Zaratustra: cantos de amor e solidão

Esse artigo tem como objetivo discorrer uma análise sobre os cantos do livro “Assim falava Zaratustra”, que é um livro marcado pela musicalidade, poesia e autocrítica de Nietzsche, elementos que não se fazem presentes em suas outras obras.

Zaratustra encontra algumas jovens dançando e ao reconhecerem Zaratustra elas param de dançar. Ele então pede pra que elas não parem de dançar, pois ele não é o inimigo das jovens. O que revela o sentimento de solidão de Nietzsche, que não era bem quisto e amado por estar sempre em busca da sabedoria, de tudo aquilo que era visto como insondável ou até mesmo perigoso; Nietzsche queria que as pessoas amassem o conhecimento e soubessem enxergar que mesmo ele sendo por muitas vezes tenebroso, ele era maravilhoso e amava a vida e a alegria.

Zaratustra

Fonte: https://goo.gl/qxBpbB

 Assim que as jovens voltam a dançar com o cupido, Zaratustra canta uma canção em que ele conversa com a vida e com a sabedoria, nessa conversa a vida ri de Zaratustra e diz ser “mutável e cruel, mulher em tudo, e não virtuosa” e ele diz que não crê mais na vida quando ela ri e fala mal de si mesma pois quando ele conversou com sua sabedoria ela o disse: “Tu queres, tu desejas, tu amas, por isso cantas louvores à vida” e ele chegou a uma revelação de que ele ama a vida, e a odeia na mesma proporção e, se ele é compreensivo com a sabedoria é porque ela o lembra muito a vida. Estabelece então nessa canção um diálogo entre a vida e a sabedoria, tendo em vista que ambas são insondáveis e inalcançáveis, de tal forma que ele não consegue por muitas vezes distinguir uma da outra.

Canto Sepulcral – Sobre o querer eterno

Esse canto é um canto de lamento, onde Zaratustra fala aos bons momentos de sua juventude, os “olhares de amor e instantes divinos”, se lamentando por eles os terem abandonado sendo que eles foram feitos para viver juntos e, meio a esse lamento ele diz que “a malignidade atirou flechas” para atingir o seu coração, e essas coisas boas e ternas da juventude acabaram morrendo por serem frágeis. Em dado momento a malignidade é personificada na figura dos seus inimigos, que lhe tiraram sua eternidade no momento em que lhe tiraram os pensamentos puros de que todos os seres eram divinos, tiraram-lhe a alegre sabedoria e lhe deixaram monstros, insônia e desgostos. Nessa parte pode-se perceber a solidão em que Zaratustra se encontra por consequência desse conhecimento que adquiriu, o conhecimento que matou sua juventude e inocência.

Nessa revolta ele acaba por encontrar o que o fez superar toda essa perda e se resignar, que seria uma “força invulnerável, incoercível”: o querer. Ele toma esse querer imutável como o sobrevivente que carrega tudo aquilo que ele viveu na sua juventude e o chama de “destruidor de todos os túmulos” e termina o capítulo compreendendo que a morte da sua inocência foi necessária para que houvesse uma ressurreição da sabedoria.

Outra canção para dançar – Ainda sobre a vida e a sabedoria

Nessa canção Zaratustra descreve a sua relação com a vida como se fosse uma dança em que a vida o leva aos mais belos e aos mais tortuosos caminhos, como numa harmonia calcada em sensações e atitudes conflituosas que o fazem amá-la e odiá-la. Em determinado ponto ele diz que quer dar coisas maravilhosas à vida e ela não quer receber e também o quanto ela não dá a ele o que ele quer.

Então a vida responde Zaratustra e clama para que ele não a torture com pensamentos tão rudes sendo que ela tem pensamentos tão ternos. Questiona Zaratustra quanto a essa dualidade, que não é porque não amamos a todo o tempo que devemos odiar. E a vida diz a Zaratustra que ele não é totalmente fiel a ela pois está dividido entre ela e a sabedoria, e ele tem pensado em deixá-la em breve. Então Zaratustra revela algo que sabe, algo que tanto ele quanto a vida temem e eles choram juntos.

O capítulo termina com um canto em que se conta do um ao doze na qual se fala sobre a profundidade da dor, que por mais que seja profunda não é tão profunda quanto a alegria, pois a dor passa e a alegria quer eternidade.

