com a sua forma de viver, e sim com o desenvolvimento da arte, ele aponta os gregos como irracionais, anárquicos e selvagens, pois eles criaram o mito trágico, onde é representada a dor e o sofrimento da tragédia e a alegria da tragédia grega era na verdade uma aparência determinada pela agonia do sofrimento dionisíaco.

Nietzsche começa seu livro apontando essa dualidade como metáfora para um modo de pensar o processo artístico, esclarecendo em termos de sonho e embriaguez. Para ele, os sonhos se caracterizam como um reino de belas formas e símbolos, e a embriaguez como um estado de paixões selvagens, esquecimento de si mesmo. O dionisíaco é a representação do irracional, da quebra da civilização e regras. Ao contrário dos dionisíacos, os apolíneos são o racional, a harmonia acreditando na moral. Mas embora suas diferenças possam ser destrutivas, elas também são necessárias para o processo.

Ainda sobre o mundo apolíneo, para Nietzsche, ele é o mundo da individuação, da consciência de si mesmo. É através do princípio de individuação que há a transfiguração da realidade que caracteriza a arte, ou seja, há foco na aparência, em algo que oculta um mundo.

Já a arte dionisíaca proclama a verdade, a contradição, é uma negação e esquecimento do indivíduo, da consciência, da história. Rompe com o princípio de individuação numa reconciliação do homem com a natureza, com os outros homens, há uma desintegração do eu. Porém, ela permite compreender a ilusão em que o homem vivia ao criar um mundo de beleza, vivenciando o instinto Apolíneo, em que se mascara a verdade, uma vez que a experiência dionisíaca destrói o sonho, pois o homem retoma o sentimento de dissabor pela vida. São dois princípios divergentes, porém necessários.

Fonte: http://zip.net/brtKdB

O desafio para ele passa a ser o de criar um sistema onde é necessário que os elementos apolíneos e dionisíacos se convirjam no sentido para criar a arte. No mito trágico, o elemento dionisíaco se sobressai ao do apolíneo, pois, este é civilizado e racional, e aquele é representado na própria tragédia, como o irracional. O mito, criado pelos gregos, se apresenta como um símbolo do dionisíaco que está presente no ser de todos os homens, sua representação é manifestada pelo apolíneo, que se preocupa com a boa aparência.

Pode-se dizer que há a tentativa de unir a aparência e a essência, em uma articulação dos dois instintos, das forças artísticas da natureza, uma vez que o apolíneo transforma em imagens os estados dionisíacos, e assim se cria música. Nesse sentido, a arte tem objetivo de revelar o ser, proporcionando alegria. O homem sente seu desejo e prazer de existir.

Fonte: http://zip.net/bvtKGH

Essa integração é chamada de Tragédia Ática, que preconiza a integração e não repressão do instinto dionisíaco ao instinto apolíneo. Nela, a música aparece como vontade, há a transformação do instinto dionisíaco em arte, integrando sua experiência exaltada ao mundo apolíneo aliviando, assim, sua força irracional e destruidora.

Dessa forma, cria-se a arte apolínea – dionisíaca ou tragédia ática, que caracteriza o momento mais importante da arte grega, pois faz a experiência dionisíaca possível. A arte trágica controla o instinto dionisíaco com o instinto apolíneo, como se um fosse a medida certa para o outro, unindo aparência e essência, articulando os dois instintos, as forças artísticas da natureza, dado que o apolíneo transforma em imagens os estados dionisíacos.

A argumentação de Nietzsche sobre a natureza dionisíaca encosta sobre sua concepção de música. Para ele, a música é algo que confunde as palavras, que incorpora a dor e a contradição, tendo seu significado para além das paixões humanas. Ele a descreve com um importante sinal cultural, onde sua distribuição universal assume um impulso dual do apolíneo e dionisíaco da natureza. Além disso, ela nos revela as limitações fundamentais da linguagem caracterizada por Dionísio que pode falar a todas as pessoas independentemente dos seus sistemas analíticos.

Nietzsche vê a existência do mundo como fenômeno estético e a essência, tem necessidade do instinto apolíneo. Ele se fundamenta na filosofia Kantiana que distingue o fenômeno da coisa em si, onde a estrutura racional não consegue exprimir a essência do mundo. O conhecimento não é capaz de separar verdade de aparência. Ele preconiza assim, o retorno da arte trágica, por causa da descrença na ciência.

