Trama Fantasma: luxo, poder e desamparo

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Concorre com 6 indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Direção (Paul Thomas Anderson), Melhor Ator (Daniel Day-Lewis), Melhor Atriz Coadjuvante (Lesley Manville), Melhor Trilha Sonora Original e Melhor Figurino

O novo filme de Paul Thomas Anderson, “Phantom Thread”, é sobre muitas coisas, desde roupas e perfeccionismo até café da manhã e relacionamentos. Mas talvez seja principalmente sobre poder, especialmente a forma de poder mais complexa, aquela que é construída nos relacionamentos amorosos. Há uma série de análises sobre esse filme na internet, algumas o interpretam como uma ode à masculinidade em seu estado mais tóxico, outros simplesmente aceitam-no como algo não categorizável, justamente por ser demasiado humano (para o bem e/ou para o mal).

Daniel Day-Lewis, no último filme de sua brilhante carreira, é Reynolds Woodcock, um gênio na arte de criar vestidos, um estilista que vive em Londres na década de 50 do século XX. Como alguns gênios, é mimado, orgulhoso e pouco empático. Descarta pessoas no café da manhã como se descartasse um croissant por não estar saboroso o suficiente. O mundo que lhe interessa é o universo de seus vestidos, que são artisticamente desenhados, milimetricamente construídos, em uma atmosfera que mais parece um idílico local de oração, com costureiras trajando branco em um silêncio profundo e cerimonioso.

A primeira cena de Woodcock no filme traz a figura de um homem magro, vestindo-se impecavelmente. Traz em destaque suas canelas frágeis, em contraste com sua figura poderosa e austera. No primeiro diálogo dele com sua irmã Cyril (Lesley Manville), que coordena seus negócios e direciona toda a parte prática de sua vida, mostra-nos uma característica que virá à tona em alguns momentos no filme, ainda que, por vezes, imperceptível como um fantasma, seu desamparo. Um desamparo que está na ausência da mãe, no equilíbrio doentio que busca através da convicção de que a sua arte é sua totalidade e na tranquilidade que venera.

Mas todo gênio precisa de uma musa. E a musa de Reynolds Woodcock surge em um restaurante de um hotel em uma cidade do interior, próxima a Londres, onde ele vai em busca de mais tranquilidade. A garçonete Alma (Vicky Krieps) e Woodcook tem seu primeiro embate quando este lhe faz um pedido no jantar (tão longo quanto as cenas de luta de um filme da Marvel). E tem quer ser um Daniel Day-Lewis para conseguir pedir bacon, geleia e salsichas com a profundidade de quem recita uma poesia barroca. Nessa cena, há, de forma sutil (ou não), um jogo de sedução. Ele, mostrando seu poder em cada pequeno gesto, ela deixando claro que, mesmo ruborizada, é confiante e quer participar daquele “duelo” .

Rhonda Richards-Smith, uma psicoterapeuta de Los Angeles e especialista em relacionamento, diz assim sobre sua primeira impressão da relação de Reynolds e Alma [1]:

A primeira coisa que notei foi que não havia fronteiras entre os dois em seu encontro inicial. Em qualquer relacionamento, se não há limites definidos no início em termos de como você espera ser tratado, muitas vezes o relacionamento pode sair dos trilhos. Às vezes, um parceiro irá invadir os limites do outro parceiro, e talvez é preciso redefinir esses limites em um momento posterior. Mas sempre é mais difícil redefinir esses limites depois de começar um relacionamento dessa maneira.

A relação sem limites, sem reflexão e necessária a ambos de forma orgânica passa por fases. Primeiro, a irritação, quando Reynold compreende que a sua musa não é etérea, nem tão pouco silenciosa. A cena do café da manhã, em que Paul Anderson exponencializa o som de cada ação de Alma, mostra-nos como Reynolds não é capaz de adaptar-se ao mundo dos outros, pelo contrário, todos que o rodeiam devem lhe dar o mundo que ele considera ideal. Sua tranquilidade é necessária à sua arte e sua arte, na percepção dele, parece ser maior que os outros, tão ordinários em sua simplicidade.

