O simbolismo do filme “Ensaio Sobre a Cegueira”

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O filme ‘Ensaio sobre a cegueira’ mostra a contaminação da perda de visão que assola uma cidade. Adaptado da obra original “Ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago (1995), a obra propõe uma situação onde uma cidade, sem nome definido pelo autor, é acometida subitamente por uma condição de cegueira, esta denominada de “mal branco”. A partir daí você acompanha diversos personagens, estes também sem nome definido, lidando com as consequências dessa endemia.

 A primeira vítima da cegueira é um motorista que procura um médico oftalmologista, no qual também se contamina. A única pessoa que não perde a visão é a esposa do médico, que em compensação, é quem fica responsável por gerenciar muitas decisões e situações práticas por ainda conseguir enxergar, pois todas as pessoas contaminadas foram levadas para um manicômio abandonado e passaram a ficar em isolamento.

A trama se desenvolve mostrando as tentativas de adaptação e sobrevivência das pessoas a partir da nova condição de cegueira, conforme os dias passam, os instintos primitivos como fome, sono, desejo sexual afloram nos personagens e tudo isso os leva a embates civilizatórios contundentes.

Assim, os aspectos levantados serão analisados através da abordagem psicológica psicanalítica interpretando a perda de visão como um processo psíquico de luto e suas possíveis formas de elaboração e buscando possíveis associações simbólicas psicanalíticas relacionadas ao mal branco que atinge os personagens.

Fonte: encurtador.com.br/uvRZ9

 Luto e Inclusão

            Ao observar o filme, o espectador pode compreender a importância de trabalhar a inclusão para a construção de uma nova mentalidade que exige mudança de todos indivíduos que convivem em uma sociedade, e não somente dos personagens; mas também dos próprios espectadores. De acordo com Mesquita (2017), a proposta da inclusão tem como parâmetro o princípio das diferenças, não  o princípio da igualdade; essa proposição exige muito mais que oferecer recursos para sanar diferenças e igualar os sujeitos.

Diante desse fato, a política da inclusão vai ao encontro do respeito das diferenças e pela construção de caminhos alternativos e criativos para proporcionar desenvolvimento humano e superações de todos os envolvidos no processo. Assim, quando o espectador analisa o contexto do filme, pode inferir que eles próprios se colocam nessa sociedade de exclusão. O filme utiliza como metáfora a cegueira em que as pessoas estão cegas para valores básicos da solidariedade social e que evidência é  uma sociedade que exclui as diferenças (MESQUITA, 2017).

Segundo Gomes (2012, p. 687 apud MESQUITA), a diversidade é “compreendida como construção histórica, social, cultural e política das diferenças, que se faz por intermédio das interações de poder e do aumento das desigualdades e da crise econômica”, assim, é importante articulação de políticas para o  reconhecimento das diferenças.

Diante do que foi supracitado em relação à inclusão,no filme, o espectador percebe essa falta de articulação dos membros da sociedade, chefes de estados, cientistas em conhecer as diferenças, e a falta de conhecimento, compreende-se o  que deixa a humanidade extremamente fragilizada é uma sociedade não inclusa e não a cegueira biológica. Essa análise pode ser observada no trecho do filme, quando a mulher do médico faz um jogo de palavra agnosia, agnosticismo, ela infere que pode estar interligada com a com ignorância e a descrença; também pode interligar com a desesperança, a tristeza. Daí, o filme pode sugerir porque a esposa do médico é a única não contaminada; uma vez que no decorrer do filme, a esta se mostra uma pessoa extremamente empática com o próximo.

Fonte: encurtador.com.br/hAJPU

Diante do contexto do filme, compreende que os personagens perderam a visão e, em seguida, passaram por um processo de luto. Dessa forma, pode ser entendido como um conjunto  de sentimentos e comportamentos que normalmente se verificam depois uma perda, como o indivíduo experiencia essa nova realidade. É primordial que a pessoa se ajuste a viver com a ausência para que se possa elaborar de forma adaptativa essa situação (WORDEN, 2003, apud NAZARÉ et al., 2010, p. 36).