O Canto de Embriaguez – A inalcançável felicidade

O canto da embriaguez começa com Zaratustra levando os homens em sua companhia para o ar livre e para “a noite acolhedora e fresca”, carregando particularmente o homem mais feio em suas mãos. A noite acalentou os corações dos homens e deu uma sensação de estarem se sentindo bem na terra ao mesmo tempo em que o mistério da noite adentrava em seus corações. Após o mais feio dos homens fazer um testemunho dizendo que a vida teria valido a pena pela simples companhia de Zaratustra naquele dia, todos os outros homens se regozijaram de felicidade concordando com o feio e agradecendo Zaratustra. Não se sabia se essa felicidade vinda do vinho ou da embriaguez de vida, mas isso pouco importava. Após isso, à medida que se aproximava a meia noite, Zaratustra em ar misterioso se pôs a chamar os homens para a noite. Zaratustra clama pelos homens porque sabe que a meia noite está à porta.

A meia noite significa o fim daquele momento prazeroso, e tudo iria voltar ao normal. Por isso, ele se desespera, pois não quer voltar ao mundo normal, ele gostaria de ficar com os homens, e não solitário. Com isso, Zaratustra se queixa para com o mundo, pois não quer que o mundo cobre tanto dele, pois ele se julga demasiado mundano, e o mundo, necessita de alguém perfeito. Após isso, Zaratustra discorre sobre a felicidade, dizendo que ela deseja a eternidade, e nada mais, e por isso, ela é inalcançável, pois nada é eterno, e nesse ponto, ela se compara com todas as outras coisas, como a tristeza, angústia, e enfim, como a noite, que há de acabar.

Logo, no “O Canto da Embriaguez”, Nietzsche exprime que a felicidade é de certa forma inalcançável, pois ela sempre deseja a eternidade, porém é impossível, pois ela anda lado a lado com os outros sentimentos, que a substituirão hora ou outra, e compara-a com a noite de embriaguez, que uma hora acaba.

O Canto da melancolia – Sobre o isolamento

Neste canto, Zaratustra se sente envolvimento pelo ar livre, pela sensação de tranquilidade e plenitude que o envolvia. Deixa explícito sua preferência pela quietude de estar ao ar livre consigo mesmo e na presença de “animais” sendo esses os primitivos e puros sentimentos, a ter que conviver com “homens que superiores que cheiram mal”, ou fanáticos, que valorizam a ideia arcaica e imutável, pensamento contrário a o da progressão constante, pois progressão depende de mutação. Ele se sente melhor dentro do seu ego, que é representado pela águia como orgulho e pela cobra que representa a inteligência (animais). Esses dois animais tem essa representação por suas habilidades de mutação constante; a cobra troca de pele, identificando assim a refutação das ideias inteligíveis. E a águia representa o orgulho que nunca permanece o mesmo; sua percepção progride.

águia

Fonte: https://goo.gl/bjah3y

Os homens superiores que cheiram mal são ligados ao fanatismo, e o ar lá fora é mais puro pois os conhecimentos eram repletos por crenças fundamentadas na fé (certeza do não perceptível, do inalcançável) e não no fideísmo (que apesar de ser inalcançável e imperceptível, se legaliza através de evidências concretas, fazendo parte da história). O demônio da melancolia é quando ele se volta pra ele mesmo. Seria em vão lutar contra ele mesmo, contra os seus pensamentos. Mas é importante buscar esse caminho, para manter o movimento da vida e alimentar nossa existência mesmo que não cheguemos no destino, estamos constantemente rumo a ele e isso nos leva a evolução. O fato de falar que existe um deus e que é imutável, nos deixa estagnado e no mais extremo dos casos, alienado.

O pensamento que o demônio nos dá é extremamente atraente pois é fácil, extremamente didático, e nos leva a traduzir através de emoções (o que é perigoso, pois emoções variam de  acordo com o elemento que recebe o estímulo) seria mais fácil para justificarmos certas coisas. É tentador pois é confortável acreditar nisso. E ele apesar  de amar essa “realidade” é contra esse pensamento pois nos leva à inercia, o oposto de movimento.

A canção do sim e do amém

Nesse canto, Zaratustra identifica seus pensamentos como críticas perturbadoras porém libertadoras, trata o concreto e imanente como prioridade, porém sendo suas fontes, transcendentes. Permite-se da inspiração para chegar a temporárias conclusões, pois está sempre apto a refutar seus próprios conhecimentos. Em vários momentos Zaratustra nos relembra o quanto ama a eternidade, não por ela ser possível e perceptível, vivenciável, mas por também de lá virem as ideias (assim como a crença de que ideias vêm de um absoluto compartilhado). Relembra também das vezes em que voluntariamente transitou em conhecimentos por ele considerados mortos ou apodrecidos por serem absolutos, como a religião; admite que o prazer gerado por esses conhecimentos são inspiradores e geradores de novas idéias. E de quando se deixou levar pelos agradáveis estímulos gerados pelos conhecimentos fixos, ou mitos.