Fonte: http://zip.net/bqtLcH

Na história triste do Édipo é possível perceber uma necessidade estranha e ao mesmo tempo bela do sofrimento. Édipo, homem nobre foi destinado a morte, para que só depois entendesse o seu sentido, com seu sacrifício um novo mundo pode ser construído sobre as cinzas do velho. “Por este modo de agir é que se traçará um círculo mágico, mais elevado de influências, influências estas que edificarão um mundo novo sobre as ruínas do velho e tombado” (NIETZSCHE, 1948)

O autor tenta explicar o destino de Édipo escrevendo que ele deve ter a sabedoria natural, o que aponta a sua frente um destino natural, a morte. Nietzsche (1948, p.53) indica-nos em primeiro lugar um processo, maravilhosamente enredado, que lentamente o juiz desfaz membro por membro, para a sua própria perdição; a alegria, genuinamente helênica, nesta solução dialética é tão grande, que por este meio penetra em toda a obra uma réstia de alegria, que quebra o gume às horrorosas condições desse processo.

A relação entre metafísica artista e metafísica conceitual vai além de uma questão estética, remetendo, em última instância, ao problema da verdade. Para Nietzsche, o saber trágico não foi vencido pela verdade, mas pela crença na verdade, por uma ilusão metafísica ligada a ciência. Nietzsche afirma que o problema da ciência não pode ser elucidado no nível da própria ciência, pois lutar contra a ilusão (aparência) é uma forma de ilusão. O pensamento de Nietzsche se fundamenta na filosofia Kantiana que distingue o fenômeno, que é o domínio da ciência, da coisa em si, desqualificando desta forma a ciência como forma de acesso ao ser. A estrutura conceitual racional é imprópria para exprimir a essência do mundo. A crença de que o conhecimento é capaz de penetrar consciente na essência, separando a verdade da aparência é um erro, uma ilusão metafísica. Nietzsche preconiza o retorno da predominância da arte trágica em seu tempo, exatamente por causa do retorno ao pessimismo prático, ocasionado pela descrença na ciência.

FICHA TÉCNICA DO LIVRO:

Fonte: http://zip.net/bgtKb8

Autor: Friedrich Nietzsche
Editora: Guimarães
Páginas: 152
Ano: 2004

REFERÊNCIAS:

AVELINO, A. L. Resumo da Origem da Tragédia, De Nietzsche. Graduando em Filosofia – FFLCH – USP. Disponível em: https://projetophoronesis.wordpress.com/2010/09/25/resumo-da-%E2%80%9Corigem-da-tragedia%E2%80%9D-de-nietzsche/ Acesso em: 08/maio/2017.

NIETZSCHE, F. A Origem da Tragédia. eBooksBrasil, Cupolo, 2006.

NIETZSCHE, F. A Origem da Tragédia: Proveniente do Espirito da Música. Tradução e notas: Erwin Theodor. eBooksBrasil, 1948. Disponível em: https://conecta.ulbra-to.br/turmas/2017/1/0806/filosofia/material-didático/ 9D3536AD-FD80-4455-92AF-F337F3ACAO11 Acesso em: 08/maio/2017..

O Livro da Filosofia. Tradução: Douglas Kiml. São Paulo:Globo, 2011.

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Nietzsche: o homem é algo a ser superado

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Fonte: https://media.licdn.com/mpr/mpr/AAEAAQAAAAAAAANCAAAAJDNkM2Q5MzNiLTJiZWMtNGFjOC1iMzkwLWE3ZDMwNzY0NTc0ZQ.png

Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu em 15 de outubro de 1844 e morreu no dia 25 de agosto de 1900. Sua família era luterana, sendo que dois dos seus avós eram pastores, porém, a aproximação de Nietzsche com a filosofia, durante a adolescência afastou-o de uma possível carreira teológica. Além de importante filósofo do século XIX, Nietzsche também foi filólogo, poeta e compositor alemão.

Ler Nietzsche não é tarefa fácil, pois exige do leitor uma percepção acurada acerca do sentido proposto nos escritos desse filósofo em determinado texto. Segundo Klossowski (2000), devemos “(…) querer ser outro diferente do que se é para se tornar o que se é”. Ou seja, devemos ir em busca do novo, daquilo que nos tira de nossa zona de conforto. E quanto a isso, a leitura da filosofia de Nietzsche, consegue fazê-lo facilmente, pois incomoda, de fato, qualquer indivíduo que se propõe a ler suas obras.