Sobre aspectos do luto, Elisabeth Kübler-Ross (1969), ganhou grande destaque ao aprofundar seus estudos sobre o tema, pois ela definiu tal situação em estágios de negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação; sendo caracterizado como mecanismos de defesa psíquica para enfrentamento da situação dolorosa.

Em 1917, Sigmund Freud discute que o luto é uma experiência a partir da perda de vínculo emocional, físico e ou psíquico de alguma pessoa ou de uma ideia. Quando essa experiência é vivida através da melancolia, pode haver indícios de predisposição genética para tal desenvolvimento. Porém, o mesmo autor ainda afirma que o luto não deve ser compreendido como algo patológico, e que ao longo do tempo será vencido, e “achamos que perturbá-lo é inapropriado, até mesmo prejudicial” (FREUD, 1917, p. 128).

De acordo com Souza e Pontes (2016), através de seus estudos sobre Freud, durante o estado de melancolia, é percebido um comportamento de repreender-se que pode estar interligado a queda na autoestima caracterizado como o diferencial nesta situação. Isso se dá porque a pessoa não quer repreender a si mesma, mas o objetivo de amor que foi perdido. Então, o “empobrecimento do Eu” pode ser compreendido por uma identificação do sujeito com o objeto perdido, uma vez que o investimento objetal não foi forte o suficiente para deslocar-se para outro objeto, retornando, então, ao próprio sujeito.

O filme mostra que o médico mesmo possuindo muito conhecimento sobre oftalmologia não consegue solucionar certas situações que surgem ao longo do filme. Por exemplo, quando uma das vítimas pela cegueira bate a perna e tem um ferimento na perna que pode evoluir para uma infecção, pelo fato do médico também estar acometido pela doença, ele pede ajuda e orientação à esposa para que juntos possam acompanhar e intervir sobre o ferimento do rapaz. Assim, percebe-se que o médico tem recursos psíquicos e científicos para resolução de problemas, e nessa situação, controle emocional para tomada de decisão diante de um fator delicado.

Fonte: encurtador.com.br/xyBLM

Simbologia no Filme

A maneira como o filme conta a história levanta questionamentos acerca da origem da cegueira que assola a população daquela cidade. Na obra original Saramago (1995) e o diretor Fernando Meirelles em sua adaptação trazem ao público uma doença de causas misteriosas e de sintomática bastante simbólica. A cegueira é chamada no universo do filme de “mal branco” e em sua essência atinge os indivíduos cegando-os como uma luz que excede os limites da visão humana.

Numa visão simbólica, a cegueira poderia ser uma analogia ao excesso de informações e pela rotina aos quais somos expostos, o que inibiria a psique do acesso a subjetividade e a formas de pensamento mais complexas. Saramago é brasileiro, e é interessante as minúcias na sua obra quando este demonstra a primeira pessoa a ser acometida com a cegueira a um indivíduo no trânsito. O ato de dirigir em grandes metrópoles, estar preso em uma caixa de metal, alheio aos rostos dos pedestres e dos motoristas ao seu redor, é tudo muito significativo ao estado final de cegueira proposto.

“Por isso, supomos, a cegueira branca indica não uma cegueira, mas um excesso de visão. Encontramos um homem que perde seu anteparo criado pelo recalque e que se desorienta quando passa a ver demais, jogando por terra todos os construtos que mantêm sua estrutura social de pé. Ele vislumbra as consequências do fim do recalque e a explicitação desordenada das pulsões. Saramago não cegou o homem; ele o fez ver algo insuportável, abriu seus olhos e o fez ver demais: fez o homem ver a si mesmo.” (CAMARGOS, 2008, p.132).

No livro, o médico explica a cegueira para um personagem, e esclarece que é como se as vias que levam as imagens dos olhos para o cérebro tivessem ficado congestionadas. Para a psicanálise são essenciais para a sobrevivência da espécie as funções que produzem os sonhos, através da digestão das nossas emoções e do conteúdo sensorial enviado para nosso cérebro, como fica claro em texto de Freud (1914, p. 145-157).