Mas há a segunda fase, em que começamos a entender o contexto através do olhar de Alma, que o ama, e acredita ser amada por ele com a mesma intensidade. Ela não deseja criar o equilíbrio, tão necessário ao mundo de Reynolds até então, pois isto lhe daria um Reynolds poderoso, frio, aparentemente completo. Ela quer provocar sua calmaria, envenenar sua indiferença, já que com isso o desamparo que pulsa em Reynolds, ainda que fantasmagoricamente, poderá vir à tona.

Entre vestidos maravilhosos, uma fotografia belíssima e uma música avassaladora, Paul Thomas Anderson constrói um filme complexo, um tanto na contramão dos grandes sucessos atuais. Não há um algoz nem uma vítima com limites totalmente definidos. Toda a história parece esconder uma trama fantasma, uma certa perversidade e um desamparo tão humanos. Cada um dos personagens em meio ao luxo que os cerca parece estar a um passo de provocar sua própria destruição. Ao invés de fugir disso, aceitam tal fato e, em alguns momentos, parecem até que o almeja. Ao final, um deles diz que a sensação de estar apaixonado desmistifica a vida. O que ele (ou ela) quis dizer com isso?  A interpretação depende dos fantasmas que cada um carrega consigo.

FICHA TÉCNICA

TRAMA FANTASMA

Diretor: Paul Thomas Anderson
Elenco: Daniel Day-Lewis, Vicky Krieps e Lesley Manville
Gênero: Drama
Ano: 2017

Referência:

[1] https://www.thecut.com/2018/01/dissecting-the-twisted-relationship-in-phantom-thread.html

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Três Anúncios para um Crime: surpreendente e contraditório

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Concorre com 7 indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Atriz (Frances McDormand), Melhor Ator Coadjuvante (Woody Harrelson e Sam Rockwell), Melhor Roteiro Original, Edição e Melhor Trilha Sonora.

“You’re enchained by your own sorrow
In your eyes there is no hope for tomorrow”.
-Abba, Chiquitita.

Três Anúncios Para um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri) é um filme estadunidense de 2017, com direção e roteiro do britânico Martin McDonagh. Com sete indicações ao Oscar 2018, a película traz uma trama envolvente e imprevisível, retratando de temas polêmicos, mas nem sempre fáceis de lidar em um longa de 1h 56min de duração.

Na trama, Mildred Hayes, vivida por Frances McDormand (Fargo), teve sua filha Angela Hayes (Kathryn Newton) estuprada e assassinada, sem que o culpado pelos crimes fosse encontrado pela polícia. Ao perceber o esquecimento da polícia quanto ao crime, Mildred aluga três outdoors em uma estrada pouco movimentada na cidade de Ebbing em Missouri, no Meio-Oeste dos Estados Unidos (como o título original do filme sugere). Nos outdoors a mãe cobra justiça após meses sem investigações, provocando o xerife local Bill Willoughby (Woody Harrelson).

O xerife vivido por Woody Harrelson é o segundo maior personagem na relação tríplice entre as principais personalidades do filme. O xerife que é apontado como culpado em letras garrafais por Mildred, vive com a culpa de não ter solucionado o crime e também tem de lidar com um câncer terminal, que o torna preocupado com o futuro de sua família. Mesmo sendo o alvo da mãe enfurecida, Bill é o único personagem da trama que compreende e defende Mildred, se contradizendo entre o comportamento machista e estúpido da polícia local e uma ternura paternal hipnótica.

Fonte: goo.gl/Vu3jHQ

Bill também serve de conselheiro e inspirador para o policial Jason Dixon (Sam Rockwell), o terceiro personagem no tripé de personalidades. Dixon é uma curiosa mistura de alívio cômico e vilão: homofóbico, machista e racista, e ao mesmo tempo infantil e reprimido.