A filosofia de Nietzsche é um convite ao abandono de formas apriorísticas de ser e de pensar, disciplinada pelos valores morais institucionalizados e niilistas, que anulam a produção de si mesmo em favor da funcionalidade social. Nietzsche é conhecido por sua crítica assídua aos valores tradicionalmente morais, ditadores do bem e do mal, que regem a vida em benefício do Estado.

Fonte:https://arazaoinadequada.files.wordpress.com/2013/01/nietzsche-1.gif?w=679&h=400

A concepção desse ponto de vista vai ao encontro do pensamento de Ferreira que, a partir do pensar nietzscheanamente, assevera que “corremos o risco de nos resignarmos por vivermos apenas como uma função social e não como uma alegre produção de nós mesmos. Teremos uma experiência insossa, que torna a vida um grande fardo” (FERREIRA, 2010, p.04).

Sua hostilidade frente ao racionalismo, a ideia de que a vida do indivíduo encontra-se em constante devir, além das demais críticas feitas à cultura como um todo, mostram-se vigentes na seguinte declaração, referente ao “problema de Sócrates”, em uma de suas obras, acerca da vida

Em todos os tempos os sábios fizeram o mesmo juízo da vida: ela não vale nada… Sempre em toda parte ouvimos sair de suas bocas a mesma palavra – uma palavra repleta de dúvida, repleta de melancolia, repleta de cansaço de vida, repleta de resistência contra a vida. Mesmo Sócrates disse ao morrer. “Viver – é estar há muito tempo enfermo.” […] Mesmo Sócrates tivera o bastante disso. – O que isso demonstra? O que isso mostra? (NIETZSCHE, 2001, p.14).

Para Nietzsche, o único mundo que existe é exclusivamente o mundo onde vivemos. Todas as coisas que existem estão neste mundo. Partindo desse pressuposto, as ideias desse autor vão de encontro às concepções religiosas vigentes da cultura ocidental, visto que a crença predominante está na existência de um Ser e de um plano espiritual superiores, o que transcenderia o mundo material em que vivemos.

Fonte: https://westernparadigm.files.wordpress.com/2008/03/nietzsche.jpg

Ferreira (2010) diz que, ao ir de encontro a metafísica tradicional, Nietzsche afirma que o único mundo existente é o imanente. Ou seja, o único mundo que o indivíduo faz parte e possui acesso é o das sensações, sentimentos e das mudanças constantes, causando então, uma modificação no corpo do sujeito, no decorrer desse processo de transformação. “O conhecimento não é transcendente, o homem é criador de seus valores. O homem interpreta e dá um sentido humano às coisas” (NIETZSCHE apud PASCHOAL, 2002, p. 136).

Especificamente neste aspecto, o pensamento de Nietzsche contrapõe-se à concepção da existência do mundo das ideias de Platão, pois, para o primeiro autor, o único mundo que existe é este, e as nossas ações/pensamentos não são imagens retorcidas – imperfeitas – de um espelho do mundo perfeito. “Não é possível pensar que haja um mundo pré-fabricado e um sentido prévio, que simplesmente estejam à disposição, aguardando por sua representação e espelhamento em nossa consciência.” (ABEL, 2002, p. 12).

Buckingham diz que, para Nietzsche, este é um momento chave, pois

Quando apreendemos o fato de que existe apenas um mundo, subitamente verificamos o erro de transferir todos os valores para além desse mundo. Somos, então, forçados a reconsiderar nossos valores, até mesmo o significado do que é ser humano (BUCKINGHAM et al. 2011, p. 219).

Fonte: https://acasadevidro.files.wordpress.com/2013/11/nietzsche-2.jpg

A partir do pensamento nietzschiano, a essência do mundo é a vontade de potência ou vontade de poder, sendo que esta seria a força propulsora de todas as relações do mundo. Tais relações estariam em constante desigualdade, considerando que sempre há força dominante e outra que é dominada. Estas, por sua vez, encontram-se em uma guerra contínua, na qual ambas tentam sobrepor-se, expandir-se sobre a outra.

Assim sendo, compreende-se que as ações do homem não são direcionadas de maneira a entrar em contato com o mundo espiritual (instância defendida pela religião), mas as ações são emitidas com a finalidade de auto-expansão. Por conseguinte, observa-se na filosofia nietzschiana, a descentralização do conhecimento religioso e valorização do homem enquanto espírito livre, que renuncia a moral apriorística vigente na sociedade.