Fonte: encurtador.com.br/bOW78

O indivíduo deve ser capaz de fazer a elaboração adequada para digerir adequadamente conteúdos psíquicos, e as imagens e a capacidade visual são parte fundamental desse processo. Ou seja, os indivíduos ali estariam sujeitos a uma distorcida representação da realidade, onde sem a função da visão estes teriam de rearranjar a maneira como abstraem o mundo a sua volta, com diversas funções psíquicas prejudicadas devido a  situação atípica.

A cegueira pode também ser uma maneira de se observar a natureza do ser humano para além do véu da civilização. O filme propõe essa reflexão à medida que te põe em companhia de uma personagem que de maneira misteriosa não é afetada pelo mal em questão, e ela, como um último bastião de qualquer noção de civilização, observa toda a jornada a sua volta, sendo muitas vezes obrigada a ceder a barbárie.

“Desde Sófocles e a cegueira de Édipo, o olho foi simbolizado como órgão máximo para o deslocamento da castração genital concreta. Talvez não apenas porque, diante da consumação real do drama edípico, o Tyrannos de Tebas tenha furado seus olhos como punição pela culpa por ter concretamente satisfeito o desejo incestuoso. A cegueira também é mais que uma metáfora da prévia incapacidade de Édipo de ver sua origem e a causa de seus atos.” (LOPES, 2019, p. 25-46)

Mesmo desejando não ser capaz de ver muitas coisas nesses momentos, a personagem esposa do médico (Julianne Moore) embarca em uma jornada desagradável em um mundo incapaz de ver a razão do mal que o atinge, ou mesmo uma solução para este problema.

Fonte: encurtador.com.br/hpqOT

Conclusão

É notável que a personagem principal passa por uma mudança significativa na vida e, na metáfora do filme, ela precisa se adaptar a um contexto totalmente diferente, onde sua condição de pessoa capaz de enxergar a obriga a buscar maneiras de se incluir nessa nova configuração social.

O grande ponto da obra é a perda da visão generalizada, então esta perda gera um estado de luto coletivo, a personagem de Moore observa os indivíduos em sua jornada em estado de negação, enraivecidos, barganhando com o mundo, depressivos com tudo aquilo e por fim, se reorganizando num estado social primitivo, regido pelas pulsões do ser humano e por líderes déspotas, enquanto a esposa do médico assiste a tudo embasbacada.

Tudo é muito simbólico no filme, José Saramago põe nas páginas do livro muitos significados e Fernando Meirelles adapta com primazia para a mídia audiovisual; a perda da visão se dando como um “mal branco”, onde a visão não escurece mas sim é tomada a uma situação análoga a uma luz muito forte, que cega.

Os indivíduos afetados pela cegueira serem isoladas em um manicômio é uma prévia dos horrores que viriam a seguir, as pessoas se rendendo a suas pulsões primitivas enquanto organizam de maneira rudimentar, a personagem de Moore assiste, como uma mera testemunha de um mundo civilizado acompanhando a morte da civilização.

O esforço que a personagem faz para se incluir nesse mundo novo acaba por custar muito a ela. E no final da obra, os personagens mesmo voltando a enxergar, ficam com um gosto amargo após toda a experiência vivida, como o homem que Platão tira da caverna, a visão retorna de repente para que tudo aquilo seja ressignificado.

Conclui-se que, na analogia proposta, o luto mal elaborado pela perda de algo tão precioso no dia-a-dia somado a incapacidade de enxergar e ressignificar os processos, aliados a toda a simbologia por trás do mal branco culminam na ruína daquela sociedade, um provável alerta de Saramago a quem quer que se aventure por sua obra original.