Para cada personagem na relação tri-pessoal da trama há reviravoltas que nem os melhores “palpiteiros” de filmes poderiam prever, comportando a maior virtude do filme, com um realismo de humor irônico; mas também seu maior defeito, a escolha de temas muito delicados que não são tratados com tanta delicadeza.

O tema que serve de eixo central da trama se trata do estupro de Angela Hayes. O olhar cuidadoso do diretor torna o filme repleto de detalhes, um deles pode ser o easter egg em relação ao nome “Angela Hayes”, que também foi da personagem de Mena Suvari em Beleza Americana (1999), retratada como uma “sex symbol” menor de idade, cobiçada sexualmente pelo pai de família interpretado por Kevin Spacey (sim, polêmicas à parte).

Fonte: goo.gl/ou9xxL

A violência cometida contra Angela é claramente retratada no zeitgeist social de sua cidade através do filme, e da sociedade em geral, por isso um tema tão pertinente atualmente. De acordo com Sousa (2017), os estupradores agem apoiados sob discursos machistas difundidos até eles e por eles, de modo que se acredita no direito de poder sobre as mulheres de acordo com estereótipos de virilidade e masculinidade dentro da sociedade binária.

A violação sofrida pela filha de Mildred é fruto não só da covardia de um abusador, mas também do espírito de uma época, que faz vítimas no mundo todo através da cultura do estupro. Todas as mulheres retratadas na película sofrem algum tipo de violência, e são coagidas a não revidar.

Para Sousa (2017) esses valores são difundidos socialmente, revitimizando a mulher, que se colocaria nas ‘situações de risco’, tornando-a culpada por não seguir as regras de conduta que lhe são impostas desde o nascimento. Dessa maneira, deposita-se a responsabilidade na mulher sobre os atos de terceiros contra sua integridade sexual.

Fonte: goo.gl/12TDMV

A mudança

Com tantos fatores de coerção, a violência transgeracional na família de Mildred, cometida também pela polícia, só encontrou alguma mobilização quando a personagem canalizou sua raiva para a ação nos outdoors. Ação essa, que a fez vítima de várias retaliações, por acusar um homem, xerife, detentor do poder.

Em uma participação no programa Café Filosófico, a filósofa Márcia Tiburi elucida aspectos sobre o “Mito do Sexo”, fazendo reflexões sobre a condição feminina e a relação entre sexo e poder. Segundo Tiburi (2014), historicamente o homem assume a esfera pública enquanto à mulher se atribui fortemente a função reprodutiva, tornando, portanto, o homem detentor da “lei” e do poder atribuídos a uma imagem masculina. Tal dinâmica é retratada com maestria em Três Anúncios para um Crime, na figura da polícia e de todos os agentes da delegacia, que atuam propositalmente na destruição dos planos de Mildred.

Brilhantes atuações

As participações impecáveis que renderam indicações para Frances McDormand, Woody Harrelson e Sam Rockwell, são sustentadas por uma relação dualista entre agressividade e desamparo dos personagens. Mildred encontra um sentido em seu caos, Bill encontra um fim para seu sofrimento, mas o destaque de transformação fica com Dixon, que quase em uma licença poética se transforma como ser humano no último momento, em uma epifania de revelação da bondade que já estava dentro dele.

Fonte: goo.gl/gE2SKt

A pouca coerência de Dixon que em uma cena ouve a música Chiquitita do grupo ABBA (conhecido pelas suas musicas cheias de esperança e amor), e em outra age pra prejudicar Mildred no momento em que ela mais precisa de ajuda, alcança uma redenção quase cômica após um “insight”.

“Chiquitita, me diga o que há de errado
Você está acorrentada na sua tristeza
Nos seus olhos não há esperança para o amanhã.”

Qualquer prêmio que Três Anúncios para um Crime venha a receber não será nenhum tipo de surpresa, visto suas estrondosas atuações e as minuciosas direção e fotografia. A importância da representação de temas tão atuais como a cultura do estupro e violência contra a mulher é inegável, mérito de McDonagh e todo elenco do filme.