No que concerne a essência do mundo, Ferreira revela a natureza dupla do conceito de Vontade de Poder, ao enunciar que,

Dominada pelo aspecto negativo, a vontade de potência nega a imanência. Dessa negação primeira, a vontade de potência passa a afirmar os valores que já estão estabelecidos. Mas o que está estabelecido são os valores produzidos por uma postura de vida negativa, que julga a vida ao necessitar de um artigo de fé – a crença no ideal ascético. Portanto, somente essa vontade de negar precisa de uma referência moral. A afirmação, nesse caso, é secundária, tendo apenas a função de afirmar um subterfúgio que já foi criado pela negação, servindo como um sentido para a vida, mesmo que esse sentido seja direcionado a uma ficção (FERREIRA, 2010, p. 121).


Fonte: http://pegasus.portal.nom.br/wp-content/uploads/2014/03/fisico_mental.jpg

Destarte, a rejeição da imanência torna-se a porta de entrada para a aceitação e introjeção de valores morais pré-estabelecidos, nos quais as ações passam a ser classificadas a partir de “boas”, “justas” e/ou mesmo como “ideias puras.” O mundo transcendente torna-se um lugar seguro, no qual as verdades são absolutas e alheias às modificações no cenário político e social.

Buckingham et al. (2011, p. 218) considera que Nietzsche acreditava que “certos conceitos tornaram-se indissociavelmente emaranhados: humanidade, moralidade e Deus”. Estes conceitos, por sua vez, são de caráter universal, que modulam a concepção de homem, a partir dos princípios da moralidade religiosa. Em “Assim falava Zaratustra” (2012), ele traz a proposta de um novo homem, o qual estaria liberado das concepções moralistas de bem e mal, de razão, justiça, virtude e religião (instâncias evoluídas em decorrência do progresso técnico e científico). Outrossim, o super-humano, defendido pelo referido autor, ultrapassaria o niilismo, e por conseguinte, abandonaria formas de pensar e de viver calcados no moralismo, o qual possui princípios infundados e sem utilidade para a existência.

 O super-homem seria “o fruto mais maduro da moral”, (PASCHOAL, 2002, p. 67), aquele que se libertou da vontade vazia e que descobriu e aprendeu “a tomar o niilismo como força plástica e modeladora” (ibidem). Buckingham et al (2011, p.220) assevera que o super-humano “é alguém de força e independência, na mente e no corpo”.

A filosofia de Nietzsche tem como escopo principal a liberação do homem do grande cansaço de existir, ou seja, trata-se de indicar o projeto de transvaloração como um projeto de redenção do homem, como liberação do homem para o além-do-homem, como ensina Zaratustra. Nesse sentido, achamos necessário cotejar as pistas fornecidas por Nietzsche em Assim falou Zaratustra (1883/1885) com outras indicadas em Genealogia da Moral (1887) sobre sua consideração em torno de um novo tipo de homem que, segundo sua expectativa, viria confirmar o caráter dinâmico da vontade de poder na criação de novos valores, ao mesmo tempo em que chancelaria a superação do niilismo na aceitação incondicional do mundo e da vida, isto é, no amor fati. (BARBOSA, 2010, p. 119).

Assim, acreditamos num ensino de filosofia para o caos, para os momentos em que os valores se nulificam, os ideais perdem seu encanto e o niilismo toma conta da existência. Este é o palco da filosofia e de seu ensino. Este é o momento de sua necessidade. E é somente neste cenário que o homem pode mostrar seu poder de superação, sua capacidade de potencializar a vida e tirar de si mesmo a força para fazer das derrotas vitórias (DANELON, 2004, p. 350).

Ao que parece, Nietzsche não defende a extinção do niilismo como viés para o alcance da soberania, no que se refere à evolução do homem para o “além-do-homem.” A questão chave está condizente a utilização do niilismo (caracterizado pela metáfora de “saúde”) como estratégia evolutiva para a superação do homem, a metamorfose do homem em um “espírito livre”.  Idem, “o novo e mais elevado tipo de homem, tem no niilismo (doença) as condições-chaves para sua emergência” (PASCHOAL, 2002, p.62). Diante do exposto, Nietzsche afirma que

Somente a grande dor, aquela longa, lenta dor, que leva tempo, em que nós somos queimados como sobre madeira verde, obriga a nós, filósofos, a descermos à nossa última profundeza e a tirarmos de nós toda confiança, tudo o que há de bondoso, adulador, brando, mediano, e em que talvez tivéssemos posto nossa humanidade (NIETSZCHE, apud PASCHOAL, 2002).