FICHA TÉCNICA

Ensaio sobre a cegueira

Título original: Blindness

País: EUA

Ano: 2008

Gênero: Thriller/Ficção científica

Direção: Fernando Meirelles

Elenco: Julianne Moore, Mark Ruffalo, Alice Braga

REFERÊNCIAS

CAMARGOS, Liliane. A psicanálise do olhar: do ver ao perder de vista nos sonhos, na pulsão escópica e na técnica psicanalítica. 2008.

FREUD, Sigmund. Luto e melancolia. Trad., introdução e notas /Marilene Carone. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

FREUD, Sigmund. Recordar, repetir e elaborar. Obras completas, v. 12, 1914.

KUBLER-ROSS, Elisabeth, 1926. Sobre a morte e o morrer; o que os doentes têm para ensinar a médicos, enfermeiros, religiosos e aos seus próprios parentes. 7ª ed.- São Paulo: Martins Fontes, 1996.

LOPES, Anchyses Jobim. Cabeça de Medusa: de Caravaggio a Freud e Lacan-sobre pintura e psicanálise. Estudos de Psicanálise, n. 51, 2019.

MESQUITA, Raquel. Inclusão na impossibilidade da educação: Uma proposta de intervenção psicanalítica. UFMG, 2017.

NAZARÉ, Bárbara; FONSECA, Ana; PEDROSA, Anabela Araújo. CANAVARRO, Maria Cristina.  Avaliação e Intervenção Psicológica na Perda Gestacional.  Peritia | Edição Especial: Psicologia e Perda Gestacional 2010.

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Batman v Superman: os heróis lidando com o trauma e a melancolia

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Em 2014, quando foi anunciado pela primeira vez o título oficial do filme Batman v Superman: A Origem da Justiça, previa-se um sucesso impactante na indústria de adaptações das histórias em quadrinhos. O filme é dirigido por Zack Snyder (de 300, Watchman e de seu antecessor Man of Steel) e chegou às telas do cinema mundial em março de 2016, tendo um elenco de peso com nomes como Ben Affleck, Henry Cavill, Gal Gadot e uma responsabilidade gigantesca quanto aos fãs de histórias em quadrinhos: retratar a Trindade Sagrada da DC Comics de um modo inovador e avassalador, além de apresentar a trama de toda uma sequência de filmes que se seguira até 2020.

No longa, Batman questiona a índole de Superman, e vê o Homem de Aço como uma ameaça a toda humanidade devido a seu poder demasiado grande; no meio do conflito dos dois heróis, o antagonista Lex Luthor manipula as peças para que tudo ocorra a seu favor e vontade. Com aproximadamente 151 minutos de duração em sua versão para as telonas, o filme ainda está em cartaz, por isso, se ainda não viu, corra para os cinemas, pois o texto contém Spoilers de alguns pontos cruciais para a trama.

A película foi um sucesso para muitos fãs e gerou polêmica nas mídias. A crítica ficou extremamente dividida entre ódio e amor profundo, notas boas ou extremamente ruins, mas esse texto não se trata de uma crítica e, sim, uma espécie de análise dos muitos pontos viáveis às mesmas que estão presentes no filme.

Superman

Ao analisar separadamente os protagonistas, destacar primeiramente o caso de Superman se faz necessário, levando-se em consideração o fato de Batman v Superman dar sequência a Man of Steel, filme que como mencionado antes também tem como diretor Snyder e busca nos recontar as origens do Homem de Aço. Para o entendimento completo da trama contada em Batman v Superman se faz necessário assistir Man of Steel.

Grande parte da humanidade admira Superman

Superman (Henry Cavill), ou para os mais fanáticos Kal-El, está a dezoito meses agindo como super-herói e vivendo sua vida dupla humana, usando a identidade do repórter Clark Kent, logo após a tentativa de invasão ao planeta Terra no filme anterior (Man of Steel). Ele voa por aí salvando vidas, apagando incêndios e tirando gatos de cima das árvores enquanto lá embaixo, em terra firme, o mundo lida com as consequências do salvamento do mundo, que com toda a certeza foi no mínimo conturbado – afinal, a cidade de Metrópoles foi praticamente dizimada por inteiro na luta entre Superman e Zod (o vilão de Man of Steel).