Porém, a maior incoerência da trama é sem dúvidas a falta de atores negros em papéis importantes. O filme vencedor de quatro Globos de Outro, rendeu um prêmio para Sam Rockwell, que interpretou o policial conhecido por ter espancado um homem negro que estava sob custódia, algo que deve ser pensado. Apesar da redenção de Dixon e da grande atuação de Rockwell, nada explica falta de atores negros em um filme que aborda preconceito racial. Apenas um ator negro em um papel pouco relevante, não é o que fará o Oscar deixar de ser branco. A mesma dinâmica se aplica à homofobia, mostrando cenas extremamente violentas, porém sem dar ênfase ao personagem Red Welby, com a atuação intrigante de Caleb Landry Jones.

Fonte: goo.gl/19VjNc

Esses e outros aspectos tornam Três Anúncios para um Crime contraditório. À medida que aborda temas extremamente relevantes e delicados em segundo plano, sem os tratar com a merecida atenção; a trama central se desenvolve bem, surpreendendo na profundidade das atuações e nas reviravoltas do roteiro. Surpreendente e contraditório.

Um bom filme que sem dúvidas merece ser assistido pelos leitores desse texto. Certamente chegarão aos seus próprios e novos entendimentos.

FICHA TÉCNICA


   TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME

Diretor:  Martin McDonagh
Elenco:  Frances McDormand, Woody Harrelson, Sam Rockwell
Gênero: Drama
Ano: 2018

Referências:

SOUSA, Renata Floriano de. Cultura do estupro: prática e incitação à violência sexual contra mulheres. Estudos Feministas, Florianópolis, 25(1): 422, janeiro-abril 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2017000100009&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 13 fev. 2018.

TIBURI, Márcia. O Mito do Sexo – In Café Filosófico (14:57 min). Campinas: CPFL Cultura, 2014. Disponível em <https://vimeo.com/71103337>. Acesso em: 13 fev. 2018.

 

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Crises geracionais em Logan

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Concorre com 01 indicação ao OSCAR:

Melhor roteiro adaptado

Estamos em 2029. Por que ainda estamos falando de mutantes? – responde uma voz no rádio para um entrevistado que afirma que a humanidade está dormindo. Esse é o ano e o cenário onde se passa o drama dos últimos dias de Logan.

Mais que um filme comum de herói cheio de efeitos, ação, explosões e aventuras; a adaptação de Logan para as telas traz uma violência mais crua, e nossos velhos e conhecidos heróis numa roupagem mais humanizada, com falhas morais, vícios, cansaço físico e psíquico, afetados por doenças, que sucumbem ao mesmo processo de envelhecimento de qualquer mortal.

A decisão acertada de não competir com “o exército de filmes inspirados em quadrinhos”, segundo o diretor James Mangold, levou o filme de ação para um outro patamar. O foco da história de Logan está muito mais nas emoções dos personagens do que na ação em si e isso fez toda a diferença.

Logan emociona por trazer a história de três gerações, por confrontar toda a vitalidade da juventude com o fim iminente dos idosos, onde tudo o que tinham lhes é tirado. Nessa história o velho “cavaleiro solitário”, que sempre fugiu da família mutante reunida por Xavier é exatamente o único que sobra para cuidar do velho nonagenário que já não controla mais seus poderes e, devido a uma doença degenerativa, tem convulsões e precisa tomar remédios que paralisam sua mente e suas ações.