Em consonância com Paschoal, o moralismo ideário é apriorístico, foi posto como modelo a ser seguido, que estrutura as formas de ser e de pensar, de se relacionar com outro, tendo como “intenção” o melhoramento do ser humano, destarte, sua domesticação. O autor atesta que, através de um movimento absurdo, a moral moderna “colocou como meta da vida a negação da vida” (PASCHOAL, 2002 p. 63). Nesta concepção, Junior destaca ser necessária a reconfiguração da concepção de homem, a partir da “averiguação de que o Cristianismo forja um tipo de homem fundado na negação de si, cujo fim constata-se falsamente veraz e válido e que “[…] permanece ainda fio condutor de toda conceituação antropológica e metafísica” (JUNIOR, 2007, p. 4).

Conforme Buckingham et al. (2011, p.221), Nietzsche não obteve grandes públicos para suas obras, mas ao longo dos anos seus textos foram reconhecidos, porém, foram manipulados como pretexto para fundamentar atitudes violentas, sendo que o “consenso entre os estudiosos é que o próprio Nietzsche teria ficado horrorizado com essa distorção”. Contudo, suas ideias ressoaram até hoje em grandes obras, tal qual afirmou Freud que “o grau de introspecção alcançado por Nietzsche nunca foi atingido por ninguém” (idem).

Fonte: https://i.ytimg.com/vi/asHS8uqsm9M/maxresdefault.jpg

Deve-se considerar que a moral a qual Nietzsche introduz severas críticas, pregava que devemos nos abster de nossos instintos, enquanto seres humanos e centrar nossos princípios e ações de maneira a alcançar a transcendência. Assim, o filósofo propõe que o homem é algo que deve ser superado, idem, devemos superar a concepção de homem prescrita pelo Cristianismo.

O fato é que Nietzsche mostra-se amado por poucos e odiados por muitos e vice-versa. Talvez, a dificuldade em compreender suas noções estabelecidas acerca do Universo como um todo e do homem como algo que deve ser superado, contribuíram para tais divergências de opiniões.

Por fim, diante da complexidade da filosofia de Nietzsche, vale ressaltar a necessidade de aprofundar estudos em relação à enorme contribuição desse autor à Filosofia. Tal aprofundamento faz-se necessário, a partir de um maior número de leituras a fim de buscar agregar maior compreensão sobre suas ideias, relevantes ao campo da Psicologia.

 Fonte: http://www.netmundi.org/pensamentos/wp-content/uploads/2012/05/nietzsche24.jpg

REFERÊNCIAS

ABEL, Günter. Os desafios da Filosofia da Interpretação. In: Cadernos Nietzsche, nº 12, 2002.

BARBOSA, Idenilson Meireles. A Filosofia de Nietzsche como Propedêutica à Superação do Homem. SABERES : Natal – RN, v. 2, n.5, ago. 2010. Disponível em: http://www.cchla.ufrn.br/saberes/Numero5/Artigos%20em%20Filosofia-Filosofia/Ildenilson%20Meireles%20Barbosa_A%20FILOSOFIA%20DE%20NIETZSCHE_118-126.pdf. Acesso em 16 mar de 2016.

BUCKINGHAM, Will et al. O Homem é algo a ser superado. In: BUCKINGHAM, Will. O Livro da Filosofia. São Paulo: Globo Livros, 2011. p. 214-221.

DANELON, Márcio. Para um ensino de filosofia do caos e da força: uma leitura à luz da filosofia nietzschiana. 2004. Campinas. Vol. 24. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/%0D/ccedes/v24n64/22835.pdf>. Acesso em 02 abr. 2016.

FERREIRA, Amauri. Introdução à filosofia de Nietzsche. São Paulo: Yellow Cat Books, 2010.

JUNIOR, J. A. M. Análise do Conceito de Homem na Filosofia de Friedrich Nietzsche. Disponível em: http://www.unimep.br/phpg/mostraacademica/anais/5mostra/4/464.pdf.. Acesso em 10 mar 2016.

KLOSSOWSKI, Pierre. Nietzsche e o círculo vicioso. Rio de Janeiro: Pazulin, 2000.

NIETZSCHE, F. Crepúsculo dos ídolos ou a filosofia a golpes de martelo. Curitiba: Hemus, 2001.

NIETZSCHE, F. Assim falava Zaratustra. Tradução: Antônio Carlos Braga. São Paulo: Lafonte, 2012.

PASCHOAL, A. E. Nossas virtudes: indicações para uma moral do futuro. In: Cadernos Nietzsche, no 12, 2002.