O Homem de Aço é uma figura controversa, em alguns momentos do filme ouvimos a frase: “Realmente precisamos do Superman? ”; A humanidade teme os poderes de Clark, teme sua capacidade e é aí que os conflitos se iniciam em sua mente. Ele se vê sozinho no universo, pois foi forçado a dizimar o que restava de sua espécie em detrimento do bem para a humanidade. Agora, sendo membro de uma raça em extinção, Clark se encontra em meio a um dilema entre seus poderes, a responsabilidade (ou a não responsabilidade) de usá-los para fazer o bem, a discordância quanto à ação do misterioso Morcego de Gotham e as pessoas que o rejeitam por medo dos ocorridos em Metrópoles – realmente não é todo dia que alguém destrói uma cidade com as próprias mãos.

Batman

As cenas iniciais de Batman v Superman nos mostram um velório, logo após isso vemos que uma criança está assistindo ao enterro dos pais – nesse momento decorre uma cena interessantíssima onde essa mesma criança cai em um buraco cheio de morcegos, guarde essa informação; em sequência há um salto no tempo e o espectador é lavado há alguns meses (dezoito meses) antes do tempo presente no filme, ali é possível observar a batalha ocorrida em Metrópoles por outra ótica.

Dessa vez o evento é mostrado pelos olhos das pessoas que estavam na cidade durante o embate, assistindo de perto a destruição causada pela luta entre Superman e Zod, e é nesse instante – cena que de certa forma chega a ser assustadora, pois da perspectiva de quem está nas ruas, os destruidores o fazem sem piedade – que nos é apresentado de fato o outro protagonista do filme, Bruce Wayne, o Batman (Ben Affleck). Bruce estava na cidade indo para uma das sedes de sua companhia, viu toda a destruição e o impacto negativo da salvação que o Homem de Aço estava trazendo.

Bruce durante a Batalha de Metrópoles

Bruce Wayne agiu em segredo por quase duas décadas como vigilante em Gotham no passado e para ele, mesmo Clark salvando o mundo, ele é o “miserável que trouxe a guerra a nós”. Bruce simplesmente não consegue confiar em Superman, pois para ele seu poder imensurável é instável e em sua mente ele tem o dever de combater esse ser que pode vir a se tornar uma ameaça. É nesse ponto que o filme se fundamenta, se enganando quem pensa que é uma luta injustificada, com muita computação gráfica e ação. Não, com toda certeza não: Batman v Superman retrata um conflito de ideais entre os protagonistas, conflito que visa colocar em xeque a opinião de quem está assistindo e percorre o filme de ponta a ponta.

Trauma e Melancolia

Para falar de fatos que marcariam a vida do Cavaleiro das Trevas é interessante analisar não só as cenas do filme, mas também olhar para a fonte de inspiração delas: as histórias em quadrinhos. Dependendo do autor ou no caso de filmes, o roteirista, existem diferenças tênues quanto ao passado de Bruce e a sua gênese como Batman. Porém, um fato é sempre recorrente: os pais dele morrem quando o mesmo era uma criança; Bruce a partir desse ponto passa a ser criado por seu mordomo Alfred, este que ocupa a função de mentor, guiando-o à medida que se desenvolve.

Bruce e Alfred 

Após a morte de seus genitores, ele fica obcecado por vingança. Com a ajuda desse novo mentor, treina durante o resto de sua infância e adolescência para poder combater o crime no futuro. Quando se torna adulto, começa então a agir como Batman, adota o símbolo do morcego, este se tratando de outro trauma – como dito anteriormente ele cai em uma espécie de buraco quando ainda era criança, lá é atacado por morcegos e esse episódio marca o jovem Bruce profundamente, fazendo-o levar esse medo consigo daí em diante.