“Você quer me castrar quimicamente” – acusa o debilitado Xavier a Logan enquanto este o obriga a tomar seus remédios. Como qualquer idoso Xavier sente suas perdas: o isolamento, o subaproveitamento, ou pior, a castração, de sua habilidades. Sua nova realidade se impõe de forma difícil, pois perde totalmente sua vida. E de uma posição de líder, passa a depender totalmente de um dos mutantes que nunca se sujeitou a viver sob sua liderança. Além disso, vê todo o seu poder inabilitado pelos remédio. Altman (2011, apud Bianchi, 1993), explica que o trabalho de aceitação da realidade da velhice “pode dar lugar a um sentimento de castração do sujeito em seu próprio ser, porque não é o outro que se vai perder, mas a si mesmo”.

https://goo.gl/icvFKz

O drama de Xavier respinga sobre Logan que é acusado de castrá-lo, e de ser a maior decepção de sua vida. A raiva e hostilidade vem da imposição da realidade que fere seu narcisismo e destrói suas fantasias de onipotência. Logan por sua vez, protege Xavier de informações que possam lhe trazer memórias aterradoras e cuida dele como um filho cuida de um pai. Um filho cansado é certo, e que também vive o luto de seu estilo de vida. Logan, desde que se tornou Wolverine, sempre fugiu da estrutura familiar a qual de repente lhe é imposta pela realidade.

Por não ter controle total de seus impulsos e instintos fere a si mesmo, tanto na realidade quanto simbolicamente, visto que suas garras o machucam sempre que a raiva o domina e, por essa mesma ausência de controle, acha melhor abster-se de relacionamentos para evitar ferir a outros emocionalmente.

O que Logan procura na verdade é proteger-se da perda e evitar a dor, e isso revela muito de uma personalidade pouco amadurecida, regida pelo princípio do prazer que busca sempre evitar a frustração. Entretanto, há o princípio da realidade, que se opõe diretamente a isto e confronta Logan, já envelhecendo com o fato de ser filho com responsabilidades de cuidar do pai, e também pai com responsabilidade de cuidar de uma criança. Sem qualquer possibilidade de abster-se de qualquer dos papéis, visto que não há mais ninguém que possa executar suas funções de filho ou de pai, Logan resiste e sofre, mas cede à realidade.

https://goo.gl/zLiqEU

Laura, a filha desconhecida de Wolverine traz ainda outra discussão à tona. Uma criança sem pai ou mãe, criada em laboratório a partir do código genético de um homem e uma barriga de aluguel que lhe possibilitou o desenvolvimento, é basicamente um clone de Logan.

Criada para ser uma arma de guerra sem vontade própria, ela encontra nas funcionárias do laboratório uma função materna que lhes projeta amor. Por outro lado a função paterna que impõe a lei e a castração não existe visto que apenas seus instintos são alimentados para que se torne cada vez mais violenta.

Ao encontrar Logan ela sofre a rejeição do pai e se torna resistente a ele. Entretanto o vínculo entre os dois se torna forte visto que a função paterna em Logan é exercida à medida que este se reconhece em Laura. O ver-se no outro remete ao próprio narcisismo e torna-se impossível desta forma abandonar a si mesmo. É essa dinâmica inconsciente que garante o amor e o cuidado dos pais pelos filhos.

https://goo.gl/XGy2vD

Laura provoca Logan.

Logan institui então os limites, provocando o amadurecimento de Laura e fazendo-a compreender as regras sociais necessárias para a sobrevivência em sociedade.

Mas percorrer esse caminho não é tão simples, a adolescente, por sua vez, provoca o pai de diversas formas resistindo à autoridade. Por outro lado, a rebeldia e a própria violência de Laura manifestam-se como um pedido de socorro por alguém que possa contê-la, por alguém que possa lhe ensinar a lidar com as próprias pulsões e que, em vez de repudiá-la por isso, possa apresentar a ela limites nos quais ela possa sentir-se segura, algo que Logan faz com maestria.

O filme demonstra ainda a importante função da fantasia na psique humana através de Xavier. É ele quem provoca o momento familiar onde finalmente sua paternidade é vivenciada dentro da realidade, com Logan chamando-o de pai e assumindo Laura como filha, passando-se por uma família comum e amorosa no ambiente de um lar.