Compara a terra como uma mesa compartilhada por deuses, desses esses que tomam decisões através de aleatoriedades (simbolizado por dados) , daí vem a contradição, se somos frutos de aleatoriedades, somos criados?Então deuses são personificações de iniciativas naturais. Acredita na existência do “solvente” que abriga o bem e o mal, fazendo um ciclo. Volta a regozijar-se da eternidade, como uma meta inalcançável que gera nosso desenvolvimento e evolução, e não como uma realidade alcançável. Comparando o conhecimento com “maldade” nos leva ao pensamento de que o mal nos trás a sabedoria, e a sabedoria nos trás o mal, nos distanciando da contemplação da vida.

A poesia de Zaratustra – Uma análise de Márcio Mariguela

Em sua análise do livro Márcio Mariguela atenta à poesia e ao resgate da musicalidade do texto, algo que é constantemente buscado por Nietzsche na escrita da obra. E para explicar isso o autor usa a descrição que o próprio Nietzsche fez da obra em seu livro-testamento (Ecce Homo): “Talvez se possa ver o Zaratustra inteiro como uma música; certamente um renascimento da arte de ouvir era precondição para ele; entre minhas obras ele ocupa um lugar à parte; com ele fiz à humanidade o maior presente que até agora lhe foi feito.” Além da musicalidade Nietzsche expressa em uma carta a seu amigo Erwin Rohde que levou o idioma alemão a sua máxima perfeição. Ou seja, o  livro foi um resgate de Nietzsche às suas raízes linguísticas.

A complexidade e completude de Zaratustra – Uma análise de Manuel Sanchez

Nessa análise Manuel Sanchez discorre sobre a dificuldade de se ter o primeiro contato com a obra de Nietzsche através da leitura de “Assim falava Zaratustra”, tendo em vista que o entendimento da obra fica prejudicado pelo fato do mesmo ter uma linguagem muito metafórica, simbólica e rebuscada. Ressalta também que a obra é um compilado das ideias principais de Nietzsche, sendo que Zaratustra é o próprio Nietzsche e os conflitos que o personagem passa são os mesmos que o autor passou ao longo de sua vida como filósofo. Ao final da análise afirma que é uma leitura enriquecedora, mas que para ser aproveitada ao máximo é preciso um conhecimento prévio da ideologia Nietzschiana.

Nietzsche toma a persona de Zaratustra, exemplifica através de cantos e parábolas que o que torna a vida “importante” e sagrada é a própria finalidade, o entendimento de que sim, existe um fim, tal fim que dá reinício à um novo ciclo, miramos a felicidade, mas sabemos que nunca alcançaremos. A obra “Assim falou Zaratustra”, através de exemplos imanentes e transcendentes, nos convida a ver a vida valorizando o percurso, e não o destino.

FICHA TÉCNICA:

ASSIM FALAVA ZARATUSTRA

Título Original: Also sprach Zarathustra
Autor: Friedrich Nietzsche
Tradução: Mario Ferreira dos Santos
Editora: Editora Vozes
Páginas: 400
Ano: 2008

 

Bibliografia

NIETZSCHE, Friedrich. Assim falava Zaratustra. Editora Vozes: Petrópolis, 2007.

ROCHA, Fábio. Filosofando. Disponível em <http://filosofando-fabio-rocha.blogspot.com.br>. Acesso em 25/09/2017.

SANCHEZ, Manuel. Resenha Assim falou Zaratustra. Disponível em <https://opiniaocentral.wordpress.com/2017/03/12/resenha-assim-falou-zaratustra-nietzsche/>.Acesso em 25/09/2017.

MARIGUELA, Márcio. Zaratustra, o canto trágico de Nietzsche. Disponível em  <https://marciomariguela.com.br/zaratustra-o-canto-tragico-de-nietzsche/>.  Acesso em 25/09/2017.

PINHO, Celso Luís. A metáfora da águia com a serpente em Assim Falou Zaratustra: um desafio ao pensar e ao viver. Disponível em <http://www.academia.edu/1118354/_Amet%C3%A1fora_DA_%C3%81GUIA_COM_A_SERPENTE_EM_ASSIM_FALOU_ZARATUSTRA_UM_DESAFIO_AO_PENSAR_E_AO_VIVER_>. Acesso em 25/09/2017.


Nota: Texto produzido para a disciplina de Filosofia, ministrada pelo professor Sonielson Luciano de Sousa.