Sigmund Freud, ao escrever sobre a melancolia, explica que ela

se caracteriza, em termos psíquicos, por um abatimento doloroso, uma cessação do interesse pelo mundo exterior, perda da capacidade de amar, inibição de toda atividade e diminuição da autoestima, que se expressa em recriminações e ofensas à própria pessoa e pode chegar a uma delirante expectativa de punição. (Freud, 1917)

Bruce Wayne do filme atuou como Batman secretamente por muitos anos e nos é mostrado como um sujeito melancólico e perturbado por todo o passado e as marcas em sua personalidade. Ele sofre de pesadelos com o túmulo dos pais, morcegos carnívoros gigantes, possíveis futuros apocalípticos como consequência da realização de suas paranoias, entre outras coisas que algumas vezes o fazem titubear na hora de pensar com clareza. Somando isso ao fato de ele rememorar constantemente a cena de seus pais morrendo – guarde essa informação também – tem-se como resultado um indivíduo que sofre psicologicamente com toda essa carga de conteúdos traumáticos em sua mente.

Um dos sonhos de Batman durante o filme, esse porém, tem um tom profético aos fãs

Agora tratando do Superman, em um panorama geral das mídias (quadrinhos e filmes), pode ser até uma surpresa para alguns, mas a história de Kal-El é tão pesarosa quanto a de Batman. Clark é o último filho de seu planeta, Krypton, que foi dizimado devido a um desastre natural. Antes de o planeta entrar em colapso seus pais o colocaram em uma espécie de espaçonave feita para viajar milhares de anos-luz, com o objetivo de chegar a Terra, onde foi achado por Jonathan e Martha Kent e batizado como Clark Kent. Aqui o jovem Clark cresceu, descobriu seus poderes e começa a agir como super-herói. Ele perde os pais terráqueos alguns anos depois; na versão mais recente das HQs em um acidente de carro e no filme Man of Steel, o Sr. Kent morre durante um tornado.

Momento da morte de Jonathan Kent, pai de Clark. Cena de “Man of Steel”

Em Bartman v Superman a origem dessa carga traumática na mente de Clark vem do filme anterior, pois ele foi forçado a dizimar os membros remanescentes de sua raça, em vista de que eles desejavam dominar o planeta e escravizar os humanos. A partir dali, quando a trama do filme atual se desenrola, ele se viu sozinho no Universo, mas ainda assim com um planeta inteiro de pessoas para ajudar, pessoas que passaram a depositar adoração messiânica nele, outras também que questionaram seus atos de boa-fé e o atacaram com palavras, chegando a despreza-lo e tentar o expulsar do planeta. O Superman desse filme é com toda a certeza o mais humano já retratado: ele sente angústia por ser injustiçado, sente raiva por falaram mal dele, sente amor por sua companheira Lois e por sua mãe de modo descomunal – e o que mais revoltou algumas pessoas – ele está sim sujeito a ser manipulado.

Clark e o vilão Zod, ao fim da Batalha de Metrópolis. Cena de Man of Steel

“Martha? Porque disse esse nome!?”

Bum, clímax do filme. O vilão Lex Luthor – não anteriormente citado, porém parte crucial da trama – capturou Martha Kent (Diane Lane) e atraiu Superman para sua armadilha, usando a vida de sua mãe como barganha. Lex força Clark a escolher entre a vida dela e a de Bruce Wayne. O tempo começa a correr para Clark, que só tem uma hora para resolver seu problema; em uma cena deletada do filme, que estará presente no Blu-ray estendido do mesmo, ele parte a procura de sua mãe antes do confronto e ouve todo o clamor, os gritos desesperados e qualquer possível sinal de crime ocorrendo na cidade naquele exato momento, porém o lado egoísta e humano pesa em sua escolha, o lado que faz com que decisões difíceis sejam tomadas e ele escolhe por confrontar Batman para assim salvar sua mãe.