“Sabe Logan, é assim que a vida deve ser: uma casa, pessoas que se amam, segurança. Por que não dá um tempo a si mesmo para sentir?” (Charles Xavier)

Mesmo que por alguns instantes, a vivência desta fantasia é suficiente para o desfecho de Logan que, por fim, decide levar Laura para seu destino, mesmo não acreditando que este seja um lugar imaginário. Afinal, como alertou Xavier em uma de suas últimas falas: “É real para Laura, Logan. É real para Laura.”

FICHA TÉCNICA

LOGAN

Diretor: James Mangold
Elenco: Boyd Holbrook, Dave Davis, Doris Morgado
Gênero: Ação
Ano: 2017


Referência:
ALTMAN, Miriam. O envelhecimento à luz da psicanálise. J. psicanal.,  São Paulo ,  v. 44, n. 80, p. 193-206, jun.  2011 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-58352011000100016&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  04  fev.  2018.

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“A Forma da Água” à luz do Encontro de Martin Buber

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Concorre com 13 indicações ao OSCAR:

Melhor filme, Melhor diretor, Melhor atriz (Sally Hawkins), Melhor roteiro original, Melhor ator coadjuvante (Richard Jenkins), Melhor Fotografia, Melhor Atriz coadjuvante (Octavia Spencer), Melhor Direção de arte, Melhor Figurino, Melhor Edição, Melhor Trilha sonora,
Melhor Mixagem de som, Melhor Edição de som

O filme de Guilhermo Del Toro, que recebeu treze indicações ao Oscar 2018, traz em seu enredo uma história de amor que acontece em tempos de guerra e preconceito, entre dois personagens marginalizados, de um lado Elisa (Sally Hawkins), uma muda com cicatrizes na garganta e zeladora de uma base militar do governo americano, que desenvolve pesquisas de novas tecnologias durante a Guerra Fria, e do outro um monstro marinho homem-anfíbio (Doug Jones), que fora capturado pelo governo para ser estudado e possivelmente utilizado como arma de guerra.

Elisa se propõe a aproveitar a vida minuciosamente desde a hora que acorda, fazendo suas atividades rotineiras como colocar uma música e aproveitá-la enquanto cozinha os ovos que levará para o lanche do trabalho, ou ao tomar seu banho, momento que tem um encontro com si mesma ao tocar-se. Desenvolve uma relação de companheirismo com seu vizinho Giles (Richard Jenkins), um designer que fora demitido após o advento da fotografia, ambos são solitários, no entanto, tem um ao outro em um laço de amizade. Além de contar com uma amiga no trabalho, Zelda (Octavia Spencer), que é sua parceira no decorrer das atividades realizadas durante o turno, ambas mantêm uma relação próxima de diálogo e compartilham suas angústias e alegrias.

Fonte: goo.gl/DTmfh4

Buber (2001) traz como a essência de seu pensamento a relação interpessoal, e o diálogo na atitude existencial do face a face, formas que permeiam a relação desses personagens. Entretanto, apesar dessas relações bem-sucedidas, Elisa ainda sente um vazio dentro de si, a falta de um amor. Nesse momento entende-se a clareza do pensamento do autor que diz que os sentimentos residem no homem, mas o homem habita em seu amor, dessa forma, torna-se possível a compreensão de que o amor se realiza entre o Eu e o Tu.

Certo dia solicitam a presença de Elisa e Zelda em determinado setor, para que fosse realizada a limpeza de um laboratório o qual estava sujo de sangue, devido a criatura que ali habitava ter arrancado os dedos de Strickland (Michael Shannon), o vilão que a havia capturado. Observa-se nesse aspecto entre o vilão e a criatura, o Eu-Isso de forma coisificada que segundo Buber (2001) marca a relação de pessoa a coisa, de sujeito a objeto, que no filme desdobrou-se em formas de utilização, dominação ou controle, já que a criatura era prisioneira, e submetida a tortura, além de ser vista com a finalidade de servir a interesses escusos.

Movida por sua curiosidade, Elisa buscava diariamente estratégias para estabelecer contato com a criatura, primeiro com música, depois com alimentos, utilizava a linguagem de sinais para explicar a criatura o que era cada coisa. À luz de Buber (2001) vemos o amor como uma força cósmica, o qual torna dois personagens totalmente diferentes em iguais, num genuíno encontro de amor entre mulher e criatura.