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Nietzsche e a formação da consciência

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No primeiro aforisma da Segunda Dissertação da Genealogia da Moral, Nietzsche descreve a relação entre a capacidade de fazer promessas e o esquecimento. O esquecimento é uma capacidade inibidora ativa inerente a natureza humana. A função do esquecimento é impedir que a consciência fique carregada de experiências já vivenciadas (BRANDÃO, 2011). Para o filósofo alemão, o homem é um animal que precisa esquecer para poder experimentar coisas novas e utilizar a habilidade de criação. O esquecimento é essencial para a vida. A medida que o indivíduo consegue esquecer a existência torna-se suportável, a capacidade de esquecimento proporciona “[…] felicidade, jovialidade, esperança, orgulho […]” (NIETZSCHE, 2008, p. 47-48).

 

 

Prometer está relacionado com a constituição da memória. A memória é uma força oposta ao esquecimento, ou seja, possibilita a habilidade de não esquecer as experiências vivenciadas. Para ser capaz de prometer o homem teve que desenvolver uma memória. A promessa proporcionou o surgimento de uma memória da vontade, desta forma, passou-se a continuar querendo o já vivenciado. A memória causa interrupção na capacidade de esquecimento, isto impossibilita o homem de experimentar o novo e suprime a habilidade de criação. Com a memória e a promessa o homem tornou-se confiável, pois é impossível confiar em uma pessoa que esquece e não consegue lembrar do prometido.

A capacidade de fazer promessas legou ao indivíduo não apenas a supressão do esquecimento e o aparecimento da memória, mas também se constituiu como base para o aparecimento da ideia de responsabilidade. Para o autor da genealogia, o surgimento da responsabilidade também é devido a moralidade do costume, que tem como tarefa reprimir os instintos e impor leis aos homens. Para transformar o homem em um animal confiável foi preciso subordina-lo a um conjunto de leis, implantando, desta forma, a capacidade de obedecer, recordar e cumprir normas de uma determinada comunidade ou sociedade. Como resultado do aparecimento destas novas capacidades o autor demonstra o aparecimento de um novo sujeito, o indivíduo soberano.

O ser humano, tendo conhecimento e orgulho da capacidade de fazer promessas e da ideia de responsabilidade, surge como um indivíduo confiável, uniforme e com ideia de coletividade. Porém, a sua capacidade de esquecimento foi danificada, ele não consegue ter uma boa assimilação das informações absorvidas pela consciência e a sua saúde psíquica sofre constantes lesões.

 

 

Graças a habilidade de prever o futuro, este indivíduo conseguiu controle sobre si mesmo e o destino. A capacidade de responder por uma promessa foi interiorizada pelo indivíduo soberano e transformou-se em instinto.  Segundo o autor, o homem soberano nomeou este instinto de Consciência (ALVES, 2010).

Este longo processo de formação da consciência teve em sua base a violência e a crueldade. A instauração da memória foi grafada a fogo no homem. “[…] jamais deixou de haver sangue, martírio e sacrifício, quando o homem sentiu a necessidade de criar em si uma memória. […]” (NIETZSCHE, 2008, p.51). Várias técnicas cruéis e inescrupulosas foram utilizadas para auxiliar no processo de memorização. Pela violência o indivíduo passou a obedecer leis que eram contra os seus instintos. Cabe notar que, para o autor, os instintos fundamentam a espontaneidade da vida. O homem visava, ao reprimir o esquecimento e os instintos, os benefícios do convívio social e a suposta proteção de conviver em grupo.

A tese de Nietzsche é de que esses sistemas de sacrifícios, que utilizavam objetos exteriores, foram-se interiorizando no homem. Essa profunda violência para conosco é uma forma de pagar a dívida que temos com a nova estrutura de vivência. O resultado disso é que o homem tornou-se “sério” e desenvolveu a faculdade da razão. Para Nietzsche, este sacrifício que criou a razão é uma severa violência contra o ser humano.

 

REFERÊNCIAS

ALVES, V. F. C. Promessa e Esquecimento- a Formação da Memória no Pensamento de Nietzsche. Argumentos, Goiás, Ano 2, N° 3-2010.

BRANDÃO, Caius. As relações entre o esquecimento, a memória e a capacidade de fazer promessas. 2011. Disponível em: http://www.academia.edu/1085661/Genealogia_da_Moral. Acesso em: 22 de Março de 2015.

GIACOIA, Oswaldo. Nietzsche: o humano como memória e como promessa. Rio de Janeiro: Vozes, 2013.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Genealogia da moral – uma polêmica. São Paulo:Companhia das Letras, 2008.

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