Lex Luthor, subjugando Superman

Após uma tentativa de diálogo e os primeiros golpes desferidos por Batman, a luta se inicia e sem muita descrição sobre a mesma, Clark se contém durante a luta. Para não matar seu adversário que é um humano, Batman se utiliza de gás feito com Kryptonita, um mineral Kryptoniano nocivo para os seres do mundo de Clark e derrota seu adversário se aproveitando desta fraqueza. Do mesmo pedaço de mineral que usou para fazer o gás Bruce fez uma lança, único objeto capaz de matar Superman naquele momento.

Eis que nesse instante surge a frase que dividiu a opinião dos espectadores: “Salve a Martha”. Nesse momento Bruce hesita e começa a questionar sobre o que Clark queria dizer e o porquê de ter dito aquele nome. Lois chega e explica tudo a Bruce que em um lampejo de consciência entende a loucura que era essa briga entre os dois; entende que o real inimigo está lá fora. Eles unem forças para combater o verdadeiro mal por trás de tudo.

“Salve a Martha…”

Então o espectador se pergunta: é isso? Um diz o nome da mãe do outro e fica tudo na paz? – Bom, na verdade as coisas vão um pouco além disso. Se voltarmos na história de Batman, veremos que há algo em comum nos dois heróis, pois o nome da mãe de Bruce também é Martha – (Risos) Ah, melhor ainda? As mães deles têm o mesmo nome e a coisa se resolve assim, fácil? – Não exatamente, de novo.

Tente pensar como Bruce Wayne por um instante: Você é um homem que cresceu assombrado pelos fantasmas de seu passado, vive completamente atormentado pela morte de seus pais, e um estranho de repente fala um nome familiar, que você tem evitado por anos, um nome que relembra todo o seu sofrimento, te faz reviver toda a dor e o trauma de ver seus pais morrerem em sua frente. Até o mais sombrio dos heróis hesitou nessa hora e com uma solução aparentemente simples, mas com uma profundidade e um apelo sentimental tão grandes é que o antagonismo dos dois heróis tem seu desfecho.

Após outros diálogos e a aparição da Mulher Maravilha (Gal Gadot), um dos protagonistas tem sua trama concluída de certa forma ali. E baseado no famoso arco de histórias, “A Morte do Superman”, a terceira e última parte do filme se inicia. Após uma luta exaustiva entre a Trindade e o monstro Doomsday, o fim chega para Superman, que como nas HQs se sacrifica para derrotar o vilão indestrutível – mais uma pequena referência a toda a coisa messiânica que envolve o Homem de Aço.

O sacrifício final. Cena retirada de “A Morte do Superman”, por Dan Jurgens

Em conclusão, para Superman, o conceito de melancolia que melhor se aplicaria é o da filósofa brasileira Marcia Tiburi. Ela que trata da Melancolia como sinônimo de criação. A partir de um episódio melancólico desencadeado por todos os acontecimentos de sua vida até aquele momento, Clark vê iniciar-se um processo de destruição para que depois haja a criação. O filme se encaminha para o fim com Superman se entregando a destruição, após todo o desenrolar de fatos da película. É possível ver o ser inseguro, frágil e indócil, partir em direção a criatura que seria seu fim, para que um novo começo pudesse existir e no lugar dele, o Superman que todos conhecem – o estereótipo de herói, bondoso, certo de si e imparável – pudesse nascer das cinzas de um antigo eu.

REFERÊNCIAS:

FREUD, Sigmund, 1917. Luto e Melancolia. p.172-173.

TIBURI, Marcia, 2008. Saber e Sofrer. Disponível em <http://www.marciatiburi.com.br/textos/saberesofrer.htm>

Café Filosófico: Tristeza, por Márcia Tiburi. Programa disponível em <http://www.cpflcultura.com.br/wp/2013/07/29/tristeza-marcia-tiburi/ > – Acessado em 08/01/2015;

FICHA TÉCNICA DO FILME:

BATMAN VS SUPERMAN: A ORIGEM DA JUSTIÇA

Direção: Zack Snyder
Elenco: Ben Affleck, Henry Cavill, Jesse Eisenberg, Gal Gadot;
Ano: 2016
País: EUA
Classificação: 12

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