Fonte: goo.gl/9z17MF

Elisa planeja a retirada da criatura do laboratório e sua futura condução para o mar, para isso, conta com a ajuda de seus amigos, que apesar de acharem a ideia maluca e perigosa, assumem a responsabilidade e participam do evento, por verem o quanto a amiga se afeiçoara a criatura. Conta ainda com a ajuda do Doutor Robert Hoffesteller, o cientista que estudava a criatura no laboratório, e sabia que se ela permanecesse ali, em breve seria morta.

O encontro desses personagens exibe uma relação de congruência e genuinidade, tão certo que eles mergulham em ajuda mútua, em querer bem um ao outro. Nesse momento da trama, a criatura é levada a casa de Elisa, local onde ambos desenvolvem momentos de carinho, estreitando a relação vivendo experiências sexuais marcantes, o amor acontece entre criatura e mulher, num encontro mágico, no qual ambos se veem refletidos um no outro, no entanto, cientes de suas particularidades.

Com o tempo, a criatura passa a enfraquecer e Elisa resolve devolvê-la a água, para que o pior não viesse a acontecer. Enquanto isso, Strickland, o vilão que estava emplacado em uma busca incessante para recuperar a criatura, descobre que o monstro está escondido na casa de Elisa, mas ao chegar não os encontra, pois Elisa já o havia levado para ser devolvido ao mar.

Strickland alcança-os e atira na criatura que cai ao mar, e atira também em Elisa, no entanto, a criatura mágica após pouco tempo retorna da água com suas forças renovadas, ao ver Elisa caída vai ao encontro de Strickland e mata-o, abraça o corpo de Elisa e a leva para a água, no lugar de suas cicatrizes na garganta abrem-se guelras, os dois entrelaçam olhares enquanto a trama se encerra, dessa forma vemos um diálogo profundo que para Buber (2001) é voltar-se para o outro, para o mundo e, então, poder ver-se enquanto um eu e ao outro enquanto um tu.

FICHA TÉCNICA

A FORMA DA ÁGUA

Diretor: Guillermo Del Toro
Elenco: 
Sally Hawkins, Michael Shannon, Richard Jenkins, Octavia Spencer
Gênero: Ficção Científica
Ano: 2017

Referência:

BUBER, Martin. (2001). Eu e tu (8a. ed.). São Paulo: Centauro. (Originalmente publicado em 1923).

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Viva – A Vida é uma Festa: a influência da família na subjetividade

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Concorre com 2 indicações ao OSCAR:

Melhor Animação, Melhor Canção Original.

 

Lembre de mim, hoje eu tenho que partir

Lembre de mim, se esforce pra sorrir

O novo longa da Pixar, Viva – A Vida é uma Festa (Coco), é um filme de 2017 dirigido por Lee Unkrich, que surpreende pela estética encantadora e trilha sonora envolvente. A recente compra da Pixar pela Disney gera um filme com o melhor dos dois “mundos”, a leveza da Pixar e o grande apelo emocional da Disney.

O sonho do pequeno Miguel, de 12 anos, é se tornar um grande músico. Porém é reprimido por sua família, que repudia música devido a um abandono sofrido pela sua tataravó, que foi deixada com uma filha quando seu marido decidiu seguir seu sonho de uma grande carreira musical. Tudo isso em um contexto de uma pequena cidade do México, que celebra o “dia de los muertos”.

Fonte: https://goo.gl/zBf6gi

No México, o dia dos mortos é uma celebração que honra os falecidos no dia 2 de novembro. Acredita-se que nesse dia, os antepassados ganham permissão divina para visitar seus parentes. Por isso, a data é festejada com comida, bolos, festa, música, e as casas enfeitadas com flores, velas e incensos, e preparam as comidas preferidas dos que já partiram.

Após quebrar um porta-retrato, Miguel descobre uma foto de família incompleta de sua tataravó, faltando a figura do musico misterioso que a abandonou. Ao ver um violão familiar na fotografia, o jovem investiga e se convence que pertence ao seu cantor favorito: o magnífico Ernesto de La Cruz, um ícone nacional. Inspirado pela história de seu ídolo, Miguel decide se apresentar na praça da cidade em um festival de talentos em comemoração ao Dia dos Mortos, porém é retaliado por sua avó, que quebra seu violão. Para Peres (2005), as necessidades da criança seriam constituintes das emoções e motivariam o desenvolvimento, e por isso deveriam ser organizadas inicialmente na família por meio da comunicação entre os membros. Porém, isso seria dificultado devido aos vários modelos de família, influenciados por situações socioculturais.

Frustrado com o modelo imposto por sua família e desesperado, o jovem decide roubar o violão de quem acredita ser seu antepassado, De La Cruz, que fica em um memorial no cemitério. Invadindo o recinto, ele toca o violão, sendo surpreendido com uma grande reviravolta: ele passou para o mundo dos mortos. Surpreso com a nova forma, Miguel encontra seus parentes falecidos e descobre que a única forma de sair daquele mundo é com a benção de um parente. Sua tataravó decide lhe conceber a bênção, porém com a condição de que ele nunca mais se envolva com a música. Novamente, o garoto se encontra revoltado, mas dessa vez decidido a pedir a bênção a outro parente naquele mundo, o próprio Ernesto de La Cruz.

Fonte: https://goo.gl/7biQxa

A família é dinamicamente baseada em uma dicotomia, pois presa conservação e ao mesmo tempo, expansão (SAWAIA, 2005). Devido à necessidade de qualidade e sensibilidade nos seus vínculos, Sawaia (2005) aponta a afetividade como característica com um potencial perigo, uma vez que pode ser mantenedora de poder, tornando a ordem emocional algo político. Existem vários riscos, como a associação de amor com submissão; confusão de intimidade e democracia; e ainda idealizações da vida em família.

Os papéis iniciais assumidos pela criança na família, oriundos da afetividade necessária, seriam gradualmente diferenciados e singularizados e também se tornariam mais complexos. A formação da subjetividade seria dependente da afetividade, tornando as condutas dependentes do social. Portanto, a compreensão do caráter intersubjetivo dos papéis auxiliaria o desenvolvimento de um autoconceito, sendo a família um lugar de possível produção de subjetividades individuais, construindo um sujeito (PERES, 2005).

Fonte: https://goo.gl/fJiTQ8

Com a sua própria subjetividade em construção, Miguel encontra apoio na figura de De La Cruz, e a afetividade é o catalisador de sua motivação para se auto-desafiar. A instituição familiar se torna, portanto, um lugar de segurança e acalento ao indivíduo gerado nela, por meio de um atendimento mais atencioso e empoderador, favorecendo seu desenvolvimento.

Com muita música e um visual acalentador, Viva – A Vida é uma Festa pode arrancar lágrimas de qualquer um que o assista, pois salienta uma das capacidades mais nobres do ser humano: o amor.

Fonte: https://goo.gl/47js9L

FICHA TÉCNICA

                VIVA – A VIDA É UMA FESTA

Diretor:  Lee Unkrich
Elenco: Anthony Gonzalez, Gael García Bernal, Benjamin Bratt, Renée Victor;
Gênero: Fantasia
Ano: 2017

Referências:

PEREZ, Vannúzia L. A. O Estudo da Subjetividade na Família: Desafios Metodológicos. In: F. González Rey. (Org.). Subjetividade, Complexidade e Pesquisa em Psicologia. São Paulo: Thomson, 2005.

SAWAIA, B. B. Família e afetividade: a configuração de uma práxis ético-política, perigos e oportunidades. In COSTA, A; VITALE, M. (org). Família: redes, lações e políticas. 4 ed. São Paulo: IEE/PUC-SP e Cortez, 2005. p. 39 a 50.

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